APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5012322-76.2014.4.04.7000/PR
RELATOR | : | JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CLAUDEMIR MENDONCA NUNES |
ADVOGADO | : | SOELI INGRÁCIO DE SILVA |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. PERICULOSIDADE. ELETRICIDADE. RECONHECIMENTO. PERÍODO POSTERIOR A 05/03/1997. SÚMULA 198 DO TFR E LEI 7.369/85. POSSIBILIDADE. INTERMITÊNCIA. POSSIBILIDADE. INDICAÇÃO EXPRESSA DA VOLTAGEM NO LAUDO PERICIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 8º DO ARTIGO 57 DA LEI 8.213/91. TUTELA ESPECÍFICA.
1. É possível o reconhecimento da especialidade do labor desenvolvido com exposição à eletricidade média superior a 250 volts após 5/3/1997, com fundamento na Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos e na Lei 7.369/1985, regulamentada pelo Decreto 93.412/1996. 2. A intermitência não obsta o reconhecimento da atividade periculosa, pois a exposição do trabalhador às tensões elétricas, conforme enunciadas, revelam um fator de risco bem superior à média, porquanto um único momento de desatenção pode implicar em uma fatalidade, o que não é o caso de outros agentes que exigem maior tempo de contato. 3. A implantação da aposentadoria especial não exige o afastamento do segurado da atividade que o exponha a agentes nocivos. Inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57 da Lei 8.213/91. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de revisar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). 5. A forma de cálculo dos consectários legais resta diferida para a fase de execução do julgado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e à remessa necessária; a determinar a implantação do benefício e a diferir, de ofício, para a fase de execução, a forma de cálculo dos consectários legais, restando prejudicada, no ponto, o recurso do INSS e a remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de março de 2017.
JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA
Juiz Federal Convocado
| Documento eletrônico assinado por JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8833213v6 e, se solicitado, do código CRC 5784CE05. | |
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| Signatário (a): | José Luis Luvizetto Terra |
| Data e Hora: | 23/03/2017 13:59 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5012322-76.2014.4.04.7000/PR
RELATOR | : | JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CLAUDEMIR MENDONCA NUNES |
ADVOGADO | : | SOELI INGRÁCIO DE SILVA |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta da sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Ante o exposto, julgo o feito parcialmente procedente, resolvendo o mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para:
a) averbar, como especiais, os períodos de 09/03/1987 a 23/11/1992, de 22/03/1993 a 01/06/2001 e de 02/06/2001 a 03/10/2013
b) implantar, em favor do autor, aposentadoria especial, com DIB em 03/10/2013 (DER); e
c) pagar ao autor as parcelas vencidas desde a DER, corrigidas nos termos da fundamentação supra.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários sucumbenciais, fixando-os em 10% da condenação, montante a abranger as parcelas vencidas até a presente sentença (Súmula 70, TRF4; Súmula 111, STJ).
O INSS recorre alegando que o fator de risco eletricidade foi excluído da lista de agentes agressivos, razão pela qual a data limite para conversão do tempo especial em comum é 05/03/1997. Que não cabe o enquadramento por periculosidade; que não foi comprovada a permanência da exposição e, ainda, que havia uso de EPC/EPI eficaz. Em relação à exposição ao agente ruído, por sua vez, a Autarquia afirma que não há laudo contemporâneo. Em razão disso, postula a reforma da decisão, tendo em vista a impossibilidade de reconhecimento da especialidade dos períodos postulados. O INSS busca, ainda, a declaração da constitucionalidade do §8º do artigo 57 da Lei de Benefícios. Insurge-se, por fim, em relação aos consectários legais.
Regularmente processados, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Da remessa necessária
É caso de remessa necessária dado que, embora em vigor as novas regras quanto às hipóteses de seu conhecimento de que tratam os arts. 496, I, 496, §3.º, I e no art. 496, §4.º e seus incisos do NCPC/2015, cuidando-se de sentença publicada/disponibilizada em data anterior a 18.03.2016, devem ser observados os parâmetros até então vigentes, sem que isso implique em não incidência imediata de regra processual, considerando-se que o ato foi praticado em observância aos balizadores da época.
Da atividade especial
O reconhecimento da especialidade de determinada atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AR n.º 3320/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24/09/2008; EREsp n.º 345554/PB, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 08/03/2004; AGREsp n.º 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 23/06/2003; e REsp n.º 491.338/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 23/06/2003), que passou a ter expressa previsão legislativa com a edição do Decreto n.º 4.827/2003, o qual alterou a redação do art. 70, §1º, do Decreto n.º 3.048/99.
Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído, frio e calor (STJ, AgRg no REsp n.º 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04/08/2008; e STJ, REsp n.º 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07/11/2005), em que necessária a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes;
b) a partir de 29/04/1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei n.º 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13/10/1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória n.º 1.523, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29/04/1995 (ou 14/10/1996) e 05/03/1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído, frio e calor, conforme visto acima;
c) a partir de 06/03/1997, data da entrada em vigor do Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória n.º 1.523/96 (convertida na Lei n.º 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
d) a partir de 01/01/2004, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) passou a ser documento indispensável para a análise do período cuja especialidade for postulada (art. 148 da Instrução Normativa n.º 99 do INSS, publicada no DOU de 10/12/2003). Tal documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030, ou DIRBEN-8030) e, desde que devidamente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, exime a parte da apresentação do laudo técnico em juízo.
Para fins de enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos n.º 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), n.º 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e n.º 83.080/79 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n.º 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), n.º 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n.º 83.080/79 (Anexo I) até 05/03/1997, e os Decretos n.º 2.172/97 (Anexo IV) e n.º 3.048/99 a partir de 06/03/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto n.º 4.882/03. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula n.º 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n.º 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/06/2003).
