| D.E. Publicado em 29/05/2018 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0019666-23.2014.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA |
APELANTE | : | DULCINETE TOBIAS |
ADVOGADO | : | Eduardo Tondinelli de Cillo |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE SANTA MARIANA/PR |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE NULIDADE DA SENTENÇA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SEGURADO TRABALHADOR RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. LIMITE DE IDADE. RAZOÁVEL INÍCIO DE PROVA MATERIAL. AMPLIAÇÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA DA PROVA DOCUMENTAL. PROVA ORAL HARMÔNICA E COERENTE. CONSECTÁRIOS LEGAIS. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA.
1. É desnecessária a degravação da audiência registrada em mídia digital, já que os atos processuais podem ser produzidos e armazenados de modo digital, quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico.
2. Não houve prejuízo ao pleno exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa, seja porque o INSS participou da audiência de instrução e julgamento, seja porque poderia ter acessado o conteúdo da mídia digital, caso assim quisesse, para melhor fundamentar as razões de apelação.
3. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
4. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
5. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
6. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
7. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
8. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental.
9. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
10. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme e consistente, fornecendo subsídios relevantes quanto ao desempenho da atividade rural.
11. Foram preenchidos os requisitos para a aposentadoria integral por tempo de contribuição, conforme a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal.
12. A Corte Suprema, no julgamento do RE 870.947/SE (Tema nº 810), reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que determina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública pelos mesmos índices de remuneração oficial da caderneta de poupança.
13. São aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, no tocante à taxa de juros de mora.
14. Incide a variação do IPCA-E, para fins de correção monetária, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947, julgado em 20/09/2017.
15. A cominação antecipada da multa diária possui nítido propósito de advertência, não implicando presunção de descumprimento.
16. Cabe a redução do valor da multa diária, quando o montante fixado é exagerado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, não conhecer da apelação da autora e, de ofício, determinar a aplicação do IPCA-E a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 15 de maio de 2018.
Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9364210v13 e, se solicitado, do código CRC 2382DFA7. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Márcio Antônio Rocha |
| Data e Hora: | 22/05/2018 17:18 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0019666-23.2014.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA |
APELANTE | : | DULCINETE TOBIAS |
ADVOGADO | : | Eduardo Tondinelli de Cillo |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE SANTA MARIANA/PR |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas contra sentença que julgou procedente o pedido para: a) reconhecer o exercício de atividade rural pela autora no período de 05/07/1977 a 30/08/1987 e determinar ao INSS a averbação do tempo de serviço; b) condenar o INSS a conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição à autora desde a data do requerimento administrativo (01/08/2012); c) condenar o INSS a pagar as prestações vencidas, com correção monetária pelo INPC e juros de mora pelo índice previsto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997. O INSS foi condenado ainda a pagar as custas processuais e os honorários advocatícios, fixados em 5% sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença. A antecipação de tutela pleiteada pela autora foi concedida, para determinar ao INSS a implantação do benefício, no prazo máximo de trinta dias, a contar do recebimento dos autos em carga pelo procurador da autarquia, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais).
A parte autora não se conforma com o percentual da verba honorária. Diz que a jurisprudência deste Tribunal fixa os honorários em 10% sobre os valores atrasados, em conformidade com o patamar mínimo estabelecido no § 3º do art. 20 do antigo CPC.
O INSS argui, em preliminar, a nulidade processual. Alega que a ausência do teor dos depoimentos prestados em audiência de instrução e julgamento ofende o princípio do devido processo legal. No mérito, aduz que a comprovação do tempo de serviço rural exige a apresentação de início de prova material, mediante documentos contemporâneos dos fatos e que atendam ao disposto no art. 106 da Lei nº 8.213/1991. Argumenta que a autora apresentou documentos relativos aos anos de 1979 a 1985, havendo, para o período anterior a 1979, apenas a certidão de casamento dos pais da autora, lavrada na década de 1950, a qual não pode ser considerada por distar muito do lapso temporal pretendido. Refere que a carteira de trabalho da autora foi expedida em 20/11/1986, devendo ser essa data o termo final de exercício da atividade rurícola, já que, em depoimento pessoal, a autora afirmou que já estava trabalhando na cidade, quando a CTPS foi emitida e a última testemunha ouvida informou que a autora saiu da propriedade rural por volta de 1984/1985. Esgrime que a autora não possui a idade mínima para a concessão de aposentadoria proporcional por tempo de contribuição. Insurge-se contra a fixação antecipada de multa diária, pois, não havendo sequer a intimação da autoridade administrativa responsável pelo cumprimento do comando judicial, não restou configurada qualquer resistência. Pede a redução do valor da multa, considerando-o desproporcional em relação ao valor do benefício a que a parte teria direito.
