Apelação Cível Nº 5022918-36.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA LUCIA DE JESUS
RELATÓRIO
ANA LUCIA DE JESUS ajuizou ação ordinária em 22-01-2019, objetivando o restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez desde a DCB, em 03-06-2020.
A sentença (
) julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos:"[...]
No mérito.
Passa-se, assim, ao exame da moléstia que acomete o autor, e se esta implica no seu afastamento definitivo do trabalho, o que somente pode ser verificado por meio de perícia médica.
Como se infere das respostas aos quesitos, o perito judicial confirmou que a pericianda:
[...] Informou que era auxiliar administrativa junto à presidência na Tractebel Energia, em Florianópolis. Informou que realizava atividades administrativas em escritório como pagamentos, publicação legal, era responsável de viagens de funcionários (passagens aéreas, hotéis, carros), expedição de correspondências, cuidava de arquivos, das atas do conselho fiscal e diretoria da empresa. [...] A pericianda informou que tem ensino médio completo, que tem atualmente 58 anos e é auxiliar administrativo. [...] A pericianda apresenta transtorno afetivo bipolar (CID F31). [...] Os sintomas podem variar desde depressão até euforia. [...] A doença caracteriza-se por períodos de remissão e exacerbação se não houve tratamento médico. [...] A pericianda informou que “sofre dos efeitos colaterais” dos medicamentos como sono e amnésia. Informou ainda que “eles não me querem lá”. [...] A medicação pode causar estes sintomas. Entretanto não houve caracterização de sinais destes sintomas na atual Perícia Médica Judicial. [...]
Quando questionado se as "Situações de estresse, tensão, humilhação, constrangimento, assédio moral no trabalho, cobrança por metas em excesso, exigência de esforços físicos e mentais além da capacidade, entre outras, podem ocasionar e/ou agravar as doenças da parte autora?" O perito respondeu: Sim, podem.
Perguntado se "o senhor perito assegura que se a parte autora voltar a desempenhar sua função como assistente administrativo não terá agravamento dos sintomas, considerando a pressão e condições de trabalho que a parte autora estava submetida antes do primeiro afastamento?" Este respondeu: Não é possível assegurar ou prever comportamentos humanos.
Além disso, destaca-se que em seus quesitos complementares questionou-se: "Como o senhor perito consignou que a medicação utilizada pela parte autora pode causar sonolência/ cansaço, entre outros sintomas, o senhor perito concorda que a parte autora não tem 100% da sua capacidade para o labor, considerando que suas atividades exigem concentração e responsabilidade como auxiliar administrativo da presidência da Tractebel?". Da resposta extrai-se que: "A pericianda informou em Perícia Médica Judicial que utiliza os seguintes medicamentos, nas seguintes dosagens: 1. Zargus 3 mg 1x ao dia; 2. Reconter 10 mg 1x ao dia; 3. Tapazol 5 mg 1x ao dia. Conforme a resposta ao item “h” do autor [...] A medicação pode causar estes sintomas. Entretanto não houve caracterização de sinais destes sintomas na atual Perícia Médica Judicial [...] Atualmente não há caracterização de incapacidade laborativa para as atividades habituais".
Nesse ponto, padecem os pedidos de deferimento da aposentadoria por invalidez visto que inválido e incapaz plena e definitivamente, parcial e temporariamente, a requerente não se apresenta.
Assim, nenhum reparo está a merecer o laudo pericial, que aquilatou, no contato com a parte, valiosos subsídios para o desate da causa.
Ora, cabe ao juiz a valoração da prova pericial que lhe foi submetida e, nesse sentido, de especial valor os conhecimentos especializados evidenciados no trabalho pericial.
É o quanto basta a meu sentir para concluir que o autor faz jus ao benefício do auxílio-doença preconizado no art. 59 da Lei 8.213/91, pois seu problema o impede de parcialmente exercer atividade que lhe garanta a subsistência, devendo ser ser submetida à reabilitação profissional.
É que, em que pese enteder-se por meio da perícia médica e dos atestados que não é recomendado à parte autora retornar seu labor em atividades que lhe causem estress excessivo para que não haja agravamento da doença, nada impede que a mesma seja readequada em alguma outra atividade laborativa que lhe seja favorável.
