Apelação Cível Nº 5014969-45.2013.4.04.7108/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
APELANTE: ALTEMILTON ALOISIO DE LIMA (AUTOR)
ADVOGADO: VAGNER STOFFELS CLAUDINO (OAB RS081332)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Altemilton Aloísio de Lima interpôs recurso de apelação (
) contra sentença proferida em 19/05/2017 ( ) que julgou o pedido formulado na inicial, nos seguintes termos:Ante o exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC/2015, para o fim de condenar o réu a:
a) averbar como tempo de serviço especial os períodos de 15/03/1979 a 08/11/1979, 18/11/1986 a 16/05/1989, 10/02/1992 a 05/05/1993, 12/11/1993 a 03/02/1994, 19/09/1994 a 28/02/1996, bem como a conversão em tempo comum mediante a aplicação do fator 1,4.
b) conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (B42), a partir da propositura da ação (13/08/2013), mediante a aplicação da legislação mais vantajosa; e
c) pagar as parcelas vencidas e vincendas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, de acordo com os critérios da fundamentação.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, em percentual a ser fixado por ocasião da liquidação de sentença (art. 85, §4º, II, do CPC/2015), sobre o valor condenação, excluídas as parcelas que se vencerem após a prolação da sentença (Súmula nº 111 do STJ).
Condeno o INSS ao pagamento dos honorários periciais despendidos pela SJRS.
Sem custas, a teor do art. 4º da Lei nº 9.289/96.
Ainda que ilíquida, a condenação não alcançará o patamar previsto no art. 496, § 3º, do CPC/2015; portanto, inaplicável a remessa necessária.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação requerendo a análise do agravo retido do evento 94 e defendendo a ocorrência de cerceamento de defesa, sustentando a necessidade de retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual com a realização de perícia técnica, relativamente aos períodos cujas especialidades restaram indeferidas na sentença laborados nas empresas Companhia de Bebidas das Américas, Puras do Brasil S/A, Planalto Transporte, Comprebem Comercio e Transporte Ltda., Central Distribuição de Alimentos Ltda., Expresso Conventos Ltda. e Recycle Com. e Serviços Ltda.
Sem contrarrazões ao recurso, vieram os autos a este Tribunal para julgamento.
Em 19/07/2019, foi proferida a decisão vinculada ao
, sobrestando o andamento do processo, em face do Incidente de Assunção de Competência - IAC suscitado na AC nº 5033888-90.2018.4.04.0000, pela Sexta Turma, em sessão de julgamento realizada em 18/4/2018, cuja controvérsia versava sobre a divergência havida quanto à possibilidade de reconhecimento do caráter especial em virtude da penosidade das atividades de motorista de ônibus ou de caminhão exercidas posteriormente à extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995.Superada a questão, o feito encontra-se apto para apreciação.
VOTO
Sobrestamento pelo IAC suscitado no processo nº 5033888-90.2018.4.04.0000
Inicialmente, tendo em vista o julgamento do Incidente de Assunção de Competência no processo nº 5033888-90.2018.4.04.0000, pela Terceira Seção deste Regional, em 27/11/2020, determino o levantamento do sobrestamento do feito.
Legislação Aplicável
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Recebimento do recurso
Importa referir que a apelação deve ser recebida, por ser própria, regular e tempestiva.
Remessa Oficial
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, seguindo a sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que é obrigatório o reexame de sentença ilíquida proferida contra a União, Estados, Distrito Federal e Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público (REsp 1101727/PR, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Corte Especial, julgado em 4/11/2009, DJe 3/12/2009).
No caso em exame, tendo em conta que o valor da condenação fica aquém do limite referido artigo 496, §3º, inciso I, do NCPC/2015, ainda que considerados os critérios de juros e correção monetária, a sentença proferida nos autos não está sujeita a reexame necessário.
Ausência de interesse recursal
A parte autora interpôs recurso de apelação alegando cerceamento de defesa em relação à empresa Companhia de Bebidas das Américas. Todavia, a admissibilidade do recurso pressupõe que ele seja necessário e útil para conferir à parte autora uma posição mais vantajosa, razão pela qual não se deve admiti-lo para discutir os fundamentos de uma decisão, se eles não forem capazes de alterar a conclusão do julgado recorrido.
