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Apelação Cível Nº 5003471-08.2020.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: CLAUDIA GLOVACKI FLORES (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença, proferida sob a vigência do CPC/15, que julgou extinto o feito sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil, em face da existência de coisa julgada, condenando a parte autora ao pagamento de custas, suspensa a exigibilidade em razão da AJG.
A parte autora recorre, sustentando em suma que É evidente que no caso epigrafado não se opera o instituto da coisa julgada, como referiu o Nobre Julgador e primeiro grau. A situação fática incapacitante, ora apresentada pela Recorrente constitui “fato novo” (em relação ao processo anterior), visto de que trata-se de benefício diverso, além de doenças não analisadas no processo anterior, o que deve ser objeto de análise pelo Judiciário.
Processados, subiram os autos a esta Corte.
O MPF opinou pelo parcial provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Controverte-se, na espécie, sobre a sentença, proferida sob a vigência do CPC/15, que julgou extinto o feito sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil, em face da existência de coisa julgada.
Peço vênia ao MPF para adotar como razões de decidir o seu parecer, cuja fundamentação foi a seguinte (E4):
(...)
A presente demanda foi proposta por Cláudia Glovacki Flores em face do InstitutoNacional do Seguro Social – INSS, requerendo a concessão de aposentadoria por invalidez (e sua eventual majoração de 25%), caso constatada a incapacidade total e permanente, ou auxílio-doença (NB 618.478.064-0), a partir da data do requerimento administrativo, em 05/05/2017, ou, subsidiariamente, a concessão de auxílio-acidente, na hipótese de mera limitação profissional (evento 1 do processo originário).
Narrou que, em razão das patologias ortopédicas apresentadas, tornou-se incapaz para o trabalho por tempo indeterminado, havendo postulado, junto à autarquia ré, a concessão de benefício previdenciário, que veio a ser indeferido, sob o argumento de não constatação de incapacidade laborativa. Ante o indeferimento administrativo, a requerente ajuizou a presente demanda (evento 1 – INDEFERIMENTO5 do processo originário).
Em julgamento, o magistrado extinguiu o feito com fulcro no art. 485, inciso V, c/c §3º do art. 337 do CPC (evento 18 do processo originário), pois considerou que o processo judicial nº 5008142-79.2017.404.7107, anteriormente ajuizado, possuía as mesmas partes, mesmo pedido e mesma causa de pedir da presente ação, configurando a hipótese de coisa julgada, in verbis:
“(...) Da análise da peça inicial, verifica-se que o pedido formulado pela parte autora no presente feito já foi objeto de análise no processo judicial n. 5008142-79.2017.404.7107, cujo pedido foi julgado improcedente, com trânsito em julgado certificado em 28/11/2017. Na referida oportunidade, foi expressamente reconhecido que inexiste incapacidade laboral da parte autora, de ordem ortopédica (3, Laudo2).(...)” (Grifos no original)
Merece ser parcialmente reformada a sentença, senão vejamos.
Inicialmente, ressalta-se que não é possível analisar o mérito da causa, porquanto não houve instrução probatória suficiente.
Quanto ao cerne da tese recursal, há que se reconhecer a ocorrência da coisa julgada parcial, por conta de decisão de mérito, com trânsito em julgado, proferida na ação nº5008142-79.2017.404.7107.
Nesse sentido, a coisa julgada é a eficácia que torna imutável e indiscutível o julgado não mais sujeito a recurso, revestindo-se das características pertinentes à res iudicata. Portanto, encerra-se a possibilidade de qualquer novo debate e julgamento sobre o que foi decidido e passado em julgado, porquanto os fatos que poderiam ter sido alegados e não o foram estão cobertos pela eficácia preclusiva da coisa julgada material, consoante estabelece o art. 508 do Código de Processo Civil:
“Art. 508. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidase repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim aoacolhimento como à rejeição do pedido.”
Além disso, é assente na doutrina que a autoridade da coisa julgada se estende a todo e qualquer argumento do autor ou do réu que poderia ter sido útil, ainda que não tenha sido objeto de discussão ou decisão.
Na hipótese sob julgamento, a coisa julgada funciona como impedimento (função negativa) de outro julgamento sobre a matéria já apreciada; antes de ser exceptio é, na verdade,objeção, já que detém foros de ordem pública.
De todo oportuno, assim, o reconhecimento de pressuposto processual negativo, a impedir o reexame do meritum causae, já que nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas (art. 505 do CPC).
