APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5004810-64.2013.404.7004/PR
RELATOR | : | RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARIA JOSE BEZERRA DE LIMA |
ADVOGADO | : | JULIANO FRANCISCO SARMENTO |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI 8.742/93 (LOAS). ORIENTAÇÃO DO STF. REQUISITOS PREENCHIDOS.
1. A Constituição Federal exige apenas dois requisitos no tocante ao benefício assistencial de que trata o art. 203, V: (a) possuir o requerente deficiência incapacitante para a vida independente ou ser idoso, e (b) encontrar-se a família do requerente em situação de miserabilidade.
2. O requisito incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; (d) não pressupõe dependência total de terceiros; (e) apenas indica que a pessoa deficiente não possui condições de autodeterminar-se completamente ou depende de algum auxílio, acompanhamento, vigilância ou atenção de outra pessoa, para viver com dignidade.
3. Segundo decidiu o Supremo Tribunal Federal em 18/04/2013 (RE 567.985/MT e RE 580.963/PR) é inconstitucional a definição da miserabilidade com base no critério de ¼ do salário mínimo (§ 3º do art. 20 da LOAS), devendo a condição socioeconômica do requerente, situação fática, ser aferida no caso concreto.
4. Na mesma ocasião o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso). Segundo entendeu a Corte, restou caracterizada ofensa ao princípio da isonomia, pois aberta exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais por idosos, sem que contemplada a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário. Assim, incorreu o legislador em equívoco, pois, tratando-se de situações idênticas, deveria ser possível a exclusão do cômputo do benefício, independentemente de sua origem.
5. Preenchidos os requisitos legais, é devida a concessão do benefício assistencial à parte autora.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial e negar provimento às apelações, bem como manter a antecipação de tutela deferida, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 26 de maio de 2015.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7462184v2 e, se solicitado, do código CRC CD7D51D3. | |
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5004810-64.2013.404.7004/PR
RELATOR | : | RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARIA JOSE BEZERRA DE LIMA |
ADVOGADO | : | JULIANO FRANCISCO SARMENTO |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
MARIA JOSÉ BEZERRA DE LIMA ajuizou a presente ação ordinária contra o INSS, em 19/10/2013, objetivando a concessão do benefício assistencial, a contar da data do requerimento administrativo (27/11/2006).
Sentenciando, o MM. Juízo a quo deferiu a antecipação de tutela e julgou parcialmente procedente a demanda, condenando o INSS a conceder à autora o benefício assistencial desde a perícia judicial (06/05/2014), com o pagamento das parcelas vencidas devidamente corrigidas pelo INPC, desde os respectivos vencimentos, e com incidência de juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97. Por fim, fixou os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação, que, em razão da sucumbência recíproca, restaram integralmente compensados, e condenou a Autarquia ao ressarcimento dos honorários periciais.
Ambas as partes recorreram. O INSS, em suas razões, sustenta a falta de preenchimento dos requisitos legais, querendo a reforma integral da sentença. A autora, por sua vez, sustenta que o benefício deve ser pago desde a data do requerimento administrativo datado de 27/11/2006 ou 16/02/2009, postulando a reforma da sentença nesse ponto.
Por força do reexame necessário e sem as contrarrazões das partes, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7462182v2 e, se solicitado, do código CRC 5B0264DA. | |
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5004810-64.2013.404.7004/PR
RELATOR | : | RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARIA JOSE BEZERRA DE LIMA |
ADVOGADO | : | JULIANO FRANCISCO SARMENTO |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
VOTO
Dos requisitos para concessão do beneficio assistencial
Segundo estabelece o artigo 203, "caput", e inciso V, da Constituição Federal, "a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social", tendo por objetivos, dentre outros, "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei".
Regulamentando o dispositivo constitucional, a Lei n.º 8.742, de 07/12/1003 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), estabeleceu em seus artigos 20 e 38 (redação original):
"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.
§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício.
§ 6º A deficiência será comprovada através de avaliação e laudo expedido por serviço que conte com equipe multiprofissional do Sistema Único de Saúde (SUS) ou do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), credenciados para esse fim pelo Conselho Municipal de Assistência Social."
