
Apelação Cível Nº 5004729-07.2021.4.04.7111/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015, em que foram julgados parcialmente procedentes os pedidos, com dispositivo de seguinte teor:
Ante o exposto, com base no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido formulado por V. S. contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, para condenar o INSS a reconhecer a especialidade do período de 11/04/1988 a 31/07/1988 devendo somar o acréscimo decorrente ao tempo de serviço do autor, nos termos da fundamentação.
Tendo em vista a parcial procedência e a sucumbência enfrentada pelas partes, condeno ambas as partes a arcarem com os ônus daí decorrentes, cabendo a distribuição do percentual de sucumbência em conformidade com o que segue: o autor arcará com 80% dos encargos e o réu com 20% dos encargos. Fixo os honorários advocatícios em 10% do valor da causa, nos termos do art. 85, §§ 3.º e 4.° do CPC, vedada a compensação. Todavia, sendo a parte autora beneficiária da justiça gratuita, a exigibilidade da verba sucumbencial, em relação a ela, deverá permanecer suspensa enquanto persistirem as condições que ensejaram a concessão de AJG.
Não há custas a serem ressarcidas, considerando a gratuidade de justiça deferida à parte autora e a isenção legal da parte ré (art. 4°, incisos I e II, da Lei n.° 9.289/1996).
Apelou o autor sustentando, preliminarmente, a anulação da sentença por cerceamento de defesa. No mérito, sustentou ter sido comprovado o exercício de labor especial nos períodos de 01/09/1988 a 31/08/1989, 01/01/1991 a 22/05/1993, 24/09/1993 a 19/04/199501/04/1996 a 30/09/1998, 11/01/1999 a 04/05/1999, 01/12/1999 a 27/08/2002, 03/03/2003 a 28/10/2003 e 01/08/2004 a 13/11/2019. Subsidiariamente, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Da nulidade da sentença
Não procedem as alegações da parte autora com relação à anulação da sentença, em vista da não realização das provas testemunhal e pericial. Nos termos do art. 370 do Novo CPC, como já previa o CPC/1973 no art. 130, cabe ao julgador, inclusive de ofício, determinar a produção das provas necessárias ao julgamento de mérito. Portanto, se entender encontrar-se munido de suficientes elementos de convicção, é dispensável a produção de outras.
Mérito
Não estando o feito submetido ao reexame necessário, a controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao reconhecimento da especialidade das atividades desenvolvidas nos períodos de 01/09/1988 a 31/08/1989, 01/01/1991 a 22/05/1993, 24/09/1993 a 19/04/1995, 01/04/1996 a 30/09/1998, 11/01/1999 a 04/05/1999, 01/12/1999 a 27/08/2002, 03/03/2003 a 28/10/2003 e 01/08/2004 a 13/11/2019;
- à consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição ou de aposentadoria especial, a contar da DER (15/02/2018).
Tempo de serviço especial
O tempo de serviço especial é disciplinado pela lei vigente à época em que exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço, o segurado adquire o direito à sua contagem pela legislação então vigente, não podendo ser prejudicado pela lei nova, cuja previsão legislativa expressa se deu com a edição do Decreto n.º 4.827/03, que inseriu o § 1º no art. 70 do Decreto n.º 3.048/99. Nesse sentido é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24/9/2008; EREsp 345554/PB, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 8/3/2004; AGREsp 493.458/RS, Quinta Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJU 23/6/2003; e REsp 491.338/RS, Sexta Turma, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU 23/6/2003).
Isso assentado, e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) no período de trabalho até 28-04-1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade profissional enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto quanto à exposição a ruído e calor, em que necessária sempre a aferição de seus níveis (decibéis/ºC IBUTG), por meio de parecer técnico trazido aos autos ou, simplesmente, referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29-04-1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13-10-1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14-10-1996, que a revogou expressamente, de modo que, no interregno compreendido entre essas datas e 05-03-1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) após 06-03-1997, quando vigente o Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei n.º 9.528/97, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Essa interpretação das sucessivas normas que regulam o tempo de serviço especial está conforme à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 415.298/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 06/04/2009; AgRg no Ag 1053682/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 08/09/2009; REsp 956.110/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22/10/2007; AgRg no REsp 746.102/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 07/12/2009).
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/4/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 5/3/1997, e os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999 a partir de 6/3/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/6/2003).
Exame do tempo especial no caso concreto
A r. sentença proferida pelo MM. Juiz Federal Adriano Copetti assim analisou as questões controvertidas, in verbis:
"(...)
