Apelação Cível Nº 5027250-17.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ADAIR LUIS BALBINOT
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta contra sentença, publicada em 21/05/2018, proferida nos seguintes termos (
):III.I. Ante o exposto, forte nas disposições do art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por ADAIR LUIZ BALBINOT em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL INSS, para:
a) Declarar que o autor exerceu atividade rural, em regime de economia familiar, no interregno de 01/03/1979 a 31/10/1991, determinando ao réu a respectiva averbação para fins previdenciários;
b) Reconhecer a especialidade dos períodos de 01/08/1995 a 06/07/2005, determinando ao réu a respectiva averbação para fins previdenciários;
c) Indeferir a especialidade do período de 08/07/2005 a 24/08/2009 face não se enquadrar como tanto;
d) Condenar o réu a implementar o benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição em favor do autor, no percentual de 100% (cem por cento) do salário-de-contribuição, nos moldes do artigo 53, II, da Lei nº 8.213/91, bem como o seu pagamento desde o requerimento administrativo (23/09/2013), até a data que o benefício for efetivamente implementado, acrescidos de correção monetária e juros de mora. Ressalto que a presente verba possui natureza alimentar.
III.II. A correção monetária, segundo o entendimento consolidado da 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos seguintes índices oficiais: - IGP-DI de 05/96 a 03/2006, de acordo com o art. 10 da Lei n. 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n. 8.880/94; - INPC de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n. 10.741/03, combinado com a Lei n. 11.430/06, precedida da MP n. 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n. 8.213/91; - IPCA-E a partir de 30/06/2009.
O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, determinando a adoção do IPCA-E para o cálculo da correção monetária nas dívidas não-tributárias da Fazenda Pública.
III.III. Quanto os juros moratórios, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança.
Em suas razões recursais, a parte autora requer a reforma do decisum para que seja reconhecida a nocividade no lapso de 08/07/2005 a 24/08/2009, bem como para que o INSS seja condenado a arcar com o pagamento de honorários advocatícios (
).Sem contrarrazões, foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, as questões controvertidas nos autos cingem-se às condições da prestação de serviço da parte autora no lapso de 08/07/2005 a 24/08/2009 e à condenação do INSS ao pagamento da verba honorária. Pois bem.
Exame do tempo especial no caso concreto
Em suas razões de recurso, o autor busca o cômputo diferenciado de tempo de serviço no intervalo de 08/07/2005 a 24/08/2009, em que exerceu a função de motorista na empresa Zambonini e Cia. Ltda. ME, onde era encarregado das seguintes atividades (
):Dirigir caminhão Mercedes 1113 efetuando o transporte interno de mercadorias do frigorífico Seara, circulando no pátio da empresa, realizando transporte entre os setores carregando e descarregando caixas plásticas, paletes, condimentos, cortes de carnes e matérias primas necessárias para o andamento das atividades do frigorífico.
Segundo o formulário PPP, preenchido com indicação do responsável técnico pelos registros ambientais (
, pp. 14-15), o autor, no exercício de suas atribuições, esteva exposto ao agente físico ruído, variável entre 83 dB(A) e 88 dB(A). Por sua vez, no laudo judicial, o perito concluiu que, Do período analisado de 08/07/2005 a 24/08/2009, o requerente não ficou exposto a agentes nocivos que pudessem caracterizar aposentadoria especial ( ).Havendo divergência entre o formulário PPP e o laudo pericial, destaco que, quando estamos diante de situações de incerteza científica relacionada aos efeitos nocivos do meio ambiente do trabalho na saúde humana, recomenda-se uma solução judicial acautelatória, de maneira a proteger o fundamental bem da vida que se encontra em discussão - direito à saúde -, direito este que se relaciona, no presente caso, com a contagem diferenciada do tempo de serviço e saída antecipada do trabalhador, mediante concessão de aposentadoria especial. Uma das consequências dessas premissas é a de que, uma vez identificada situação de divergência nas conclusões periciais, retratadas por laudos técnicos ambientais, impõe-se, com fundamento no princípio da precaução, acolher a conclusão da asserção mais protetiva da saúde do trabalhador, no caso a do formulário PPP, que atesta a sujeição do obreiro ao agente físico ruído.
