Apelação Cível Nº 5004827-35.2020.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: PAULINO BRAZ (AUTOR)
ADVOGADO: LILIANE DA SILVA BLOS (OAB RS091489)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, em que foram julgados parcialmente procedentes os pedidos, com dispositivo de seguinte teor:
Ante o exposto, indefiro a tutela de urgência e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, resolvendo o mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do NCPC, para:
a) declarar que o trabalho, de 01/11/1983 a 01/08/1986, 08/10/1986 a 22/06/1988, 03/04/1989 a 25/06/1990, 19/11/1990 a 01/03/1993, 30/03/1993 a 20/02/1995, 08/03/1995 a 11/12/1997, 11/02/1999 a 09/06/1999, 19/07/1999 a 10/02/2000, 03/07/2000 a 09/07/2009, 01/10/2014 a 30/09/2015, foi prestado em condições especiais e que a Parte Autora tem direito a, se o caso, vê-lo convertido para tempo comum;
b) determinar ao INSS que averbe o tempo reconhecido como especial;
c) determinar ao INSS que conceda, em favor da parte autora, o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/184.569.706-2), a contar da DER/DIB (31/08/2017), com DIP no primeiro dia do mês da efetiva implantação e RMI a ser calculada pelo Instituto réu, na sistemática de cálculo mais benéfica;
d) condenar o INSS a pagar as parcelas vencidas e não pagas, decorrentes da concessão da aposentadoria, desde a DER, as quais deverão ser corrigidas da seguinte forma:
Até 08/12/2021, a correção monetária, devida desde o vencimento das parcelas, deverá observar o INPC (Tema 905 do STJ), sendo que os juros de mora devem corresponder aos juros da poupança, a contar da citação (RE 870.947/SE, do STF). A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente (art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021).
Fica diferida para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo do salário de benefício, se ou não com a consideração dos salários de contribuição anteriores a julho de 1994, devendo ser observado o que vier a ser decidido pelo STF. Na hipótese do julgamento não estar incluído, o cálculo do salário de benefício deverá, num primeiro momento, ocorrer com base nos salários partir de 07/1994, assegurado o pagamento de eventuais diferenças em caso de acolhimento da tese.
Diante da sucumbência recíproca das Partes, que reputo equivalente, condeno-as a arcarem com honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o montante devido até a data desta sentença (artigo 85, §§ 2º e 3º, inciso I, do Novo Código de Processo Civil c/c Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF4), cabendo a cada parte arcar com metade do valor em favor do advogado da outra, não sendo compensáveis os montantes. A condenação da Parte Autora, contudo, fica suspensa em função da gratuidade da justiça.
Deixo de condenar as partes em custas diante da isenção concedida pelo artigo 4º, incisos I e II, da Lei n.º 9.289/1996.
As partes deverão, ainda, ressarcir à Seção Judiciária do Rio Grande do Sul o valor dos honorários periciais requisitados, na proporção de 50% (cinquenta por cento) cada, ficando suspensa a exigibilidade da condenação da Parte Autora em virtude da gratuidade da justiça.
Apelou o INSS sustentando não ter sido comprovado o exercício de labor especial nos períodos de 01/11/1983 a 01/08/1986, de 08/10/1986 a 22/06/1988, de 03/04/1989 a 25/06/1990, de 19/11/1990 a 01/03/1993, de 30/03/1993 a 20/02/1995, de 11/02/1999 a 09/06/1999, de 19/07/1999 a 10/02/2000 e de 03/07/2000 a 09/07/2009, ante a impossibilidade de utilização de laudo por similaridade para comprovação de exposição a ruído superior ao limite de tolerância legal, pela não comprovação de que a exposição a agentes quimicos ocorria de forma habitual e permanente, bem como não demonstrado o nível de concentração dos agentes químicos, assim como que o PPP para ser válido e considerado como meio de prova é necessário que indique corretamente o responsável técnico pelos registros ambientais no período controvertido. Subsidiariamente, pleiteou pelo reconhecimento da prejudicial de prescrição quinquenal das parcelas anteriores ao ajuizamento da demanda, bem como o prequestionamento da matéria aduzida para fins recursais.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
MÉRITO
Não estando o feito submetido ao reexame necessário, a controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao reconhecimento da especialidade das atividades desenvolvidas nos períodos de 01/11/1983 a 01/08/1986, de 08/10/1986 a 22/06/1988, de 03/04/1989 a 25/06/1990, de 19/11/1990 a 01/03/1993, de 30/03/1993 a 20/02/1995, de 11/02/1999 a 09/06/1999, de 19/07/1999 a 10/02/2000 e de 03/07/2000 a 09/07/2009;
- à consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da DER (31/08/2017);
- prescrição.