2. Para atestar o exercício de atividade especial nos períodos de 01/09/1988 a 31/08/1989, a parte autora juntou aos autos cópia de sua Carteira de Trabalho – CTPS, PPP e LTCAT, com a descrição do vínculo junto à empresa Lorane M. Frey, na função de operário servente.
Ressalto que a denominação genérica do cargo não permite reconhecer a especialidade por categoria profissional.
Anoto que as atividades desenvolvidas em empresa de construção civil, como pedreiros e serventes não estavam previstas como especiais, por categoria profissional, nos decretos reguladores. Tal função nem mesmo se amolda ao item "2.3.3", anexo III, do Decreto nº 53.831/64 - trabalhadores em edifícios, barragens, pontes, torres - que se refere a categorias insertas entre as atividades de "Perfuração. Construção Civil, Assemelhados" (onde também se incluem os trabalhos de escavações de subsolo - túneis, e escavações de superfície - poços). Ou seja, o legislador considerou especiais em virtude da periculosidade as atividade desenvolvidas em edifícios, barragens e pontes, tão-somente onde estivessem sendo realizados trabalhos de escavação ou perfuração (Processo 2002.72.02.051631-1/SC, Relatora Juíza Eliane Paggiarin Marinho), o que não se vislumbra no caso em apreço.
No que tange ao contato com álcalis cáusticos, substâncias presentes no cimento, entendo que seu manuseio na construção civil não torna especial a atividade obreira, o que somente se verifica nos caso de exposição à poeira proveniente da extração ou fabricação deste material. Ora, é sabido que os trabalhadores que laboram na construção civil estão em contato com areia, brita, cimento, cal, dentre outros materiais comumente utilizados na construção civil. No entanto, conforme previsto no item “1.2.12”, anexo I, do Decreto nº 83.080/79, a exposição a cimento tida como insalubre refere-se àquela resultante da fabricação desse produto e não à verificada na construção civil, onde ele já se encontra acabado e não é manuseado de forma direita, mas com a utilização de luvas, enxadas e pás.
Neste sentido:
"No que se refere ao reconhecimento da especialidade em razão da exposição aos "álcalis cáusticos", a jurisprudência tem analisado a questão nos casos em que há contato com argamassas e cimento durante o exercício da atividade e, nestes casos, a Turma Regional de Uniformização possui entendimento no sentido de que a exposição à poeira de cimento, por si só, não enseja o reconhecimento da especialidade da atividade, conforme precedente:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. PEDREIRO. ENQUADRAMENTO POR ATIVIDADE. ENQUADRAMENTO POR EXPOSIÇÃO AO CIMENTO. ANTES DA LEI N. 9.032/95 IMPOSSIBILIDADE. 1. Somente é possível o enquadramento da atividade de pedreiro exercida antes de 28.04.1995, data da publicação da Lei n. 9.032/95, na categoria profissional descrita no item 2.3.3 do Quadro Anexo ao Decreto n. 53.831/64, quando desempenhadas tarefas de perfuração ou escavação na construção de edifícios, barragens ou pontes. 2. A exposição à poeira de cimento, por si só, não enseja o reconhecimento da especialidade da atividade. 3. Incidente Improvido. (IUJEF 0007274-34.2008.404.7195, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator Osório Ávila Neto, D.E. 05/11/2012). (5001258-65.2017.4.04.7129, QUARTA TURMA RECURSAL DO RS, Relatora MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, julgado em 07/02/2018) - grifei.
No caso, não havendo qualquer documento da empresa que indique que o autor, durante a jornada de trabalho, estava exposto de modo habitual a agentes nocivos, entendo não comprovada a especialidade do período.
3. Para atestar o exercício de atividade especial nos períodos de 01/01/1991 a 22/05/1993 e de 24/09/1993 a 19/04/1995, a parte autora juntou aos autos cópia de sua Carteira de Trabalho – CTPS, com a descrição do vínculo junto à empresa Alvário Rohde, na função de motorista.
(...)
A atividade de motorista estava prevista como especial, por categoria profissional, na vigência dos Decretos 53.831/64 (anexo, item 2.4.4) e 83.080/79 (anexo II, item 2.4.2 - TRANSPORTE URBANO E RODOVIÁRIO. Motorista de ônibus e de caminhões de cargas (ocupados em caráter permanente), e podia ser reconhecida como especial em decorrência do enquadramento por categoria profissional quando exercida até 28/04/1995.
O autor anexou somente a CTPS em que consta que trabalhou como motorista, sendo o estabelecimento supermercado.
