Apelação Cível Nº 5004198-97.2011.4.04.7101/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: WILMAR MACHADO (AUTOR)
ADVOGADO: FERNANDA ALMEIDA VALIATTI (OAB RS062876)
ADVOGADO: ANA CRISTINA BORGES DA CUNHA (OAB RS072646)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação do INSS e recurso adesivo da parte autora contra sentença publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015 em que foram julgados parcialmente procedentes os pedidos, com dispositivo de seguinte teor:
ANTE O EXPOSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para:
a) reconhecer como tempo de serviço especial o trabalho desenvolvido pelo autor nos períodos de 30.09.1976 a 19.12.1977, 07.08.1978 a 19.09.1978, 09.10.1978 a 22.10.1979, 19.11.1979 a 31.03.1981, 27.08.1985 a 30.11.1989, 20.12.1989 a 11.09.1991, 12.11.1991 a 10.01.1992 e de 15.12.1993 a 16.01.2002, bem como o direito à conversão para tempo comum, pelo fator 1,4;
b) condenar o INSS à implantação e ao pagamento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional ao demandante, nos moldes da regra de transição, a contar da segunda DER (dia 05.10.2006), e com o cálculo da renda mensal inicial de acordo com as inovações decorrentes da Lei nº 9.876/99, nos termos da fundamentação;
c) condenar o INSS ao pagamento das parcelas vencidas a contar de 05.10.2006 (segunda DER), acrescidas de correção monetária desde o vencimento de cada parcela pela variação do IPCA-E e, a partir da citação, também de juros de mora de 6% ao ano.
Intime-se o INSS para que implante o benefício ora deferido, no prazo de 30 (trinta) dias, tendo em vista o deferimento do pedido de tutela provisória.
Comprovado documentalmente o atendimento do requisito etário, defiro a prioridade de tramitação. Anote-se.
Em face da sucumbência recíproca, pois reconhecido o direito à aposentadoria, mas apenas na modalidade proporcional e com DIB posterior à almejada, condeno as partes ao pagamento das despesas processuais, à razão de metade para cada, aplicando-se o disposto no art. 4º da Lei nº 9.289/96 quanto às custas em relação ao INSS e o previsto no art. 98, §3º, do Código de Processo Civil, quanto ao autor.
Condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios à parte adversa, verba que, em atenção aos referenciais do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vencidas após a sentença (Súmula nº 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Condeno o demandante ao pagamento de honorários advocatícios ao INSS, verba que, em atenção aos referenciais do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, fixo em valor correspondente a 10% (dez por cento) do valor da causa, corrigido desde o ajuizamento pelo IPCA-E, verba que, apesar da gratuidade de justiça concedida ao autor, dada a evidente possibilidade de pagamento, via valor a ser satisfeito neste processo (art. 98, §§2º e 3º, do Código de Processo Civil), deve ser oportunamente destacado do montante em execução.
Outrossim, condeno o INSS ao ressarcimento de metade do valor dos honorários periciais despendidos pela Seção Judiciária do Rio Grande do Sul e pela Seção Judiciária do Rio de Janeiro (eventos 107 e 134, PRECATORIA2, fl. 100).
Apelou o INSS sustentando não ter sido comprovada a especialidade do labor nos períodos de 19.11.1979 a 31.03.1981, 20.12.1989 a 11.09.1991, 15.12.1993 a 16.01.2002, 27.08.1985 a 30.11.1989, e 12.11.1991 a 10.01.1992, uma vez que os laudos produzidos por analogia são imprestáveis para retratar as condições laborais da parte autora, bem como em decorrência da utilização de EPI eficazes. Subsidiariamente, requereu a aplicação da Lei 11.960/09 para fins de atualização monetária e juros de mora a incidir sobre as parcelas devidas.
Por seu turno, a parte autora interpôs recurso adesivo postulando a isenção das custas processuais e a condenação exclusiva do INSS ao pagamento de honorários advocatícios, bem como o afastamento da Súmula 76 do TRF 4ªR.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
MÉRITO
Não estando o feito submetido ao reexame necessário, a controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao afastamento da especialidade do labor no intervalo de 19.11.1979 a 31.03.1981, 20.12.1989 a 11.09.1991, 15.12.1993 a 16.01.2002, 27.08.1985 a 30.11.1989, e 12.11.1991 a 10.01.1992.
- aos critérios de juros e correção monetária.
- isenção do pagamento de custas processuais;
- condenação exclusiva do INSS sem qualquer limitação.