O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado, analisou a matéria objeto da afetação ao Tema 1.083 e concluiu por firmar a tese jurídica no sentido de que O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço (Relator Ministro Gurgel de Faria, REsp 1.886.795/RS, Primeira Seção, unânime, julgado em 18/11/2021, publicado em 25/11/2021).
De fato, o Decreto nº 4.882, de 18/11/2003 alterou a redação do art. 68 do Decreto nº 3.048/99, para acrescentar-lhe o § 11, determinando que As avaliações ambientais deverão considerar a classificação dos agentes nocivos e os limites de tolerância estabelecidos pela legislação trabalhista, bem como a metodologia e os procedimentos de avaliação estabelecidos pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO, que adotara o critério denominado Nível de Exposição Normalizado (NEN). Segundo a Norma de Higiene Ocupacional nº 1 da FUNDACENTRO (NHO 01), Nível de Exposição Normalizado (NEN) é o nível de exposição, convertido para uma jornada padrão de 8 horas diárias, para fins de comparação com o limite de exposição.
Assim sendo, o Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, que apresenta a classificação de agentes nocivos, passou a prever, em seu item 2.0.1, como passível de enquadramento para fins de aposentadoria especial, aos 25 anos de tempo de serviço, com relação ao agente físico ruído, a exposição a Níveis de Exposição Normalizados (NEN) superiores a 85 dB(A). (Alínea com a redação determinada pelo Decreto nº 4.882, de 18-11-2003).
Nesta ordem de raciocínio, o STJ deixou assentado, no paradigma do representativo de controvérsia, que, A partir do Decreto n. 4.882/2003, é que se tornou exigível, no LTCAT e no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), a referência ao critério Nível de Exposição Normalizado – NEN (também chamado de média ponderada) em nível superior à pressão sonora de 85 dB, a fim de permitir que a atividade seja computada como especial. Para os períodos de tempo de serviço especial anteriores à edição do referido Decreto, que alterou o Regulamento da Previdência Social, não há que se requerer a demonstração do NEN, visto que a comprovação do tempo de serviço especial deve observar o regramento legal em vigor por ocasião do desempenho das atividades.
Dito isso, para o intervalo de 08/07/2005 a 24/08/2009, uma vez que se trata de tempo de serviço posterior a 19/11/2003, data de início da vigência do Decreto nº 4.882/2003, e com medição de ruído variável, exige-se a observância da dosimetria NEN, preconizada na NHO 01 da Fundacentro.
Ocorre que não há referência, no PPP, quanto à metodologia utilizada para aferição do ruído e o perito judicial, no laudo, simplesmente entendeu não estar configurado o exercício de atividades especiais pelo autor, sem indicar a presença de quaisquer agentes nocivos, tais como o ruído - notadamente à vista do formulário PPP acima referido - e a penosidade do trabalho prestado pelo motorista.
Assim, em face do preceito contido no artigo 370 do CPC (Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.), mostra-se prematura a solução da controvérsia.
Embora o labor prestado em condições penosas não tenha sido contemplado no rol de agentes dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99 (Anexos IV), além das hipóteses de enquadramento dos agentes agressivos conforme previsão nos decretos regulamentares, sempre possível também a verificação da nocividade da atividade no caso concreto, por força da previsão contida na Súmula nº 198 do extinto TFR (Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em regulamento).
Acerca da celeuma, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo, no julgamento do Tema 534, concluiu que as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). (RESP nº 1.306.113, Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJE 07/03/2013).
De fato, a jurisprudência desta Corte se orienta pela possibilidade de enquadramento do tempo de serviço, como especial, em razão da penosidade da atividade de motorista de caminhão, sendo, para tanto, imperiosa a realização de perícia, a fim de verificar se a prestação laboral se dava em condições penosas.
Em recente julgado, proferido em sede de incidente de assunção de competência, ao analisar questão análoga à dos autos, a Terceira Seção concluiu por fixar a seguinte tese jurídica: deve ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova.