Assim sendo, inviável o enquadramento por função/categoria profissional, pois não há prova nos autos de que espécie de veículo era conduzido pela parte autora na condição de motorista de supermercado.
Ausente comprovação da exposição a agentes nocivos prejudiciais à saúde ou à integridade física capaz de permitir o enquadramento na legislação previdenciária.
Portanto, não comprovada a especialidade no período postulado.
4. Para atestar o exercício de atividade especial no período de 01/04/1996 a 30/09/1998, a parte autora juntou aos autos cópia de sua Carteira de Trabalho – CTPS, com a descrição do vínculo junto à empresa W.H Konrad & Cia Ltda, na função de motorista de caminhões.
O autor anexou somente a CTPS em que consta que trabalhou como motorista.
Com relação ao agente nocivo ruído inexiste medição, o que impede o reconhecimento da especialidade das atividades desempenhadas do período.
Quanto ao agente nocivo penoso: stress ocupacional, desgaste no organismo, etc, vide decisão da 2ª Turma Recursal (RECURSO CÍVEL Nº 5052787-11.2020.4.04.7100/RS):
Especificamente em relação às profissões de motorista de ônibus, cobrador de ônibus, motorista de caminhão e ajudante os códigos 2.4.4 do Anexo ao Decreto n.º 53.831/64; 2.4.2 do Anexo II ao Decreto n.º 83.080/79 consideravam como categoria profissional especial, fazendo jus, portanto, à aposentadoria especial. Contudo, a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno a partir de referida data, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova. Assim a penosidade decorrente de risco perda auditiva, obesidade, as artroses, tendinites, distúrbios variados na coluna vertebral, como a lombalgia, hérnias de disco, varizes e edemas nos membros inferiores, além de problemas psicológicos e "stress", é inerente a inúmeras outras atividades profissionais que não são consideradas especiais por tais motivos, não podendo a constatação desses eventos ter o condão de tipificá-los como agentes nocivos específicos da profissão de motorista, uma vez que presente no cotidiano da população em geral. Grifo meu.
Sendo assim, improcede o pedido.
5. Para atestar o exercício de atividade especial no período de 11/01/1999 a 04/05/1999, a parte autora juntou aos autos cópia de sua Carteira de Trabalho – CTPS, PPP e LTCAT, com a descrição do vínculo junto à empresa Metalúrgica Venan Ltda, na função de motorista.
Pelos motivos delineados no item 4 supra, improcede o pedido.
6. Para atestar o exercício de atividade especial nos períodos de 01/12/1999 a 27/08/2002 e de 03/03/2003 a 28/10/2003, a parte autora juntou aos autos cópia de sua Carteira de Trabalho – CTPS, com a descrição do vínculo junto à empresa Frigorífico Roehl Ltda, na função de motorista.
O autor anexou CTPS em que consta que trabalhou como motorista e declarações das testemunhas Paulo Kroth (
) e Lotario Antonio Alves Godoy ( ) as quais referem que o autor trabalhou como motorista na empresa Frigorífico Roehl Ltda e como autônomo.Pelos motivos delineados no item 4 supra, improcede o pedido.
7. Para atestar o exercício de atividade especial no período de 01/08/2004 a 13/11/2019, como motorista autônomo, a parte autora juntou aos autos cópia de sua Carteira de Trabalho – CTPS.
Inicialmente, observo ser inviável reconhecer atividade especial após a DER, tendo em vista que ausente a prévia postulação administrativa. Por tal motivo, limito o conhecimento da especialidade até a DER.
Pelos motivos delineados no item 4 supra, improcede o pedido.
Ademais, o segurado é o próprio responsável pela sua segurança do trabalho, diferentemente do empregado que está submetido às condições da empresa.
(...)"
Em relação ao período de 01/09/1988 a 31/08/1989, vale ressaltar que, conforme a CTPS,
- p. 66, o autor exercia a atividade de operário servente, em empresa ligada ao comércio, e não à construção civil. Dessa forma, não é cabível o enquadramento no item 2.3.3, do Anexo ao Decreto nº 53.831/64, devendo ser confirmada a sentença no ponto.No tocante aos períodos de 01/01/1991 a 22/05/1993 e de 24/09/1993 a 19/04/1995, apesar de no primeiro não haver a especificação do veículo conduzido, no segundo, trata-se de caminhão. Logo, é possível entender que a parte autora dirigiu veículo de grande porte, nos dois intervalos, devendo, então, ser reformada a sentença no ponto.
