Apelação Cível Nº 5000355-74.2023.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: AGNALDO CASSAROTT (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta contra sentença, publicada em 16/06/2023, proferida nos seguintes termos (
):DISPOSITIVO
Ante o exposto, acolho parcialmente os pedidos da parte autora, extinguindo o feito com apreciação do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil, para condenar o INSS a:
a) averbar as contribuições vertidas nos períodos de 01/06/1997 a 31/01/1998, de 01/04/2003 a 31/01/2006 e de 01/06/2006 a 30/06/2009 para todos os fins previdenciários, inclusive carência;
b) averbar como tempo de serviço especial os períodos de 01/12/1995 a 31/10/1996, 01/06/1997 a 31/01/1998, de 01/04/2003 a 31/01/2006, de 01/06/2006 a 30/06/2009, de 01/04/2014 a 31/05/2019 e de 01/07/2020 a 26/10/2020, com conversão para tempo de serviço comum (coeficiente 1,4);
Benefício da gratuidade da justiça já deferido ao autor (ev. 5).
Considerando a sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários advocatícios de seus patronos, os quais fixo em 10% do valor do proveito econômico, em consonância com o art. 85, §§ 2º e 14 e art. 86, ambos do CPC, ficando suspensa a exigibilidade em relação à parte autora, tendo em vista a assistência judiciária gratuita que lhe foi deferida.
Sentença não sujeita à remessa necessária (artigo 496, § 3º, I do CPC), haja vista que, utilizando como parâmetro o valor atribuído à causa, o proveito econômico obtido pelo autor certamente não será superior a 1.000 (mil) salários mínimos.
Intimem-se as partes da sentença proferida nos presentes autos para, querendo, recorrerem.
Apresentada apelação, intime-se a parte adversa para contrarrazões e remetam-se os autos ao TRF da 4ª Região independentemente do juízo de admissibilidade (artigo 1.010 do CPC).
Registrada e publicada eletronicamente.
Em suas razões recursais, o órgão previdenciário busca a reforma da sentença para que seja afastada a especialidade dos períodos em que exerceu a atividade de dentista como contribuinte individual - de 01/06/1997 a 31/01/1998, de 01/04/2003 a 31/01/2006 e de 01/06/2006 a 30/06/2009, sob os seguintes argumentos: (a) impossibilidade de cômputo de tempo especial prestado pelo segurado contribuinte individual após 28/04/1995; (b) na condição de contribuinte individual, cabia ao autor fazer o uso adequado dos EPIs, não podendo tal fato ser utilizado para obtenção de proveito próprio, contra o INSS; (c) a ausência do recolhimento das contribuições previdenciárias na forma do art. 57, § 6º, da Lei nº 8.213/91, não se podendo conceder o benefício sem a correspondente fonte de custeio (
).Com contrarrazões (
), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso.É o relatório.
VOTO
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, as questões controvertidas nos autos cingem-se ao cômputo de tempo especial nos intervalos de 01/06/1997 a 31/01/1998, de 01/04/2003 a 31/01/2006 e de 01/06/2006 a 30/06/2009 (contribuinte individual).
É incontroversa a condenação do INSS a:
a) averbar as contribuições vertidas nos períodos de 01/06/1997 a 31/01/1998, de 01/04/2003 a 31/01/2006 e de 01/06/2006 a 30/06/2009 para todos os fins previdenciários, inclusive carência;
b) averbar como tempo de serviço especial os períodos de 01/12/1995 a 31/10/1996, de 01/04/2014 a 31/05/2019 e de 01/07/2020 a 26/10/2020, com conversão para tempo de serviço comum (coeficiente 1,4);
Pois bem
Exame do tempo especial no caso concreto
A questão pertinente à análise da nocividade das condições ambientais do trabalho prestado pela parte autora foi percucientemente examinada pelo juiz a quo na sentença, razão pela qual, a fim de evitar tautologia, reproduzo os seus fundamentos, os quais adoto como razões de decidir (
):Conforme entendimento da Súmula 62 da TNU o segurado contribuinte individual pode obter reconhecimento de atividade especial para fins previdenciários, desde que consiga comprovar exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física.