Destaca-se que a parte autora possui mão de obra qualificada, não é pessoa idosa e deve ter a oportunidade de ser inserida em uma atividade que lhe traga ocupação para sua mente, contribuindo com o desenvolvimento psiquico e intelecto da mesma.
Ressalta-se ainda que o benefício de auxílio-doença não deverá ser interrompido até que a segurada seja dada como habilitada para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez, se for o caso de ausência de trabalho apto.
Cumpre destacar que o artigo 492 do Código de Processo Civil “É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.”
Nelson Nery júnior ao comentar sobre o artigo 492 do CPC afirma que “É vedado ao magistrado proferir sentença acima (ultra), fora (extra) ou abaixo (citra ou infra) do pedido. Caso o faça, a sentença estará eivada de vício, corrigível por meio de recurso. A sentença citra ou infra petita pode ser corrigida por meio de embargos de declaração, cabendo ao juiz suprir a omissão; a sentença ultra ou extra petita não pode ser corrigida por embargos de declaração, mas só por apelação. Cumpre ao tribunal, ao julgar o recurso, reduzi-la aos limites do pedido”. (Nery Junio, Nelson. Código de Processo Civil Comentado, p. 1259, 16ª Ed.)
A relevância social das lides previdenciárias é fator primordial para aplicação da fungibilidade posto que o que deve prevalecer é a norma da proteção social mais efetiva. A fungibilidade nas ações previdenciárias está ancorada na teoria do acertamento da relação jurídica da proteção social, de acordo com Savaris (2016, p. 69) “ Em essência, a teoria do acertamento expressa que as ações em que se busca proteção social não objetivam o estrito controle da legalidade do ato administrativo, mas a outorga da proteção devida, mediante o reconhecimento da existência do direito fundamental e a concessão da prestação previdenciária, nos estritos termos em que a pessoa faz jus”.
Na realidade “O que mais importa em uma lide previdenciária é outorgar ao indivíduo a proteção previdenciária a que efetivamente faz jus” Savaris (2016, p. 65).
Assim prevê a jurisprudência:
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE CONCESSAO DE AUXÍLIO-DOENÇA. OBTENÇAO DO BENEFÍCIO APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. JULGAMENTO EXTRA PETITA . NAO CARACTERIZAÇAO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. O STJ tem entendimento consolidado de que, em matéria previdenciária, deve-se flexibilizar a análise do pedido contido na petição inicial, não entendendo como julgamento extra ou ultra petita a concessão de benefício diverso do requerido na inicial, desde que o autor preencha os requisitos legais do benefício deferido.2. No caso, o Tribunal a quo , em sede de apelação, ao reconhecer a incapacidade definitiva da segurada para o desempenho de suas funções, reformou sentença concessiva do benefício auxílio-doença para conceder o benefício da aposentadoria por invalidez…(STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 1305049 RJ 2012/0007873-0)”.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido contido na inicial, resolvendo o mérito do feito, nos termos do art. 487, I, do CPC, e CONDENO o INSS a implementar o benefício de auxílio-doença em favor de ANA LUCIA DE JESUS a partir da data do cancelamento administrativo ex vi do art. 59 da Lei 8213/91, até a cessação da incapacidade temporária da mesma, franqueando-lhe A reabilitação profissional, reavaliando o seu estado de saúde para manutenção ou transformação do benefício, criteriosamente."
Apela a Autarquia Previdenciária (
), alegando que a segurada não está incapacitada para o trabalho. Pugna pela improcedência do pleito, ou, caso mantida a condenação, requer a dispensa de encaminhar a parte apelada à reabilitação profissional,Apela também Ana Lúcia de Jesus (evento 76), aduzindo que "preenche todos os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez previstos no art. 62 da Lei 8.213, vez que ela não pode ser reabilitada, considerando que também não pode retornar à sua atividade habitual." Requer o restabelecimento do benefício de aposentadoria por invalidez, ou a anulação da sentença, para realização de nova perícia médica com especialista em psiquiatria.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
1. Juízo de admissibilidade
O(s) apelo(s) preenche(m) os requisitos legais de admissibilidade.
2. Mérito
Auxílio-doença e Aposentadoria por invalidez
São quatro os requisitos para a concessão desses benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) existência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Caso Concreto
Cuida-se de segurada que conta com 62 anos de idade, e função habitual como assistente administrativa. Recebeu benefício por incapacidade no período de 01-09-2014 a 03-06-2020, em virtude de patologias psiquiátricas.