No caso, a autora ajuizara, em 21/06/2017, ação n.º 5008142-79.2017.404.7107, perante o Juizado Especial Federal (Juízo Federal da 2ª VF de Caxias do Sul), questionando o indeferimento administrativo de pedido de prorrogação do benefício de auxílio-doença NB616.544.185-1, que restou cessado em 04/04/2017. Postulou a procedência do pedido para que fosse restabelecido o auxílio-doença, convertendo-o em aposentadoria por invalidez a partir da data da efetiva constatação da total e permanente incapacidade (evento 22 – INIC2 e OUT4 do processo originário). Após a realização de perícia médica, referida ação foi julgada improcedente, entendendo aquele Juízo que a demandante não padecia de patologia incapacitante.
Em 02/04/2020, a recorrente ajuizou a ação que deu origem à presente apelação.No entanto, formalmente, o processo tem como objeto outro requerimento administrativo de benefício de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez, NB 618.478.064-0 (evento 1 –INDEFERIMENTO5 do processo originário).
Observa-se que, em ambos os feitos, a autora elenca moléstias de natureza ortopédica como causa da incapacidade laborativa; porém, consoante destaca a apelação, neste processo há indicação de outras doenças não examinadas no feito anterior, além das que já apresentava (eventos 1 – INIC1 e 22 – APELAÇÃO1 do processo originário):
M47.9 - Espondilose não especificada; M17.9 - Gonartrose não especificada; M23.2 - Transtorno do menisco devido à ruptura ou lesão antiga; M75 - Lesões do ombro;
As demais patologias ortopédicas indicadas na petição inicial (M51 - Outros transtornos de discos intervertebrais; S83.5 - Entorse e distensão envolvendo ligamento cruzado[anterior][posterior] do joelho; S83.2 - Ruptura do menisco, atual e M75.5 - Bursite do ombro), portanto, já foram examinadas na ação precedente. Com efeito, extrai-se do teor do acórdão da Turma Recursal que apreciou o recurso inominado da parte autora naquele feito, assim como do laudo pericial produzido naquela ação, os seguintes excertos (evento 3 – LAUDO2 do processo originário):
“(...)2. HISTÓRICO: Autora refere artrose nos dois joelhos e na coluna. Informa que foi submetida a cirurgia no joelho E em 10/03/15 e no joelho D em 25/05/16. Refere que tem muita dor nos joelhos, inchaço e formigamentos nos braços e nas pernas. Relata que tem dores elimitação coluna lombar há 02 anos. (...)
1. Qual a atividade laborativa exercida pela parte autora? Auxiliar de produção .2. A parte autora é portadora de alguma doença ou moléstia? Qual? Desde quando (DID)? Qual o CID e/ou CIF correspondente? Apresenta:Lesão ligamentar meniscal e condral joelho E CID S 83.5 Lesão meniscal e condral joelho D CID S 83.2 Discopatia degenerativa coluna lombar CID M51DID: setembro de 2014.(...) 4. A doença ou moléstia apresentada pela parte autora é incapacitante para o exercício de sua atividade laborativa? Não há incapacidade laborativa doponto de vista ortopédico(...) 7. CONCLUSÃO Autora 38 anos, profissão auxiliar de produção, portadora de lesão ligamentar, meniscal e condral joelho E, lesão meniscal e condral joelho D e discopatia degenerativa coluna lombar. A Autora realizou o tratamento adequado com tempo suficiente para recuperação estando as lesões consolidadas e o quadro estabilizado. Ao presente exame pericial não existem elementos suficientes que possibilitem concluir que persista incapacidade laborativa para a atividade declarada ou limitações para asatividades habituais diárias da vida.” (Grifos nossos)
Nota-se que, no presente caso, a causa de pedir remota é mais abrangente, abarcando também outras doenças de cunho traumatológico/ortopédico. Portanto, a pretensão trazida a lume pela apelante em 2017, ainda que baseada em requerimento administrativo diverso do que consubstancia a atual pretensão, trata, em parte, da mesma causa de pedir.
Os documentos acostados aos autos reforçam a ideia da identidade parcial de objetos: há diversos atestados médicos que datam de momento anterior ao ajuizamento da primeira demanda, de fevereiro de 2015 a maio de 2017 (evento 1 – ATESTMED8 do processo originário), assim como exames, de setembro de 2014 a abril de 2017 (evento 1 – EXMMED10 do processo originário), boletim de internação hospitalar de março de 2015 (evento 1 – PRONT14,pp. 1-13 do processo originário) e outros referentes a procedimento cirúrgico (meniscectomia/sinovactomia do joelho direito) realizado em maio de 2016 (evento 1 –PRONT14 do processo originário).
