Apelação Cível Nº 5020034-34.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JONAS CENOSKI
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulado o restabelecimento de auxílio-doença, titularizado pelo autor entre 05/12/2000 a 03/07/2008, ou a concessão de aposentadoria por invalidez.
Em 12/04/2019, foi deferida a tutela antecipada de urgência (evento 65) e reimplantado o benefício (evento 79).
Processado o feito, sobreveio sentença, em que julgado procedente o pedido, para conceder aposentadoria por invalidez, com acréscimo de 25%, desde a DCB do auxílio-doença, nos termos do seguinte dispositivo (evento 121):
Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial formulado por JONAS CENOSKI para condenar o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
a conceder ao Requerente a Aposentadoria por Incapacidade Permanente, pagando-lhe nos termos do artigo 60 da Lei n°8.213/91, retroativo à data da cessação do beneficio de auxílio-doença (03/07/2008) com aplicação da correção monetária pelo índice IPCA-E e juros de mora atinentes à caderneta de poupança (Súmula 810 do STF), a partir da publicação desta sentença, (deduzidas as parcelas já recebidas a título de antecipação de tutela).
Defiro o acréscimo de 25% sobre o valor das parcelas do benefício, pelas fundamentações acima expostas.
CONDENO o réu ao pagamento das custas processuais e honorários periciais segundo a tabela de convênio firmado e advocatícios devidos ao patrono do autor, os quais fixo em 10 % do valor da condenação, o que faço com fulcro no artigo 85§3º do CPC.
O INSS apela, alegando que a conclusão do perito judicial, de que o segurado está total e permanentemente incapacitado, não é compatível com a realidade. Afirma que o autor é proprietário da empresa Eletrônica Cenoski, desde 2014, inclusive divulga no Facebook o seu trabalho. Aduz, ainda, que nas redes sociais há publicações de 2018 e 2019 do autor mostrando que ele dirige automóvel, trabalha, cozinha, viaja, tem agilidade física e é saudável, não dependendo de sua esposa para os atos do cotidiano. Salienta que o conhecimento de tais fatos não estava disponível à época da contestação. Sustenta que o laudo judicial é padronizado e não contém a descrição do exame físico. Ao final, pede a reforma da sentença, para que seja indeferido o pedido de concessão de benefício por incapacidade, ou anulada, para que renovada a prova pericial (evento 127).
Com contrarrazões (evento 131), vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
PRELIMINAR - PERÍCIA COM ESPECIALISTA
O INSS alegada a existência de nulidade da prova técnica, fundamental no caso em tela, haja vista que as conclusões do perito não condizem com o estado de saúde demonstrado pelo autor nas redes sociais.
O autor, atualmente com 43 anos de idade, permaneceu em gozo de auxílio-doença, de 05/12/2000 a 03/07/2008 (evento 01, OUT8), para recuperação de traumatismo craniano decorrente de acidente automobilístico.
Em 07/08/2008, requereu a concessão de novo benefício por incapacidade temporária, o qual foi indeferido ante parecer contrário da perícia médica administrativa (evento 01, OUT7).
A ação foi ajuizada em 09/01/2009.
De acordo com o exame pericial realizado pelo clínico geral Eduardo Gabriel Miranda Zocunelli, em 21/09/2018, o autor "sofre de Fratura da abóboda do crânio (CID S02.0), Infarto cerebral não especificado (CID I63.9), Sequelas de infarto cerebral (CID I69.3)".
O perito explicitou que "As patologias apresentadas pelo autor conferem cefaleia constante, vertigem e perdas de memória, além de déficit motor nos membros inferiores e sequelas cognitivas moderadas.", as quais "exigem repouso para a sua recuperação".
Constatou que "O periciado apresenta déficit cognitivo e motor, com incapacidade de desenvolver suas atividades da vida diária de forma independente e de realizar atividades laborais.".
Ao final, concluiu que "O periciado apresenta incapacidade laboral permanente e total, pois apresenta sequelas irreversíveis de traumatismo craniano que o impedem de desenvolver qualquer atividade que seja capaz de lhe garantir a subsistência", "não sendo possível readequá-lo por meio de processo de reabilitação para o exercício de qualquer função que lhe garanta a subsistência", e que "O periciado necessita de assistência permanente da esposa para as atividades da vida diária, desde a data de início da incapacidade, dia 19/11/2000.".
