Apelação Cível Nº 5021917-85.2022.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: FABIANO BECKER (AUTOR)
ADVOGADO(A): ARLETE TERESINHA MARTINI (OAB RS019286)
ADVOGADO(A): Tânia Cristina Schneider (OAB RS040838)
ADVOGADO(A): MOZARTH MARTINI SPIER (OAB RS083253)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, em que foram julgados parcialmente procedentes os pedidos, com dispositivo de seguinte teor:
Em face do exposto, com fundamento no art. 487, I do CPC, julgo parcialmente procedente o pedido, resolvendo o mérito para:
- Reconhecer que os trabalhos exercidos nos períodos de 24/03/1992 a 12/11/2019 se enquadram dentre aqueles de natureza especial;
- Determinar ao INSS que conceda ao(à) autor(a) benefício previdenciário nos seguintes termos:
DADOS PARA CUMPRIMENTO: (X) CONCESSÃO ( ) RESTABELECIMENTO ( ) REVISÃO | |
NB | 194.204.289-0 |
ESPÉCIE | aposentadoria especial |
DIB | DER (07/02/2022) |
DIP | Após o trânsito em julgado |
DCB | inaplicável |
RMI | A apurar |
- Condenar o INSS a pagar ao(à) autor(a), após o trânsito em julgado, a importância decorrente da presente decisão, resultante da soma das parcelas retroativas a DER até a data da efetiva implantação do benefício reconhecido acima, cujo montante deverá ser acrescido de juros e correção monetária, até o efetivo pagamento, nos moldes acima definidos.
Tendo em conta os critérios dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC, inexistindo por ora motivo a ensejar diferenciado tratamento e majoração do percentual, condeno a parte ré a pagar honorários advocatícios em favor da parte autora fixados no percentual mínimo de cada uma das faixas de valor no § 3° daquele preceito, aplicando-se a evolução tratada no § 5º, a incidir sobre o valor da condenação a ser apurado quando da futura liquidação da sentença (inciso II do § 4º do art. 85 c/c o art. 509), esclarecendo que a base de cálculo da verba honorária compreenderá apenas a soma das prestações vencidas até a data de publicação desta sentença (Súmulas n. 76 do TRF-4 e 111 do STJ). Deverá a parte ré, ainda, arcar com o pagamento das custas processuais, dispensado o seu pagamento, consoante o art. 4º da Lei n. 9.289/96, sem prejuízo de eventual da obrigação de reembolsar a parte autora, nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo legal.
Verificada sucumbência mínima da parte autora, aplica-se o par. único do art. 86.
Na hipótese de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões e, após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos termos do art. 1.010 do CPC. Suscitada em contrarrazões questão resolvida na fase de conhecimento, intime-se o apelante para, em 15 (quinze) dias, querendo, manifestar-se a respeito, a teor do art. 1.009, §2°, do CPC.
Sem reexame necessário, porquanto o proveito econômico obtido na causa não supera 1.000 (mil) salários mínimos (art. 496, §3º, I, do CPC).
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Apelou o INSS sustentando não ter sido comprovado o exercício de labor especial nos períodos reconhecidos em sentença, referiu que com a existência de formulário preenchido pela empresa inativa, não se pode privilegiar o laudo por similaridade
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Mérito
Não estando o feito submetido ao reexame necessário, a controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao reconhecimento da especialidade das atividades desenvolvidas nos períodos de 24/03/1992 a 12/11/2019;
- à consequente concessão de aposentadoria especial, a contar da DER (07/02/2022).
Da atividade especial
A r. sentença proferida pelo MM. Juiz Federal Selmar Saraiva da Silva Filho bem analisou as questões controvertidas, devendo ser mantida por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir, in verbis:
"(...)
Box Print Ltda. | ||
Período: | 24/03/1992 a 12/11/2019 | |
Cargo/função: | auxiliar de matrizaria/matrizeiro | |
Setor: | matrizaria | |
Provas: | DSS-8030/PPP | PPP (Evento 1 - PROCADM9, p. 23) |
Laudo Técnico |
| |
Laudo Similar/ empresa inativa | Evento 1, LAUDO8 | |
Enquadramento: | Atividade |
|
Agente Nocivo | Conforme laudo similar, ruído de 104,99 dB
Código 1.1.6 do Quadro a que se refere art. 2º do Decreto n. 53.831 - DOU 30/03/1964 Cód. 1.1.5 do Anexo I/II do Decreto n. 83.080 - DOU 29/01/1979 Cód. 2.0.1 do Anexo IV do Decreto n. 2.172 - DOU 06/03/1997 Cód. 2.0.1 do Anexo IV do Decreto n. 3.048/99 - DOU 07/05/1999 | |
Inviabilidade de Enquadramento: |
|
(...)"