Referida decisão restou assim ementada:
PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA - IAC. TEMA TRF4 N.° 5. ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA OU COBRADOR DE ÔNIBUS. RECONHECIMENTO DA PENOSIDADE APÓS A EXTINÇÃO DA PREVISÃO LEGAL DE ENQUADRAMENTO POR CATEGORIA PROFISSIONAL PELA LEI 9.032/1995. POSSIBILIDADE. 1. O benefício de aposentadoria especial foi previsto pela primeira vez no ordenamento jurídico nacional em 1960, pela Lei Orgânica da Previdência Social, a Lei 3.087/1960, que instituiu o requisito de prestação de uma quantidade variável (15, 20 ou 25 anos) de tempo de contribuição em exercício de atividades insalubres, perigosas ou penosas. 2. Apesar de contar com previsão no próprio texto constitucional, que garante aos trabalhadores o pagamento do adicional correspondente na seara trabalhista (art. 7º, XXIII, CF/1988), até o presente momento não houve a regulamentação da penosidade, motivo pelo qual torna-se uma tarefa bastante difícil a obtenção de seu conceito. 3. Pela conjugação dos estudos doutrinários, das disposições legais e dos projetos legislativos existentes, é possível delimitar-se o conceito de penosidade como o desgaste à saúde do trabalhador ocorrido na prestação da atividade profissional, em virtude da necessidade de dispêndio de esforço excessivo, da necessidade de concentração permanente e contínua, e/ou da necessidade de manutenção constante de postura. 4. Não há discussões acerca da possibilidade de reconhecimento da penosidade nas situações previstas no Anexo IV do Decreto 53.831/1964, que configuram hipóteses de enquadramento por categoria profissional, admitido até a vigência da Lei 9.032/1995, sendo que as controvérsias ocorrem quanto à possibilidade de reconhecimento da penosidade nos intervalos posteriores a essa data. 5. O requisito exigido para o reconhecimento da especialidade do tempo de contribuição prestado a partir da vigência da Lei 9.032/1995 e até a superveniência da Emenda Constitucional 103/2019 - condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física - não exclui a possibilidade de inclusão de atividades exercidas em situação de periculosidade e penosidade. 6. Essa posição acabou sendo sancionada pelo STJ no julgamento do REsp 1.306.113/SC, admitido como recurso representativo de controvérsia repetitiva sob o Tema n° 534, em que, embora a questão submetida a julgamento fosse a possibilidade de configuração da especialidade do trabalho exposto ao agente perigoso eletricidade, a tese fixada ultrapassa os limites do agente eletricidade, e da própria periculosidade, permitindo o reconhecimento da especialidade do labor prestado sob exposição a outros fatores de periculosidade, à penosidade, e até mesmo a agentes insalubres não previstos em regulamento, desde que com embasamento "na técnica médica e na legislação correlata". 7. Admitida a possibilidade de reconhecimento da penosidade após a vigência da Lei 9.032/1995, esse reconhecimento deve se dar com base em critérios objetivos analisados no caso concreto por meio de perícia técnica, uma vez que extinta a possibilidade de mero enquadramento por categoria profissional. 8. Tratando-se de circunstância que, embora possua previsão constitucional, carece de regulamentação legislativa, sequer é cogitada pelos empregadores na confecção dos formulários habitualmente utilizados para a comprovação de atividade especial, motivo pelo qual é necessário que os órgãos judiciais garantam o direito dos segurados à produção da prova da alegada penosidade. Ademais, considerando que a tese encaminhada por esta Corte vincula o reconhecimento da penosidade à identificação dessa circunstância por perícia técnica, essa constitui, então, o único meio de prova à disposição do segurado. 9. Tese fixada nos seguintes termos: deve ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova. 10. Cabendo ao órgão colegiado julgar também o recurso que dá origem à assunção de competência admitida, conforme disposto no art. 947, §2º do CPC, no caso concreto deve ser dado provimento à preliminar da parte autora para anular a sentença e determinar o retorno do feito ao Juízo de origem, para que se proceda à reabertura da instrução processual. (TRF4 5033888-90.2018.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 27/11/2020)
Porém, no caso, o laudo judicial não indica a presença de agentes agressivos no intervalo em que o autor exerceu a função de motorista de caminhão, tampouco aponta para a condição penosa do trabalho.
É assente que a prova pericial não pode ser desprezada, vez que objetiva demonstrar as reais condições de trabalho do segurado, quais as atividades desempenhadas pelo mesmo e os níveis quantitativos e qualitativos de exposição aos agentes nocivos, requisitos necessários para obter-se um juízo de certeza a respeito da situação fática posta perante o juízo.