Ainda para fins de reconhecimento da atividade como especial, cumpre referir que a habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3.º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, devendo ser interpretada no sentido de que tal exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de ocorrência eventual, ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho, e em muitas delas a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível. A propósito do tema, vejam-se os seguintes precedentes da Terceira Seção deste Tribunal: EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, de relatoria do Desembargador Federal Néfi Cordeiro, D.E. 24/10/2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 07/11/2011.
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta ser reconhecida como especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF4, EINF 2005.72.10.000389-1, Terceira Seção, minha Relatoria, D.E. 18/05/2011; TRF4, EINF 2008.71.99.002246-0, Terceira Seção, Relator Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, D.E. 08/01/2010).
Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, o Quadro Anexo do Decreto n.º 53.831, de 25/03/1964, o Anexo I do Decreto n.º 83.080, de 24/01/1979, o Anexo IV do Decreto n.º 2.172, de 05/03/1997, e o Anexo IV do Decreto n.º 3.048, de 06/05/1999, alterado pelo Decreto n.º 4.882, de 18/11/2003, consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1:
- Até 05/03/1997: Anexo do Decreto n.º 53.831/64 (Superior a 80 dB) e Anexo I do Decreto n.º 83.080/79 (Superior a 90 dB).
- De 06/03/1997 a 06/05/1999: Anexo IV do Decreto n.º 2.172/97 (Superior a 90 dB).
- De 07/05/1999 a 18/11/2003 Anexo IV do Decreto n.º 3.048/99, na redação original (Superior a 90 dB).
- A partir de 19/11/2003: Anexo IV do Decreto n.º 3.048/99 com a alteração introduzida pelo Decreto n.º 4.882/2003 (Superior a 85 dB).
Embora a redução posterior do nível de ruído admissível como prejudicial à salubridade tecnicamente faça presumir ser ainda mais gravosa a situação prévia (a evolução das máquinas e das condições de trabalho tendem a melhorar as condições de trabalho), pacificou o egrégio Superior Tribunal de Justiça que devem limitar o reconhecimento da atividade especial os estritos parâmetros legais vigentes em cada época (REsp 1333511 - CASTRO MEIRA, e REsp 1381498 - MAURO CAMPBELL).
Revisando a jurisprudência desta Corte, providência do colegiado para a segurança jurídica da final decisão esperada, passa-se a adotar o critério da egrégia Corte Superior, de modo que é tida por especial a atividade exercida com exposição a ruídos superiores a 80 decibéis até a edição do Decreto 2.171/1997. Após essa data, o nível de ruído considerado prejudicial é o superior a 90 decibéis. Com a entrada em vigor do Decreto 4.882, em 18/11/2003, o limite de tolerância ao agente físico ruído foi reduzido para 85 decibéis (AgRg no REsp 1367806, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, vu 28/05/2013), desde que aferidos esses níveis de pressão sonora por meio de perícia técnica, trazida aos autos ou noticiada no preenchimento de formulário expedido pelo empregador.
Das perícias por similaridade
Cumpre ressaltar que as perícias realizadas por similaridade ou por aferição indireta das circunstâncias de trabalho têm sido amplamente aceitas em caso de impossibilidade da coleta de dados in loco para a comprovação da atividade especial. Nesse sentido, vejam-se os seguintes precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM. PERÍCIA INDIRETA OU POR SIMILITUDE CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO.
1. Uma vez exercida atividade enquadrável como especial, sob a égide da legislação que a ampara, o segurado adquire o direito ao reconhecimento como tal e ao acréscimo decorrente da sua conversão em comum. 2. Constando dos autos a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, deve ser reconhecido o respectivo tempo de serviço. 3. A perícia técnica deve ser realizada de forma indireta, em empresa similar àquela em que laborou o segurado, quando não há meio de reconstituir as condições físicas do local de trabalho em face do encerramento das suas atividades. 4. Presentes os requisitos de tempo de serviço e carência, é devida à parte autora a aposentadoria por tempo de serviço, nos termos da Lei nº 8.213/91
(AC nº 2003.70.00.036701-4/PR, TRF-4, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DE 14-09-2007)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO DESENVOLVIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. PROVAS PERICIAL E TESTEMUNHAL.
1. Esta Corte tem entendimento firmado no sentido de ser possível a realização de prova pericial indireta, em empresa similar a que laborava o autor.
2. Descabe a produção de prova testemunhal no presente caso, sobretudo por tratar a hipótese do reconhecimento da especialidade do trabalho desenvolvido pelo segurado, fato que depende de conhecimento técnico para sua correta apuração.
3. Agravo de instrumento parcialmente provido. (AI n.2005.04.01.034174-0, Quinta Turma, Rel. Luiz Antonio Bonat, publicado em18-01-2006)
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APOSENTADORIA ESPECIAL. PERÍCIA INDIRETA. POSSIBILIDADE.
1. É admitida a perícia indireta como meio de prova diante da impossibilidade da coleta de dados in loco, para a comprovação da atividade especial.
2. Agravo de instrumento provido. (AI n. 2002.04.01.049099-9, Sexta Turma, Rel. José Paulo Baltazar Júnior, publicado em 16-03-2005)
Da periculosidade por sujeição à eletricidade
Cuidando-se de sujeição à eletricidade (atividade periculosa), é ínsito o risco potencial de acidente, não se exigindo a exposição permanente (TRF4, EINF 2007.70.05.004151-1, 3.ª Seção, Relator Luís Alberto DAzevedo Aurvalle, D.E. 11/05/2011).