Acerca da utilização de prova técnica por similaridade para verificação das condições de trabalho do segurado, a jurisprudência tem admitido tal prova nos casos em que demonstrada a inviabilidade de perícia direta na empresa onde ocorreu a prestação do labor, a exemplo das hipóteses de inativação.
Contudo, assiste razão ao INSS em sua apelação. Regularmente preenchido o PPP, com medição e quantificação de ruído, inviável desconsiderá-lo em favor de medição oriunda de laudo em empresa similar unilateralmente acostado.
Por outro lado, ainda de acordo com o PPP, verifica-se que o segurado sempre exerceu a mesma atividade em mesmo setor, e a medição de ruído referente ao período de 20/12/2016 a 21/12/2017 aponta ruído superior a 85dB. Sendo irrazoável presumir involução das condições laborais, é possível estender a medição mais recente aos períodos mais remotos, creditando-se a variação pretérita a imprecisões de aferição.
Deste modo, merece provimento a apelação do INSS tão somente para afastar a especialidade com base em agente nocivo ruído de 05/03/1997 a 18/11/2003, quando o limite de ruído exigido caracterização da especialidade era de 90dB.
A especialidade, contudo, é mantida na integralidade do vínculo, em decorrência da exposição à poeira de madeira, constatada no PPP.
Quanto à possibilidade de reconhecimento da natureza especial do labor exercido sob exposição a poeiras de madeira, transcrevo trecho do voto de lavra da Desembargadora Federal Salise Monteiro Sanchotene, na AC nº 5000808-41.2010.4.04.7203, julgada em 14/12/2016:
"(...)
A poeira oriunda do beneficiamento da madeira, seja nas serrarias ou na indústria moveleira, é prejudicial ao trabalhador e enseja o reconhecimento da atividade como especial, desde que a ela exposto de modo habitual e diuturno em sua jornada de trabalho. Embora, a rigor, possa haver alguma dificuldade em enquadrá-la como agente químico ou orgânico típico, trata-se de agente patogênico com características físicas, químicas e biológicas, e o sistema do organismo mais comumente lesado pelo contato é o trato respiratório. Por ser partícula relativamente grande, sua inalação frequente pode provocar dermatite de contato no delicado tecido das vias aéreas superiores e no sensibilíssimo tecido pulmonar. A literatura médica relata com frequência a incidência de alergias, asma e pneumonia por irritação, em que a inflamação do pulmão e bronquíolos dá-se não em razão da presença de agentes químicos em si, mas pela intromissão do agente físico irritante em local desprovido de qualquer resistência. Isto se dá de forma gradativa, escapando, no mais das vezes, à atenção do trabalhador. Os sintomas podem surgir de forma mais rápida se o indivíduo inalar a poeira de madeira pela boca. Assim, o processo lesivo ao organismo nem sempre é aparente, constituindo-se, no mais das vezes, em tosses secas crônicas, dificuldade respiratória, bronquite crônica, rinites, entre outros, podendo evoluir, com o tempo, para doença pulmonar obstrutiva crônica, quando seus efeitos maléficos tornam-se mais evidentes e, em geral, irreversíveis.
Em suma: a poeira de madeira provoca, ao longo dos anos, redução da função pulmonar, em maior ou menor escala, conforme o indivíduo. Ademais, o pó de madeira também pode ser veículo para agentes químicos tóxicos (presentes em tintas, solventes e outros) e biológicos (fungos), igualmente agressivos ao trato respiratório. Nestes casos, em geral a asma é a patologia mais frequente, e tem natureza alérgica. Portanto, as atividades exercidas sob as condições acima descritas ensejam seu reconhecimento como especial, desde que demonstrada a exposição por meio de laudo técnico.