A jurisprudência do TRF da 4ª Região se firmou no mesmo sentido, bem como há precedentes do STJ.
Ressalva-se que somente será considerada a especialidade nas competências em que for verificado o efetivo recolhimento de contribuições previdenciárias.
No caso, o CNIS registra contribuições na condição de autônomo/contribuinte individual nos períodos de 01/06/1997 a 31/01/1998, de 01/04/2003 a 31/01/2006 e de 01/06/2006 a 30/06/2009 (ev. 1, OUT7, p. 15; ev. 3, CNIS2).
Considerando o histórico laboral do autor e a apresentação da certidão e diploma de conclusão do curso de Odontologia - Título de Cirurgião Dentista - no ano de 1993, tenho como comprovada a atividade (ev. 1, OUT6, p. 26/28).
A especialidade está comprovada por meio de formulário PPP, assinado por Engenheiro de Segurança do Trabalho, dando conta da exposição a risco biológico (secreções e materiais perfurocortantes) no desenvolvimento da atividade de cirurgião dentista clínico geral em consultório (ev. 1, OUT6, p. 2/4).
Como se vê, caracterizada a especialidade pela exposição a risco biológico pelo contato direto com materiais e/ou pacientes infectados, inerente à atividade profissional do autor.
Assim, possível o reconhecimento da especialidade nos períodos de 01/06/1997 a 31/01/1998, de 01/04/2003 a 31/01/2006 e de 01/06/2006 a 30/06/2009.
Quanto ao tempo especial de contribuinte individual, é assente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a orientação de que o artigo 57 da Lei 8.213/91 não traça qualquer diferenciação entre as diversas categorias de segurados, permitindo o reconhecimento da especialidade da atividade laboral exercida pelo segurado contribuinte individual. O artigo 64 do Decreto 3.048/99 ao limitar a concessão do benefício aposentadoria especial e, por conseguinte, o reconhecimento do tempo de serviço especial, ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual cooperado, extrapola os limites da Lei de Benefícios que se propôs a regulamentar, razão pela qual deve ser reconhecida sua ilegalidade. Destarte, é possível o reconhecimento de tempo de serviço especial ao segurado contribuinte individual não cooperado, desde que comprovado, nos termos da lei vigente no momento da prestação do serviço, que a atividade foi exercida sob condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou sua integridade física” (AgRg no Resp 1.540.164, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/10/2015).
No mesmo sentido, as decisões proferidas pelo STJ no julgamento do REsp 1.436.794, do AgRg no Resp 1.422.313, AgRg no REsp 1.535.538 e AgRg no Resp 1.555.054.
Realmente, quanto ao reconhecimento de tempo especial na condição de contribuinte individual, esclareço que a Lei n. 8.213/91, ao mencionar a aposentadoria especial no artigo 18, inciso I, alínea “d”, como um dos benefícios devidos aos segurados, não faz nenhuma diferença entre as categorias de segurados. A dificuldade do contribuinte individual de comprovar exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física não justifica negar a possibilidade de reconhecimento de atividade especial” (STJ, Resp nº 1.585.009/SP, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/03/2016).
Com efeito, nunca houve na legislação sobre a matéria vedação envolvendo o reconhecimento da natureza especial das atividades exercidas pelos contribuintes individuais (antigos autônomos), e assim tratamento normativo nesse sentido implicaria afronta injustificável ao princípio da isonomia, considerando que o fato gerador do benefício em tela sempre foi o exercício de labor em condições insalubres, penosas ou perigosas, desde a redação original do art. 31 da Lei nº 3.807/60 (atualmente, o art. 57 da Lei nº 8.213/91 utiliza a expressão condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física).
A Turma Nacional de Uniformização, no julgamento do PEDILEF nº 2008.71.95.002186-9, ocorrido em 29/03/2012 (DOU 27/04/2012), aliás, firmou a seguinte tese jurídica, consolidada com a edição da Súmula nº 62: O segurado contribuinte individual pode obter reconhecimento de atividade especial para fins previdenciários, desde que consiga comprovar exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física.