Apesar da ausência de previsão expressa pelos Decretos 2.172/1997 e 3.048/1999, é possível o reconhecimento da especialidade do labor desenvolvido com exposição à eletricidade média superior a 250 volts após 5/3/1997, com fundamento na Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos e na Lei 7.369/1985, regulamentada pelo Decreto 93.412/1996 (TRF4, EINF 2007.70.00.023958-3, 3.ª Seção, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 15/12/2010; STJ, EDcl no AgRg no REsp 1119586/RS, Relator Ministro Og Fernandes, DJe 21/11/2011).
Além disso, no que tange à periculosidade, há enquadramento no item "1-a" (atividades ou operações em instalações ou equipamentos elétricos energizados em alta tensão) do Anexo n° 4 (Atividades e Operações Perigosas com Energia Elétrica) da Norma Regulamentadora 16 (Atividades e Operações Perigosas) do Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pela Portaria MTB n° 3.214/1978.
Impende destacar a diferença essencial entre a exposição a certos agentes, como o frio e o calor, que atuam lentamente, e cujas condições negativas sobre o organismo humano geralmente exigem maior de tempo de contato, e a exposição à periculosidade. Neste último caso, deve-se sopesar o risco (maior ou menor) em relação ao tempo (mais curto ou longo) de contato com o referido agente, buscando-se uma solução de equilíbrio que não exija o contato permanente a um agente extremamente perigoso, ou tampouco um contato eventual em relação a um fator cujos riscos se mostrem mais amenos.
Nesses termos, a exposição do trabalhador às tensões elétricas, conforme enunciadas, revelam um fator de risco bem superior à média, porquanto um único momento de desatenção pode implicar em uma fatalidade, o que não é o caso de outros agentes que exigem maior tempo de contato. Nestas condições, exigir do trabalhador um contato permanente com o agente eletricidade seria o mesmo que exigir condições não humanas de trabalho, que demandariam atenção redobrada durante todo o período da jornada de trabalho, e muito provavelmente implicariam o perecimento físico, ou pelo menos na degradação psicológica do segurado.
Da extemporaneidade do laudo técnico
A extemporaneidade do laudo técnico não tem o condão de retirar-lhe a força probante, pois, se com as inovações tecnológicas e de medicina e segurança do trabalho foi observada, na atualidade, a exposição a agentes nocivos em níveis superiores ao permitidos em Lei, reputa-se que à época em que efetivamente prestado o serviço o ambiente de trabalho tinha iguais ou piores condições de salubridade. Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. CONVERSÃO. LEI N. 9.711/98. DECRETO N. 3.048/99. LAUDO EXTEMPORÂNEO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1 a 4 - omissis. 5. A extemporaneidade do laudo pericial não lhe retira a força probatória, já que, constatada a presença de agentes nocivos no ambiente de labor em data posterior à de sua prestação, mesmo com as inovações tecnológicas e de medicina e segurança do trabalho advindas com o passar do tempo, reputa-se que, à época da atividade, a agressão dos agentes era igual, ou até maior, dada a escassez de recursos materiais existentes para atenuar sua nocividade e a evolução dos equipamentos utilizados no desempenho das tarefas". (TRF4. 5ª Turma. Apelação Cível 2002.04.01.048922-5/RS. D.E. 21/06/2007. Rel. Celso Kipper)
Em razão disso, o laudo apresentado mostra-se hábil a embasar o formulário DSS-8030 apresentado pelo autor.
Dos Equipamentos de Proteção Individual
Acerca desses equipamentos, registra-se que sendo caso de periculosidade, não se cogita de afastamento da especialidade em virtude de seu uso.
Acerca desses equipamentos, registra-se, ainda, que há menção de fornecimento no laudo técnico. Contudo, não há prova de controle ou mesmo de treinamento para o correto e permanente uso deles. Além disso, a utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, data da publicação da MP n.º 1.729/98, convertida na Lei n.º 9.732/98, que alterou o § 2.º do artigo 58 da Lei 8.213/91, determinando que o laudo técnico contenha informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. Importante registrar que a própria Autarquia adotou esse entendimento (Instrução Normativa 45/10, art. 238).
Ademais, é pacífico o entendimento deste Tribunal e também do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 462.858/RS, Rel. Min. Paulo Medina, 6.ª T, DJU de 08-05-2003) no sentido de que esses dispositivos não são suficientes para descaracterizar a especialidade da atividade, a não ser que comprovada a sua real efetividade por meio de perícia técnica especializada e desde que devidamente demonstrado o correto uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho, o que não restou comprovado nos presentes autos.
No caso da exposição a hidrocarbonetos, deve ser esclarecido que o fornecimento e até mesmo o uso de creme protetor de segurança e luva para proteção contra óleos e graxa são equipamentos destinados apenas à proteção das mãos e dos braços, promovendo tão somente proteção cutânea. O mesmo se diga quanto aos óculos de proteção e guardapó. Ocorre que a exposição do trabalhador a hidrocarbonetos aromáticos causa danos ao organismo que vão além de patologias cutâneas, pois, conforme o posicionamento desta Turma, "o contato com esses agentes (graxas, óleos minerais, hidrocarbonetos aromáticos, combustíveis, solventes, inseticidas, etc.) é responsável por frequentes dermatoses profissionais, com potencialidade de ocasionar afecções inflamatórias e até câncer cutâneo em número significativo de pessoas expostas, em razão da ação irritante da pele, com atuação paulatina e cumulativa, bem como irritação e dano nas vias respiratórias quando inalados e até efeitos neurológicos, quando absorvidos e distribuídos através da circulação do sangue no organismo. Isto para não mencionar problemas hepáticos, pulmonares e renais" (TRF4, APELREEX 0002033-15.2009.404.7108, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 12/07/2011) - sublinhado.