Tempo de serviço especial
O tempo de serviço especial é disciplinado pela lei vigente à época em que exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço, o segurado adquire o direito à sua contagem pela legislação então vigente, não podendo ser prejudicado pela lei nova, cuja previsão legislativa expressa se deu com a edição do Decreto n.º 4.827/03, que inseriu o § 1º no art. 70 do Decreto n.º 3.048/99. Nesse sentido é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24/9/2008; EREsp 345554/PB, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 8/3/2004; AGREsp 493.458/RS, Quinta Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJU 23/6/2003; e REsp 491.338/RS, Sexta Turma, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU 23/6/2003).
Isso assentado, e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) no período de trabalho até 28-04-1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade profissional enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto quanto à exposição a ruído e calor, em que necessária sempre a aferição de seus níveis (decibéis/ºC IBUTG), por meio de parecer técnico trazido aos autos ou, simplesmente, referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29-04-1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13-10-1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14-10-1996, que a revogou expressamente, de modo que, no interregno compreendido entre essas datas e 05-03-1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) após 06-03-1997, quando vigente o Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei n.º 9.528/97, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Essa interpretação das sucessivas normas que regulam o tempo de serviço especial está conforme à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 415.298/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 06/04/2009; AgRg no Ag 1053682/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 08/09/2009; REsp 956.110/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22/10/2007; AgRg no REsp 746.102/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 07/12/2009).
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/4/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 5/3/1997, e os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999 a partir de 6/3/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/6/2003).
Exame do tempo especial no caso concreto
Controverte-se nos autos acerca da especialidade do labor prestado no período de 19.11.1979 a 31.03.1981, 20.12.1989 a 11.09.1991, 15.12.1993 a 16.01.2002 junto à empresa NC Braga, de 27.08.1985 a 30.11.1989 na Arlindo Simões André e de 12.11.1991 a 10.01.1992 na Pietro Minoia & Cia Ltda.
Aduz o INSS que o laudo por similaridade baseou-se somente nas informações prestadas pelo autor e, portanto, é inviável reconhecer a natrueza especial do labor.
Observo, contudo, que as alegações do INSS não encontram respaldo, porquanto realizada a prova testemunhal (
) para esclarecer o local de trabalho e as atividades prestadas pelo autor. Nessa senda, as informação são suficientes para embasar a perícia técnica por similaridade, pois a jurisprudência tem admitido tal prova nos casos em que demonstrada a inviabilidade de perícia direta na empresa onde ocorreu a prestação do labor, a exemplo das hipóteses de inativação. Admite-se, pois, a aferição indireta das circunstâncias de labor, desde que em estabelecimento cujas atividades sejam semelhantes àquelas onde laborou originariamente, como ocorre no presente caso.Portanto, adoto como razões de decidir os fundamentos da r. sentença proferida pelo MM. Juiz Federal Adérito Martins Nogueira Júnior, in verbis:
(...)
No tocante aos demais períodos, em que o autor laborou para as empresas N.C. Braga, Arlindo Simões André e Pietro Minoia & Cia Ltda dentro da Refinaria de Petróleo Ipiranga, o perito concluiu que o trabalhador esteve sujeito, de modo habitual e permanente, não ocasional, nem intermitente, a agentes químicos oriundos da destilação do petróleo, além dos riscos inerentes às refinarias de petróleo.
Eis o teor da conclusão do laudo pericial (evento 91):