Da atividade especial
O ponto controvertido foi assim analisado na decisão recorrida:
"(...)
Períodos reconhecidos como especiais
Empresa: CALÇADOS JUBILEU S.A – sucedido por STRASSBURGER S.A IND. E COMÉRCIO e ELDORADO INDUSTRIA E COMERCIO DE CALÇADOS LTDA |
Períodos: 01/11/1983 a 01/08/1986 |
Função e setor: Serviços Gerais Oficina (CTPS) |
Provas:
CTPS: Evento 1, CTPS3, Página 4 Laudo pericial similar Brasil Estilo (processo 5002205-32.2010.404.7108)-Evento 1, LAUDO8, Página 1 Declarações: Evento 18, DECL3, Página 1 Comprovante de situação cadastral: Evento 1, SITCADCNPJ7, Página 1; Evento 1, SITCADCNPJ7, Página 2 |
Conclusão:
Conforme a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no que diz respeito à atividade exercida pelos serviços gerais na indústria calçadista, "é consabido que na indústria calçadista os operários são contratados como serviços gerais, mas que a atividade efetiva consiste no trabalho manual do calçado, em suas várias etapas industriais" (TRF4 5018883-49.2015.4.04.7108, de 2019; em sentido similar APELREEX 0003978-21.2014.4.04.9999, de 2018). Em relação aos agentes nocivos, "é notório ainda que sempre há uso da cola para a industrialização dos seus produtos. Os vapores da cola são hidrocarbonetos aromáticos e alifáticos que causam tontura, dor de cabeça, náuseas, tosse, ardência nos olhos, além de outros problemas de saúde ao trabalhador. Ademais, esse tipo de indústria também precisa de produtos químicos e vários outros insumos que contêm na sua composição diversos agentes nocivos à saúde" (TRF4 5018883-49.2015.4.04.7108, de 2019; em sentido similar APELREEX 0003978-21.2014.4.04.9999, de 2018). Portanto, está comprovada a especialidade do período. |
Empresa: STRASSBURGER S.A IND. E COMÉRCIO e ELDORADO INDUSTRIA E COMERCIO DE CALÇADOS LTDA |
Períodos: 08/10/1986 a 22/06/1988 |
Função e setor: Serviços Gerais de Corte (CTPS) |
Provas:
CTPS:Evento 1, CTPS3, Página 5 Declarações: Evento 18, DECL4, Página 1 |
Conclusão:
Conforme a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no que diz respeito à atividade exercida pelos serviços gerais na indústria calçadista, "é consabido que na indústria calçadista os operários são contratados como serviços gerais, mas que a atividade efetiva consiste no trabalho manual do calçado, em suas várias etapas industriais" (TRF4 5018883-49.2015.4.04.7108, de 2019; em sentido similar APELREEX 0003978-21.2014.4.04.9999, de 2018). Em relação aos agentes nocivos, "é notório ainda que sempre há uso da cola para a industrialização dos seus produtos. Os vapores da cola são hidrocarbonetos aromáticos e alifáticos que causam tontura, dor de cabeça, náuseas, tosse, ardência nos olhos, além de outros problemas de saúde ao trabalhador. Ademais, esse tipo de indústria também precisa de produtos químicos e vários outros insumos que contêm na sua composição diversos agentes nocivos à saúde" (TRF4 5018883-49.2015.4.04.7108, de 2019; em sentido similar APELREEX 0003978-21.2014.4.04.9999, de 2018). Portanto, está comprovada a especialidade dos períodos. |
Empresa: STRASSBURGER S.A IND. E COMÉRCIO e ELDORADO INDUSTRIA E COMERCIO DE CALÇADOS LTDA |
Períodos: 03/04/1989 a 25/06/1990 |
Função e setor: Cortador e Outros Serviços (CTPS) |
Provas:
CTPS:Evento 1, CTPS3, Página 5 Laudo técnico similar -Evento 1, LAUDO9, Página 1 Declarações: Evento 18, DECL4, Página 1 |
Conclusão:
Embora a parte autora não tenha apresentado formulário DSS-8030, comprova que a empresa se encontra inativa. A anotação na CTPS é contemporânea ao período em que a atividade foi desenvolvida e contém a indicação de que a parte requerente trabalhava na função de cortador. Diante disso, cumpre verificar a viabilidade da aplicação de laudo similar, como requerido na inicial. Pois bem. A parte demandante acostou aos autos laudo similar elaborado pela empresa DOUBLEXX IND. DE CALÇADOS LTDA, o qual deve ser incorporado a estes autos como prova emprestada. O documento em questão menciona que o segurado que trabalha como cortador está sujeito a ruído excessivo, superior a 80dB. Portanto, está comprovada a especialidade do período. |
Empresa: CALÇADOS CENTENÁRIO LTDA |
Períodos: 19/11/1990 a 01/03/1993 |
Função e setor: Aprendiz de corte (CTPS) |
Provas:
CTPS: Evento 1, CTPS3, Página 6 Formulário: DSS 8030-Evento 1, PROCADM6, Página 9 (emitido pelo sindicato) Laudo técnico similar DOUBLEXX IND. DE CALÇADOS LTDA-Evento 1, LAUDO9, Página 1 Comprovante de situação cadastral - baixada: Evento 1, SITCADCNPJ7, Página 2 |
Conclusão:
Restou comprovada a inatividade da empresa, de modo que é possível a utilização de laudo similar. Considerando que o laudo similar indica que, para as funções que eram exercidas pela parte autora, havia exposição a ruído superior a 80 dBA, está comprovada a especialidade do período. |
Empresa: IRMÃOS MULLER S/A - INDUSTRIA E COMERCIO |
Períodos: 30/03/1993 a 20/02/1995 |
Função e setor: Cortador de Forro (CTPS) |
Provas:
CTPS: Evento 1, CTPS3, Página 6 Formulário: DSS 8030- Evento 1, PROCADM6, Página 10 (emitido pelo sindicato) Laudo técnico similar DOUBLEXX IND. DE CALÇADOS LTDA-Evento 1, LAUDO9, Página 1 Comprovante de situação cadastral - baixada: Evento 1, SITCADCNPJ7, Página 4 |
Conclusão:
Restou comprovada a inatividade da empresa, de modo que é possível a utilização de laudo similar. Considerando que o laudo similar indica que, para as funções que eram exercidas pela parte autora, havia exposição a ruído superior a 80 dBA, está comprovada a especialidade do período. |
...
Empresa: OFF ROAD’S CALCADOS LTDA |
Períodos: 11/02/1999 a 09/06/1999 |
Função e setor: Cortador (CTPS) |
Provas:
CTPS: Evento 1, CTPS3, Página 8 Formulário: DSS 8030- Evento 1, PROCADM6, Página 13 (emitido pelo sindicato) Laudo técnico similar DOUBLEXX IND. DE CALÇADOS LTDA-Evento 1, LAUDO9, Página 1 Comprovante de situação cadastral - baixada: Evento 1, SITCADCNPJ7, Página 7 |
Conclusão:
Restou comprovada a inatividade da empresa, de modo que é possível a utilização de laudo similar. Considerando que o laudo similar indica que, para as funções que eram exercidas pela parte autora, havia exposição a ruído superior a 90 dBA, está comprovada a especialidade do período. |
Empresa: MILTON DA ROSA VENKER |
Períodos: 19/07/1999 a 10/02/2000 |
Função e setor: Cortador (CTPS) |
Provas:
CTPS: Evento 1, CTPS3, Página 8 Formulário: DSS 8030- Evento 1, PROCADM6, Página 14 (emitido pelo sindicato) Laudo técnico similar DOUBLEXX IND. DE CALÇADOS LTDA-Evento 1, LAUDO9, Página 1 Comprovante de situação cadastral - baixada: Evento 1, SITCADCNPJ7, Página 8 |
Conclusão:
Restou comprovada a inatividade da empresa, de modo que é possível a utilização de laudo similar. Considerando que o laudo similar indica que, para as funções que eram exercidas pela parte autora, havia exposição a ruído superior a 90 dBA, está comprovada a especialidade do período. |
Empresa: RP INDUSTRIA DE CALCADOS E ARTEFATOS LTDA |
Períodos: 03/07/2000 a 09/07/2009 |
Função e setor: Cortador (CTPS) |
Provas:
CTPS: Evento 1, CTPS3, Página 9 Formulário: DSS 8030- Evento 1, PROCADM6, Página 15 (emitido pelo sindicato) Laudo técnico similar DOUBLEXX IND. DE CALÇADOS LTDA-Evento 1, LAUDO9 Comprovante de situação cadastral - baixada: Evento 1, SITCADCNPJ7, Página 9 |