Tendo sido acolhido o pedido de reconhecimento de tempo especial, não há falar em interesse recursal, na medida em que a parte autora não restou sucumbente no ponto. O reconhecimento do tempo especial por mais de um fundamento não altera a conclusão da sentença. Nesse sentido, os seguintes julgados deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE RECURSAL. CONVERSÃO INVERSA. CONSECTÁRIOS. IMPLANTAÇÃO. 1. Hipótese em que não há interesse recursal no reconhecimento da especialidade da atividade por agente nocivo diverso, por não haver possibilidade de alteração do reconhecimento da especialidade em grau recursal. 2. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento no regime do art. 543-C do CPC, estabeleceu que a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço (STJ, Primeira Seção no regime do art. 543-C do CPC, EDcl no REsp 1310034/PR, rel. Herman Benjamin, j. 26/11/2014, DJe de 02/02/2015). O preceito é aplicável aos que preencheram as condições para aposentadoria especial após a edição da Lei 9.032/1995 e, portanto, não se beneficiam da conversão do tempo de serviço comum em especial para fins de aposentadoria. 3. Correção monetária pelo INPC desde cada vencimento. Juros desde a citação, pelos mesmos índices aplicados à poupança. 4. Ordem para implantação imediata do benefício. (TRF4, AC 5054365-19.2014.4.04.7100, Quinta Turma, Relatora Gisele Lemke, juntado aos autos em 08/07/2020)
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA. INTERESSE RECURSAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESP ECIAL. RUÍDO. LIMITES DE TOLERÂNCIA. METODOLOGIA DE CÁLCULO. APOSENTADORIA ESPECIAL. 1. O segurado não possui interesse em recorrer para o fim de ter reconhecida a especialidade em determinado período de tempo por exposição a algum agente nocivo, se por outro foi expressamente considerado na sentença. 2. Não é cabível a anulação da sentença quando há elementos suficientes nos autos para análise da especialidade dos períodos reclamados. 3. O limite de tolerância para ruído é de 80 dB(A) até 05/03/1997; 90 dB(A) de 06/03/1997 a 18/11/2003; e 85 dB(A) a partir de 19/11/2003 (STJ, REsp 1398260/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014, julgamento proferido de acordo com a sistemática dos recursos representativos de controvérsia - art. 543-C, CPC/1973). 4. A reafirmação da data de entrada do requerimento administrativo (DER), antes inclusive admitida pela administração previdenciária (IN 77/2015), tem lugar também no processo judicial, uma vez verificado o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício, como fato superveniente, após o ajuizamento da ação ou da própria decisão recorrida, de ofício ou mediante petição da parte. 5. Para ter direito à aposentadoria especial, a parte autora deve preencher os requisitos previstos no art. 57 da Lei nº 8213/91, quais sejam: a carência prevista no art. 142 da referida lei e o tempo de trabalho sujeito a condições prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física durante 15, 20 ou 25 anos, a depender da atividade desempenhada. (TRF4, AC 5052905-25.2017.4.04.9999, Quinta Turma, Relator Osni Cardoso Filho, juntado aos autos em 05/07/2020)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. Não se conhece da apelação, por ausência de interesse recursal, no tópico em que requer o enquadramento da atividade como nociva, pela sujeição a agente nocivo diverso, se a sentença já reconheceu a especialidade da atividade, por fundamento diverso. Precedentes. 2. O STF assentou que a nocividade do labor é neutralizada pelo uso eficaz de EPIs/EPCs. Porém, o simples fornecimento pelo empregador de cremes de proteção para mãos não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes químicos nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e peridiocidade do fornecimento dos equipamentos, sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador. 3. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora. Inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). O direito do trabalhador à proteção de sua saúde no ambiente do trabalho emana da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio constitucional da precedência do custeio. 4. Tendo em conta o recente julgamento do Tema nº 709 pelo STF, reconhecendo a constitucionalidade da regra inserta no § 8º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, o beneficiário da aposentadoria especial não pode continuar no exercício da atividade nociva ou a ela retornar, seja esta atividade aquela que ensejou a aposentação precoce ou não. Implantado o benefício, seja na via administrativa, seja na judicial, o retorno voluntário ao trabalho nocivo ou a sua continuidade implicará na sua imediata cessação. (TRF4, AC 5012922-82.2018.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 21/07/2020)
Necessário destacar, contudo, que, caso seja afastado o agente nocivo que ensejou o reconhecimento do tempo especial, o Tribunal deverá examinar a possibilidade de manutenção da sentença, ainda que por fundamento diverso (outro agente nocivo), por força do efeito translativo do recurso de apelação interposto pelo INSS. A possibilidade está prevista no artigo 1.013, caput, e § 2º, do NCPC, in verbis:
Artigo 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
(...)
§ 2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.