O fundamento da Súmula é idêntico ao adotado pelo STJ, segundo se infere do assentado pela TNU no julgamento do PEDILEF nº 2009.71.95.001907-7 (DOU 09/03/2012): Ao contribuinte individual é reconhecido o direito à aposentadoria especial, eis que não há na Lei n. 8.213/91 vedação à concessão do referido benefício a essa categoria de segurados. Atos administrativos do INSS não podem estabelecer restrições que não são previstas na legislação de regência.
Não há falar em afronta ao art. 195, § 5º, da Constituição Federal, ao argumento de que a Lei nº 9.732/98 criou contribuição para financiar a aposentadoria especial e que a contribuição só incide sobre as remunerações pagas ou creditadas aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, não alcançando os segurados contribuintes individuais.
Sobre a questão, a Turma Nacional de Uniformização, no julgamento do PEDILEF nº 2008.71.95.002186-9, concluiu que a falta de previsão legal de contribuição adicional para aposentadoria especial (alíquota suplementar de riscos ambientais do trabalho) sobre salário de contribuição de segurado contribuinte individual não impede o reconhecimento de tempo de serviço especial. Do contrário, não seria possível reconhecer condição especial de trabalho para nenhuma categoria de segurado antes da Lei n. 9.732/98, que criou a contribuição adicional.
Dessa forma, a TNU considerou que já existia previsão de fonte de custeio de aposentadoria especial para todas as categorias de segurado desde antes da Lei n. 9.732/1998 e que a superveniência da criação de fonte de custeio adicional e específica não eliminaria a anterior fonte de custeio. Dessa forma, admitida a hipótese de que antes da Lei n. 9.732 não havia fonte de custeio para a aposentadoria especial, não teria sido possível conceder esse benefício para qualquer categoria de segurado antes da vigência da referida lei.
Nesse sentido, para evitar tautologia, adoto os fundamentos de excerto de voto do Relator Desembargador Federal Celso Kipper (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000024-65.2009.404.7210/SC, DE 31-10-2012):
De outra banda, é verdade que, a teor do art. 195, § 5º, da Constituição Federal, nenhum benefício da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
No entanto, para a concessão de aposentadoria especial ou conversão de tempo exercido sob condições especiais em tempo de trabalho comum, previstas nos artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios, existe específica indicação legislativa de fonte de custeio: o parágrafo 6º do mesmo art. 57 supracitado, combinado com o art. 22, inc. II, da Lei n. 8.212/91, os quais possuem o seguinte teor:
Art. 57 - (...) § 6º - O benefício previsto neste artigo será financiado com os recursos provenientes da contribuição de que trata o inc. II do art. 22 da Lei 8.212, de 24/07/91, cujas alíquotas serão acrescidas de 12, 9 ou 6 pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, respectivamente.
Art. 22 - (...) II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei 8.213/91, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
Ademais, não vejo óbice ao fato de a lei indicar como fonte do financiamento da aposentadoria especial e da conversão de tempo especial em comum as contribuições a cargo da empresa, pois o art. 195, caput e incisos, da Constituição Federal, dispõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e, dentre outras ali elencadas, das contribuições sociais do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei.
Por fim, ressalto que, a rigor, sequer haveria, no caso, necessidade de específica indicação legislativa da fonte de custeio, uma vez que se trata de benefício previdenciário previsto pela própria Constituição Federal (art. 201, § 1º c/c art. 15 da EC n. 20/98), hipótese em que sua concessão independe de identificação da fonte de custeio (STF, RE n. 220.742-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 03-03-1998; RE n. 170.574, Primeira Turma, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 31-05-1994; AI n. 614.268 AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 20-11-2007; ADI n. 352-6, Plenário, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 30-10-1997; RE n. 215.401-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 26-08-1997; AI n. 553.993, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, decisão monocrática, DJ de 28-09-2005), regra esta dirigida à legislação ordinária posterior que venha a criar novo benefício ou a majorar e estender benefício já existente.
Diante dessas considerações, havendo prova do efetivo exercício de atividades em condições nocivas à saúde do trabalhador na condição de contribuinte individual e comprovado o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, não há óbice ao cômputo do tempo de serviço como especial.