Conclusão:
Restou comprovada a inatividade da empresa, de modo que é possível a utilização de laudo similar. Considerando que o laudo similar indica que, para as funções que eram exercidas pela parte autora, havia exposição a ruído superior a 90 dBA, está comprovada a especialidade do período. |
Empresa: KBS INDUSTRIA DE CALCADOS LTDA |
Períodos: 13/04/2011 a 31/08/2017 |
Função e setor: Cortador / corte (PPP e CTPS) |
Provas: CTPS: Evento 1, CTPS3, Página 10 Formulário: PPP- Evento 1, PROCADM6, Página 19; Evento 18, PPP5, Página 1 Laudos técnicos da empresa: Evento 26 - LAUDO2-7 Outras: Ficha de Controle de EPI- Evento 18, FICHA_EPI6, Página 1 Laudo pericial: Evento 57, LAUDOPERIC1 |
Conclusão: Em face da divergência dos níveis de ruídos informados nos laudos técnicos e da oscilação nos níveis de ruído informados no PPP, foi determinada a realização de perícia técnica. Na ocasião, o perito concluiu que o autor, no exercício da função de cortador de couro, estava exposto a ruído médio de 80,6dBA, sendo o contato com parafina não representa risco potencial. De fato, é notório que a parafina utilizada para a lubrificação de navalhas está em forma sólida, a qual não apresenta risco potencial ao trabalhador. Importante mencionar que o termo “parafinas” citado no Código 1.0.7 do Decreto 3.048/99 (“utilização de óleos minerais e parafinas”) refere-se as parafinas em forma líquida quimicamente similares aos óleos minerais. As parafinas sólidas, comumente usadas em velas e giz de cera, não são nocivas ao ser humano. Destarte, resta afastada a especialidade do interregno. Por outro lado, considerando que os levantamentos realizados pela empresa são, ao contrário da perícia técnica, contemporâneos a cada períodos em que o autor exerceu suas atividades, tenho que, considerando os levantamentos constantes dos formulários, é possível reconhecer a exposição do autor a ruído excessivo no intervalo de 01/10/2014 a 30/09/2015. Nos demais períodos, os níveis de ruído apurados pela empresa são compatíveis com aqueles verificados por ocasião da perícia técnica. Assim, determino o enquadramento do período de 01/10/2014 a 30/09/2015. |
(...)"
Com relação aos riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos - tóxicos orgânicos e inorgânicos - , diferentemente do que ocorre com alguns agentes agressivos, como ruído, calor, frio ou eletricidade, não dependem, segundo os normativos aplicáveis, de análise quanto ao grau ou intensidade de exposição no ambiente de trabalho para a configuração da nocividade e reconhecimento da especialidade do labor para fins previdenciários, especificamente quando o contato é MANUAL e não apenas AÉREO.
Quanto a exigência de comprovação da exposição habitual e permanente do segurado a agentes nocivos para fins de caracterização da especialidade de suas atividades foi introduzida pela Lei n.º 9.032/95, razão pela qual, para períodos anteriores a 28-04-1995, a questão perde relevância.
Em relação aos intervalos posteriores a 28/04/1995, registro que a habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei n.º 9.032/95, não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, devendo ser interpretada no sentido de que tal exposição é ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual, ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível. A propósito do tema, os seguintes precedentes da Terceira Seção deste Tribunal: EINF n. 0003929-54.2008.404.7003, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24/10/2011; EINF n. 2007.71.00.046688-7, Terceira Seção, Relator Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07/11/2011.