Importa referir, ainda, que eventual correção da fundamentação contida na sentença, por força do disposto no artigo 1.013, § 2º, do NCPC, não acarreta alteração na sua conclusão, pois restará mantido o reconhecimento do tempo especial, razão pela qual não conheço da apelação da parte autora, no tópico.
Cerceamento de defesa
A parte autora, em suas razões recursais, requereu a análise do agravo retido do evento 94 e defendeu a ocorrência de cerceamento de defesa e a necessidade de retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual com a realização da complementação da perícia técnica, a fim de demonstrar a presença da penosidade nos períodos de labor que não foram reconhecidos como tempo especial na sentença.
Relativamente ao reconhecimento de especialidade de períodos de labor, exercidos na condição de motorista, pela sujeição à penosidade, afigura-se necessário tecer algumas considerações.
De acordo com a Lei 9.032/1995 até 28/4/1995 é possível a caracterização da atividade especial, pela categoria profissional de motorista, ante a presunção de penosidade e periculosidade existente no desempenho das atividades diárias. Por outro lado, a partir desta data (29/4/1995) não é mais viável o enquadramento como especial em razão de qualquer categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição a agentes agressivos.
Pois bem, embora haja, na Súmula 198 do TFR, menção à penosidade como condição autorizadora do reconhecimento da especialidade do trabalho, não havia na legislação de regência uma definição clara do que seriam condições de trabalho penosas. Desse modo, a Sexta Turma deste Tribunal suscitou o Incidente de Assunção de Competência - IAC no processo nº 5033888-90.2018.4.04.0000, em razão de divergência havida quanto à possibilidade de reconhecimento do caráter especial em virtude da penosidade das atividades de motorista de ônibus ou de caminhão exercidas posteriormente à extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995.
Referido incidente foi julgado pela Terceira Seção deste Regional, em 27/11/2020 e fixou a seguinte tese: deve ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova.
O julgado restou assim ementado:
PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA - IAC. TEMA TRF4 N.° 5. ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA OU COBRADOR DE ÔNIBUS. RECONHECIMENTO DA PENOSIDADE APÓS A EXTINÇÃO DA PREVISÃO LEGAL DE ENQUADRAMENTO POR CATEGORIA PROFISSIONAL PELA LEI 9.032/1995. POSSIBILIDADE. 1. O benefício de aposentadoria especial foi previsto pela primeira vez no ordenamento jurídico nacional em 1960, pela Lei Orgânica da Previdência Social, a Lei 3.087/1960, que instituiu o requisito de prestação de uma quantidade variável (15, 20 ou 25 anos) de tempo de contribuição em exercício de atividades insalubres, perigosas ou penosas. 2. Apesar de contar com previsão no próprio texto constitucional, que garante aos trabalhadores o pagamento do adicional correspondente na seara trabalhista (art. 7º, XXIII, CF/1988), até o presente momento não houve a regulamentação da penosidade, motivo pelo qual torna-se uma tarefa bastante difícil a obtenção de seu conceito. 3. Pela conjugação dos estudos doutrinários, das disposições legais e dos projetos legislativos existentes, é possível delimitar-se o conceito de penosidade como o desgaste à saúde do trabalhador ocorrido na prestação da atividade profissional, em virtude da necessidade de dispêndio de esforço excessivo, da necessidade de concentração permanente e contínua, e/ou da necessidade de manutenção constante de postura. 4. Não há discussões acerca da possibilidade de reconhecimento da penosidade nas situações previstas no Anexo IV do Decreto 53.831/1964, que configuram hipóteses de enquadramento por categoria profissional, admitido até a vigência da Lei 9.032/1995, sendo que as controvérsias ocorrem quanto à possibilidade de reconhecimento da penosidade nos intervalos posteriores a essa data. 5. O requisito exigido para o reconhecimento da especialidade do tempo de contribuição prestado a partir da vigência da Lei 9.032/1995 e até a superveniência da Emenda Constitucional 103/2019 - condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física - não exclui a possibilidade de inclusão de atividades exercidas em situação de periculosidade e penosidade. 6. Essa posição acabou sendo sancionada pelo STJ no julgamento do REsp 1.306.113/SC, admitido como recurso representativo de controvérsia repetitiva sob o Tema n° 534, em que, embora a questão submetida a julgamento fosse a possibilidade de configuração da especialidade do trabalho exposto ao agente perigoso eletricidade, a tese fixada ultrapassa os limites do agente eletricidade, e da própria periculosidade, permitindo o reconhecimento da especialidade do labor prestado sob exposição a outros fatores de periculosidade, à penosidade, e até mesmo a agentes insalubres não previstos em regulamento, desde que com embasamento “na técnica médica e na legislação correlata”. 