Em relação aos agentes biológicos, o código 3.0.1 do anexo IV ao Decreto nº 3.048/99 não exige que o trabalho do profissional de saúde se dê em ambiente isolado, em contato exclusivo com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas. Ao contrário, a interpretação do preceito legal indica que é suficiente o trabalho em ambiente hospitalar em contato direto com pacientes doentes, entre eles os portadores de moléstias infecto-contagiantes. O risco de contágio é iminente e pode se dar mediante um único contato do profissional com o paciente portador de tais enfermidades ou com o material contaminado, restando configurada a especialidade objeto da norma previdenciária.
Na esteira deste entendimento, o próprio INSS alterou a sua orientação no âmbito administrativo, tendo em conta que a IN/INSS nº 77/2015 revogou o art. 244, parágrafo único, da IN/PREs nº 45, que exigia, para o cômputo de tempo especial do profissional de saúde, o trabalho exclusivo com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas em áreas de isolamento.
Conforme dispõe a NR-15 do MTE, ao tratar da exposição a agentes biológicos em seu Anexo 14, são insalubres as atividades desempenhadas em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, quando houver contato direto com pacientes ou objetos por estes utilizados. Analisadas as atividades desenvolvidas pela autora, descritas no formulário PPP e laudos periciais, conclui-se que era ínsito ao labor a realização de procedimentos que a expunham a sangue e secreções, entre outras atividades diárias correlatas, suficientes para configurar exposição a agentes biológicos e caracterizar risco à saúde do trabalhador, tais como vírus, bactérias, protozoários, bacilos, parasitas, fungos e outros microorganismos.
De fato, A exposição a agentes biológicos decorrentes do contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou materiais infecto-contagiantes enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. (...) A exposição de forma intermitente aos agentes biológicos não descaracteriza o risco de contágio, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, ainda que não de forma permanente, tem contato com tais agentes. (TRF4, AC 5001810-72.2017.4.04.7212, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 19/03/2021). Conforme entendimento firmado pela 3ª Seção deste Tribunal Regional Federal, é cabível o reconhecimento da especialidade do trabalho exercido sob exposição a agentes biológicos. A exposição a agentes biológicos não precisa ser permanente para caracterizar a insalubridade do labor, sendo possível o cômputo do tempo de serviço especial diante do risco de contágio sempre presente. (TRF4, AC 5026636-17.2015.4.04.9999, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Des. Federal Márcio Antônio Rocha, juntado aos autos em 27/08/2019). Com efeito, Para caracterizar a insalubridade, em razão da sujeição a agentes biológicos, não se exige que o trabalho do profissional se dê em ambiente isolado, em contato exclusivo com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas. É suficiente o labor em ambiente hospitalar, em contato direto com pacientes doentes, entre eles os portadores de moléstias infecto-contagiantes. Isso porque o risco de contágio é iminente e pode se dar mediante um único contato do profissional com o paciente portador de tais enfermidades ou com o material contaminado, restando configurada a especialidade objeto da norma previdenciária. (TRF4, AC 5010415-17.2019.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 18/03/2021).
A Turma Nacional de Uniformização, sobre o tema debatido, já sinalizou que, no caso de agentes biológicos, o conceito de habitualidade e permanência é diverso daquele utilizado para outros agentes nocivos, pois o que se protege não é o tempo de exposição (causador do eventual dano), mas o risco de exposição a agentes biológicos. (PEDILEF nº 0000026-98.2013.490.0000, Relator Juiz Federal Paulo Ernane Moreira Barros, DOU 25/04/2014, páginas 88/193).
Deve-se lembrar, ademais, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
A Turma Nacional de Uniformização, sobre a questão altercada, já se pronunciou no sentido de que a identificação entre o conceito de permanência com integralidade da jornada, constante na redação original do regulamento da previdência – Decreto 3.048/99 ("Art. 65. Considera-se tempo de trabalho, para efeito desta Subseção, os períodos correspondentes ao exercício de atividade permanente e habitual (não ocasional nem intermitente), durante a jornada integral, em cada vínculo trabalhista, sujeito a condições especiais...") já foi abandonada pela própria Previdência Social há quase uma década, quando o Decreto 4.882/2003 deu nova redação ao dispositivo, relacionando o conceito de permanência ao caráter indissociável da exposição em relação à atividade, e não mais à integralidade da jornada (“Art. 65. Considera-se trabalho permanente, para efeito desta Subseção, aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço”). (PEDILEF nº 244-06.2010.4.04.7250/SC, Relator Juiz Federal André Carvalho Monteiro, DJ 17/05/2013, DOU 31/05/2013).