Em caso análogo, esta Corte já decidiu que Há cerceamento de defesa em face do encerramento da instrução processual sem a produção da prova expressamente requerida pela parte autora, a qual é imprescindível para o deslinde da controvérsia. O art. 370 do NCPC dispõe que cabe ao Juiz, de ofício, ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, com o que se viabilizará a solução da lide, previsão esta que já existia no art. 130 do CPC de 1973. Hipótese em que (...) deve ser realizada prova pericial in loco nas empresas respectivas, com o intuito de verificar a sujeição do autor aos agentes nocivos ruído e poeira de madeira, e qual a intensidade e nivel de concentração destes, sem deixar de verificar, o perito, a existência ou não de outros agentes nocivos eventualmente presentes no ambiente de trabalho do requerente. No tocante ao intervalo de 01-08-1987 a 27-08-1987 (empresa Agro Pastoril Charbu Ltda. - extinta), deve ser colhida prova oral destinada à comprovação das funções exercidas pelo autor, para que, após, o magistrado verifique, consoante as informações trazidas pelas testemunhas, a necessidade ou não de realização de perícia técnica em empresa similar. Sentença anulada para que, reaberta a instrução processual, sejam produzidas as provas acima referidas. (TRF4 5000710-90.2014.4.04.7211, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Des. Federal Celso Kipper, juntado aos autos em 12/12/2019). Com efeito, Cumpre consignar que, diante do caráter social da Previdência, o trabalhador segurado não pode sofrer prejuízos decorrentes da impossibilidade de produção da prova técnica em decorrência de fatores para os quais não tenha contribuído. (TRF4 5004270-14.2012.4.04.7113, SEXTA TURMA, Relator EZIO TEIXEIRA, juntado aos autos em 16/12/2016).
Ora, se a prova é modesta ou contraditória toca ao julgador, de ofício ou a requerimento das partes, determinar a sua suplementação para a correta elucidação dos fatos, na busca da verdade real, não apenas porque o processo civil cada vez mais tem sido permeado por ela, mas também para que se obtenha um pronunciamento mais equânime e rente à realidade.
É de se considerar, em situações como a da espécie, a nítida conotação social das ações de natureza previdenciária, as quais na sua grande maioria são propostas por pessoas hipossuficientes, circunstância que, via de regra, resulta na angularização de uma relação processual de certa forma desproporcional, devendo ser concedida a oportunidade de produzir a prova pericial, que eventualmente tenha o condão de demonstrar as condições em que exercida a atividade.
Cabe aqui ressaltar que a perícia judicial é meio de prova que busca propiciar ao órgão jurisdicional a compreensão de determinado fato no processo, mediante a utilização de conhecimento técnico especializado de outrem. Visa à obtenção de laudo sobre a questão técnica individualizada pelo Juízo.
Daí ser totalmente impertinente qualquer avaliação jurídica que o perito venha a empreender no laudo, não devendo o perito avaliar questões externas a sua designação, nem emitir opiniões pessoais que não se relacionem com o fato examinado, nos termos do art. 473 § 2º do CPC (É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia).
Com efeito, inexiste liberdade absoluta na elaboração da prova pericial por parte do expert, que deve se empenhar em elucidar ao juízo e às partes todos os elementos necessários à verificação das reais condições ambientais do local da prestação laboral do segurado que objetiva a concessão de aposentadoria especial.
Têm sido comuns as anulações de perícias na Justiça Federal, com um custo financeiro elevadíssimo e resultados não muito diferentes daqueles encontrados nas perícias anteriores. Mais grave ainda é o atraso na entrega da prestação jurisdicional, depondo contra o princípio da razoável duração do processo (art. 4º do CPC/2015).
Esse problema é grave e precisa ser enfrentado com sensibilidade complexa que contemple ao mesmo tempo a necessidade da busca aproximada com a verdade real, condição para a prática da justiça previdenciária almejada constitucionalmente, mas sem perder de vista as deficiências orçamentárias da Justiça Federal e mesmo o respeito e consideração aos escassos profissionais auxiliares do juízo (peritos).