Comprovada a agressividade do agente e o malefício à saúde do trabalhador, pela exposição continuada ao longo da jornada de trabalho, o reconhecimento da especialidade pode ser feito mesmo sem enquadramento nos decretos regulamentadores, pois seu rol não é exaustivo. De qualquer sorte, podendo ser veículo de agentes químicos e biológicos, e mesmo tóxicos, cabe enquadrar a poeira de madeira sob os Códigos 1.2.11 do Anexo do Decreto 53.831/64, e 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
Nesse sentido os precedentes desta Corte, v. g.: Apelação/Reexame Necessário nº 00213525020144049999, Rel. Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, D.E. 05/08/2016; Apelação/Reexame Necessário nº 5013425-26.2011.404.7000, Rel. Des. Federal Celso Kipper, julgado em 24/07/2013.
(...)”.
Dessa maneira, considerando que a sujeição a poeiras de madeira implica graves danos à saúde do trabalhador, o reconhecimento da natureza especial do labor é medida que se impõe, inclusive em observância à Súmula n.º 198 do extinto TFR, uma vez que caracterizada a insalubridade das atividades.
Do direito ao benefício
Mantido o tempo de serviço, fica inalterada a sentença quanto ao direito ao benefício.
Honorários advocatícios
Em 26/08/2020, foi afetado pelo STJ o Tema 1059, com a seguinte questão submetida a julgamento: "(Im)possibilidade da majoração, em grau recursal, da verba honorária estabelecida na instância recorrida, quando o recurso for provido total ou parcialmente, ainda que em relação apenas aos consectários da condenação".
Ainda que não determinada a suspensão dos feitos neste grau de jurisdição, mas considerando a necessidade de evitar prejuízo à razoável duração do processo, a melhor alternativa, no caso, é diferir, para momento posterior ao julgamento do tema, a decisão sobre a questão infraconstitucional afetada, sem prejuízo do prosseguimento do feito quanto aos demais temas, evitando-se que a controvérsia sobre consectários possa produzir impactos à prestação jurisdicional principal.
Assim, deverá ser observado pelo juízo de origem, oportunamente, o que vier a ser decidido pelo tribunal superior quanto ao ponto.
Tutela específica - implantação do benefício
Possível desde logo a determinação de implantação do benefício, sem prejuízo da respectiva cessação, caso o INSS verifique que o segurado permaneceu ou retornou ao exercício de atividade especial, nos termos da decisão do STF no tema 709.
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Resulta, todavia, facultada à parte autora a possibilidade de renúncia à implantação do benefício ora determinada.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Implantar Benefício |
NB | 1942042890 |
ESPÉCIE | Aposentadoria Especial |
DIB | 07/02/2022 |
DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES |
Por fim, na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Requisite a Secretaria da 6ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
Conclusão
Parcialmente provido o apelo do INSS para afastar a especialidade com base em agente nocivo ruído de 05/03/1997 a 18/11/2003, embora mantido o cômputo do intervalo como especial, por força de agentes nocivos diversos.
Majoração da verba honorária diferida nos termos da fundamentação.
Nos demais pontos, mantida a sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício, via CEAB.
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Apelação Cível Nº 5021917-85.2022.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: FABIANO BECKER (AUTOR)
ADVOGADO(A): ARLETE TERESINHA MARTINI (OAB RS019286)
ADVOGADO(A): Tânia Cristina Schneider (OAB RS040838)
ADVOGADO(A): MOZARTH MARTINI SPIER (OAB RS083253)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS RUÍDO POEIRA DE MADEIRA. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONCESSÃO.
1. A exposição a poeira de madeira e a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância vigentes à época da prestação do labor enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial.
2. A poeira oriunda do beneficiamento da madeira, seja nas serrarias ou na indústria moveleira, é prejudicial ao trabalhador e enseja o reconhecimento da atividade como especial. Precedentes desta Corte.
3. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à obtenção de aposentadoria especial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e determinar a implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de dezembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004251911v5 e do código CRC 81a073c9.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/12/2023 A 13/12/2023
Apelação Cível Nº 5021917-85.2022.4.04.7108/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: FABIANO BECKER (AUTOR)
ADVOGADO(A): ARLETE TERESINHA MARTINI (OAB RS019286)
ADVOGADO(A): Tânia Cristina Schneider (OAB RS040838)
ADVOGADO(A): MOZARTH MARTINI SPIER (OAB RS083253)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/12/2023, às 00:00, a 13/12/2023, às 16:00, na sequência 709, disponibilizada no DE de 24/11/2023.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 21/12/2023 04:34:30.