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF4, EINF n. 2005.72.10.000389-1, Terceira Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 18/05/2011; TRF4, EINF n. 2008.71.99.002246-0, Terceira Seção, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08/01/2010).
Deve-se lembrar, ainda, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
Em relação ao labor prestado junto a empresas calçadistas, em cargo de denominação genérica, como serviços gerais ou semelhante, impõe-se avaliar se é possível a utilização de laudo pericial por similaridade para aferição das condições ambientais do labor.
Ainda que haja excessiva generalidade da função registrada, a dificultar a delimitação das específicas atribuições do segurado, é fato registrado nos inúmeros laudos de empresas do ramo, que nesse tipo de local de trabalho os operários contratados como serviços gerais desenvolvem atividades inerentes à cadeia produtiva dos calçados, em suas várias etapas industriais, laborando, portanto, em ambiente fabril e, por consequência, expondo-se aos agentes nocivos presentes no setor. Em diversas dessas hipóteses registra-se, inclusive, como fator ínsito à cadeia produtiva de calçados, a exposição a hidrocarbonetos.
Merece relevo, ainda, a circunstância de que grande número de indústrias calçadistas encontra-se atualmente desativada, razão por que a utilização de prova técnica por similaridade representa, em muitos casos, o único meio disponível ao segurado para comprovar a especialidade de suas atividades.
Nesse sentido vêm decidindo as turmas da 3ª Seção (APELREEX n.º 0025291-38.2014.404.9999, 6ª Turma, Relatora Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene; APELREEX n.º 5000373-67.2015.4.04.7211, 5ª Turma, Relator Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz; AC n.º 0016220-41.2016.4.04.9999, 6ª Turma, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira; AC n.º 0008531-43.2016.4.04.9999, 5ª Turma, Relator Juiz Federal Francisco Donizete Gomes; APELREEX n.º 0013644-12.2015.4.04.9999, 5ª Turma, Relator Des. Federal Roger Raupp Rios).
Impõe-se, assim, reconhecer, no caso, a especialidade do labor prestado no período em que a parte autora laborou junto à empresa calçadista.
Agente Nocivo Ruído
Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, o Quadro Anexo do Decreto n. 53.831, de 25-03-1964, o Quadro I do Decreto n. 72.771, de 06-09-1973, o Anexo I do Decreto n. 83.080, de 24-01-1979, o Anexo IV do Decreto n. 2.172, de 05-03-1997, e o Anexo IV do Decreto n. 3.048, de 06-05-1999, alterado pelo Decreto n. 4.882, de 18-11-2003, consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, respectivamente, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1, nos termos abaixo:
Até 05-03-1997:
1. Anexo do Decreto n. 53.831/64 - Superior a 80 dB;
2. Quadro I do Decreto n. 72.771/73 e Anexo I do Decreto n. 83.080/79 - Superior a 90 dB.
De 06-03-1997 a 06-05-1999:
Anexo IV do Decreto n. 2.172/97 - Superior a 90 dB.
De 07-05-1999 a 18-11-2003:
Anexo IV do Decreto n. 3.048/99, na redação original - Superior a 90 dB.
A partir de 19-11-2003:
Anexo IV do Decreto n. 3.048/1999 com a alteração introduzida pelo Decreto n. 4.882/2003 - Superior a 85 dB.
Embora a redução posterior do nível de ruído admissível como prejudicial à salubridade tecnicamente faça presumir ser ainda mais gravosa a situação prévia (a evolução das máquinas e das condições de labor tendem a melhorar as condições de trabalho), pacificou o egrégio Superior Tribunal de Justiça que devem limitar o reconhecimento da atividade especial os estritos parâmetros legais vigentes em cada época (RESP 1333511 - Min. Castro Meira, e RESP 1381498 - Min. Mauro Campbell).
Revisando jurisprudência desta Corte, providência do Colegiado para a segurança jurídica da final decisão esperada, passa-se a adotar o critério da egrégia Corte Superior, de modo que é tida por especial a atividade exercida com exposição a ruídos superiores a 80 decibeis até a edição do Decreto 2.172/97. Após essa data, o nível de ruído considerado prejudicial é o superior a 90 decibeis. Com a entrada em vigor do Decreto 4.882, em 18.11.2003, o limite de tolerância ao agente físico ruído foi reduzido para 85 decibeis (AgRg no REsp 1367806, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, vu 28-05-2013), desde que aferidos esses níveis de pressão sonora por meio de perícia técnica, trazida aos autos ou noticiada no preenchimento de formulário expedido pelo empregador.