No caso do ruído, deve ser consignado que a exposição habitual e permanente a níveis de ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos na legislação pertinente à matéria sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos. A condição especial do labor persiste, uma vez que "Lesões auditivas induzidas pelo ruído fazem surgir o zumbido, sintoma que permanece durante o resto da vida do segurado e, que, inevitavelmente, determinará alterações na esfera neurovegetativa e distúrbios do sono. Daí a fadiga que dificulta a sua produtividade. Os equipamentos contra ruído não são suficientes para evitar e deter a progressão dessas lesões auditivas originárias do ruído, porque somente protegem o ouvido dos sons que percorrem a via aérea. O ruído origina-se das vibrações transmitidas para o esqueleto craniano e através dessa via óssea atingem o ouvido interno, a cóclea e o órgão de Corti." (Irineu Antônio Pedrotti, Doenças Profissionais ou do Trabalho, LEUD, 2ª ed., São Paulo, 1998, p. 538).
Nesse sentido foi o julgamento do ARE 664335 (tema reconhecido com repercussão geral pelo STF sob o número 555). Na sessão do Plenário, DE 4-12-2014, o Tribunal assentou a tese segundo a qual o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. O Tribunal assentou ainda a tese de que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. Relator Min. Luiz Fux - grifado
Do caso em análise
O período controverso em que se pretende o reconhecimento da atividade como especial está assim detalhado: 09/03/1987 a 23/11/1992, de 22/03/1993 a 01/06/2001 e de 02/06/2001 a 03/10/2013.
Transcrevo a sentença quanto à análise do caso concreto:
1) De 09/03/1987 a 23/11/1992 - Cia Agrícola Usina Jacarezinho
Para demonstrar a especialidade do período em questão, o autor apresentou os seguintes documentos: a) cópia de sua carteira profissional, na qual consta seu vínculo empregatício com a Companhia Agrícola Usina Jacarezinho, no período de 09/03/1987 a 23/11/1992, no cargo de "assistido" (evento 1, PROCADM4, fl. 8); b) Perfil Profissiográfico Previdenciário, emitido em 21/06/2013, no qual consta que o autor, no período em questão, exerceu as funções de "assistido" e "meio oficial de eletricista", exercendo suas atividades exposto ao agente físico ruído, em nível equivalente a 89,52 dB (evento 1, PROCADM4, fls. 24-25); c) Perfil Profissiográfico Previdenciário, emitido em 25/08/2014, no qual consta que o autor, no período em questão, exerceu as funções de "assistido" e "meio oficial de eletricista", exercendo suas atividades exposto ao agente físico ruído, em nível equivalente a 89,52 dB (evento 24, PPP2, fls. 1-2); e d) Laudos Técnicos (evento 24, PPP2, fls. 9-13).
Analisando referida documentação, resta claro que o autor exerceu suas atividades, como "assistido" e como "meio oficial de eletricista", com exposição ao agente físico ruído, em nível equivalente a 89,52 dB, nível este superior ao limite de tolerância previsto para a época que era de 80 dB.
Ainda que haja a informação da utilização de Equipamentos de Proteção Individual, nos termos da fundamentação supra, tenho que estes não possuem o condão de eliminar os efeitos da vibração sonora, motivo pelo qual reputo não neutralizarem os efeitos nocivos do ruído.
Sendo assim, concluo pela especialidade do período de 09/03/1987 a 23/11/1992, ante a exposição do autor, em dito interregno, a ruído acima do limite de tolerância.
Procedente, portanto, o pedido do autor, no ponto.
2) De 22/03/1993 a 01/06/2001 e de 02/06/2001 a 03/10/2013 - Kraft Foods Ltda. (atual Mondelez Brasil Ltda.)
Para analisar a especialidade dos períodos em questão, foi determinada a realização de perícia, da qual participou pessoalmente o autor. O laudo assim se reportou às funções desempenhadas pelo demandante (evento 62, LAU1, p. 5):
"(...) 3.1 - Atividades/Equipamentos:
A jornada diária do autor era de 8 horas.
A evolução funcional foi a seguinte, para o período solicitado:
1. Função: Eletricista Manutenção, de 22/03/1993 a 31/12/1994 e de 01/01/1995 a 31/03/2001.
Setor: Fabrica 40 - Confeti
2. Função: Eletricista Manutenção Especializado, de 01/04/2001 a 01/06/2001.
Setor: Fabrica 40 - Confeti
3. Função: Eletrônico I, de 01/06/2001 a 28/02/2003.
Setor: Confeti
4. Função: Eletrônico II, de 01/03/2003 a 11/09/2013.
Setores: Confeti, Brand Mix, Brand Mix Automático.
As atividades principais para as funções eram as mesmas apenas ocorreu evolução salarial e aumento de responsabilidade:
a) Efetuava a manutenção elétrica corretiva e preventiva nas diversas secções da empresa (Embaladoras, Drageadoras, Moldadoras, Extrusoras, entre outras);
b) Realizava a montagem de máquinas, painéis e quadros de distribuição de força;
c) Demais atividades correlatas".
No tocante à identificação dos agentes ambientais, constou em dito laudo as seguintes importantes informações (evento 62, LAU1, p. 6-8):
"(...)
4.1 - Agentes Físicos:
Consideram-se agentes físicos as diversas formas de energia a que possa estar exposto o trabalhador.
Para o caso foi analisado o Ruído, como agente com esta natureza, nas atividades desenvolvidas pelo autor.
O autor não permanece em local definido e suas tarefas na manutenção elétrica são executadas em todo o ambiente produtivo e variáveis em função do serviço a ser executado.
