Apelação Cível Nº 5004855-89.2022.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: MARIA VIEIRA DOS SANTOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulado o restabelecimento de auxílio-doença, desde a DCB (25/07/2012), ou a concessão de aposentadoria por invalidez.
A sentença, que julgou improcedente o pedido, uma vez não comprovada a incapacidade, tem o seguinte dispositivo (evento 106):
Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos deduzidos na inicial.
Presente o princípio da causalidade, condeno o requerente a pagar custas, despesas processuais, honorários periciais e honorários de advogado, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, por força do art. 85, § 2°, do CPC.
Tendo em vista a sucumbência pela parte requerente, à serventia para que proceda a requisição dos honorários periciais pelo sistema eletrônico de AJG.
Suspendo a execução de tais verbas pelo prazo de 05 (cinco) anos, em razão de o autor ser beneficiário da Assistência Judiciária Gratuita.
A demandante apelou, sustentando, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, devendo ser renovada a prova técnica. No mérito, alega que está comprovada nos autos a inaptidão para a atividade habitual como agricultora, em decorrência de graves patologias ortopédicas. Assevera que o quadro clínico se mantém até a atualidade e destaca que o INSS concedeu recentemente auxílio-doença Ao final, pede a anulação da sentença, para que seja realizada nova perícia com médico do trabalho, neurologista ou ortopedista, ou a concessão do benefício pleiteado (evento 112).
Com contrarrazões (evento 115), os autos vieram para julgamento.
É o relatório.
VOTO
PRELIMINAR
REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL
O pedido de anulação da sentença e reabertura da instrução processual, para a renovação da prova técnica, confunde-se com o mérito e será devidamente analisado neste julgamento.
MÉRITO
BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE - REQUISITOS
A concessão de benefícios por incapacidade para o exercício de atividade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
(...)
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Extraem-se da leitura dos dispositivos acima transcritos os três requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de 12 (doze) contribuições mensais; 3) a incapacidade para o trabalho de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
No tocante à incapacidade, se for temporária, ainda que total ou parcial, para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, caberá a concessão de auxílio-doença.
O auxílio-doença, posteriormente, será convertido em aposentadoria por invalidez, se sobrevier incapacidade total e permanente, ou em auxílio-acidente, se a incapacidade temporária for extinta e o segurado restar com sequela permanente que reduza sua capacidade laborativa, ou extinto, em razão da cura do segurado.
De outro lado, a aposentadoria por invalidez pressupõe incapacidade total e permanente e restar impossibilitada a reabilitação para o exercício de outra atividade laborativa.
Em ambos os casos, a incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado será averiguada pelo julgador, ao se valer de todos os meios de prova acessíveis e necessários para análise das condições de saúde do requerente, sobretudo o exame médico-pericial, e o benefício terá vigência enquanto essa condição persistir.
Ainda, não obstante a importância da prova técnica, o caráter da limitação deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso porque não se pode olvidar de que fatores relevantes - como a faixa etária do requerente, seu grau de escolaridade e sua qualificação profissional, assim como outros - são essenciais para a constatação do impedimento laboral e efetivação da proteção previdenciária.
Ademais, é necessário esclarecer que não basta estar o segurado acometido de doença grave ou lesão, mas, sim, demonstrar que sua incapacidade para o labor delas decorre.
Dispõe, outrossim, a Lei nº 8.213/91 que a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito ao benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou lesão.
Quanto ao período de carência - número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o segurado faça jus ao benefício - assim estabelece o artigo 25 da Lei de Benefícios da Previdência Social:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 contribuições mensais;
(...)
Vale salientar que, no caso dos segurados especiais, para fins de carência, apenas se exige comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, mesmo que de forma descontínua, nos termos do artigo 39 da Lei 8.213/91:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou
Neste caso, o tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, e Súmula 149 do STJ. Entretanto, embora o artigo 106 da LBPS relacione os documentos aptos à comprovação da atividade rurícola, tal rol não é exaustivo, sendo admitidos outros elementos idôneos.
A par disso, importante mencionar que o período de carência é dispensado em caso de acidente (art. 26, II, da Lei n° 8.213/1991) ou das doenças previstas no art. 151 da Lei n. 8.213/91.
Ainda, o artigo 15 da Lei nº 8.213/91 prevê o denominado "período de graça", que se dá na hipótese de cessação do recolhimento das contribuições, permitindo a prorrogação da qualidade de segurado durante um determinado lapso temporal:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Assim, caso decorrido o "período de graça", que acarreta a perda da qualidade de segurado, deverão ser vertidas novas contribuições para efeito de carência, anteriormente à data da incapacidade. Considerando-se a evolução legislativa sobre o tema, o número de contribuições a serem feitas para essa finalidade obedece, tendo sempre como parâmetro a data de início da incapacidade (DII), à seguinte variação no tempo: a) até 27/03/2005, quatro contribuições; b) de 28/03/2005 a 19/07/2005, doze contribuições; c) de 20/07/2005 a 07/07/2016, quatro contribuições; d) de 08/07/2016 a 04/11/2016, doze contribuições; e) de 05/11/2016 e 05/01/2017, quatro contribuições; f) de 06/01/2017 e 26/06/2017, doze contribuições; g) de 27/06/2017 a 17/01/2019, seis contribuições; h) de 18/01/2019 a 17/06/2019, doze contribuições; e i) a partir 18/06/2019, seis contribuições.