Art. 38. A idade prevista no art. 20 desta lei reduzir-se-á, respectivamente, para 67 (sessenta e sete) e 65 (sessenta e cinco) anos após 24 (vinte e quatro) e 48 (quarenta e oito) meses do início da concessão.
No que toca ao benefício deferido com base no requisito etário, deve ser observado o art. 38 sofreu alteração com a edição da MP 1.599-39, de 1997, e reedições (convertida na Lei nº 9.720/98, a qual também alterou parcialmente a redação do artigo 20 da LOAS), tendo sido determinado simplesmente que a idade mínima seria reduzida para 67 anos a partir de 01/01/98.
Posteriormente, o artigo 34 da Lei nº 10.741, de 01/10/03 (Estatuto do idoso) com vigência a partir de 01/01/04), estabeleceu que a idade mínima para a obtenção do benefício passava a ser de 65 anos.
Por fim, ocorreu o advento das Leis 12.435, de 06/07/2011 (publicada no DOU de 07/07/2011) e 12.470, de 31/08/2011 (publicada no DOU de 01/09/2011). A primeira revogou o artigo 38 da LOAS (que já havia sido derrogado pelo Estatuto do Idoso); ambas alteraram a redação do artigo 20 do mesmo Diploma, deixando-a nos seguintes termos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.(Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
Percebe-se da disciplina legal que a concessão de benefício assistencial em princípio é cabível para as pessoas com deficiência ou com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, desde que não possuam meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Algumas observações são necessárias quanto aos requisitos legais.
No que toca à deficiência, estabelece o § 2º do artigo 20 da LOAS que deve ser entendida como aquela que acarreta "impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas", entendido o longo prazo, nos termos do § 10 do mesmo dispositivo, como "aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos".
O conceito de deficiência, saliente-se, está intimamente ligado ao impedimento efetivo ou potencial para o exercício de atividade que garanta a própria subsistência.
Com efeito, a lei, e bem assim sua respectiva interpretação, não podem conduzir a um conceito restritivo de deficiência, pois um dos objetivos constitucionais que deve servir de base à organização da seguridade social, é o da universalidade da cobertura e do atendimento (Constituição Federal, art. 194, parágrafo único, inciso I).
A propósito, constando do comando constitucional (art. 203 da CF) que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, deve referida determinação ser observada como princípio hermenêutico ou, sob outro enfoque, como linha orientadora na interpretação dos demais dispositivos relativos à assistência social.
Não se pode perder de vista, ademais, que se trata o benefício de prestação continuada em discussão de direito fundamental, não só porque o art. 6º da Constituição Federal inclui entre os direitos sociais a assistência aos desamparados, mas principalmente porque o art. 203, inciso V, consagra expressamente a garantia de um salário mínimo mensal ao deficiente e ao idoso que se encontrem em situação de desamparo. E no âmbito das normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais, pode-se afirmar a existência de uma eficácia vinculante para todos os poderes públicos.
Do que foi exposto, a interpretação da locução "pessoa portadora de deficiência" (inciso V do art. 203) deve ser feita em um sentido amplo, jamais restritivo.
Com efeito, se se exigisse que para perceber o benefício assistencial deveria a possuir deficiência que a incapacitasse não só para o exercício de atividade laboral, como para todos os atos da vida, aquele se subsumisse na primeira hipótese (deficiência incapacitante para o trabalho) mas não na segunda (deficiência incapacitante para todos os atos da vida) ficaria completamente desprotegido da seguridade social - pois, evidentemente, não teria condições de ser segurado da previdência social - , em afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), ao objetivo da seguridade social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203, caput).
Assim, o requisito incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; (d) não pressupõe dependência total de terceiros; (e) apenas indica que a pessoa deficiente não possui condições de autodeterminar-se completamente ou depende de algum auxílio, acompanhamento, vigilância ou atenção de outra pessoa, para viver com dignidade.
Nesse sentido o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, § 2º DA LEI 8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE BASEADO APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPROPRIEDADE DO ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
I - A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cuidados frequentes de médico e psicólogo e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família - tem direito à percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade para a vida independente.
II - O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador.
III - Recurso desprovido.
(STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 01-07-2002)
No que se refere ao requisito econômico, segundo a disciplina legal (§ 3º, do art. 20 da LOAS), considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, revendo a posição que tomou por ocasião da apreciação da ADI 1.232/DF, decidiu em julgamento ocorrido em 18/04/2013 (RE 567.985/MT e RE 580.963/PR), que fere a Constituição o critério da renda familiar mensal previsto no § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993. Segundo a referida Corte, é inconstitucional a definição da miserabilidade com base no critério de ¼ do salário mínimo, devendo a condição socioeconômica do requerente, situação fática, ser aferida no caso concreto. A análise dos autos, portanto, é que vai determinar, no caso concreto, se o postulante de fato não possui meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família, o que deve ser aferido por todos os meios de prova admissíveis em direito, como a documental, testemunhal, e especialmente, mediante elaboração de laudo socioeconômico.
Deve ser salientado, ainda, no que toca ao requisito miserabilidade, que o Supremo Tribunal Federal, na mesma ocasião, declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS". Segundo entendeu o Supremo Tribunal Federal, o parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.741/03 violou o princípio da isonomia. Isso porque abriu exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais por idosos, mas não permitiu a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário. Assim, incorreu o legislador em equívoco, pois, tratando-se de situações idênticas, deveria ser possível a exclusão do cômputo do benefício, independentemente de sua origem.
Este Tribunal, a propósito, já vinha decidindo no sentido da desconsideração da interpretação restritiva do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, como se percebe dos seguintes precedentes: Apelação Cível 5001120-20.2010.404.7202, 6ª. Turma, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle; Apelação Cível 5000629-13.2010.404.7202, 5ª. Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira; AC 0012386-06.2011.404.9999, 5ª Turma, Relator Rogério Favreto.
Do caso concreto
No presente caso, no que tange à análise da prova referente ao requisito socioeconômico e à incapacidade da parte autora, a sentença da lavra do Juiz Federal Daniel Luis Spegiorin foi proferida nos seguintes termos (evento 62):
(...)
No caso concreto sob julgamento, a parte autora, nascida em 08.03.1980, atualmente, com 34 anos de idade, afirma que é portadora de "esquizofrenia" e, em virtude dessa doença, não possui condições de trabalhar.
Em razão da doença acometida pela parte autora, foi nomeado o médico psiquiatra, Dr. RODRIGO DOMINGUES UCHOA, para realizar a perícia médica, o qual fez as seguintes considerações iniciais em seu laudo pericial (LAU1 - evento '32'):
"Identificação da Pericianda
Pericianda: Maria Jose Bezerra de Lima
Sexo: feminino
Estado Civil: solteira
Profissão/função: agricultora
Data de Nascimento: 08/03/1980
Idade: 34 anos
Grau de instrução: primeiro grau incompleto
[...]
História da Moléstia Atual
Pericianda refere que há 8 anos iniciou com não fazia nada, não tomava banho ,não se arrumava e saia sem rumo ,iniciou tratamento ha 8 anos com melhora do quadro. Atualmente está em tratamento psiquiátrico em uso de medicação. Sua mãe refere que ela tomava 6 tipos de remédio e agora somente
Exame Físico Geral
Ao exame clinico geral a pericianda se encontra em bom estado geral, sem presença de deformações. Não apresenta lesões em face ou membros indicativas de quedas.
Sistema Nervoso:
Fundo dos olhos: pupilas isocóricas fotorreagentes.
Exame neurológico preservado, equilíbrio adequado.
Exame do Estado Mental:
Comparece ao exame acompanhada de sua mãe, com idade aparente compatível com idade cronológica, com compleição física normal, sem deformidade física, veste adequada, boa higiene pessoal, razoável cuidado da aparência, colaboradora.
Psicomotricidade sem alterações. Entende a natureza e a finalidade do exame demonstrando boa compreensão dos assuntos abordados. Fala pouco. Inteligência dentro dos limites da normalidade.
Capacidades mentais superiores prejudicadas (atenção, concentração e abstração). Vontade e pragmatismo discretamente diminuídos. Apetite bom e sono adequados para a idade.
Pensamento organizado. Ela não apresenta alterações de sensopercepcão, nem comportamento sugestivo da presença de alucinações.
Consciente. Memória remota, recente e imediata prejudicadas. Baixa auto-estima e ausência de ideação suicida.