Desta forma o perito optou por considerar válida a dosimetria efetuada pela empresa em jornada integral, tendo sido obtido um nível equivalente de 86,7 dB(A).
4.2 - Agentes Químicos
São as substâncias compostas ou produtos que possuem potencial para penetrar no organismo pela via respiratória, nas formas de poeira, fumos, névoas, neblinas ou vapores, ou que possam ser absorvidos através da pele ou por ingestão.
Consideram-se Agentes Químicos, nocivos ao trabalhador, os constantes nos anexos 11, 12 e 13 da NR-15 (Atividades e Operações Insalubres) e legislação previdenciária pertinente.
Não ocorreu exposição a agentes químicos.
4.3 - Agentes Biológicos
Considera-se risco biológico a exposição a bactérias, fungos, bacilos, parasitas, vírus, entre outros, cuja classificação como agente insalubre está prevista na legislação vigente.
Não ocorreu exposição a Agentes Biológicos.
Agentes Periculosos
Pela legislação do trabalho vigente à época laborada pelo autor, quatro são as hipóteses de enquadramento de periculosidade aos trabalhos em geral:
- Anexo 1 da NR-16: Atividades e Operações Perigosas com Explosivos;
- Anexo 2 da NR-16: Atividades e Operações Perigosas com Inflamáveis;
- Decreto 93.412/86: Trabalhos no setor de energia elétrica;
- Portaria 3.393/87: Radiações ionizantes ou substâncias radioativas.
Pela Legislação Previdenciária: Decreto 53.831/64 item 1.1.8. - Eletricidade.
O autor esteve em contato com o Agente Eletricidade nas suas atividades diárias e sempre recebeu o adicional de periculosidade.
A exposição ao agente agressivo era habitual e indissociável das atividades desempenhadas.
Avaliação da Exposição do Requerente ao Agente Periculoso Eletricidade.
O autor efetuava a manutenção e instalação das máquinas e equipamentos da empresa com a energia ligada ou desenergizada, mas passível de energização acidental.
O autor estava exposto basicamente a tensões de 380 a 440 Volts de forma habitual nos trabalhos de manutenção e montagem das máquinas.
Para as atividades do autor, o uso de EPI's não neutraliza o risco à sua integridade física (...)".
Informou, ainda, o expert que, durante todo o período laborado, houve a utilização dos seguintes EPI´s: luva de raspa, óculos de segurança, uniforme, touca, botina e protetor auditivo tipo concha, com fator de atenuação de 20 dB (A) (NRRsf), com Certificado de Aprovação sob n.º 23456. Salientou que o uso de tais equipamentos era obrigatório e fiscalizado.
Do acima exposto, tem-se que o autor esteve exposto a: a) ruído em nível equivalente a 86,7 dB; e b) eletricidade em tensões de 380 a 440 Volts.
No tocante ao agente ruído, levando-se em consideração os níveis de tolerância supracitados, tem-se que a exposição do autor se deu em nível superior ao limite previsto, nos períodos de 22/03/1993 a 05/03/1997 e de 19/11/2003 a 03/10/2013.
Ainda que haja a informação da utilização de Equipamentos de Proteção Individual, como já dito antes, tenho que estes não possuem o condão de eliminar os efeitos da vibração sonora, motivo pelo qual reputo não neutralizarem os efeitos nocivos do ruído.
Assim, deve-se reconhecer a especialidade de tais interregnos, ante a exposição do autor a nível de ruído superior ao limite de tolerância.
Já no que se refere à eletricidade, importante se realizar previamente uma breve evolução da legislação acerca do tema. Vejamos.
A atividade exposta à eletricidade já contava com a proteção da Lei nº 7.369/85, mesmo antes da atual Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social (L. 8.213/91). Dita lei dispunha:
Art. 1º O empregado que exerce atividade no setor de energia elétrica, em condições de periculosidade, tem direito a uma remuneração adicional de trinta por cento sobre o salário que perceber.
Art. 2º No prazo de noventa dias o Poder Executivo regulamentará a presente Lei, especificando as atividades que se exercem em condições de periculosidade.
A LBPS veio dispor:
Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalho sujeito a condições especiais que prejudiquem sua saúde ou a integridade física, durante quinze, vinte ou vinte e cinco anos, conforme dispuser a lei.
A periculosidade é, portanto, presumida por força de lei, situação que, nos termos do art. 201 da Constituição Federal e do art. 57 da Lei nº 8.213/91, confere ao segurado direito à aposentadoria especial. Nestes termos, o Superior Tribunal de Justiça decidiu recurso especial submetido ao regime do art. 543-C do CPC:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTE ELETRICIDADE. SUPRESSÃO PELO DECRETO 2.172/1997 (ANEXO IV). ARTS. 57 E 58 DA LEI 8.213/1991. ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER EXEMPLIFICATIVO. AGENTES PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS. REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO. SUPORTE TÉCNICO MÉDICO E JURÍDICO. EXPOSIÇÃO PERMANENTE, NÃO OCASIONAL NEM INTERMITENTE (ART. 57, § 3º, DA LEI 8.213/1991).
1. Trata-se de Recurso especial interposto pela autarquia previdenciária com o escopo de prevalecer a tese de que a supressão do agente eletricidade do rol de agentes nocivos pelo Decreto 2.172/1997 (Anexo IV) culmina na impossibilidade de configuração como tempo especial (arts. 57 e 58 da Lei 8.213/1991) de tal hipótese a partir da vigência do citado ato normativo.
2. À luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). Precedentes do STJ.