CASO CONCRETO
A autora, nascida em 25/06/1965, atualmente com 57 anos de idade, segurada especial, esteve em gozo de auxílio-doença, nos períodos de 04/05/2005 a 04/06/2005, 25/05/2010 a 19/04/2011, 25/05/2012 a 25/07/2012, e de 15/01/2014 a 30/01/2017 (evento 01, OUT9).
Em 11/05/2018, requereu a concessão de benefício por incapacidade temporária, indeferido ante parecer contrário da perícia médica administrativa (evento 01, OUT9).
A presente ação foi ajuizada em 10/08/2018.
A controvérsia recursal cinge-se à comprovação da inaptidão para o trabalho.
INCAPACIDADE LABORATIVA
Da perícia produzida por médico de tráfego, em 18/03/2021, extraem-se as seguintes considerações (evento 80):
- enfermidades (CID): diabetes melitus - E11, hipertensão arterial - I10, epilepsia- G40 e transtorno disco intervertebral - M51.1;
- data do início da doença: "Relata que desde 2012";
- incapacidade: inexistente;
- idade na data do exame: 55 anos;
- profissão: "trabalhos em seu próprio lar".
De acordo com a resposta ao quesito 'f' do INSS, o perito chegou à sua conclusão de que inexiste incapacidade, afirmando que "existem diversas patologias, porém, estão estabilizadas e a periciada não está incapacitada", considerando "Atestados médicos, exames complementares, anamnese, exame clínico".
Inicialmente, das respostas aos quesitos, não é possível extrair o histórico das doenças, e tampouco a descrição do exame físico e dos documentos complementares.
Ademais, o perito judicial não mencionou a patologia no ombro direito, indicada em diversos atestados e em exame de imagem (evento 01, OUT8).
Outrossim, foi concedido novo auxílio-doença à demandante, em 25/06/2021, ou seja, depois de apenas três meses do exame judicial (evento 112, OUT1), indicando que as enfermidades não estariam efetivamente estabilizadas, sobretudo as de natureza ortopédica.
Cabe salientar, ainda, que a requerente permaneceu 3 anos em gozo ininterrupto de auxílio-doença, porém não há informação nos autos acerca das patologias incapacitantes.
Diante desse quadro, em que o exame pericial apresentou conclusões sem devidamente fundamentá-las, mostra-se necessária a realização de nova perícia, pois o laudo anexado aos autos é lacônico e insuficiente para servir de auxílio técnico para o julgamento.
Assim, restando dúvida acerca da incapacidade laborativa da parte autora, e a fim de que essa Turma possa decidir com maior segurança, entendo prudente que seja realizada nova perícia judicial por médico do trabalho ou ortopedista.
Feitas essas considerações, a sentença deve ser anulada, determinando-se a reabertura da instrução processual e realização de nova perícia com médico do trabalho ou ortopedista, assim como oportunizar à parte autora a complementação de documentos médicos como prontuários, informações hospitalares e receituários, bem como ao INSS a juntada dos laudos médicos produzidos em sede administrativa.
Apelo da parte autora provido.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelo da parte autora provido, para determinar a reabertura da instrução processual, para realização de nova perícia com médico do trabalho ou ortopedista.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo, a fim de anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003799213v7 e do código CRC 55257d61.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 20/4/2023, às 21:28:15
Conferência de autenticidade emitida em 28/04/2023 08:01:25.
Apelação Cível Nº 5004855-89.2022.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: MARIA VIEIRA DOS SANTOS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. aposentadoria por invalidez. incapacidade. nova perícia. especialista. necessidade.
1. Quanto à incapacidade, o juízo forma a sua convicção, em regra, com base no laudo médico-pericial. Hipótese em em que o exame pericial apresentou conclusões sem devidamente fundamentá-las, mostrando-se necessária a realização de nova perícia, pois o laudo anexado aos autos é lacônico e insuficiente para servir de auxílio técnico para o julgamento.
2. Restando dúvida acerca da incapacidade laborativa da parte autora, e a fim de que a Turma julgadora possa decidir com maior segurança, necessária a realização de nova perícia judicial por médico do trabalho ou ortopedista. Apelo da parte autora provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao apelo, a fim de anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 18 de abril de 2023.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003799214v3 e do código CRC 8e748c0b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 20/4/2023, às 21:28:15
Conferência de autenticidade emitida em 28/04/2023 08:01:25.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/04/2023 A 18/04/2023
Apelação Cível Nº 5004855-89.2022.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: MARIA VIEIRA DOS SANTOS
ADVOGADO(A): FERNANDO LIBRELATO (OAB PR090865)
ADVOGADO(A): FABRÍCIO MONTEIRO KLEINIBING (OAB PR055346)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/04/2023, às 00:00, a 18/04/2023, às 16:00, na sequência 420, disponibilizada no DE de 28/03/2023.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO APELO, A FIM DE ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
HELENA D'ALMEIDA SANTOS SLAPNIG
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 28/04/2023 08:01:25.