Apelação Cível Nº 5049520-65.2019.4.04.7100/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: CARLOS GUSTAVO HAAS (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
CARLOS GUSTAVO HAAS ajuizou ação ordinária contra o INSS em 07/08/2019, postulando aposentadoria por tempo de contribuição, desde a DER (11/06/2018), mediante o reconhecimento de atividade como seminarista e em regime de economia familiar, de forma intercalada.
A sentença (Evento 59), proferida em 02/03/2021, acolheu em parte a pretensão, nos seguintes termos dispositivos:
Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de:
a) reconhecer a atividade rural em regime de economia familiar, nos períodos de 25/04/1976 a 28/02/1977, de 01/07/1977 a 30/07/1977, de 01/12/1977 a 30/12/1977, de 01/01/1978 a 28/02/1978, de 01/07/1978 a 30/07/1978, de 01/12/1978 a 30/12/1978, de 01/01/1979 a 28/02/1979, de 01/07/1979 a 30/07/1979, de 01/12/1979 a 30/12/1979, de 01/01/1980 a 28/02/1980, de 01/07/1980 a 30/07/1980, de 01/12/1980 a 30/12/1980, de 01/01/1981 a 28/02/1981, de 01/07/1981 a 30/07/1981, de 01/12/1981 a 30/12/1981, de 01/01/1982 a 28/02/1982, de 01/07/1982 a 30/07/1982, de 01/12/1982 a 30/02/1983, de 01º/07/1983 a 30/07/1983, de 01/12/1983 a 30/02/1984, de 01º/07/1984 a 30/07/1984, de 01/12/1984 a 30/02/1985, de 01º/07/1985 a 30/07/1985, de 01/12/1985 a 30/02/1986, de 01º/07/1986 a 30/07/1986 e de 01/12/1986 a 30/02/1987, para todos os fins previdenciários (RGPS), exceto carência;
b) determinar que o INSS promova a averbação dos períodos acima reconhecidos;
c) condenar o INSS a:
c.1) conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde o requerimento administrativo (DER 11/06/2018 - NB 190.349.680-0), conforme fundamentação;
c.2) efetuar o pagamento das parcelas vencidas e vincendas, desde 11/06/2018, sendo as vencidas atualizadas monetariamente e com juros de mora, conforme a fundamentação.
Considerando a sucumbência mínima da parte autora, condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios do patrono da parte autora, fixados em 10% (dez por cento) do valor das parcelas vencidas até a sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Custas pelo INSS, que é isento do seu pagamento (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96), e sem ressarcimento, dado que não adiantadas, sendo a parte autora beneficiária de gratuidade da justiça.
Sem remessa necessária, tendo em vista que o valor da condenação não ultrapassará mil salários mínimos, conforme preceitua o art. 496 CPC.
O autor apelou (Evento 63), alegando, em preliminar, cerceamento de defesa por não ter sido produzida prova testemunhal. No mérito, alegou que a documentação apresentada permite o reconhecimento da atividade como aluno-aprendiz para fins de aposentação. Requereu o acolhimento integral do pedido inicial.
O INSS também apelou (Evento 65), afirmando não ser possível o reconhecimento da atividade rural no caso, e postulando a repartição da verba honorária, afirmando ter ocorrido sucumbência recíproca.
Com contrarrazões de ambas as partes, veio o processo a este Tribunal.
VOTO
Sentença não sujeita ao reexame necessário
ATIVIDADE COMO SEMINARISTA
O julgado, nesse tocante, tem o seguinte conteúdo:
Da atividade como seminarista
Antes da análise do pedido de tempo exercido como seminarista, faço as seguintes digressões a respeito da atividade na condição de aluno aprendiz.
No que pertine ao cômputo do tempo de aluno aprendiz, as reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça e a Súmula 18 da Turma Nacional de Uniformização autorizam a contagem do período quando há remuneração direta ou indiretamente, conforme abaixo:
Súmula 18 TNU - "Provado que o aluno aprendiz de Escola Técnica Federal recebia remuneração, mesmo que indireta, à conta do orçamento da União, o respectivo tempo de serviço pode ser computado para fins de aposentadoria previdenciária".
"PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO. ALUNO-APRENDIZ. ITA. ART. 58, INCISO XXI, DO DECRETO Nº 611/92. O período como estudante do ITA - instituto destinado à preparação profissional para indústria aeronáutica -, nos termos do art. 58, inciso XXI do Decreto nº 611/92 e Decreto-Lei nº 4.073/42, pode ser computado para fins previdenciários, e o principal traço que permite essa exegese é a remuneração, paga pelo Ministério da Aeronáutica à título de auxílio-educando, ao aluno-aprendiz. - Recurso desprovido. (Resp nº 202.525-PR, Rel. Min. FELIX FISCHER, in DJ de 15.06.99)
"PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO. ALUNO-APRENDIZ. ESCOLA PÚBLICA PROFISSIONAL. - O tempo de estudos do aluno-aprendiz realizado em escola pública profissional, sob as expensas do Poder Público, é contado como tempo de serviço para efeito de aposentadoria previdenciária, ex vi do art. 58, XXI, do decreto nº 611/92, que regulamentou a Lei nº 8.213/91. Recurso especial não conhecido." (Resp 171.410/RN, Rel. Min. VICENTE LEAL, in DJU, 04.10.99)
No mesmo sentido, a Súmula 96 do Tribunal de Contas da União dispõe acerca do aluno aprendiz.
"Conta-se, para todos os efeitos, como tempo de serviço público, o período de trabalho prestado, na qualidade de aluno-aprendiz, em Escola Pública Profissional, desde que comprovada a retribuição pecuniária à conta do orçamento, admitindo-se, como tal, o recebimento de alimentação, fardamento, material escolar e parcela de renda auferida com a execução de encomenda para terceiros".
O autor alega, porém, não exercício de atividade como aluno aprendiz, mas sim na atividade de seminarista, condição em que exerceu atividade laboral e remuneração indireta, segundo sustenta, nos períodos de
Na certidão relativa aos períodos como seminarista interno no Seminário São José, consta a seguinte informação a respeito das atividades exercidas pelo autor (Evento 1, PROCADM2, Página 16):
Na certidão relativa aos períodos como seminarista interno no Seminário Maior Arquidiocesano Nossa Senhora da Conceição, consta a seguinte informação a respeito das atividades exercidas pelo autor (Evento 1, PROCADM2, Página 18):
Entendo, porém, que os períodos não podem ser considerados como tempo de contribuição de forma análoga ao caso do aluno aprendiz. Enquanto que nesta hipótese o aluno auxilia a instituição de ensino na produção de determinado objeto para a venda ao público externo, no contexto do curso de formação do seminarista, diferentemente, o trabalho executado é realizado e consumido dentro da própria instituição – e em benefício do próprio aspirante religioso, como são as atividades na lavoura (consumo próprio) e demais atividades (manutenção da casa: limpeza, lavagem etc.).
Como se percebe, a atividade executada pelo seminarista é própria de sua formação e reverte completamente em seu próprio benefício, não se podendo considerar a contraprestação do Seminário (moradia, formação, material escolar etc.) como verdadeira remuneração indireta. [...]
Portanto, os períodos como seminarista cujo reconhecimento como tempo de contribuição se pretende não podem ser reconhecidos.