3. No caso concreto, o Tribunal de origem embasou-se em elementos técnicos (laudo pericial) e na legislação trabalhista para reputar como especial o trabalho exercido pelo recorrido, por consequência da exposição habitual à eletricidade, o que está de acordo com o entendimento fixado pelo STJ.
4. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.
(REsp 1306113/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013)
A edição do Dec. 2.172/97 não obsta, pois, o reconhecimento da atividade de eletricista como especial.
Quanto ao reconhecimento do caráter especial da atividade, importa referir o disposto no regulamento da Lei nº 7.369/85, expedido inicialmente sob a forma do Dec. 92.212/85. Dele constava o quadro de atividades consideradas perigosas, a merecer proteção especial, destacando-se:
1 - Atividades de Construção, Operação e Manutenção de redes e linhas aéreas de alta e baixa tensões integrantes de sistemas elétricos de Potência, energizadas mas com possibilidade de energização, acidental ou por falha operacional, incluindo:
1.1 - Montagem, instalação, substituição, conservação reparos, ensaios e testes de: verificação, inspeção levantamento, supervisão e fiscalização: fusíveis condutores, pára-raios, postes, torres, chaves, muflas isoladores, transformadores capacitores, medidores, reguladores de tensão, religadores seccionalizadores, carrier (onda portadora via linhas de transmissão), cruzetas, reator, relé e braço de iluminação pública, aparelho de medição gráfica, bases de concretos ou alvenaria de torres, postes e estrutura de sustentação de redes e linhas aéreas e demais componentes das redes aéreas.
...
1.3 - Ligações e cortes de Consumidores
1.4 - Manobras aéreas e subterrâneas de redes e linhas
1.5 - Manobras em subestação
1.6 - Testes de curto em linhas de Transmissão
1.7 - Manutenção de fontes de alimentação de sistemas de comunicação
1.8 - Leitura em consumidores de alta tensão
1.9 - Aferição em equipamentos de medição
1.10 - Medidas de resistência, lançamento e instalação de cabo contra-peso
1.11 - Medidas de campo elétrico, rádio interferência e correntes induzidas.
1.12 - Testes elétricos em instalações de terceiros em faixas de linhas de transmissão (oleodutos, gasodutos, etc)
...
3 - Atividades de inspeção, testes, ensaios, calibração, medição e reparos em equipamentos e materiais elétricos, eletrônicos, eletromecânicos e de segurança individual e coletiva em sistemas elétricos de potência de alta e baixa tensão.
Referido decreto foi revogado pelo Dec. 93.412/86 que, tirante um melhor delineamento da habitualidade para fins de pagamento do adicional trabalhista, não trouxe novidades quanto às atividades, repetindo o quadro anterior.
A Lei nº 7.369/85 foi revogada pela Lei nº 12.740/2012 que, alterando a Consolidação das Leis Trabalhistas, unificou o tratamento das atividades consideradas perigosas. Eis o teor do dispositivo celetista:
Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.
§ 2º - O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo.
Como se vê, a "revogação" da Lei nº 7.369/85 nada mais foi que a transposição parcial de seu conteúdo para a CLT, visando uniformizar o tratamento da matéria - periculosidade - no âmbito das relações de trabalho. Não afeta, pois, a caracterização da atividade como especial para fins previdenciários.
No caso em apreço, ficou atestado pela perícia técnica que a exposição do autor à eletricidade, nos períodos laborados na empresa Kraft Foods Ltda (atual Mondelez Brasil Ltda.), se deu em tensões variáveis entre 380 e 440 Volts, ou seja, tensões estas superiores a 250 Volts, o que comprova a periculosidade do vínculo.
Ainda que conste a utilização de alguns equipamentos de proteção individual, tenho que estes não seriam suficientes para afastar mencionada periculosidade, como bem consignou o expert no laudo pericial:
"Para as atividades do autor, o uso de EPI's não neutraliza o risco à sua integridade física".
Entendo, nesse contexto, que não houve afastamento da especialidade pelo uso de EPI.
Outrossim, destaco que ainda que a exposição do segurado ao agente nocivo não perdurasse por todas as horas trabalhadas, trata-se de risco potencial, cuja sujeição não depende da exposição habitual e permanente. Quanto ao tema em debate, assim se posiciona o E. TRF da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. PROPORCIONAL. ATIVIDADE ESPECIAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. ELETRICIDADE . RISCO POTENCIAL. EPI. COMPROVAÇÃO. CONVERSÃO DO TEMPO ESPECIAL EM COMUM. POSSIBILIDADE ATÉ 28-05-98. LEI 9.711/98. REQUISITOS LEGAIS. CARÊNCIA E TEMPO DE SERVIÇO. PREENCHIMENTO ATÉ 28-05-98. LEI 9.711/98. REQUISITOS LEGAIS. CARÊNCIA E TEMPO DE SERVIÇO. PREENCHIMENTO ATÉ 16-12-98. DIREITO ADQUIRIDO. INAPLICABILIDADE DAS REGRAS DA EMENDA CONSTITUCIONAL 20/98. RESTRIÇÃO DA CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO A DEZEMBRO/98. JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HONORÁRIOS PERICIAIS. 1 a 2. Omissis. 3. O agente nocivo eletricidade (acima de 250 volts) tem enquadramento no Decreto nº 53.831/64 até 05-03-97. Após, é necessária a verificação da periculosidade no caso concreto, por meio de perícia judicial, a teor da Súmula 198 do extinto TFR. 4. Em se tratando de periculosidade por sujeição a altas tensões elétricas, não é necessário o requisito permanência, já que o tempo de exposição não é um fator condicionante para que ocorra um acidente ou choque elétrico, tendo em vista a presença constante do risco potencial, não restando desnaturada a especialidade da atividade pelos intervalos sem perigo direto. 5 a 11. Omissis. (AC 2003.70.00.011786-1/PR, Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, 5ª Turma, DJU 06-7-2005).