O recurso de apelação da parte autora não foi recebido pelo juízo a quo.
Com contrarrazões da autora, vieram os autos a esta Corte.
Sentença publicada em 21/01/2014.
É o relatório. Peço dia.
Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9364208v20 e, se solicitado, do código CRC BEB8AAE0. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Márcio Antônio Rocha |
| Data e Hora: | 22/05/2018 17:18 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0019666-23.2014.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA |
APELANTE | : | DULCINETE TOBIAS |
ADVOGADO | : | Eduardo Tondinelli de Cillo |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE SANTA MARIANA/PR |
VOTO
Nulidade da sentença
Não assiste razão ao INSS, ao alegar a nulidade da sentença.
Conforme o disposto nos artigos 169, § 2º, e 417, § 2º, do antigo CPC, é desnecessária a degravação da audiência registrada em mídia digital, já que os atos processuais podem ser produzidos e armazenados de modo digital, quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico.
No caso dos autos, o procurador da autarquia estava presente na audiência de instrução e julgamento em que foram ouvidas as testemunhas e colhido o depoimento pessoal da autora. Além disso, na ocasião foi cientificado de que o CD-ROM com a gravação dos depoimentos estava à disposição das partes em cartório.
Portanto, não houve qualquer prejuízo ao pleno exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa, seja porque o INSS participou da audiência de instrução e julgamento, seja porque poderia ter acessado o conteúdo da mídia digital, caso assim quisesse, para melhor fundamentar as razões de apelação.
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A parte autora pleiteou o reconhecimento e a averbação do tempo em que exerceu atividade agrícola, entre 05/07/1977 (quando completou doze anos) a 30/08/1987.
A título de início de prova material, foram juntados aos autos os seguintes documentos:
a) certidão de casamento dos pais da autora, em 27/10/1956, na qual o seu pai é qualificado como lavrador;
b) certidão de nascimento da irmã da autora, na data de 21/06/1969, constando a qualificação do pai como lavrador e a data de expedição do documento em 22/07/1976;
c) certidão de óbito do pai da autora, estando ilegíveis os dados constantes no documento;
d) boletim escolar da autora, constando que frequentou a 4ª série no ano de 1977 e residia na Fazenda Colorado, em Santa Mariana/PR;
e) rescisão do contrato de trabalho da autora na Fazenda Colorado, com data de admissão em 17/06/1979 e demissão em 27/12/1982;
f) recibos de pagamento em nome da autora, relativos à prestação de serviços na lavoura de café, como diarista, nos anos de 1982, 1983, 1984 e 1985.
Em juízo, foram ouvidas duas testemunhas e colhido o depoimento pessoal da autora.
A testemunha Maria Helena Soares disse que conheceu a autora em 1972, quando a família da autora mudou-se para a mesma fazenda; desde 1963 a testemunha morava nessa fazenda; no início, a autora trabalhava junto com o pai, que era porcenteiro; depois que o pai da autora morreu, ela começou a trabalhar na fazenda como boia-fria, carpindo, catando algodão, colhendo feijão, quebrando milho, fazendo o serviço que tinha para fazer; a autora saiu da fazenda para trabalhar na cidade em 1987; a testemunha ficou até 1984 na fazenda, mas continuou trabalhando como boia-fria na mesma propriedade; quando veio para a cidade, a autora passou a trabalhar como doméstica para o dono da fazenda, o Sr. Carlos Miranda Nichols.