A nocividade do trabalho não foi neutralizada pelo uso de EPIs. A um, porque a utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, conforme já referido. A dois, porque o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, deixou assentado que O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial (ARE nº 664.335, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz Fux, DJE 12/02/2015).
Todavia, o simples fornecimento do EPI pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador. Tal interpretação, aliás, encontra respaldo no próprio regramento administrativo do INSS, conforme se infere da leitura do art. 279, § 6º, da IN nº 77/2015, mantida, neste item, pela subsequente IN nº 85/2016.
No que diz respeito à prova da eficácia dos EPIs/EPCs, a Terceira Seção desta Corte, na sessão de julgamento realizada em 22/11/2017, nos autos do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 5054341-77.2016.4.04.0000 (Tema nº 15), decidiu por estabelecer a tese jurídica de que a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário (Relator para acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, por maioria). Restou assentada no aresto, ainda, a orientação no sentido de que a simples declaração unilateral do empregador, no Perfil Profissiográfico Previdenciário, de fornecimento de equipamentos de proteção individual, isoladamente, não tem o condão de comprovar a efetiva neutralização do agente nocivo. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório.
Na situação em apreço, não restou demonstrado que a nocividade tenha sido neutralizada pelo uso de EPI eficazes.
É verdade que o segurado contribuinte individual que exerce atividade nociva figura como o único responsável pelo resguardo de sua integridade física, recaindo sobre ele o ônus de preservar-se dos efeitos deletérios do trabalho, mediante efetiva utilização de EPIs/EPCs. Assim, o fornecimento e a utilização de EPI eficaz, capaz de elidir a exposição do segurado a fatores agressivos a sua saúde e a sua integridade física, é dever atribuído ao contribuinte individual, pela assunção do risco inerente ao desempenho de atividade econômica nociva.
Todavia, em se tratando de agentes biológicos, concluiu-se, no bojo do IRDR (Tema nº 15 deste Regional), ser dispensável a produção de prova sobre a eficácia do EPI, pois, segundo o item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, aprovado pela Resolução nº 600, de 10/08/2017, como não há constatação de eficácia de EPI na atenuação desse agente, deve-se reconhecer o período como especial mesmo que conste tal informação.
Com base nesse entendimento, a responsabilização do contribuinte individual pela utilização de EPI se revela, ao fim e ao cabo, irrelevante. Sobre a discussão, este Regional já ponderou que "Mesmo que se entenda que o contribuinte individual é responsável pela higidez das próprias condições de trabalho, não é possível afastar o tempo especial dada a reconhecida ineficácia dos EPIs com relação ao labor exercido com a exposição do trabalhador a agentes biológicos" (TRF4, AC 5000452-04.2019.4.04.7115, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 15/03/2022). No mesmo sentido e no âmbito desta 9ª Turma, em processo de minha relatoria, concluiu-se que: "Embora o segurado contribuinte individual que exerce atividade nociva figure como o único responsável pelo resguardo de sua integridade física, recaindo sobre ele o ônus de se preservar dos efeitos deletérios do trabalho, mediante efetivo emprego de EPIs, em se tratando de agentes biológicos, concluiu-se, no julgamento do Tema nº 15 deste Regional, ser dispensável a produção de prova sobre a eficácia do EPI, pois, segundo o item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS e aprovado pela Resolução nº 600/17, como não há constatação de eficácia de EPI na atenuação desse agente, deve-se reconhecer o período como especial mesmo que conste tal informação" (TRF4, AC 5001312-65.2020.4.04.7213, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 25/05/2021).
Assim sendo, tenho que a sentença deve ser mantida quanto ao reconhecimento da especialidade dos períodos de 01/06/1997 a 31/01/1998, de 01/04/2003 a 31/01/2006 e de 01/06/2006 a 30/06/2009, não merecendo acolhida o recurso da autarquia previdenciária.