b) Períodos de 19/11/1979 a 31/03/1981, de 27/08/1985 a 30/11/1989, de 12/11/1991 a 10/01/1992 e de 17/12/1993 a 16/01/2002, trabalhados por empresas terceirizadas no interior da planta industrial e na área de risco da Refinaria de Petróleo Ipiranga/Riograndense, EXPOSTOS À CONDIÇÕES ESPECIAIS DE INSALUBRIDADE EM GRAU MÁXIMO E MÉDIO, de acordo com a NR-15, ANEXO 13 – AGENTES QUÍMICOS – HIDROCARBONETOS E OUTROS COMPOSTOS DE CARBONO – Insalubridade de grau máximo – Destilação do petróleo e Insalubridade em grau médio - fabricação de solventes e outros produtos a base de hidrocarbonetos. E ainda pelos seguintes decretos: Quadro a que se refere o art. 2º do Decreto nº 53.831/64: Código 1.2.11 – TÓXICOS ORGÂNICOS. Operações executadas com derivados tóxicos do carbono – Hidrocarbonetos – Trabalhos permanentes expostos – gasolina – Insalubre – 25 anos – Jornada normal. Art. 187 CLT. Portaria Ministerial 262, de 6-8-62. Decreto nº 83.080/79: Código 1.2.10 – HIDROCARBONETOS E OUTROS COMPOSTOS DE CARBONO – Fabricação de benzol, toluoi, xilol (benzeno, tolueno e xileno) – 25 anos. Decreto 2.172/97, Anexo IV – Código 1.0.0 – AGENTES QUÍMICOS - O que determina o benefício é a presença do agente no processo produtivo e no meio ambiente de trabalho. As atividades listadas são exemplificavas nas quais pode haver a exposição. Código 1.0.3 - BENZENO E SEUS COMPOSTOS TÓXICOS 25 ANOS - a) produção e processamento de benzeno. Código 1.0.17 – PETRÓLEO – 25 ANOS – a) extração, processamento, beneficiamento e atividades de manutenção realizadas em unidades de extração, plantas petrolíferas e petroquímicas – 25 anos. Decreto 3.048/99, Anexo IV – Código 1.0.3 - BENZENO E SEUS COMPOSTOS TÓXICOS a) produção e processamento de benzeno; - 25 Anos. Código 1.0.17 – Petróleo e seus Derivados – a) extração, processamento, beneficiamento e atividades de manutenção realizadas em unidades de extração, plantas petrolíferas e petroquímicas – 25 Anos. Ainda, períodos laborados EXPOSTOS À CONDIÇÕES ESPECIAIS DE PERICULOSIDADE, de acordo com a NR-16 ANEXO 1I, ATIVIDADES E OPERAÇÕES PERIGOSAS COM INFLAMÁVEIS, trabalhado dentro da área de risco de uma Refinaria de Petróleo, sujeita a riscos de explosões e exposição de risco a integridade física.
Destarte:
É CONCLUSÃO DESTE LAUDO PERICIAL QUE O AUTOR TRABALHOU EM CONDIÇÕES ESPECIAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE NOS PERÍODOS DE LABOR NAS EMPRESAS CITADAS TRABALHANDO NA ÁREA DE RISCO DA REFINARIA E NÃO TRABALHOU EM CONDIÇÕES ESPECIAIS ENQUANTO SERVENTE DE LIMPEZA NA ANDRÉ SANTOS, NO INTERIOR DA ADUBOS TREVO.
Instado pela parte autora, o Expert apresentou laudo complementar, explicitando que o período de 20.12.1989 a 11.09.1991, laborado para a empresa NC Braga, empresa terceirizada, no interior da planta industrial e na área de risco da Refinaria de Petróleo Ipiranga, somente não constou na conclusão do laudo do evento 91 por equívoco (evento 100):
É CONCLUSÃO DO LAUDO PERICIAL QUE O AUTOR TRABALHOU EM CONDIÇÕES ESPECIAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE EM TODOS OS PERÍODOS EM QUE LABOROU NA ÁREA DE RISCO DA REFINARIA – E NÃO TRABALHOU EM CONDIÇÕES ESPECIAIS ENQUANTO SERVENTE DE LIMPEZA NA ANDRÉ SANTOS, NO INTERIOR DA ADUBOS TREVO.
Desse modo, suficientemente demonstrada a especialidade laboral dos entretempos de 19.11.1979 a 31.03.1981, 20.12.1989 a 11.09.1991, 15.12.1993 a 16.01.2002, 27.08.1985 a 30.11.1989, 12.11.1991 a 10.01.1992.
Quanto à alegação do INSS no tocante à utilização de equipamentos de proteção individual (EPI), é considerada irrelevante para o reconhecimento da especialidade das atividades exercidas sob exposição a agentes nocivos até 03/12/1998, data da publicação da MP 1.729/98, convertida na Lei 9.732/98, que alterou o § 2.º do artigo 58 da Lei 8.213/91.
Para os períodos posteriores, merece observância o decidido pela 3ª Seção desta Corte, ao julgar o IRDR n.º 5054341-77.2016.4.04.0000, em 22/11/2017, quando fixada a seguinte tese jurídica:
“A mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário.”
Conforme estabelecido no precedente citado, tem-se que a mera anotação acerca da eficácia dos equipamentos protetivos no PPP apenas pode ser considerada suficiente para o afastamento da especialidade do labor caso não contestada pelo segurado.
Há, também, hipóteses em que é reconhecida a ineficácia dos EPIs ante a determinados agentes nocivos, como em caso de exposição a ruído, a agentes biológicos, a agentes cancerígenos e à periculosidade. Nessas circunstâncias, torna-se despiciendo o exame acerca do fornecimento e da utilização de EPIs.
Nos demais casos, a eficácia dos equipamentos de proteção individual não pode ser avaliada a partir de uma única via de acesso do agente nocivo ao organismo, mas a partir de toda e qualquer forma pela qual o agente agressor externo possa causar danos à saúde física e mental do segurado trabalhador ou risco à sua vida.