Ademais, "O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço." (Tema STJ 1083).
Quanto ao método de aferição do agente nocivo ruído, esta Corte Regional tem posicionamento segundo o qual a utilização de metodologia diversa da prevista na NHO-01 da FUNDACENTRO não inviabiliza o reconhecimento da especialidade, bastando que a exposição esteja embasada em estudo técnico realizado por profissional habilitado para tanto (AC 5015224-47.2015.4.04.7200, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, em 19/09/2019; AC 5001695-25.2019.4.04.7101, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, em 06/08/2020; AC 5003527-77.2017.4.04.7129, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, em 08/07/2020).
No que tange à alegação de inexistência de responsável técnico pelos registros ambientais no período controvertido, tenho que não merece prosperar, pois consta o nome do profissional habilitado (ev. 18 - PPP5 - pg. 3) e a assinatura do representante legal, estando a prova adequada.
Assim, fica mantida a sentença.
Do direito à aposentadoria
Mantido o tempo de serviço, fica inalterada a sentença quanto ao direito ao benefício.
Transcorridos menos de cinco anos entre a DER (31/08/2017) e o ajuizamento da ação (27/03/2020), inexistem parcelas prescritas a serem declaradas.
Honorários advocatícios
Negado provimento ao recurso do INSS, deve ser observada, em cumprimento de sentença, a majoração de 50% da verba honorária fixada na origem, pela incidência do §11 do artigo 85 do CPC.
Registro que, não havendo apelo no ponto, resulta mantida a condenação da parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, observada a suspensaão da exigibilidade em decorrência da AJG concedida.
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Resulta, todavia, facultada à parte autora a possibilidade de renúncia à implantação do benefício ora determinada.
Dados para cumprimento: (X) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | 184.569.706-2 |
Espécie | 42 - aposentadoria por tempo de contribuição |
DIB | 31/08/2017 |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício |
DCB | Não se aplica |
RMI | a apurar |
Observações |
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Por fim, na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Requisite a Secretaria da 6ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
Conclusão
Honorários advocatícios em desfavor do INSS majorados nos termos do §11 do artigo 85 do CPC. Nos demais pontos, mantida a sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício, via CEAB.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003557365v17 e do código CRC 72f8bbbf.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 30/11/2022, às 20:10:3
Conferência de autenticidade emitida em 07/12/2022 04:00:58.
Apelação Cível Nº 5004827-35.2020.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: PAULINO BRAZ (AUTOR)
ADVOGADO: LILIANE DA SILVA BLOS (OAB RS091489)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS RUÍDO E HIDROCARBONETOS. PROVA técnica SIMILARIDADE. NÍVEIS DE CONCENTRAÇÃO DOS AGENTES QUÍMICOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO.
1. A exposição a hidrocarbonetos aromáticos e a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância vigentes à época da prestação do labor enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial.
2. Admite-se a prova técnica por similaridade para verificação das condições de trabalho da parte autora quando inviável a aferição direta, desde que em estabelecimento de condições semelhantes àquelas onde o segurado laborou originariamente.
3. Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos não dependem, segundo os normativos aplicáveis, de análise quanto ao grau ou intensidade de exposição no ambiente de trabalho para a configuração da nocividade e reconhecimento da especialidade do labor para fins previdenciários.
4. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a submissão contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Não se interpreta como ocasional, eventual ou intermitente a exposição ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Precedentes desta Corte.
5. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de novembro de 2022.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003557366v3 e do código CRC 291d0304.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 30/11/2022, às 20:10:3
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 23/11/2022 A 30/11/2022
Apelação Cível Nº 5004827-35.2020.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: PAULINO BRAZ (AUTOR)
ADVOGADO(A): LILIANE DA SILVA BLOS (OAB RS091489)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 23/11/2022, às 00:00, a 30/11/2022, às 14:00, na sequência 580, disponibilizada no DE de 11/11/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal PAULO PAIM DA SILVA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/12/2022 04:00:58.