A testemunha José Carlos Borges afirmou que conheceu a autora em 1973/1974, quando ela trabalhava na Fazenda Ouro Verde, na lavoura de algodão; a testemunha trabalhava como boia-fria nessa fazenda, mas não morava na propriedade; sabe que a autora continuou trabalhando na roça depois que o pai morreu e após vieram para a cidade. Perguntado sobre quando a autora mudou-se para a cidade, disse que lembra do ano de 1984/1985; ela passou a trabalhar como doméstica; não tinha mais contato com a autora nessa época, somente via os irmãos da autora; esclareceu que trabalhou na fazenda como boia-fria até 1984/1985, mas a autora continuou na roça, indo depois para a cidade; no período em que trabalhou com a autora, não era doméstica, ela só trabalhava na lavoura.
A autora declarou que começou a trabalhar na Fazenda Colorado quando tinha 11/12 anos; na época, ajudava o pai na lavoura, não sabendo dizer se ele era empregado, porcenteiro ou boia-fria; depois que o pai morreu, continuou trabalhando na roça, colhendo café, quebrando milho, carpindo; tinha um fiscal que dava ordens no serviço da lavoura; ficou até 1987 na fazenda, quando os patrões foram morar na cidade e foi trabalhar como doméstica para eles; o pagamento era mensal, mas só passaram a dar comprovante depois de 1977/1979; estudou até 1977, quando começou a trabalhar.
O apelo do INSS não merece acolhimento.
Qualquer meio material idôneo que evidencie a ocorrência de um fato relacionado ao exercício da atividade rural constitui prova documental. Por sua vez, o destinatário da prova é o juiz, a quem cabe emitir juízo sobre a aptidão probatória do documento, com base no sistema da persuasão racional. Nessa senda, os documentos juntados aos autos demonstram dados concernentes ao vínculo da família da autora com o meio rural e ao exercício da profissão de lavradora, revelando início de prova material contemporâneo dos fatos.
Por outro lado, o início de prova material não precisa demonstrar a atividade ano a ano, firmando-se a presunção de continuidade do trabalho rural, desde que não exista período urbano intercalado com rural. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica, fornecendo subsídios relevantes quanto a datas, propriedades em que houve o trabalho, descrição das tarefas desempenhadas, etc.
Conquanto as provas documentais juntadas ao processo não se refiram a todo o período requerido, conformam o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural. Mesmo que a certidão de casamento dos pais da autora não seja contemporânea do lapso temporal discutido nos autos, sinaliza o vínculo da família com as atividades rurais. Outrossim, havendo documentos em nome da própria autora a partir de 1979, admite-se a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, visto que a prova testemunhal foi segura e coerente em afirmar que a autora laborou na atividade rural desde os doze anos até o momento em que foi trabalhar na cidade como empregada doméstica.
No tocante ao termo final do exercício da atividade rurícola, o INSS somente tece ilações sem amparo em fatos concretos. Percebe-se que a testemunha José Carlos Borges não respondeu exatamente o que lhe foi perguntado sobre a data em que a autora teria deixado de trabalhar na fazenda, pois disse que lembrava do ano de 1984/1985. A razão pela qual se referiu a esses anos deve-se ao fato de a testemunha não prestar mais serviços como boia-fria na fazenda a partir dessa data, conforme esclareceu mais adiante, declarando que a autora continuou trabalhando na lavoura depois que ele parou de trabalhar na fazenda. Quanto ao depoimento pessoal da autora, cabe frisar que o áudio, no ponto em que o procurador da autora formula a pergunta, está truncado. O que se mostra audível é a resposta da autora, que não entendeu o que lhe foi perguntado; após o esclarecimento do juízo de que se tratava da carteira de trabalho, a autora disse que já morava na cidade. Dessa forma, sequer é possível afirmar que a autora compreendeu o exato alcance da questão formulada e tampouco sabia ou lembrava que a sua carteira de trabalho havia sido expedida em 20/11/1986, pois declarou que exerceu a atividade rural até a data em que começou a trabalhar na cidade como doméstica. em 1987, o que foi corroborado pela testemunha Maria Helena Soares.