7. Admitida a possibilidade de reconhecimento da penosidade após a vigência da Lei 9.032/1995, esse reconhecimento deve se dar com base em critérios objetivos analisados no caso concreto por meio de perícia técnica, uma vez que extinta a possibilidade de mero enquadramento por categoria profissional. 8. Tratando-se de circunstância que, embora possua previsão constitucional, carece de regulamentação legislativa, sequer é cogitada pelos empregadores na confecção dos formulários habitualmente utilizados para a comprovação de atividade especial, motivo pelo qual é necessário que os órgãos judiciais garantam o direito dos segurados à produção da prova da alegada penosidade. Ademais, considerando que a tese encaminhada por esta Corte vincula o reconhecimento da penosidade à identificação dessa circunstância por perícia técnica, essa constitui, então, o único meio de prova à disposição do segurado. 9. Tese fixada nos seguintes termos: deve ser admitida a possibilidade de reconhecimento do caráter especial das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus em virtude da penosidade, ainda que a atividade tenha sido prestada após a extinção da previsão legal de enquadramento por categoria profissional pela Lei 9.032/1995, desde que tal circunstância seja comprovada por meio de perícia judicial individualizada, possuindo o interessado direito de produzir tal prova. 10. Cabendo ao órgão colegiado julgar também o recurso que dá origem à assunção de competência admitida, conforme disposto no art. 947, §2º do CPC, no caso concreto deve ser dado provimento à preliminar da parte autora para anular a sentença e determinar o retorno do feito ao Juízo de origem, para que se proceda à reabertura da instrução processual. (TRF4, Incidente de Assunção de Competência (Seção) Nº 5033888-90.2018.4.04.0000, 3ª Seção, Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira, por maioria, juntado aos autos em 27/11/2020)
Por outro lado, importa destacar que, embora a extensão do IAC tenha sido restrita à penosidade das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, é possível afirmar que foram estabelecidos critérios suficientes para proceder-se à avaliação da penosidade também nos casos que envolvam os motoristas de caminhão, quais sejam:
Dos critérios de reconhecimento da penosidade
Restringindo-me às atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, que foi a delimitação estabelecida pela Terceira Seção desta Corte na proposição do presente incidente, e tendo como parâmetro a conceituação anteriormente exposta, em que se associa a penosidade à necessidade de realização de esforço fatigante, à necessidade de concentração permanente, e/ou à necessidade de manutenção de postura prejudicial à saúde, submeto à apreciação da Seção os seguintes parâmetros a serem observados pelos peritos judiciais na aferição da existência de eventual penosidade na prestação dessa atividade.
1. Análise do(s) veículo(s) efetivamente conduzido(s) pelo trabalhador. O perito deverá diligenciar junto à(s) empresa(s) empregadora(s) para descobrir a marca, o modelo e o ano de fabricação do(s) veículo(s) conduzido(s) e, de posse dessas informações, poderá analisar se existia ou não penosidade na atividade em razão da necessidade de realização de esforço fatigante, como, por exemplo, na condução do volante, na realização da troca das marchas, ou em outro procedimento objetivamente verificável. No caso dos motoristas de ônibus deverá ser averiguado se a posição do motor ficava junto à direção, ocasionando desconfortos ao trabalhador, como, por exemplo, vibrações, ruído e calor constantes (ainda que inferiores aos patamares exigidos para reconhecimento da insalubridade da atividade, mas elevados o suficiente para qualificar a atividade como penosa em virtude da constância da exposição), ou outro fator objetivamente verificável.
2. Análise dos trajetos. O profissional deverá identificar qual(is) a(s) linha(s) percorrida(s) pelo trabalhador e analisar se existia, nesse transcurso, penosidade em razão de o trajeto incluir localidades consideradas de risco em razão da alta incidência de assaltos ou outras formas de violência, ou ainda em razão de o trajeto incluir áreas de difícil acesso e/ou trânsito em razão de más condições de trafegabilidade, como, por exemplo, a ausência de pavimentação.
3. Análise das jornadas. Deverá o profissional aferir junto à empresa se, dentro da jornada laboral habitualmente desempenhada pelo trabalhador, era-lhe permitido ausentar-se do veículo, quando necessário à satisfação de suas necessidades fisiológicas.