Quanto aos agentes químicos, a utilização de luvas e cremes de proteção não possui o condão de neutralizar a ação dos agentes nocivos a que estava exposto o segurado.
Os cremes de proteção são conhecidos como "luvas invisíveis" e são utilizados por não ocasionarem perda de tato ou movimentação dos trabalhadores. Considerando-se o desgaste natural da camada protetora proporcionada por esses cremes em virtude do manuseio de equipamentos, ferramentas, da fricção das mãos com objetos e roupas e mesmo do suor, aspectos ínsitos à prestação laboral em análise, torna-se impossível a avaliação do nível de proteção a que está sujeito o trabalhador.
Assim, não convincente a afirmação de que a utilização apenas de cremes de proteção, ainda que de forma adequada, possui o condão de neutralizar a ação de agentes nocivos químicos, ainda mais considerando que a exposição do segurado ocorria de forma "contínua e permanente".
Frise-se que tal entendimento vem sendo reiteradamente adotado no âmbito trabalhista, restando caracterizada a insalubridade do labor, em grau máximo, desempenhado por trabalhadores da área de mecânica de manutenção, ainda que demonstrada, por meio de prova técnica, a adequada utilização de cremes protetores. Nesse sentido:
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CREME DE PROTEÇÃO. Em que pese a conclusão do perito engenheiro, no sentido de não serem insalubres as atividades laborais da reclamante, pelo uso adequado do creme de proteção para as mãos, esta Turma Julgadora, na sua atual composição, adota o entendimento de que os cremes de proteção, mesmo com Certificado de Aprovação, e utilização regular pelo trabalhador, não são eficazes para neutralizar de forma eficiente a ação dos agentes insalubres, porquanto não formam uma barreira de proteção uniforme sobre as mãos e antebraços, a qual não permanece íntegra após o atrito das mãos com as peças manuseadas. Adicional de insalubridade devido. (TRT4, RO 0002111-72.2012.5.04.0333; 9ª Turma; Relatora Desa. Maria da Graça Ribeiro Centeno. 22/05/2014).
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CONTATO COM PRODUTOS QUÍMICOS DE ORIGEM MINERAL. "LUVA INVISÍVEL". GRAU MÁXIMO. O fornecimento e o uso do creme protetor, ainda que o obreiro o reaplique de forma periódica, consiste em uma "luva invisível" que vai sendo retirada com o manuseio, expondo o empregado ao contato direto com o agente insalubre. A proteção insuficiente é fator de aumento do risco, pois o trabalhador, acreditando estar imune, age com menor cautela do que quando não está usando nenhum equipamento de proteção individual. (TRT4, RO 0000145-35.2013.5.04.0561; 6ª Turma; Relator Des. Raul Zoratto Sanvicente. 26/02/2014).
Por conseguinte, considerando que a caracterização da especialidade do labor em decorrência da exposição do segurado a agentes químicos prescinde de análise quantitativa, bem como demonstrada a impossibilidade de total neutralização dos efeitos de tais agentes pelo uso dos EPIs fornecidos à parte autora, é cabível o reconhecimento da natureza especial do labor.
Portanto, é cabível o reconhecimento da natureza especial do labor, devendo ser confirmada a sentença no ponto.
Do direito ao benefício
Mantido o tempo de serviço reconhecido em sentença, fica inalterada a decisão, igualmente, quanto ao preenchimento dos requisitos ao benefício, à época do requerimento administrativo.
Consectários e provimentos finais
- Correção monetária e juros de mora
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da Lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
- INPC ou IPCA em substituição à TR, conforme se tratar, respectivamente, de débito previdenciário ou não, a partir de 30/06/2009, diante da inconstitucionalidade do uso da TR, consoante decidido pelo STF no Tema 810 e pelo STJ no tema 905.
Os juros de mora, por sua vez, devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Por fim, a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o artigo 3º da Emenda n. 13, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.
Honorários advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência aquele regramento.
Decaindo minimamente em sua pretensão, pois reconhecido tempo de serviço e o direito à concessão, deve o INSS arcar exclusivamente com a verba honorária.
O juízo de origem, tendo por aplicáveis as disposições do art. 85, §§ 3º e 4º do novo CPC, fixou os honorários de sucumbência em 10% sobre o valor das parcelas vencidas.
Conforme a Súmula n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça, a verba honorária deve incidir sobre as prestações vencidas até a data da decisão de procedência (sentença).