Com relação aos períodos de 01/04/1996 a 30/09/1998, 11/01/1999 a 04/05/1999, 01/12/1999 a 27/08/2002, 03/03/2003 a 28/10/2003, quanto à penosidade, a 3ª Seção desta Corte Regional, por maioria, no julgamento do Incidente de Assunção de Competência nº 5033888-90.2018.4.04.0000, concluído na sessão de 25/11/2020, fixou a seguinte tese:
IAC TRF4 - TEMA 5: Deve ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova.
No voto condutor, da lavra do Exmo. Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, estabeleceram-se os parâmetros para a aferição da penosidade por meio de prova pericial, derivados da análise do(s) veículo(s) efetivamente conduzido(s) pelo trabalhador, dos trajetos percorridos e da jornada laboral:
1. Análise do(s) veículo(s) efetivamente conduzido(s) pelo trabalhador. O perito deverá diligenciar junto à(s) empresa(s) empregadora(s) para descobrir a marca, o modelo e o ano de fabricação do(s) veículo(s) conduzido(s) e, de posse dessas informações, poderá analisar se existia ou não penosidade na atividade em razão da necessidade de realização de esforço fatigante, como, por exemplo, na condução do volante, na realização da troca das marchas, ou em outro procedimento objetivamente verificável. No caso dos motoristas de ônibus deverá ser averiguado se a posição do motor ficava junto à direção, ocasionando desconfortos ao trabalhador, como, por exemplo, vibrações, ruído e calor constantes (ainda que inferiores aos patamares exigidos para reconhecimento da insalubridade da atividade, mas elevados o suficiente para qualificar a atividade como penosa em virtude da constância da exposição), ou outro fator objetivamente verificável. (Grifei)
2. Análise dos trajetos. O profissional deverá identificar qual(is) a(s) linha(s) percorrida(s) pelo trabalhador e analisar se existia, nesse transcurso, penosidade em razão de o trajeto incluir localidades consideradas de risco em razão da alta incidência de assaltos ou outras formas de violência, ou ainda em razão de o trajeto incluir áreas de difícil acesso e/ou trânsito em razão de más condições de trafegabilidade, como, por exemplo, a ausência de pavimentação. (Grifei)
3. Análise das jornadas. Deverá o profissional aferir junto à empresa se, dentro da jornada laboral habitualmente desempenhada pelo trabalhador, era-lhe permitido ausentar-se do veículo, quando necessário à satisfação de suas necessidades fisiológicas.
Após o julgamento do referido IAC, muitas perícias foram realizadas nas instâncias de origem para aferição dos critérios de penosidade acima descritos.
Atualmente, há um volume considerável de laudos periciais já produzidos por engenheiros de segurança do trabalho e a análise, caso a caso, tem revelado a presença de parte dos fatores descritos no IAC, bem como a dificuldade de apontamento objetivo da presença de outra parte.
Dentre os elementos que são descritos nas perícias, estão:
a) o esforço fatigante do trabalhador, seja ele motorista de caminhão, ônibus ou cobrador, em decorrência das restrições trazidas do tipo de veículo (marca, modelo, ano de fabricação, posição do motor, forma de troca de marchas, etc.), a exigir manutenção de posição constante, submeter a vibrações, imprimir muita força na operação de conduzir o veículo, entre outros fatores ergonômicos e de higiene do trabalho;
b) a presença de agentes ambientais físicos, químicos e biológicos que, mesmo abaixo dos limites de tolerância, tornam a atividade mais desgastante, por sua presença constante;
c) o estresse ocupacional (o ritmo de trabalho penoso - CID10 Z56.3 - é considerado agentes etiológico ou fator de risco da Síndrome de Burnout - CID10 Z73.0);
d) jornada longa de trabalho e em turnos variados, sem pausas regulares para descanso;
e) a restrição à satisfação de necessidades fisiológicas;
f) trajeto por áreas de difícil acesso, sem pavimentação e com riscos de acidentes e/ou assalto e/ou outras formas de violência.
Esses e outros fatores se repetem e são descritos - nem sempre com as mesmas expressões, mas com semelhantes propósitos - nos laudos judiciais que vêm sendo produzidos pelos engenheiros de segurança do trabalho, que são, por lei, os profissionais responsáveis por identificar e avaliar os riscos ocupacionais a que ficam sujeitos os trabalhadores (Resolução CREA nº 325, de 27 de Novembro de 1987).