Humor deprimido. Orientada no espaço e tempo. Tem critica consciente e capacidade de julgamento da realidade preservado.
[...] - grifo neste transcrito
Concluiu, dizendo que:
Sob a ótica psiquiátrica a Pericianda apresenta incapacidade para realizar suas atividades laborais com diagnostico de F20 (Esquizofrenia).
Há elementos na documentação médica atual apresentada e na perícia que comprove incapacidade TOTAL E TEMPORARIA, sugiro 12 meses para estabilização.
A data do inicio da doença foi há 8 anos, segundo a pericianda.
[...]
Ademais, confiram-se as respostas aos quesitos formulados (LAU1 - evento '32'):
[...]
4. Comparando a parte autora com uma pessoa saudável, com a mesma idade e
sexo, esclarecer quais restrições que esta (parte autora)sofre (sofreu) em decorrência da moléstia/deficiência/lesão que possui (possuía).
R>TOTAL PARA O LABOR.
5. Existe possibilidade de cura, controle ou minoração dos efeitos de tal moléstia/deficiência/lesão? Prestar esclarecimentos.
R>SIM.VIDE DISCUSSAO.
6. A parte autora necessita (necessitava) de cuidados médicos e/ou utilização de medicamentos de forma constante? Esclarecer as necessidades da parte autora.
R>SIM.
7. Com base na experiência do Sr. Perito, informar se a parte autora tem condições de realizar atos do cotidiano (ex. higiene, alimentação, vestuário, lazer, etc.). Prestar esclarecimentos.
R>SIM.VIDE DISCUSSAO.
8. A parte autora, em razão da moléstia/deficiência/lesão que possui (possuía), necessita (necessitava) da ajuda, supervisão ou vigilância de terceiros? Esclarecer quais são(foram) as necessidades da parte autora.
R>NAO.
9. De acordo com o que foi constatado, a parte autora pode ser enquadrada como:
e) Incapaz para o exercício de qualquer trabalho ou atividade que lhe garanta subsistência bem como para qualquer atividade do cotidiano;
[...]
11. Segundo o entendimento do Sr. Perito, informar qual é (foi) o percentual (%) de comprometimento da capacidade laborativa da parte autora? Durante quanto tempo permaneceu o percentual mencionado?
R>12 MESES.
[...]
13. Qual a data do início da doença a que está acometido o autor? Qual a data do início de sua incapacidade?
R>DID>HA 8 ANOS,SEGUNDO A PERICIANDA.
DII>06/05/2014, data da perícia, pois os atestados médicos não referem incapacidade laboral.
[...] - grifos neste transcrito
Pela simples leitura do laudo pericial, dessume-se que a doença da qual a parte autora é portadora há 08 anos gera incapacidade para o trabalho, impedindo sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, sobretudo porque suas capacidades mentais superiores (atenção, concentração e abstração), bem como sua memória remota, recente e imediata estão prejudicadas, sem falar na vontade e pragmatismo discretamente diminuídos, conforme constante do item - Exame do Estado Mental do laudo.
De acordo com as respostas do Sr. Perito, a parte autora possui incapacidade para o exercício de qualquer trabalho ou atividade que lhe garanta subsistência bem como para qualquer atividade do cotidiano. No entanto, apesar de total a incapacidade, ela é TEMPORÁRIA, conforme ressaltado no laudo pericial, sugerindo o Sr. Perito o prazo de 12 (doze) meses para estabilização.
Como é sabido, a esquizofrenia apresenta caráter crônico e irreversível, porém como se infere do laudo pericial, a moléstia pode ser estabilizada. No caso da autora, não há como fixar um prazo para sua devida estabilização, porquanto, como ressaltado pelo Sr. Perito no item "Discussão", no decorrer da doença, as recaídas são frequentes na maioria dos casos, e depende de uma série de circunstâncias. Assim, afigura-se necessário, como aludido no parecer ministerial do evento '40', a realização de perícias anuais para o acompanhamento da autora.