Diante dessa moldura, é preciso distinguir entre "segunda perícia" e "outra perícia". A segunda perícia, segundo Murilo T. Avelino, "não é nada mais que a nova perícia visando complementar a primeira", insatisfatória por não ter "exaurido do seu objeto, tratando de forma insuficiente os pontos levantados" (AVELINO, Murilo Teixeira. O controle judicial da prova técnica e científica. Salvador: Juspodivum, 2017, p. 284-5). Em outros termos, a segunda perícia, assim como costumamos tratar na práxis forense, é mesmo a complementação da perícia. A outra perícia tem lugar quando esgotadas as possibilidades de complementação, porque não se obteve êxito em sanar as omissões ou inexatidões no resultado da primeira.
Consoante o citado autor, "há uma condição para a produção de segunda perícia: só se justifica logo após esgotadas todas as tentativas de esclarecer pontos divergentes ou dúvidas a respeito dos resultados da primeira perícia" (Idem, ibidem, p. 285).
E eu diria que, por medida de economia processual e, principalmente, por respeitos aos princípios da primazia do julgamento de mérito e da sanabilidade dos vícios, expressamente encampados no novo processo civil, a segunda perícia constitui-se como medida extrema a ser ordenada apenas depois de esgotadas as tentativas de se corrigir a primeira.
O processo deve ser conduzido segundo os corolários principiológicos estruturantes da boa fé e da cooperação (arts. 5º e 6º do CPC/2015).
Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Nesta perspectiva, dialógica e cooperativa, apenas quando comprovada a má-fé do perito e que não se deve oportunizar a complementação e os esclarecimentos, ordenando-se de imediato a realização de nova perícia.
De fato, casos há em que pela inaptidão ou tendenciosidade (vicío assaz grave que contamina o campo decisório do juiz, a perícia, ao invés de ajudar (esclarecendo), convola-se em óbice odioso à decisão justa e aderente à realidade fenomenologica) já revelada pelo perito, em outros casos, a anulação da primeira perícia, antes mesmo da complementação, é fatidicamente insuperável.
Apenas uma presunção descabida de má-fé autorizaria a ilação de que o complemento da perícia insatisfatória ao mister de auxiliar o juiz, pelo mesmo perito, fatalmente levaria este profissional a convaliar conclusões anteriormente expendidas, comprometendo sua imparcialidade. Longe se ser uma presunção, percebe-se que realmente existe essa tendência, que deve ser controlada e energicamente pelo juízo de origem e pelo tribunal, que tem o dever de zelar e perseguir a "decisão de mérito justa e efetiva" (art. 6º do CPC/2015).
Logo, inobservada a previsão contida no art. 473 inciso IV, do CPC, outra alternativa não há, senão anular, em parte, a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, para que seja reaberta a instrução e complementada a perícia pelo mesmo perito, de modo a exaurir seu objeto, avaliando exaustivamente a alegada nocividade do labor, no lapso de 08/07/2005 a 24/08/2009, notadamente no que se refere à condição penosa do trabalho e à medição do ruído, devendo ser observada a metodologia da NHO 01 da Fundacentro, com aferição do NEN.
Conclusão:
- Mantida a sentença quanto (a) ao cômputo de tempo de serviço rural no intervalo de 01/03/1979 a 31/10/1991 e de tempo especial no período de 01/08/1995 a 06/07/2005, e (b) ao direito do autor à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral, desde a DER.
- Declarada, de ofício, a nulidade parcial da sentença, por cerceamento de defesa, quanto ao pedido de reconhecimento da especialidade do labor no lapso de 08/07/2005 a 24/08/2009.
- Recursos da parte autora prejudicado.
Dispositivo
Pelo exposto, voto por, de ofício, anular, em parte, a sentença, determinando a remessa dos autos à origem, para que seja reaberta a instrução e complementada a perícia pelo mesmo perito, com profundidade e datalhamento suficientes para esclarecer todos os pontos controvertidos acerca do alegado labor em condições nocivas, restando prejudicado, neste momento, o julgamento do recurso do autor.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002991399v10 e do código CRC b3d09a56.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 17/2/2022, às 11:2:16
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Apelação Cível Nº 5027250-17.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ADAIR LUIS BALBINOT
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE NOCIVA. PERÍCIA INCONCLUSA. NOVA PERÍCIA. DEVER DE COOPERAÇÃO DO PERITO. APROVEITAMENTO DE LAUDO MEDIANTE COMPLEMENTAÇÃO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial Repetitivo (Tema 1.083), firmou a seguinte tese: O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço (Relator Ministro Gurgel de Faria, REsp 1.886.795/RS, Primeira Seção, unânime, julgado em 18/11/2021, publicado em 25/11/2021).
