Apelação Cível Nº 5018272-46.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: CLEUZA DE FATIMA GONCALVES DE OLIVEIRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a aposentadoria por idade rural, desde 15/04/2016 (DER)
Processado o feito, sobreveio sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
"(...)
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido da autora, e, por consequência, julgo extinto o presente feito, com resolução de mérito, com fulcro no artigo 487, I, do CPC.
Condeno a autora ao pagamento das custas e despesas processuais (Súm. 20 do TRF da 4ª Região), e nos honorários advocatícios, os quais, tendo em vista a complexidade do processo e o empenho demonstrado pelo causídico, arbitro em 10% do valor da causa, observado o que reza a Súmula nº 111 do STJ, salvo se houver sido deferido o benefício da assistência judiciária gratuita.
Esta sentença não se submete à remessa necessária.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se."
A parte autora apela. Postula a nulidade da sentença sustentando cerceamento de defesa e requerendo o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual, para que seja oportunizada a realização de prova testemunhal do labor rural desenvolvido (evento 83).
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
DIREITO INTERTEMPORAL
Inicialmente, cumpre o registro de que a sentença recorrida foi publicada em data posterior a 18-3-2016, quando passou a vigorar o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16-3-2015), consoante decidiu o Plenário do STJ.
A PROVA TESTEMUNHAL NA COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL
O direito à ampla defesa e ao contraditório é amparado pelo art. 5º, LV, da Constituição Federal e decorre dele a nulidade de qualquer decisão que ao contraditório não for submetida - especialmente quando infringir algum prejuízo.
Deve-se atentar que em matéria previdenciária as regras processuais devem ser aplicadas atendo-se à busca da verdade real.
Em se tratando de benefício devido a trabalhador rural, tem-se que a prova testemunhal é essencial à comprovação da atividade, uma vez que se presta a corroborar os inícios de prova material apresentados. Trata-se, pois, de prova que, segundo o entendimento desta Corte, é indispensável à adequada solução do processo.
Ainda, não se exige prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, como forma a inviabilizar a pretensão, mas apenas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Registre-se o entendimento do STJ no julgamento de recurso repetitivo (tema 554) - destaquei:
Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
Assim, ao abreviar a fase instrutória, sem considerar a necessidade de produção de prova testemunhal, o magistrado cerceia o direito de defesa e de produção de provas da parte autora.
Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. BOIA-FRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. CARACTERIZAÇÃO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. O direito à ampla defesa e ao contraditório é amparado pelo art. 5º, LV, da Carta Política; e decorre dele a nulidade de qualquer decisão que ao contraditório não for submetida - especialmente quando infringir algum prejuízo. 2. Sentença anulada para realização de audiência de instrução, com a oitiva das testemunhas arroladas pela parte autora. (TRF4, AC 5005707-50.2021.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 13/08/2021)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. 1. Presente o início de prova material de atividade rural, deve ser realizada audiência de instrução para produção de prova testemunhal. 2. Há inobservância ao devido processo legal quando o pedido de produção de prova testemunhal é indeferido e o julgamento de improcedência se funda na ausência de comprovação das atividades efetivamente desempenhadas. A insuficiência da instrução processual acarreta a anulação da sentença e a consequente remessa dos autos à origem para reabertura da instrução. (TRF4, AC 5013231-98.2021.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 12/08/2021)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. REQUISITOS LEGAIS. ART. 48, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMA 1007 DO STJ. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. NÃO PRODUÇÃO DE PROVA ORAL. REFORMA DA SENTENÇA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. JULGAMENTO DE MÉRITO. Apelação provida para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual, com vistas à realização da prova testemunhal e julgamento de mérito. (TRF4, AC 5019952-03.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 01/07/2021)
Importante observar, inclusive, por similaridade, o decidido por esta Corte ao julgar o IRDR/TRF4 - Tema 17, em que restou firmada a seguinte tese:
Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.
CASO CONCRETO
Visando à demonstração do exercício da atividade rural nos períodos controvertidos, a parte autora juntou aos autos cópia dos seguintes documentos:
a) certidão de casamento celebrado em 19/07/1980, constando a profissão do cônjuge como lavrador (evento 1 - OUT5);
b) certidão de nascimento da filha Simonhas Soares de Oliveira (25/07/1981), cujo cônjuge da autora está qualificado como lavrador (evento 1 - CERTNASC6);
c) certidão de nascimento da filha Gracy Cristina de Oliveira (30/04/1990), cujo cônjuge da autora está qualificado como lavrador (evento 1 - CERTNASC7);
d) certidão de casamento da filha Joyce Soares de Oliveira (28/02/2003), cujo cônjuge da autora está qualificado como lavrador (evento 1 - OUT8);
e) cadastro individual no e-SUS - atenção básica, onde a autora está qualificada como trabalhadora rural (evento 1 - OUT9);
f) CTPS do cônjuge da parte autora, com registros como trabalhador rural entre os anos de 1988 e 2011 (evento 1 - OUT10/13);
g) recolhimento de contribuições entre 09/2014 e 05/2015 e 07/2015 e 08/2015 - GPS código 1805 (evento 1 - OUT14);
h) recolhimento de contribuições entre 09/2015 e 03/2016 - GPS código 1805 (evento 1 - OUT15);
i) escritura pública de divórcio direto da autora e cônjuge em 23/05/2014, ambos qualificados na ocupação de lavrador (evento 1 - OUT16);
Com efeito, embora a escassez da prova, entendo que deve ser oportunizado à parte requerente a oitiva de testemunhas, o que foi indeferido pelo juízo singular.
As atividades rurais são, geralmente, exercidas por pessoas extremamente simples e com grau de vulnerabilidade elevado, cuja comprovação é difícil e qualquer meio de prova é útil na busca da verdade real, principalmente a oitiva pessoal da parte requerente, bem como das testemunhas arroladas.
Além disso, quando se trata de trabalhador rural denominado bóia-fria, dada a informalidade do labor, a jurisprudência tem relativizado a exigência de início de prova material.
In casu, afigura-se necessária a realização de prova testemunhal, com a colheita de depoimentos que elucidem as circunstâncias do labor rurícola alegadamente exercido pela parte autora.
Dessa forma, a medida que se impõe é a anulação da sentença com o retorno dos autos ao juízo de origem para reabrir a instrução dos autos.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelação provida para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002978108v9 e do código CRC 2b52e273.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5018272-46.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: CLEUZA DE FATIMA GONCALVES DE OLIVEIRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. REALIZAÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL. IMPRESCINDIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
1. Presente o início de prova material de atividade rural, deve ser realizada audiência de instrução para produção de prova testemunhal.
2. A insuficiência da instrução processual acarreta a anulação da sentença e a consequente remessa dos autos à origem para reabertura da instrução.
3. Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 08 de fevereiro de 2022.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002978109v2 e do código CRC 9ff475cd.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 31/01/2022 A 08/02/2022
Apelação Cível Nº 5018272-46.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: CLEUZA DE FATIMA GONCALVES DE OLIVEIRA
ADVOGADO: FERNANDO ROSA FORTES (OAB PR048296)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 31/01/2022, às 00:00, a 08/02/2022, às 16:00, na sequência 372, disponibilizada no DE de 17/12/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Juiz Federal OSCAR VALENTE CARDOSO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
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