Diante desse quadro, considero que a parte autora preenche o requisito da deficiência previsto no caput e §2º do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, tendo em vista que, diante de sua condição mental, não tem aptidão de, por ora, por meio do desenvolvimento de atividade laboral regular, levar uma vida independente. Ademais, resta claro que a parte autora possui impedimentos de natureza mental e intelectual, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Quanto ao requisito da miserabilidade, a diligência realizada pela Sra. Oficiala de Justiça, conforme auto de constatação anexado no evento '30', comprova que a família da parte autora, composta por ela, pela mãe, TEREZA BEZERRA DE LIMA, pelo pai, CÍCERO HENRIQUE DE LIMA, e pelo irmão, ADELINO BEZERRA DE LIMA, residem, nos dias atuais, no Sítio Beija Flor, na Estrada Beija Flor, zona rural de Umuarama/PR, com água de mina, luz, estando a residência e muro em péssimo estado de conservação.
Conforme certificado pela Oficiala, inicialmente, dirigiu-se à Rua Tupã, 2469, Parque Tarumã, porém foi informada por um dos irmãos da autora que, em novembro de 2013, em virtude de problemas de convivência, a família mudara para uma "casinha" em um sítio, porque não podiam pagar um aluguel na cidade. Antes, como declarado na inicial, a autora morava com os pais e os três irmãos, Adelino, José Carlos e Sueli.
Ainda de acordo com o auto de constatação, a casa em que a autora agora mora é alugada por R$ 220,00, e tem aproximadamente 40 metros quadrados, é de madeira, antiga, contendo 02 (dois) quartos, 01 (um) banheiro, uma sala e uma cozinha, piso de cimento alisado, coberta com telha, sem forro, sem pintura externa e interna, com infiltrações em todo o telhado, e os móveis que a guarnecem são só os necessários e estão em mau estado de conservação. Ademais, não foi encontrado qualquer bem suntuoso ou de alto valor, demonstrando, assim, a vulnerabilidade social da família da autora.
A renda da família é composta ATUALMENTE apenas pelo salário percebido pelo irmão da autora, ADELINO BEZERRA DE LIMA, o qual, conforme extrato do CNIS juntado pelo INSS no evento '06' - CNIS1, é de aproximadamente R$ 1.045,00 (último salário-de-contribuição referente à competência de setembro/2013).
Nesse ponto, é importante ressaltar que o benefício assistencial ao idoso, percebido pelo pai da autora, CÍCERO HENRIQUE DE LIMA, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita, por aplicação do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 2003).
Nesse sentido, veja-se o recente precedente do TRF da 4ª região:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. MENOR DE IDADE. DEFICIÊNCIA E ESTADO DE MISERABILIDADE COMPROVADOS. SENTENÇA REFORMADA. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Inexistindo critério numérico atual tido por constitucional pelo Supremo Tribunal Federal para aferição da pobreza, e tendo sido indicado, no julgamento da Rcl. nº 4374, a razoabilidade de considerar o valor de meio salário mínimo, conforme as Leis nº 10.836-04 (Bolsa Família), 10.689-03 (Programa Nacional de Acesso à Alimentação) e 10.219-01 (Bolsa Escola), tal parâmetro deve ser utilizado como balizador para aferição do estado de miserabilidade. 2. Não há impedimento à concessão de benefício assistencial de prestação continuada a menor de idade. 3. Tendo restado demonstrados a deficiência e o estado de miserabilidade, é de ser reformada a sentença para conceder à parte autora o benefício assistencial, desde a data do requerimento administrativo. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 0008259-54.2013.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 05/08/2013 - grifo neste transcrito)
Assim, inexistindo critério numérico atual tido por constitucional pelo STF, como referencial econômico para aferição da pobreza, e tendo sido indicada a razoabilidade de considerar o valor de meio salário mínimo per capita, utilizado pelos programas de assistência social no Brasil, tal parâmetro também deve ser utilizado como balizador para aferição da miserabilidade para efeitos de concessão do benefício assistencial, conjugado com outros fatores indicativos da situação de hipossuficiência econômica.
Na esteira desse entendimento, considerando o número de membros da família da parte autora que residem atualmente na casa aludida acima e a renda mensal familiar advinda do salário percebido pelo irmão da autora, ADELINO, no valor aproximado de R$ 1.045,00, tal como visto acima, e operada a exclusão do valor da aposentadoria da mãe da demandante, a renda mensal per capita é de R$ 209,00 (duzentos e nove reais), configurando-se, assim, a situação de risco social necessária à concessão do benefício.