Tutela específica - averbação dos períodos reconhecidos judicialmente
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à averbação dos períodos reconhecidos judicialmente para fins de futura obtenção de benefício previdenciário, especialmente diante da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Emitir Averbação |
NB | 1918567180 |
DIB | 27/11/2020 |
DIP | |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES | Condenado o INSS a: a) averbar as contribuições vertidas nos períodos de 01/06/1997 a 31/01/1998, de 01/04/2003 a 31/01/2006 e de 01/06/2006 a 30/06/2009 para todos os fins previdenciários, inclusive carência; b) averbar como tempo de serviço especial os períodos de 01/12/1995 a 31/10/1996, 01/06/1997 a 31/01/1998, de 01/04/2003 a 31/01/2006, de 01/06/2006 a 30/06/2009, de 01/04/2014 a 31/05/2019 e de 01/07/2020 a 26/10/2020???, com conversão para tempo de serviço comum até 13/11/2019, de acordo com o artigo 25, §2º, da EC nº 103/2019.(coeficiente 1,4); |
Requisite a Secretaria da 9ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 30 (trinta) dias.
Dos consectários
Não havendo condenação em obrigação de pagar, não há falar em juros de mora e correção monetária.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária devida pelo INSS elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, considerando as variáveis do artigo 85, § 2º, incisos I a IV, do CPC.
Conclusão
- Recurso do INSS a que se nega provimento;
- Sentença mantida quanto ao cômputo de tempo especial nos lapsos de 01/06/1997 a 31/01/1998, de 01/04/2003 a 31/01/2006, de 01/06/2006 a 30/06/2009, com conversão para tempo de serviço comum (coeficiente 1,4) e respectiva averbação;
- Honorários advocatícios majorados.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e determinar a averbação dos períodos reconhecidos judicialmente, via CEAB.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004498100v8 e do código CRC fbadf20e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 25/6/2024, às 9:4:57
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Apelação Cível Nº 5000355-74.2023.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: AGNALDO CASSAROTT (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. atividade ESPECIAL. dentista. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. DENTISTA. AGENTES BIOLÓGICOS. reconhecimento. averbação.
1. Para caracterizar a insalubridade, em razão da sujeição a agentes biológicos, não se exige que o trabalho do profissional de saúde se dê em ambiente isolado, em contato exclusivo com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas. É suficiente o labor em ambiente hospitalar, em contato direto com pacientes doentes, entre eles os portadores de moléstias infecto-contagiantes. Isso porque o risco de contágio é iminente e pode se dar mediante um único contato do profissional com o paciente portador de tais enfermidades ou com o material contaminado, restando configurada a especialidade objeto da norma previdenciária.
2. Embora o segurado contribuinte individual que exerce atividade nociva figure como o único responsável pelo resguardo de sua integridade física, recaindo sobre ele o ônus de se preservar dos efeitos deletérios do trabalho, mediante efetivo emprego de EPIs, em se tratando de agentes biológicos, concluiu-se, no julgamento do Tema nº 15 deste Regional, ser dispensável a produção de prova sobre a eficácia do EPI, pois, segundo o item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS e aprovado pela Resolução nº 600/17, como não há constatação de eficácia de EPI na atenuação desse agente, deve-se reconhecer o período como especial mesmo que conste tal informação.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e determinar a averbação dos períodos reconhecidos judicialmente, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de junho de 2024.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004498101v4 e do código CRC 74645fa6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 25/6/2024, às 13:11:45
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 13/06/2024 A 20/06/2024
Apelação Cível Nº 5000355-74.2023.4.04.7208/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): RODOLFO MARTINS KRIEGER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: AGNALDO CASSAROTT (AUTOR)
ADVOGADO(A): LAIS CAMILA DE MEDEIROS (OAB sc035900)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/06/2024, às 00:00, a 20/06/2024, às 16:00, na sequência 127, disponibilizada no DE de 04/06/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E DETERMINAR A AVERBAÇÃO DOS PERÍODOS RECONHECIDOS JUDICIALMENTE, VIA CEAB.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
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