No caso dos autos, o conjunto probatório está alicerçado em razoável início de prova material, complementado por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural, sem interrupção, no período de 05/07/1977 (quando a autora completou doze anos) a 30/08/1987.
Requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição
O INSS, na data do requerimento administrativo (01/08/2012), contou o tempo de contribuição de 21 anos, 04 meses e 01 dia e a carência de 256 meses.
O tempo de serviço rural reconhecido em juízo perfaz 10 anos, 01 mês e 26 dias (05/07/1977 a 30/08/1987).
A soma do tempo de contribuição rural e urbano resulta em 31 anos, 05 meses e 27 dias.
Portanto, a autora, em 01/08/2012 (DER), preencheu os requisitos para a aposentadoria integral por tempo de contribuição, conforme a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal.
Consectários legais
O Plenário do STF concluiu o julgamento do Tema 810, fixando as seguintes teses sobre a questão, consoante acompanhamento processual do RE 870.947 no Portal do STF:
"Ao final, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio,fixou as seguintes teses, nos termos do voto do Relator:
1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º,caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e
2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 20.9.2017. "
Como se pode observar, o Pretório Excelso não efetuou qualquer modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, em relação à correção monetária.
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos pela jurisprudência:
- INPC, de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/2003, combinado com a Lei nº 11.430/2006, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91;
- IPCA-E, a partir de 30/06/2009, conforme a decisão no RE 870.947, julgado em 20/09/2017.
Os juros de mora são contados a partir da citação (Súmula 204 do STJ), no percentual de 1% ao mês, não capitalizado, até 29/06/2009. Desde 30/06/2009, são aplicáveis as disposições do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, utilizando-se a taxa de juros da caderneta de poupança.
Assim, de ofício, determino a aplicação do IPCA-E, a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária.
Cominação de multa diária
O objetivo da multa diária é garantir a efetividade do comando judicial e coibir injustificadas manobras protelatórias, sendo cabível a fixação contra a Fazenda Pública. A cominação antecipada de multa possui nítido propósito de advertência, não implicando presunção de descumprimento. Ademais, a decisão que comina astreintes não preclui nem faz coisa julgada, podendo a qualquer tempo ser revisada pelo juízo, consoante a decisão do STJ em recurso repetitivo (REsp 1.333.988/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 09/04/2014).
Embora não haja fundamento para afastar a multa diária, o valor fixado na sentença mostra-se exacerbado, devendo ser reduzido para R$ 500,00 (quinhentos reais). Saliento que as astreintes só poderão ser exigidas se, após o esgotamento do prazo assinalado, não foi apresentado motivo plausível para o descumprimento do comando judicial.
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, apenas para reduzir o valor da multa diária para R$ 500,00 (quinhentos reais).
Não conheço da apelação da autora, visto que não houve insurgência contra a decisão do juízo a quo de não receber o recurso.
Determino, de ofício, a aplicação do IPCA-E, a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, não conhecer da apelação da autora e, de ofício, determinar a aplicação do IPCA-E a partir de 30/06/2009, para fins de correção monetária.
Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9364209v58 e, se solicitado, do código CRC FCBE40A1. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Márcio Antônio Rocha |
| Data e Hora: | 22/05/2018 17:18 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/05/2018
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0019666-23.2014.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00001954220138160152
RELATOR | : | Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | DULCINETE TOBIAS |
ADVOGADO | : | Eduardo Tondinelli de Cillo |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE SANTA MARIANA/PR |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 15/05/2018, na seqüência 483, disponibilizada no DE de 30/04/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA OFICIAL, NÃO CONHECER DA APELAÇÃO DA AUTORA E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A APLICAÇÃO DO IPCA-E A PARTIR DE 30/06/2009, PARA FINS DE CORREÇÃO MONETÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO | |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Suzana Roessing, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9404693v1 e, se solicitado, do código CRC EB08717A. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Suzana Roessing |
| Data e Hora: | 16/05/2018 14:29 |