Portanto, adotando-se o valor de meio salário mínimo como razoável critério numérico, conforme indicado no julgamento da Rcl. n.º 4374, impõe-se o deferimento do pedido de concessão do benefício assistencial à parte autora, porquanto a situação de miserabilidade está claramente presente e assola essa família.
Ademais, é possível constatar que a renda auferida se revela insuficiente para o sustento da parte autora e de sua família com a dignidade preceituada pelo artigo 1.º, inciso III, da Constituição Federal, considerando-se as despesas mensais fixas com aluguel, supermercado e farmácia, persistindo a chamada miserabilidade.
Por fim, considerando o disposto no laudo pericial, na resposta ao item '13', de que os atestados médicos apresentados ao perito não referem incapacidade laboral, tem-se que o início da incapacidade da autora deve ser fixado em 06.05.2014, data em que fora realizada a perícia médica.
(...)
Por conseguinte, comprovada a incapacidade da parte autora para o trabalho, bem como a situação do risco social em que vive, é de ser mantida a sentença que reconheceu o direito ao benefício assistencial, desde a data da perícia judicial em 06/05/2014 (evento 32), tendo em vista as conclusões do expert, rejeitando-se as apelações das partes nesse ponto.
DOS CONSECTÁRIOS
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
a) CORREÇÃO MONETÁRIA:
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam:
- ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64);
- OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86);
- BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89);
- INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91);
- IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92);
- URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94);
- IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94);
- INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95);
- IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC (a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91, e REsp n.º 1.103.122/PR).
Entendia a 3ª Seção deste Tribunal que a contar de 30/06/2009, data em que passou a viger a Lei nº 11.960/09, de 29/06/2009, publicada em 30/06/2009 (a qual alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97), deveria haver, para fins de atualização monetária, a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica aplicados à caderneta de poupança.
Não são aplicáveis, todavia, no que toca à correção monetária, os critérios previstos na Lei nº 11.960/2009, que modificou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, por conta de decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, que apreciou a constitucionalidade do artigo 100 da CF, com a redação que lhe foi dada pela EC 62/2006. Essa decisão proferida pela Corte Constitucional, além de declarar a inconstitucionalidade da expressão "na data de expedição do precatório", do §2º; dos §§ 9º e 10º; e das expressões "índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança" e "independente de sua natureza", do §12, todos do art. 100 da Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 62/2009, por arrastamento, também declarou inconstitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960, de 29.07.2009 (atualização monetária pelo índice de remuneração da poupança).
Impõe-se, pois, a observância do que decidido com efeito erga omnes e eficácia vinculante pelo STF nas ADIs 4.357 e 4.425, restabelecendo-se, no que a sistemática anterior à Lei nº 11.960/09, ou seja, apuração de correção monetária pelo INPC.
De fato, em razão do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/09, foram expungidas do ordenamento jurídico no que toca à correção monetária, a qual, como sabido, constitui acessório, sobre o qual pode e deve o órgão julgador deliberar. Eliminada do mundo jurídico uma norma legal em razão de manifestação do Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade, não pode subsistir decisão que a aplique, pois está em confronto com a Constituição Federal. Deve, portanto, haja vista os fundamentos constitucionais expostos, ser feita a adequação da correção monetária.
Irrelevante, registre-se, ausência de publicação dos acórdãos referentes às ADIs 4.357 e 4.425. Como já decidiu o plenário do STF ao apreciar o RE 634250AgR/PB, Rel. Min. Joaquim Barbosa, concluído o julgamento, viável "o cumprimento imediato da decisão, independente da publicação do acórdão." A propósito, o Supremo Tribunal Federal já está aplicando o precedente firmado no julgamento da ADIs mencionadas, como se percebe do seguinte precedente:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE OFICIAL DE REMUNERAÇÃO BÁSICA DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA DOS DÉBITOS FAZENDÁRIOS SUJEITOS AO REGIME DE EXECUÇÃO INSCRITO NO ART. 100 DA CF/88 - DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 12 DO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 62/2009 - DIRETRIZ JURISPRUDENCIAL FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
(RE 747727AgR/SC. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 06/08/2013. Órgão Julgador: Segunda Turma)
No corpo do voto proferido no RE 747727 AgR/SC acima referido o Relator, Ministro Celso de Mello, consigna inclusive que o entendimento expresso nas ADIs já referidas "vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito do Supremo Tribunal Federal (RE 747.697/SC, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI - RE 747.702/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - RE 747.706/SC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - RE 747.733/SC, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI - RE 747.738/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, v.g.)".