A sentença merece ser mantida, uma vez que, conforme entendimento deste Tribunal, para o cômputo do tempo de serviço como aspirante à vida religiosa, é imprescindível que haja o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, ou a comprovação da existência de relação de emprego, o que não há na hipótese. Destaco os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS E PERIGOSOS. SUBSTÂNCIAS INFLAMÁVEIS. AGENTES QUÍMICOS. SEMINARISTA. JUSTIÇA GRATUITA. A gratuidade da justiça é devida a quem não possui rendimentos suficientes para suportar as despesas de um processo, presumindo-se verdadeira a declaração de necessidade do benefício. Para o cômputo do tempo de serviço como aspirante à vida religiosa/seminarista, é imprescindível que haja o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias ou a comprovação da existência de relação de emprego. Precedentes. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa a integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido. Até 28.4.1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29.4.1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; a contar de 06.5.1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica. A exposição habitual e permanente a agentes químicos nocivos a saúde permite o reconhecimento da atividade especial. Para tanto, basta a análise qualitativa (exposição aos agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho), independentemente de análise quantitativa (concentração, intensidade, etc.). De acordo com a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é possível reconhecer como especial a atividade pela periculosidade decorrente das substâncias inflamáveis, quando comprovada a exposição do trabalhador aos agentes nocivos durante a sua jornada de trabalho. Ausente a prova do preenchimento de todos os requisitos legais, não é possível a concessão de aposentadoria especial ou por tempo de contribuição. (TRF4, AC 5009130-18.2017.4.04.7005, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 26/05/2021)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ÔNUS DA IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. NÃO CONHECIMENTO DE PARTE DA APELAÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO. SEMINARISTA. AVERBAÇÃO. impossibilidade. TEMPO ESPECIAL. AGENTEs biológicos. RECONHECIMENTO. Aposentadoria POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. efeitos financeiros. CONSECTÁRIOS LEGAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TEMAS 810 DO STF E 905 DO STJ. JUROS DE MORA. 1. Não deve ser conhecida parte da apelação interposta exclusivamente com alegações genéricas, sem impugnação específica dos fundamentos da sentença. 2. Para fins de averbação do período como aspirante à atividade religiosa (seminarista), é imprescindível que haja o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, ou a comprovação da existência de relação de emprego. 3. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 4. Comprovado o tempo de serviço/contribuição suficiente e implementada a carência mínima, é devida a aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, a contar da data de entrada do requerimento administrativo, nos termos dos artigos 54 e 49, inciso II, da Lei 8.213/1991, bem como efetuar o pagamento das parcelas vencidas desde então. 5. Os efeitos financeiros da condenação devem ser fixados na data do requerimento administrativo, porquanto esta Corte tem considerado que desimporta se naquela ocasião o feito foi instruído adequadamente, ou mesmo se continha, ou não, pleito de reconhecimento do tempo de trabalho especial posteriormente admitido na via judicial, sendo relevante para essa disposição o fato de a parte, àquela época, já ter incorporado ao seu patrimônio jurídico o benefício nos termos em que deferido. 6. A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação do IGP-DI de 05/96 a 03/2006, e do INPC, a partir de 04/2006. 7. Os juros de mora devem incidir a contar da citação (Súmula 204 do STJ), na taxa de 1% (um por cento) ao mês, até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados, uma única vez (sem capitalização), segundo percentual aplicável à caderneta de poupança. (TRF4 5002521-77.2017.4.04.7115, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 27/05/2020)
Portanto, não é possível o cômputo do período como seminarista para fins previdenciários.
ATIVIDADE RURAL
TEMPO DE SERVIÇO RURAL - ECONOMIA FAMILIAR
CONSIDERAÇÕES GERAIS
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991 - independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência - está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. Quando exercido em regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
A partir da competência novembro de 1991, em observância ao princípio constitucional da anterioridade previsto no art. 195, §6º, da Constituição Federal (90 dias para a instituição de contribuições para a seguridade social), pretendendo o segurado especial computar tempo de serviço rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, deverá comprovar o recolhimento de contribuições facultativas, conforme dispõe o art. 39, II, da Lei nº 8.213/91. Significa dizer que a contribuição obrigatória sobre percentual retirado da receita bruta da comercialização da produção rural, prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/91, não garante ao segurado especial a aposentadoria por tempo de serviço, pois tal benefício, conforme se depreende do exame dos arts. 11, inciso VII, e 39, I e II, da Lei nº 8.213/91, tem sua concessão condicionada ao recolhimento facultativo de contribuições.
Tal entendimento restou assim sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 11/09/2002:
Súmula 272 - "O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas."