Por fim, embora possa se argumentar que o laudo é extemporâneo, dita extemporaneidade não prejudica a análise, prevalecendo a presunção de que as condições ambientais de trabalho tendem a melhorar com o passar do tempo. Assim, reputam-se ao menos iguais as condições havidas antes da avaliação, quando não piores. Nesse sentido vem decidindo o E.TRF4, exemplificativamente:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. COMPROVAÇÃO. LAUDO EXTEMPORÂNEO ÀS ATIVIDADES SUBMETIDAS ÀS CONDIÇÕES INSALUBRES. POSSIBILIDADE. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO (EPI'S). AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE EFETIVA ELISÃO DE PREJUÍZO À SAÚDE HUMANA. 1 - A respeito do laudo extemporâneo às atividades especiais, vale referir que se, em data posterior ao labor, foi constatada a presença de agentes nocivos, mesmo com as inovações tecnológicas e de medicina e segurança do trabalho que advieram com o passar do tempo, conclui-se que, na época pretérita, a agressão dos agentes era, ao menos, igual, senão maior, em razão da escassez de recursos materiais existentes, até então, para atenuar sua nocividade e a evolução dos equipamentos utilizados no desempenho de suas tarefas. 2 e 3 omissis (TRF4, APELREEX 5005369-04.2011.404.7000, Quinta Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Isabel Pezzi Klein, juntado aos autos em 25/04/2013)
Desta forma, procedente o pedido, ficando reconhecida a especialidade nos períodos em que o laudo pericial indica como tendo havido exposição do autor à eletricidade, a nível de tensão elétrica superior a 250 volts, quais sejam: de 22/03/1993 a 01/06/2001 e de 02/06/2001 a 03/10/2013.
Procedente, portanto, o pedido do autor, no ponto.
Não merece qualquer reparo a sentença guerreada. Isso porque os perfis profissiográficos previdenciários acostados aos autos, relativos ao período de 09/03/1987 a 23/11/1992, informam que o autor estava exposto ao ruído, em nível equivalente a 89,52 dB(A), ou seja, a nível superior ao legalmente permitido. O mesmo deve ser dito em relação aos lapsos de 22/03/1993 a 05/03/1997 e de 19/11/2003 a 03/10/2013, durante os quais o autor estava exposto ao ruído, com intensidade de 86,7 dB(A), também superior ao legalmente permitido.
Em relação aos lapsos de 22/03/1993 a 01/06/2001 e de 02/06/2001 a 03/10/2013 possível o reconhecimento da especialidade em virtude da exposição ao agente periculoso energia elétrica, de forma habitual e permanentemente, pois demonstrada a exposição do autor a tensões superiores a 250 volts.
Importante salientar, nesse sentido, que a intermitência, em se tratando de agente eletricidade, não obsta o reconhecimento da periculosidade, pois a exposição do trabalhador às tensões elétricas, conforme enunciadas, revelam um fator de risco bem superior à média, porquanto um único momento de desatenção pode implicar em uma fatalidade, o que não é o caso de outros agentes que exigem maior tempo de contato.
Deve ser consignado, ainda, que, conforme entendimento do STJ, a eletricidade gera direito à aposentadoria especial mesmo depois de 05/03/97 (Resp 130611-3), tendo em vista a Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos e a Lei 7.369/1985, regulamentada pelo Decreto 93.412/1996, como já salientado acima.
Nesse sentido, aliás, vale referir que a utilização correta dos EPI´s não elimina totalmente o risco de acidentes no Sistema Elétrico de Potência. Os EPI´s, no máximo, irão atenuar as consequências de um acidente. Logo, o seu fornecimento não impede o reconhecimento da especialidade do período postulado.
O mesmo deve ser dito em relação ao ruído, uma vez que, conforme já consignado acima, a exposição habitual e permanente a níveis de ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos na legislação pertinente à matéria sempre caracteriza a atividade como especial, independentemente da utilização ou não de EPI ou de menção, em laudo pericial, à neutralização de seus efeitos nocivos.
O autor faz jus, desse modo, ao reconhecimento da especialidade de todo o período postulado.
Da aposentadoria especial
No que pertine ao tempo de serviço, somando-se o período especial ora reconhecido, a parte autora demonstra ter trabalhado em atividades especiais por 26 anos, 02 meses e 27 dias, suficientes à concessão da Aposentadoria Especial, na data da DER.
Da inconstitucionalidade do art. 57, § 8º da Lei de Benefícios
A Corte Especial deste Tribunal (Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade n. 5001401-77.2012.404.0000, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 24-05-2012) decidiu pela inconstitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei de Benefícios, (a) por afronta ao princípio constitucional que garante o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII, da Constituição Federal de 1988; (b) porque a proibição de trabalho perigoso ou insalubre existente no art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal de 1988, só se destina aos menores de dezoito anos, não havendo vedação ao segurado aposentado; e (c) porque o art. 201, § 1º, da Carta Magna de 1988, não estabelece qualquer condição ou restrição ao gozo da aposentadoria especial.
Ressalta-se que não se desconhece que a questão acerca da possibilidade de percepção do benefício da aposentadoria especial na hipótese em que o segurado permanece no exercício de atividades laborais nocivas à saúde teve a repercussão geral reconhecida pelo STF no julgamento do RE 788092 (Tema 709). Não se desconhece, também, das razões invocados pelo ilustre relator, Min. Dias Toffoli, no sentido da constitucionalidade da referida regra, insculpida no § 8º do art. 57 da Lei 8.213/1991. Entretanto, pelos fundamentos acima declinados, mantenho a decisão da Corte Especial deste Tribunal até que haja o pronunciamento definitivo pela Suprema Corte.