No caso dos autos, trata-se de motorista de caminhão que trabalhou nas empresas W. H. Conrad Ltda, Metalúrgica Venan Ltda e Frigorífico Roehl Ltda e conforme laudos já produzidos por peritos de confiança de outros juízos em diversas oportunidades (
, , - p. 17, , e - p. 20), trabalhadores que exerceram a mesma função, em intervalos posteriores, estavam submetidos a fatores que, conforme o julgamento do IAC n.º 5033888-90.2018.4.04.0000, caracterizavam a penosidade do labor, logo, é possível estendê-la ao caso em baila, impondo-se, então, o seu reconhecimento.Registro que, muito embora as atividades de motorista de caminhão não tenham sido incluídas de forma expressa no julgamento, entendo que, diante da amplitude da ratio decidendi, deve ser observada, por analogia, a decisão proferida no referido IAC também na análise quanto à penosidade das atividades de motorista e de ajudante de caminhão, o que se faz por coerência sistêmica.
Dessa maneira, havendo comprovação pericial, com observância dos balizadores fixados por esta Corte no julgamento do IAC nº 5033888-90.2018.4.04.0000, da sujeição do autor a condições penosas de trabalho, impõe-se o reconhecimento da especialidade do labor desempenhado nos períodos de 01/04/1996 a 30/09/1998, 11/01/1999 a 04/05/1999, 01/12/1999 a 27/08/2002, 03/03/2003 a 28/10/2003, merecendo reforma a sentença no ponto.
No tocante ao interregno de 01/08/2004 a 13/11/2019, o autor acosta aos autos declarações extemporâneas, firmadas por colegas de estradas, que afirmam que a parte autora desempenhou a função de motorista de caminhão a partir de 2003 como autônomo. Pretende, assim, a anulação da sentença para a produção de provas testemunhal e pericial.
Contudo, isso não é viável, pois não há início de prova material.
Nessa hipótese, deve ser observada, por analogia, a decisão proferida no Recurso Especial 1.352.721/SP, em sede de recurso representativo de controvérsia, na qual se firmou entendimento de que, na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de concessão de aposentadoria rural por idade, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção sem resolução de mérito.
Isso porque entendo que o REsp 1.352.721/SP, julgado pela Corte Especial do STJ em 16/12/2015, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, deve ser interpretado de forma ampla, estendendo-se para outras situações de insuficiência de prova em matéria previdenciária, a possibilidade de repropositura da ação, especialmente quando a questão envolve comprovação de tempo de serviço ou as condições da prestação do serviço.
A ratio decidendi desse julgamento está expressa nos votos dos ministros, que concordaram que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial de uma ação previdenciária não deveria implicar a improcedência da demanda, enquanto julgamento de mérito, mas em decisão de caráter terminativo, para que permanecesse aberta a possibilidade da prova do alegado pelo segurado, em novo processo.
O fundamento para este entendimento é a preservação do direito social à previdência, a justificar a relativização das normas processuais sobre o ônus da prova.
Foram as peculiaridades da lide previdenciária que reclamaram um questionamento sobre os meios e os fins do processo, enquanto garantia de realização de um direito fundamental-social.
Considero que os fundamentos determinantes daquele julgado, por uma questão de coerência sistêmica, alcançam casos como o dos autos, em que o demandante não juntou provas materiais mínimas demonstrando que exerceu atividades especiais durante o intervalo de 01/08/2004 a 13/11/2019. Tornar indiscutível a questão da especialidade do período, por mero efeito da aplicação da regra do ônus da prova, para denegar proteção social, é medida que, embora formalmente se sustente, não realiza o direito fundamental à previdência.
Assim, merece reforma a sentença, no ponto, para extinguir o processo sem resolução de mérito em relação ao pedido de reconhecimento do labor especial no período de 01/08/2004 a 13/11/2019.
Direito à aposentadoria especial no caso concreto
No caso em exame, considerado o presente provimento judicial, a parte autora alcança, na DER (15/02/2018), 10 anos, 05 meses e 25 dias de tempo de serviço especial, sendo inviável a reafirmação da DER.
Direito à aposentadoria por tempo de contribuição no caso concreto
No caso em exame, considerado o presente provimento judicial, a parte autora alcança, na DER (15/02/2018), 31 anos, 02 meses e 10 dias de tempo de serviço, sendo inviável a reafirmação da DER, uma vez que mesmo computando todas as contribuições posteriores à DER, não completa o tempo necessário a à obtenção do benefício.