O tempo de trabalho rural deve ser demonstrado com, pelo menos, um início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea. Não é admitida a prova exclusivamente testemunhal, a teor do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/1991, preceito jurisprudencialmente ratificado pelo STJ na Súmula 149 e no julgamento do REsp nº 1.321.493/PR (STJ, 1ª Seção, rel. Herman Benjamin, j. 10/10/2012, em regime de "recursos repetitivos" do art. 543-C do CPC1973). Embora o art. 106 da Lei 8.213/1991 relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo (STJ, Quinta Turma, REsp 612.222/PB, rel. Laurita Vaz, j. 28abr.2004, DJ 07/06/2004, p. 277).
Não se exige, por outro lado, prova documental contínua da atividade rural, ou em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, quaisquer registros em cadastros diversos) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar:
[...] considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ [...]
(STJ, Primeira Seção, REsp 1321493/PR, rel. Herman Benjamin, j. 10/10/2012, DJe 19/12/2012)
Quanto à questão da contemporaneidade da prova documental com o período relevante para apuração de carência, já decidiu esta Corte: A contemporaneidade entre a prova documental e o período de labor rural equivalente à carência não é exigência legal, de forma que podem ser aceitos documentos que não correspondam precisamente ao intervalo necessário a comprovar. Precedentes do STJ (TRF4, Sexta Turma, REOAC 0017943-66.2014.404.9999, rel. João Batista Pinto Silveira, D.E. 14/08/2015).
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do trabalho rural, já que o § 1º do art. 11 da Lei 8.213/1991 define como sendo regime de economia familiar o exercido pelos membros da família "em condições de mútua dependência e colaboração". Via de regra, os atos negociais são formalizados em nome do pater familias, que representa o grupo familiar perante terceiros, função esta em geral exercida pelo genitor ou cônjuge masculino entre os trabalhadores rurais. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental", e já consolidado na jurisprudência do STJ: "A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da admissibilidade de documentos em nome de terceiros como início de prova material para comprovação da atividade rural" (STJ, Quinta Turma, REsp 501.009/SC, rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 20/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 407).
Importante, ainda, ressaltar que o fato de um dos membros da família exercer atividade outra que não a rural não descaracteriza automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício. A hipótese fática do inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, que utiliza o conceito de economia familiar, somente será descaracterizada se comprovado que a remuneração proveniente do trabalho urbano do membro da família dedicado a outra atividade que não a rural seja tal que dispense a renda do trabalho rural dos demais para a subsistência do grupo familiar:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. O exercício de atividade urbana por um dos componentes do grupo familiar não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial dos demais membros, se estes permanecem desenvolvendo atividade rural, em regime de economia familiar. Para a descaracterização daquele regime, é necessário que o trabalho urbano importe em remuneração de tal monta que dispense o labor rural dos demais para o sustento do grupo. Precedentes do STJ.
(TRF4, Terceira Seção, EINF 5009250-46.2012.404.7002, rel. Rogerio Favreto, juntado aos autos em 12/02/2015)
O INSS alega com frequência que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade rural no período de carência. As conclusões adotadas pelo INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pela prova produzida em Juízo. Em conflito as provas colhidas na via administrativa e em as tomadas em juízo, deve-se ficar com estas últimas, pois produzidas com as cautelas legais, garantindo-se o contraditório: "A prova judicial, produzida com maior rigorismo, perante a autoridade judicial e os advogados das partes, de forma imparcial, prevalece sobre a justificação administrativa" (TRF4, Quinta Turma, APELREEX 0024057-21.2014.404.9999, rel. Taís Schilling Ferraz, D.E. 25/06/2015). Dispondo de elementos que impeçam a pretensão da parte autora, cabe ao INSS produzir em Juízo a prova adequada, cumprindo o ônus processual descrito no inc. II do art. 333 do CPC de 1973, e no inc. II do art. 373 do CPC de 2015.
Quanto à idade mínima para exercício de atividade laborativa, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais consolidou o entendimento no sentido de que "A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários." (Súmula n.º 05, DJ 25/09/2003, p. 493). Assim, e considerando também os precedentes da Corte Superior, prevalece o entendimento de que "as normas que proíbem o trabalho do menor foram criadas para protegê-lo e não para prejudicá-lo.". Logo, admissível o cômputo de labor rural já a partir dos 12 anos de idade.