Nesse contexto, resta assegurada à parte autora a possibilidade de continuar exercendo atividades laborais sujeitas a condições nocivas após a implantação do benefício.
Tutela Específica
Destaco que o relevante papel da tutela específica na ordem jurídica foi reafirmado com o Novo Código de Processo Civil. Não poderia ser diferente já que o diploma processual passou a considerar, em suas normas fundamentais, que a atividade satisfativa do direito reconhecido também deve ser prestada em prazo razoável (art. 4.º, NCPC). Essa disposição legal, à evidência, encontra base na própria Constituição Federal (art. 5.º, XXXV, CF). Assim: "à luz desse preceito, tem-se que a Jurisdição apresenta-se como atividade do Estado voltada à realização do Direito, não só restaurando a ordem jurídica violada (isto é, após a ocorrência da lesão, ou do dano), mas, também, evitando que tal violação ocorra" (MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 759).
De fato, a técnica que anteriormente proporcionava o imediato cumprimento das decisões de preponderante eficácia mandamental - para prestigiar a célebre classificação de Pontes de Miranda - foi aprimorada. É que as regras anteriores estavam confinadas aos artigos 461 e 461-A do CPC/73. Agora, é feita a distinção entre o pronunciamento judicial que impõe o dever de fazer ou não fazer, ainda na fase cognitiva, e posteriormente, é dado tratamento ao cumprimento da tutela prestada. Nessa linha, confira-se a redação dos artigos 497 e 536, ambos do NCPC.
Tenho, pois, que a tutela específica é instrumento que anima a ordem processual a dar material concreção àquele direito reconhecido em juízo. Ela afasta a juridicidade do plano meramente genérico e converte em realidade a conseqüência determinada pelo provimento judicial.
Não me parece, também, que a tutela específica possa ser indistintamente equiparada às tutelas provisórias (antecipatória e cautelar), já que a sua concessão, em determinados casos, dispensa a situação de perigo, como se denota do parágrafo único do art. 497, NCPC. Aliás, expressis verbis, para que seja evitada a prática de uma conduta ilícita, é irrelevante a demonstração de ocorrência de dano.
No mais, cumpre lembrar que os recursos especial e extraordinário não possuem efeito suspensivo e, portanto, a regra geral é a realização prática do direito tão logo haja pronunciamento pelo tribunal local, não havendo qualquer justificativa razoável para que não se implemente o comando judicial de plano.
Especificamente em matéria previdenciária, a sentença concessiva de benefício amolda-se aos provimentos mandamentais e executivos em sentido amplo, cujos traços marcantes, considerada a eficácia preponderante, são, respectivamente, o conteúdo mandamental e a dispensa da execução ex intervallo, ou seja, a propositura de nova ação de execução. Nesse ponto, vale registrar que este Tribunal já adota a compreensão, de longa data, no sentido de que é possível a imediata implantação dos benefícios previdenciários com fundamento na tutela específica (TRF4, 3.ª Seção, Questão de Ordem na AC n.º 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09-08-2007).
Entendo, portanto, que a implantação do benefício previdenciário ora deferido é medida que se impõe imediatamente. Para tanto, deverá o INSS, no prazo de 45 dias, realizar as providências administrativas necessárias.
Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Juros moratórios e correção monetária
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que sejam definidos na fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5.º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária e à taxa de juros, e, considerando que a questão é acessória no contexto da lide, mostra-se adequado e racional diferir-se a solução em definitivo acerca dos consectários legais para a fase de execução, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida.
A fim de evitar novos recursos sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se, inicialmente, os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, caso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e correção monetária, restando prejudicado, no ponto, o recurso e/ou remessa necessária.
Da Verba Honorária
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Saliente-se, por oportuno, que não incide a sistemática dos honorários prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida antes de 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016), conforme prevê expressamente o artigo 14 do NCPC: A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
Das Custas Processuais
As custas processuais deverão ser suportadas pelo INSS, o qual, contudo, é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual n.º 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI n.º 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Conclusão
Em conclusão, nego provimento ao recurso do INSS e à remessa necessária, mantendo o reconhecimento da especialidade dos períodos de 09/03/1987 a 23/11/1992, de 22/03/1993 a 01/06/2001 e de 02/06/2001 a 03/10/2013, assim como o direito à concessão da aposentadoria especial, a contar da data do requerimento na via administrativa.
Em relação à forma de cálculo dos consectários legais, restam prejudicados o recurso do INSS e a remessa necessária, diferindo-se, de ofício, a questão para a fase de execução.
Dispositivos
Frente ao exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e à remessa necessária; a determinar a implantação do benefício e a diferir, de ofício, para a fase de execução, a forma de cálculo dos consectários legais, restando prejudicada, no ponto, o recurso do INSS e a remessa necessária.
JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA
Juiz Federal Convocado
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/03/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5012322-76.2014.4.04.7000/PR
ORIGEM: PR 50123227620144047000
RELATOR | : | Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CLAUDEMIR MENDONCA NUNES |
ADVOGADO | : | SOELI INGRÁCIO DE SILVA |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/03/2017, na seqüência 1138, disponibilizada no DE de 08/03/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E À REMESSA NECESSÁRIA; A DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO E A DIFERIR, DE OFÍCIO, PARA A FASE DE EXECUÇÃO, A FORMA DE CÁLCULO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS, RESTANDO PREJUDICADA, NO PONTO, O RECURSO DO INSS E A REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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