Sobre o início da incapacidade, consignou que "A data de início da incapacidade é o mesmo dia do referido acidente, 19/11/2000, pois desde esse dia não mais conseguiu exercer nenhuma atividade capaz de lhe garantir a subsistência.".
Todavia, há indícios de que o autor tem realizado atividades laborais e praticado atos do cotidiano sem a ajuda de terceiros.
Inicialmente, consta no laudo pericial, elaborado em 2018, que o autor declarou que estava desempregado, que a última atividade era como pedreiro e que está afastado do trabalho, desde a data do acidente sofrido em 19/11/2000.
Contudo, as fotos do autor no Facebook, de 2018 e 2019 - e portanto contemporâneas ao exame judicial - apresentadas no apelo do INSS, mostram que o autor trabalha de maneira autônoma e tem vida social ativa.
É empresário individual, proprietário de empresa de serviços de reparos de equipamentos eletrônicos, que tem o seu sobrenome (Eletrônica Cenoski):
Em consulta ao Google, aparece que a empresa está ativa, inclusive um cliente postou avaliação há três meses:
Em consulta à situação cadastral junto à Receita Federal, a empresa foi criada em 2014, baixada em 2017, reaberta em 2018 e continua ativa até os dias atuais:
Outrossim, em consulta ao CNIS, o demandante verteu contribuições como contribuinte individual, de 2014 a 2020:
Aliás, a partir de informação da sua página do Facebook de que vem trabalhando com reparação e manutenção de equipamentos, a partir de 2004, é possível inferir que exercia a mesma atividade laborativa desde quando recebida auxílio-doença:
Ainda, destaco a seguinte foto em que mostra o autor dirigindo veículo:
Ainda há postagens de fotos em churrasco com amigos, e posts de mensagens que enaltecem o trabalho, que mostram situações fáticas totalmente de contrárias às conclusões periciais de que o segurado está permanente e totalmente incapacitado para o trabalho, que é insuscetível e reabilitação e necessitada de ajuda de terceiros para os atos da vida diária.
Cumpre acrescentar que, embora o perito tenha respondido que "O periciado realiza acompanhamento médico frequente com neurologista e clínico geral, com tratamento medicamentoso", os únicos documentos médicos juntado nos autos, posteriores a 2008, quando foi cessado o auxílio-doença, consistem em laudo de tomografia computadorizada de crânio, que aponta leves alterações decorrentes de sequela de contusão cerebral, e um atestado assinado por clínico geral, indicando incapacidade total e permanente, ambos de 2018 (evento 40).
Assim, não há comprovação mínima que o demandante vem sendo acompanhado por neurologista, desde a cessação do benefício, e tampouco de que faz uso de medicamentos.
Diante desse quadro, a anulação da sentença e a revogação da tutela antecipada de urgência são medidas que se impõem, devendo ser renovada a prova pericial com especialista, bem como ouvido o autor para que preste esclarecimentos sobre suas atividades laboral e social.
Vale esclarecer que a nomeação de perito judicial com especialidade na área da patologia em questão não é obrigatória, mas preferencial, justificando-se apenas em situações excepcionais, em relação a certas doenças que, por suas peculiaridades ou complexidade, demandam conhecimentos específicos para avaliação da incapacidade laboral, o que deverá ser analisado caso a caso.
Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. INCAPACIDADE LABORAL. PROVA. EPILEPSIA. NOVA PERÍCIA COM MÉDICO ESPECIALISTA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. Em regra, não é necessária a nomeação de médico especialista para a confecção do laudo judicial. Entretanto certas doenças, pelas suas peculiaridades, demandam conhecimentos específicos para a correta avaliação da existência ou não de capacidade laborativa, devendo, nestes casos, ser aplicado o previsto no artigo 156 do Código de Processo Civil (2015). 2. Caso em que, diante do quadro mórbido descrito na inicial e nas razões de recurso, a sentença deve ser anulada, para que seja realizada uma nova perícia judicial, com especialista na área de neurologia, haja vista este profissional possuir informações necessárias para possibilitar uma análise mais adequada do estado de saúde do segurado e da sua condição laboral. (TRF4, AC 5011625-06.2019.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 12/11/2020)
PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. DETERMINAÇÃO DE NOVA PERÍCIA COM ESPECIALISTA. 1. Não se desconhece o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de a sentença ilíquida estar sujeita a reexame necessário (REsp 1.101.727/PR). Contudo, à luz do artigo 496, § 3º, I, do CPC, como o valor controvertido nos autos, ainda que não registrado na sentença, é inferior a mil salários mínimos, não há falar em remessa necessária. 2. A coisa julgada se estabelece quando se repete ação já decidida por decisão transitada em julgado, sendo que uma demanda somente é idêntica à outra quando apresenta os mesmos elementos individualizadores: as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Não restou configurada a coisa julgada, pois a incapacidade após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo antecedente não foi submetida à análise judicial. 3. Nas ações em que se objetiva a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o julgador, via de regra, firma sua convicção por meio da prova pericial. 4. Hipótese em que resta evidenciada perícia insuficiente e contraditória, que fragiliza a formação de convicção sobre o estado de saúde do segurado. 5. Determinada a realização de nova perícia, com médico especialista nas moléstias da parte autora. (TRF4 5015142-82.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 17/03/2021)
No caso vertente, ante a complexidade da patologia em questão e os indícios de que o autor tem vida laboral produtiva e independente, necessária se faz a produção de nova perícia com especialista em neurologia.
Logo, resta provido o recurso da autarquia previdenciária, para anular a sentença, revogando-se a tutela antecipada de urgência, e determinar a realização de nova perícia, com especialista em neurologia, assim como a oitiva do autor, oportunizando-se a juntada de mais provas sobre a alegada inaptidão laboral no período controvertido.
CONCLUSÃO
Provido o apelo do INSS para anular a sentença, revogar a tutela antecipada de urgência e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que seja reaberta da instrução processual, com a realização de perícia com especialista em neurologia, bem como ouvido o demandante e oportunizada a juntada de provas adicionais.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do INSS, para anular a sentença, revogando-se a tutela antecipada de urgência, e determinar a reabertura da instrução processual, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003130039v19 e do código CRC 656d322f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 21/4/2022, às 12:13:4
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Apelação Cível Nº 5020034-34.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JONAS CENOSKI
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. aposentadoria por invalidez. adicional de 25%. incapacidade. nova perícia. especialista. necessidade.
1. Quanto à incapacidade, o juízo forma a sua convicção, em regra, com base no laudo médico-pericial. Hipótese em que a perícia, realizada por clínico geral - que concluiu pela incapacidade total e permanente, com necessidade de auxílio de terceiros para atividades cotidianas - apresenta contradições com indícios trazidos pelo INSS, a partir de fotos de redes sociais, que mostram que o segurado trabalha, dirige veículo e independência para os atos da vida diária.
3. Diante da complexidade da doença em questão e das informações obtidas pela autarquia e na internet, no sentido de que o autor teria plena aptidão laboral e vida independente, é de ser anulada a sentença, revogando-se a tutela antecipada de urgência, e reaberta a instrução processual, para que seja produzida perícia por especialista em neurologia, bem como ouvido o autor e oportunizada a juntada de provas adicionais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, para anular a sentença, revogando-se a tutela antecipada de urgência, e determinar a reabertura da instrução processual, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 19 de abril de 2022.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003130040v3 e do código CRC 631d90b1.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 21/4/2022, às 12:13:4
Conferência de autenticidade emitida em 29/04/2022 04:01:24.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/04/2022 A 19/04/2022
Apelação Cível Nº 5020034-34.2020.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JONAS CENOSKI
ADVOGADO: LUCIANA HAINOSKI (OAB PR040059)
ADVOGADO: CÍNTIA ENDO (OAB PR040060)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/04/2022, às 00:00, a 19/04/2022, às 16:00, na sequência 474, disponibilizada no DE de 29/03/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, PARA ANULAR A SENTENÇA, REVOGANDO-SE A TUTELA ANTECIPADA DE URGÊNCIA, E DETERMINAR A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 29/04/2022 04:01:24.