Realizando o perito judicial a análise das atividades efetivamente desempenhadas pelo trabalhador com base nos critérios objetivos acima descritos, e detectando a existência, de forma habitual e permanente, de qualquer das circunstâncias elencadas, ou outra que, embora não aventada no presente julgamento, seja passível de expor trabalhador a desgaste considerado penoso, e desde que seja demonstrável mediante critérios objetivos, considero ser possível o reconhecimento da especialidade das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, independentemente da época em que prestada.
Desse modo, conclui-se que a prova pericial individualizada é imprescindível para a comprovação da penosidade dos períodos em que o autor laborou como motorista. Neste sentido, inclusive, recente julgado desta Quinta Turma, proferido nos autos da AC nº 5002119-72.2017.4.04.7122, Relator o Desembargador Osni Cardoso Filho, sessão tele-presencial realizada em 3/8/2021 (unânime).
Portanto, em função dos parâmetros a serem observados pelos peritos judiciais na aferição da existência de eventual penosidade na prestação dessa atividade, impõe-se a anulação da sentença com o retorno dos autos à origem, para que seja reaberta a instrução processual e realizada perícia judicial de forma individualizada observados os critérios anteriormente mencionados em relação ao labor desenvolvido pelo autor, na função de motorista de caminhão, nos períodos de 05/04/1994 a 22/06/1994, laborado na empresa Puras do Brasil S/A (Sodexo); 06/03/1997 a 12/11/1999 e de 10/07/2000 a 28/02/2008, laborados na empresa Central de Distribuição de Alimentos Ltda; 17/11/1999 a 27/06/2000, laborado na empresa Planalto Transportes Ltda; 04/01/2010 a 13/04/2010, laborado na empresa Expresso Conventos Ltda; 10/06/2008 a 03/09/2009 e de 26/11/2010 a 13/10/2011, laborados na empresa Comprebem Comércio e Transportes Ltda e de 01/06/2010 a 29/10/2010, laborado na empresa Recycle Comércio e Serviços Ltda.
Conclusão
Não conhecer, em parte, da apelação da parte autora.
Dar parcial provimento ao agravo retido e ao apelo da parte autora para acolher a preliminar de cerceamento de defesa, anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual e realização de perícia judicial.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao agravo retido e à apelação para acolher a preliminar, anular a sentença e determinar o retorno à origem para reabertura da instrução processual.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003102083v7 e do código CRC af93d6b7.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5014969-45.2013.4.04.7108/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
APELANTE: ALTEMILTON ALOISIO DE LIMA (AUTOR)
ADVOGADO: VAGNER STOFFELS CLAUDINO (OAB RS081332)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. TEMA 5 TRF4. MOTORISTA OU COBRADOR DE ÔNIBUS. PENOSIDADE. ENQUADRAMENTO APÓS A EXTINÇÃO DA PREVISÃO LEGAL DE ENQUADRAMENTO POR CATEGORIA PROFISSIONAL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL DE ACORDO COM OS PARÂMENTROS ESTABELECIDOS PELO IAC. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. CABIMENTO.
1. Não se conhece da apelação nos pontos em que não há interesse recursal. 2. A prova pericial individualizada é imprescindível para a comprovação da penosidade de período em que o segurado laborou como motorista ou cobrador de ônibus. 3. Embora a extensão do IAC tenha sido restrita à penosidade das atividades de motorista ou de cobrador de ônibus, é possível afirmar que foram estabelecidos critérios suficientes para proceder-se à avaliação da penosidade também nos casos que envolvam os motoristas de caminhão. 4. Evidenciado prejuízo na produção de prova pericial, que se faz imprescindível para o deslinde da controvérsia, acolhe-se alegação de cerceamento de defesa, determinando-se a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo retido e à apelação para acolher a preliminar, anular a sentença e determinar o retorno à origem para reabertura da instrução processual, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de março de 2022.
Documento eletrônico assinado por FRANCISCO DONIZETE GOMES, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003102084v4 e do código CRC 3c07abbf.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 22/03/2022 A 29/03/2022
Apelação Cível Nº 5014969-45.2013.4.04.7108/RS
RELATOR: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): VITOR HUGO GOMES DA CUNHA
APELANTE: ALTEMILTON ALOISIO DE LIMA (AUTOR)
ADVOGADO: VAGNER STOFFELS CLAUDINO (OAB RS081332)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 22/03/2022, às 00:00, a 29/03/2022, às 16:00, na sequência 225, disponibilizada no DE de 11/03/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E À APELAÇÃO PARA ACOLHER A PRELIMINAR, ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR O RETORNO À ORIGEM PARA REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 13/04/2022 04:01:58.