CASO CONCRETO QUANTO AO TEMPO RURAL
A sentença reconheceu os seguintes períodos de atividade como trabalhador rural: 25/04/1976 a 28/02/1977, de 01/07/1977 a 30/07/1977, de 01/12/1977 a 30/12/1977, de 01/01/1978 a 28/02/1978, de 01/07/1978 a 30/07/1978, de 01/12/1978 a 30/12/1978, de 01/01/1979 a 28/02/1979, de 01/07/1979 a 30/07/1979, de 01/12/1979 a 30/12/1979, de 01/01/1980 a 28/02/1980, de 01/07/1980 a 30/07/1980, de 01/12/1980 a 30/12/1980, de 01/01/1981 a 28/02/1981, de 01/07/1981 a 30/07/1981, de 01/12/1981 a 30/12/1981, de 01/01/1982 a 28/02/1982, de 01/07/1982 a 30/07/1982, de 01/12/1982 a 30/02/1983, de 01º/07/1983 a 30/07/1983, de 01/12/1983 a 30/02/1984, de 01º/07/1984 a 30/07/1984, de 01/12/1984 a 30/02/1985, de 01º/07/1985 a 30/07/1985, de 01/12/1985 a 30/02/1986, de 01º/07/1986 a 30/07/1986 e de 01/12/1986 a 30/02/1987.
O INSS alega, em sua apelação, que os períodos de férias não podem ser computados como atividade rural em regime de economia familiar. Com efeito, todos os lapsos, com exceção do primeiro, são intervalos de férias em que o autor estava no seminário. Ainda que a família do autor possa ser de agricultores, o fato de ele somente conviver com a família durante dois ou três meses por ano não permite considerar que o trabalho dele fosse indispensável para o sustento da família, de forma a configurar o regime de economia familiar. Embora o autor pudesse ajudar a família durante as férias, cuida-se de períodos muito curtos para justificar essa indispensabilidade. O trabalho indispensável para a sobrevivência deve ser realizado durante todo o ano e especialmente nos períodos de plantio e colheita, não apenas durante as férias escolares.
Merece provimento a apelação do INSS, para afastar o reconhecimento do exercício de atividade rural em todos os lapsos correspondentes a períodos de férias do seminário. Dessa forma, permanece reconhecido apenas o primeiro lapso de 25/04/1976 a 28/02/1977, anterior ao ingresso no seminário, e não questionado na apelação da Autarquia.
CONSECTÁRIOS
Tendo em conta a sucumbência mínima do INSS, condena-se o autor ao pagamento de custas e honorários, estes fixados em 10% do valor da causa, verbas cuja exigibilidade fica suspensa pela concessão de AJG na origem.
CONCLUSÃO
Negado provimento à apelação do autor. Dado provimento à apelação do INSS para afastar o reconhecimento do tempo rural referente a férias do seminário e, por consequência, condenar somente o demandante nos ônus da sucumbência.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do autor e por dar provimento à apelação do INSS.
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Apelação Cível Nº 5049520-65.2019.4.04.7100/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: CARLOS GUSTAVO HAAS (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
previdenciário. atividade rural e como seminarista. honorários e custas.
1. Impossibilidade de reconhecimento de atividade como seminarista para fins de tempo de contribuição sem recolhimento de contribuições previdenciárias ou configuração da relação de emprego. Precedentes deste Tribunal.
2. Impossibilidade de cômputo de tempo de atividade rural referente a férias, por não estar configurado, nessa condição, o regime de economina familiar.
3. Condenação da parte autora nos ônus da sucumbência, observada a concessão de AJG.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do autor e dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de junho de 2021.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002546118v4 e do código CRC 8a9497e8.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 04/06/2021 A 11/06/2021
Apelação Cível Nº 5049520-65.2019.4.04.7100/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): THAMEA DANELON VALIENGO
APELANTE: CARLOS GUSTAVO HAAS (AUTOR)
ADVOGADO: CRISTIANE MARTINS (OAB RS074700)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/06/2021, às 00:00, a 11/06/2021, às 14:00, na sequência 1104, disponibilizada no DE de 25/05/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR E DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 19/06/2021 04:01:42.