De acordo com precedentes desta Corte Regional, a referida Súmula permanece vigente com o advento do Código de Processo Civil de 2015:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. EPILEPSIA. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA DURANTE PERÍODO DE INCAPACIDADE. GARANTIA DA SOBREVIVÊNCIA. POSSIBILIDADE. DESCONTOS. NÃO CABIMENTO. TEMA 1013 DO STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICE. TEMA 810 DO STF. TEMA 905 DO STJ. ADEQUAÇÃO. (...)5. A Súmula 111 do STJ permanece válida na vigência do Código de Processo Civil de 2015. Precedentes deste Tribunal e do STJ.(...)(TRF4, AC 5005497-33.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 16/09/2020)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DECISÃO QUE INDEFERIU A INCLUSÃO DE PARCELAS VENCIDAS APÓS A SENTENÇA. COISA JULGADA.(...) 3. Diferentemente do que defende a parte agravante, a Súmula nº 111 do STJ permanece plenamente válida e eficaz, mesmo após a vigência do Código de Processo Civil de 2015. (...) (TRF4, AG 5014214-58.2020.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 16/07/2020)
PREVIDENCIÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. SUCUMBÊNCIA DO INSS. SÚMULA 76 TRF4 E 111 STJ. ARTIGO 85 NCPC. Sucumbente, deverá o INSS ser condenado ao pagamento das custas processuais (das quais é isento) e dos honorários advocatícios fixados em conformidade com o disposto na Súmula 76 deste Tribunal e 111 do e. STJ e de acordo com a sistemática prevista no artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015. (TRF4, AC 5004323-66.2019.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relator JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, juntado aos autos em 18/03/2020)
Assim, dá-se parcial provimento à apelação da parte autora para condenar o INSS exclusivamento ao pagamento de honorários advocatícios.
Em 26/08/2020, foi afetado pelo STJ o Tema 1059, com a seguinte questão submetida a julgamento: "(Im) Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação."
Ciente da existência de determinação de suspensão nacional dos feitos em que se discute essa matéria, e considerando a necessidade de evitar prejuízo à razoável duração do processo, a melhor alternativa, no caso, é diferir, para momento posterior ao julgamento do tema, a decisão sobre a questão infraconstitucional afetada, sem prejuízo do prosseguimento do feito quanto aos demais temas, evitando-se que a controvérsia sobre consectários possa produzir impactos à prestação jurisdicional principal.
Assim, deverá ser observado pelo juízo de origem, oportunamente, o que vier a ser decidido pelo tribunal superior quanto ao ponto.
Custas processuais
Afasto a condenação do autor ao pagamento de custas processuais, de todo modo o INSS é isento de seu pagamento quando demandado no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei n.º 9.289/96). Porém, deverá ressarcir eventuais custas adiantadas pela parte autora.
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando o teor do extrato do Sistema PLENUS acostado ao evento 169, deixa-se de determinar a implantação do benefício.
Conclusão
Parcialmente provida a apelação do INSS para adequar os critérios de juros de mora e de correção monetária. Parcialmente provido também o recurso adesivo do autor para redistribuir os honorários advocatícios e as custas processuais, ficando diferida a majoração da verba sucumbencial nos termos da fundamentação. Nos demais pontos, mantida a sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento ao recurso adesivo do autor.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003228398v18 e do código CRC 3c6095c1.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 17/6/2022, às 19:17:39
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:02:06.
Apelação Cível Nº 5004198-97.2011.4.04.7101/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: WILMAR MACHADO (AUTOR)
ADVOGADO: FERNANDA ALMEIDA VALIATTI (OAB RS062876)
ADVOGADO: ANA CRISTINA BORGES DA CUNHA (OAB RS072646)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. laudo similar. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
1. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador.
2. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
3. Admite-se a prova técnica por similaridade para verificação das condições de trabalho da parte autora quando inviável a aferição direta, desde que em estabelecimento de condições semelhantes àquelas onde o segurado laborou originariamente.
4. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, sem modulação de efeitos.
5. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E.
6. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29/06/2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança.
7. A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, nos termos do art. 3º da EC 113/2021, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento ao recurso adesivo do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de junho de 2022.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003228399v4 e do código CRC 4c76b15b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 17/6/2022, às 19:17:39
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:02:06.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 08/06/2022 A 15/06/2022
Apelação Cível Nº 5004198-97.2011.4.04.7101/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: WILMAR MACHADO (AUTOR)
ADVOGADO: FERNANDA ALMEIDA VALIATTI (OAB RS062876)
ADVOGADO: ANA CRISTINA BORGES DA CUNHA (OAB RS072646)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 08/06/2022, às 00:00, a 15/06/2022, às 14:00, na sequência 443, disponibilizada no DE de 30/05/2022.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ADESIVO DO AUTOR.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:02:06.