Por outro lado, há também documentos novos atinentes ao atual quadro de saúde debilitado da autora: atestado médico de 18/02/2020 do Dr. Pietro Nesello (CRM43.950) atinente à CID M23.2 - Transtorno do menisco devido à ruptura ou lesão antiga,reportando dor residual, aguardando nova cirurgia no joelho esquerdo pelo SUS (meniscectomiajoelho esquerdo), bem como laudos de ressonância magnética de joelho esquerdo e coluna lombossacra, datados de 11/06/2019 e do ombro direito, de 05/08/2017 (evento 1 –ATESTMED7, EXMMED10, LAUDO11 do processo originário); prescrição de tratamento de artrose e de lesão menisco joelho bilateral por medicamentos e fisioterapia, de fevereiro e março de 2020 (evento 1 – RECEIT12 do processo originário); boletim de atendimento hospitalar ambulatorial de 11/02/2020 e 18/02/2020 (evento 1 – PRONT14, pp. 14-15 do processo originário) e parecer físico-funcional assinado por fisioterapeuta, atinente a avaliação realizada em 10/03/2020, concluindo pela “incapacidade laboral permanente (...) para as tarefas de auxiliar de produção bem como para qualquer outra tarefa que exija postura corporal inadequada sustentada, exigência de torque da coluna lombar e/ou forças de cisalhamento,vibração, descarga de peso nos membros inferiores, longos períodos sustentando a postura em pé, imposição de força, levantamento de carga e tarefas de puxar e empurrar” (evento 1 –PARECER9 do processo originário).
Sendo assim, considera-se que há incidência parcial da coisa julgada sobre a demanda, caracterizando, em realidade, uma relação de continência entre as ações, caso houvessem tramitado ao mesmo tempo.Em tal contexto, do cotejo das petições iniciais se extrai que há elementos idênticos,porquanto se verifica a identidade das partes e pedidos parcialmente idênticos. Posto isso, tendo em vista que a causa de pedir remota baseada em algumas doenças traumatológicas já foi objeto de análise na demanda anterior (fls. 110/112), formou-se coisa julgada material quanto ao ponto. No entanto, resta, nesta ação, a análise das demais enfermidades incapacitantes alegadas pela apelante, assim como o exame da hipótese de agravamento da doença anterior, dada a modificação do suporte fático, remanescendo o interesse processual no prosseguimento do feito, com a necessária produção de provas.
Deste modo, considera-se que deve ser anulada a sentença para que os autos retornem ao primeiro grau, a fim de que seja o feito regularmente processado, procedendo-se à instrução, para viabilizar a realização de perícia médica e apreciação judicial apenas quanto às demais doenças alegadas e que não foram objeto da ação anteriormente ajuizada ou sob a ótica do agravamento da patologia preexistente.
Nesse sentido, deve ser parcialmente provido o apelo da parte autora, para que o reconhecimento da coisa julgada fique restrito ao período entre a data da cessação do NB616.544.185-1 (04/04/2017) e o trânsito em julgado da ação de nº 5008142-79.2017.404.7107/RS (certificado em 28/11/2017).
Dessa forma, é de ser dado parcial provimento ao recurso para anular a sentença, nos termos da fundamentação.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5003471-08.2020.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: CLAUDIA GLOVACKI FLORES (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. auxílio-doença/aposentadoria por invalidez. coisa julgada. alteração parcial da causa de pedir e pedido. nova patologia ou agravamento de preexistente. sentença anulada.
1. Anulada a sentença para que os autos retornem ao primeiro grau, a fim de que seja o feito regularmente processado, procedendo-se à instrução, para viabilizar a realização de perícia médica e apreciação judicial apenas quanto às demais doenças alegadas e que não foram objeto da ação anteriormente ajuizada ou sob a ótica do agravamento da patologia preexistente. 2. Apelação parcialmente provida, para que o reconhecimento da coisa julgada fique restrito ao período entre a data da cessação do NB616.544.185-1 (04/04/2017) e o trânsito em julgado da ação de nº 5008142-79.2017.404.7107/RS (certificado em 28/11/2017).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de outubro de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 30/09/2020 A 07/10/2020
Apelação Cível Nº 5003471-08.2020.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
APELANTE: CLAUDIA GLOVACKI FLORES (AUTOR)
ADVOGADO: PRISCILA RODRIGUES BEZZI (OAB RS087091)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 30/09/2020, às 00:00, a 07/10/2020, às 14:00, na sequência 106, disponibilizada no DE de 21/09/2020.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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