Dessa maneira, o autor faz jus, apenas, à averbação da atividade especial nos períodos de 11/04/1998 a 31/07/1988, 01/01/1991 a 22/05/1993, 24/09/1993 a 19/04/199501/04/1996 a 30/09/1998, 11/01/1999 a 04/05/1999, 01/12/1999 a 27/08/2002 e 03/03/2003 a 28/10/2003.
Honorários advocatícios
Apesar de o autor não ter implementado os requisitos para o benefício, teve reconhecida a especialidade nos períodos de 01/01/1991 a 22/05/1993, 24/09/1993 a 19/04/199501/04/1996 a 30/09/1998, 11/01/1999 a 04/05/1999, 01/12/1999 a 27/08/2002, 03/03/2003 a 28/10/2003. Logo, a modificação da sucumbência é medida que se impõe.
Considerando que as partes sucumbiram em parcelas equivalentes, fixo os honorários advocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa, distribuídos na proporção de 50% para cada, vedada a compensação, nos termos dos artigos 85, §4º, inciso III c/c o art. 86, ambos do CPC. Em relação ao autor, resta suspensa a exigibilidade da verba por conta da gratuidade da justiça concedida.
Em 26/08/2020, foi afetado pelo STJ o Tema 1059, com a seguinte questão submetida a julgamento: "(Im)possibilidade da majoração, em grau recursal, da verba honorária estabelecida na instância recorrida, quando o recurso for provido total ou parcialmente, ainda que em relação apenas aos consectários da condenação".
Ainda que não determinada a suspensão dos feitos neste grau de jurisdição, mas considerando a necessidade de evitar prejuízo à razoável duração do processo, a melhor alternativa, no caso, é diferir, para momento posterior ao julgamento do tema, a decisão sobre a questão infraconstitucional afetada, sem prejuízo do prosseguimento do feito quanto aos demais temas, evitando-se que a controvérsia sobre consectários possa produzir impactos à prestação jurisdicional principal.
Assim, deverá ser observado pelo juízo de origem, oportunamente, o que vier a ser decidido pelo tribunal superior quanto ao ponto, em relação unicamente à condenação da parte autora.
Tutela específica - averbação do tempo de serviço
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Emitir Averbação |
NB | |
DIB | |
DIP | |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES | Tempo especial de 11/04/1988 a 31/07/1988, 01/01/1991 a 22/05/1993, 24/09/1993 a 19/04/199501/04/1996 a 30/09/1998, 11/01/1999 a 04/05/1999, 01/12/1999 a 27/08/2002 e 03/03/2003 a 28/10/2003. |
Requisite a Secretaria da 6ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 30 (trinta) dias.
Conclusão
Parcialmente provido o apelo do autor para para extinguir o feito sem julgamento do mérito relativamente ao período de 01/08/2004 a 13/11/2019, bem como para reconhecer a especialidade nos intervalos de 01/01/1991 a 22/05/1993, 24/09/1993 a 19/04/199501/04/1996 a 30/09/1998, 11/01/1999 a 04/05/1999, 01/12/1999 a 27/08/2002 e 03/03/2003 a 28/10/2003. Honorários advocatícios nos termos da fundamentação. Nos demais pontos, mantida a sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do autor e determinar a averbação do tempo de serviço, via CEAB.
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Apelação Cível Nº 5004729-07.2021.4.04.7111/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. Categoria profissional. Motorista de caminhão. Penosidade. Motorista de caminhão. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO/APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS nÃO IMPLEMENTADOS. AVERBAÇÃO.
1. As atividades de motorista de caminhão exercida até 28-04-1995 devem ser reconhecidas como especiais em decorrência do enquadramento por categoria profissional previsto à época da realização do labor.
2. Constatada a exposição do segurado motorista de caminhão a condições laborais penosas, mediante perícia realizada em observância aos parâmetros fixados no julgamento do IAC n.º 5033888-90.2018.4.04.0000, possível o reconhecimento da especialidade do labor.
3. Não implementados os requisitos à aposentadoria especial ou à aposentadoria por tempo de contribuição, tem o segurado direito à averbação do tempo de serviço reconhecido judicialmente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do autor e determinar a averbação do tempo de serviço, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de setembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004615037v8 e do código CRC df4647a1.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 28/08/2024 A 04/09/2024
Apelação Cível Nº 5004729-07.2021.4.04.7111/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 28/08/2024, às 00:00, a 04/09/2024, às 16:00, na sequência 336, disponibilizada no DE de 19/08/2024.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR E DETERMINAR A AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO, VIA CEAB.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal ANA PAULA DE BORTOLI
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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