2. Em se tratando de ruído variável, ausente indicação, no formulário PPP, de que a medição do agente físico tenha observado a metodologica traçada pela NHO 01 da Fundacentro, com aferição do NEN, e havendo omissão, na perícia judicial, quanto à presença de agentes agressivos no ambiente de trabalho, impõe-se a declaração de nulidade parcial da sentença, a fim de que os autos sejam remetidos à origem, para complementação do laudo, pelo mesmo perito.
3. Somente a total insubsistência incontornável do laudo recomenda a realização de segunda perícia. Despestígio ao auxilliar da justiça, custo financeiro elevadíssimo, risco de resultado não muito diferente daquele encontrado na perícia anterior, somado ao atraso na entrega da prestação jurisdicional e depondo contra o princípio da razoável duração do processo (art. 4º do CPC/2015), recomendam, sempre que possível, a complementação do laudo.
4. Por medida de economia processual e, principalmente, respeito aos princípios da primazia do julgamento de mérito e da sanabilidade dos vícios corrigíveis, expressamente encampados no novo processo civil, a segunda perícia constitui-se como medida extrema a ser ordenada apenas depois de esgotadas as tentativas de se corrigir a primeira, é dizer: após esgotadas todas as tentativas de esclarecer pontos divergentes ou dúvidas a respeito dos resultados da primeira perícia.
5. Apenas quando comprovada a má-fé do perito é que não se deve oportunizar a complementação e os esclarecimentos, ordenando-se de imediato a realização de nova perícia. Casos há em que, pela inaptidão ou tendenciosidade (vicío assaz grave que contamina o campo decisório do juiz), a perícia, ao invés de ajudar (esclarecendo), convola-se em óbice odioso à decisão justa e aderente à realidade fenomenologica, inclusive já revela em outros casos, a anulação da primeira perícia, antes mesmo da complementação, é fatidicamente insuperável.
6. As perícias nas ações cujo objeto seja benefício de aposentadoria especial devem exaurir seu objeto, avaliando exaustivamente a alegada condição nociva da prestação laboral, com indicação dos agentes agressivos presentes no ambiente de trabalho, tempo de exposição, metodologia empregada para avaliação dos agentes, utilização de EPIs, descrição do local e atividades desenvolvidas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, de ofício, anular, em parte, a sentença, determinando a remessa dos autos à origem, para que seja reaberta a instrução e complementada a perícia pelo mesmo perito, com profundidade e datalhamento suficientes para esclarecer todos os pontos controvertidos acerca do alegado labor em condições nocivas, restando prejudicado, neste momento, o julgamento do recurso do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de fevereiro de 2022.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002991400v3 e do código CRC cbd64a83.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 15/2/2022, às 17:36:45
Conferência de autenticidade emitida em 23/02/2022 04:34:29.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/02/2022 A 14/02/2022
Apelação Cível Nº 5027250-17.2018.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: ADAIR LUIS BALBINOT
ADVOGADO: DARCISIO ANTONIO MULLER (OAB SC017504)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/02/2022, às 00:00, a 14/02/2022, às 16:00, na sequência 124, disponibilizada no DE de 26/01/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DE OFÍCIO, ANULAR, EM PARTE, A SENTENÇA, DETERMINANDO A REMESSA DOS AUTOS À ORIGEM, PARA QUE SEJA REABERTA A INSTRUÇÃO E COMPLEMENTADA A PERÍCIA PELO MESMO PERITO, COM PROFUNDIDADE E DATALHAMENTO SUFICIENTES PARA ESCLARECER TODOS OS PONTOS CONTROVERTIDOS ACERCA DO ALEGADO LABOR EM CONDIÇÕES NOCIVAS, RESTANDO PREJUDICADO, NESTE MOMENTO, O JULGAMENTO DO RECURSO DO AUTOR.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 23/02/2022 04:34:29.