Pugna a apelante para realização de nova perícia médica, com especialista em psiquiatria.
Com efeito, a orientação deste Tribunal encontra-se consolidada no sentido de que, em se tratando de incapacidade para o trabalho decorrente de doença de natureza psiquiátrica, revela-se indispensável, no mais das vezes, para a obtenção de um juízo de certeza acerca da situação fática, a avaliação do segurado por especialista na área da patologia, exceção feita àqueles casos em que a documentação médica é por demais robusta e contundente no sentido da incapacidade (por exemplo, em hipótese de sucessivas internações psiquiátricas).
Com essa afirmação não se está a questionar, em absoluto, a aptidão técnica do perito nomeado nos autos, mas, sim a reconhecer que a doença que acomete o demandante reclama conhecimentos específicos para uma aprofundada e adequada valoração clínica, na esteira dos seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. PERÍCIA JUDICIAL. MÉDICO ESPECIALISTA. NOMEAÇÃO PREFERENCIAL. CASO ESPECÍFICO. PSIQUIATRIA. NECESSIDADE. SENTENÇA ANULADA. 1. A perícia médica judicial, nas ações que envolvem a pretensão de concessão de benefício por incapacidade para o trabalho, exerce importante influência na formação do convencimento do magistrado. 2. Hipótese em que a nomeação de perito especialista em psiquiatria revela-se indispensável para a obtenção de um juízo de certeza acerca da situação fática. 3. Sentença anulada para que seja reaberta a instrução processual com a realização de perícia judicial por especialista na área de psiquiatria. (TRF4, AC 5013425-98.2021.4.04.9999, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 14/12/2022)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE. DOENÇA DE NATUREZA PSIQUIÁTRICA. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. A realização de perícia médica judicial, via de regra, não reclama a nomeação de profissional especialista na área de diagnóstico da moléstia apresentada pela parte autora. Todavia, tratando-se de patologia de natureza psiquiátrica, em que o quadro clínico do segurado exige uma análise mais aprofundada e com conhecimentos específicos, a jurisprudência tem reclamado, no mais das vezes, a necessidade de que a prova técnica seja levada a efeito por médico psiquiatra. (TRF4, AC 5012861-56.2020.4.04.9999, NONA TURMA, Relatora para Acórdão ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 09/11/2021)
Logo, diante do cenário dos autos, considerando que a parte autora impugna o laudo do exame não realizado por especialista na área da psiquiatria, para que a instrução seja revestida da higidez necessária à formação de um juízo seguro sobre o estado de saúde da segurada no tocante à alegada enfermidade de que estaria acometida, entendo que deve ser anulada a sentença e retornar o feito à origem para a designação de perito médico especialista em psiquiatria, a fim de ser avaliada a alegada incapacidade da segurada.
Assim, voto por dar provimento ao apelo de Ana Lucia de Jesus, anulando a sentença para que nova perícia médica com psiquiatra seja levada a efeito.
Prejudicada a análise das demais alegações recursais.
Conclusão
Anulada a sentença, em razão de cerceamento de defesa, para que seja reaberta a instrução com a realização de perícia judicial com médico especialista em psiquiatria e, posteriormente, seja proferida nova decisão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença.
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Apelação Cível Nº 5022918-36.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA LUCIA DE JESUS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE. DOENÇA DE NATUREZA PSIQUIÁTRICA. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA.
A realização de perícia médica judicial, via de regra, não reclama a nomeação de profissional especialista na área de diagnóstico da moléstia apresentada pela parte autora. Todavia, tratando-se de patologia de natureza psiquiátrica, em que o quadro clínico do segurado exige uma análise mais aprofundada e com conhecimentos específicos, a jurisprudência tem reclamado, no mais das vezes, a necessidade de que a prova técnica seja levada a efeito por médico psiquiatra
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de fevereiro de 2023.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003713394v3 e do código CRC f825bdb4.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/02/2023 A 17/02/2023
Apelação Cível Nº 5022918-36.2020.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANA LUCIA DE JESUS
ADVOGADO(A): MAYKON FELIPE DE MELO (OAB SC020373)
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA ANULAR A SENTENÇA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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