Registro, até para fim de prevenir possíveis embargos de declaração, que o afastamento de uma norma inconstitucional, com a aplicação correta do direito ao caso concreto, não caracteriza julgamento fora dos limites do pedido ou da devolução operada, ou muito menos pode, em tese, implicar, "reformatio in pejus", mormente no que toca a consectários, em relação aos quais sequer há necessidade de postulação da parte para que possa o Judiciário se manifestar.
A propósito, não há como se afirmar no caso em apreço a caracterização de "reformatio in pejus", pois esta constatação envolve avaliação da repercussão econômica do que decidido, e, no que toca ao índice de correção monetária, isso só é concretamente viável quando liquidado o julgado. Com efeito, a variação dos índices de correção monetária é apurada mês a mês, mas a atualização monetária de determinado valor é feita com base em todo o período a ser considerado, de modo que não há como se afirmar aprioristicamente que a adoção deste ou daquele indexador em determinado período possa caracterizar prejuízo para uma das partes.
De qualquer sorte, para fins de prequestionamento, esclareço que esta decisão não caracteriza ofensa ao disposto nos 128, 460, 503 e 515, todos do CPC, e 27 da Lei nº 9.868/99, ou mesmo contraria a Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça.
Registro, por fim, que eventual alegação de desconformidade desta decisão com precedentes de outra Corte deve ser solvida pela via processual adequada.
b) JUROS DE MORA
Até 29/06/2009 os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de 30/06/2009, por força da Lei n.º 11.960, de 29/06/2009 (publicada em 30/06/2009), que alterou o art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97, para fins de apuração dos juros de mora haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança. Registre-se que a Lei 11.960/09, segundo o entendimento do STJ, tem natureza instrumental, devendo ser aplicada aos processos em tramitação (EREsp 1207197/RS. Relator Min. Castro Meira. Julgado em 18/05/2011).
Observo que as decisões tomadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não interferiram com a taxa de juros aplicável às condenações da Fazenda Pública, consoante entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do RESP 1.270.439. Com efeito, como consignado pela Ministra Eliana Calmon no julgamento do MS 18.217, "No julgamento do REsp 1.270.439/PR, sob a sistemática dos recursos repetitivos, esta Corte, diante da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 1º-F da Lei 9.494/99 no que concerne à correção monetária, ratificou o entendimento de que nas condenações impostas à Fazenda Pública após 29.06.2009, de natureza não tributária, os juros moratórios devem ser calculados com base na taxa de juros aplicáveis à caderneta de poupança".
c) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
No caso, a sentença deve ser adequada aos parâmetros acima, para que seja limitada às parcelas vencidas até a sentença. Porém, quanto à compensação de tal verba, à míngua de insurgência da parte autora no ponto, é de ser mantida a decisão singular.
d) CUSTAS PROCESSUAIS: o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
e) HONORÁRIOS PERICIAIS: diante da sucumbência do INSS, impõe-se a sua respectiva condenação ao pagamento dos honorários periciais.
Da Antecipação de Tutela
É de ser mantida a antecipação de tutela deferida, uma vez presentes os requisitos da verossimilhança do direito, pelos fundamentos acima elencados, e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, este decorrente do caráter alimentar do benefício.
Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à remessa oficial e negar provimento às apelações, bem como manter a antecipação de tutela deferida, nos termos da fundamentação.
Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 26/05/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5004810-64.2013.404.7004/PR
ORIGEM: PR 50048106420134047004
RELATOR | : | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos de Castro Lugon |
PROCURADOR | : | Dr. Alexandre Amaral Gavronski |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARIA JOSE BEZERRA DE LIMA |
ADVOGADO | : | JULIANO FRANCISCO SARMENTO |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 26/05/2015, na seqüência 411, disponibilizada no DE de 07/05/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES, BEM COMO MANTER A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DEFERIDA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON |
Lídice Peña Thomaz
Diretora de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Diretora de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7581404v1 e, se solicitado, do código CRC 3BFC8220. | |
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