APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5002014-57.2014.4.04.7104/RS
RELATOR | : | HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARLEI MACEDO DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | SADI JOAO GUARESCHI |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE PREEXISTENTE CONFIGURADA. DESCONTOS DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. HONORÁRIOS PERICIAIS. OMISSÃO.
1. Comprovado nos autos que o início da incapacidade laborativa ocorreu antes do ingresso ao RGPS, é indevida a concessão dos benefícios por incapacidade.
2. Não cabem os descontos, no benefício previdenciário, a título de restituição de valores pagos aos segurados por erro administrativo, cujo recebimento deu-se de boa-fé, face ao princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos.
3. As partes deverão reembolsar à Justiça Federal o valor adiantado a título de honorários periciais. Omissão que se supre.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos do INSS e da parte autora e à remessa oficial e suprir omissão da sentença quanto aos honorários periciais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de novembro de 2015.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7913340v7 e, se solicitado, do código CRC E7039062. | |
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5002014-57.2014.4.04.7104/RS
RELATOR | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARLEI MACEDO DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | SADI JOAO GUARESCHI |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações e remessa oficial de sentença na qual o julgador monocrático assim dispôs:
"Ante o exposto, revogo a decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela (evento 03) e, na matéria de fundo, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido na petição inicial, declarando extinto o feito, com resolução do mérito (CPC, art. 269, inciso I), para o efeito de declarar a inexistência de débito da autora perante a autarquia ré em relação ao benefício de auxílio-doença NB nº 516.616.102-1.
Diante da sucumbência recíproca, considero os honorários advocatícios compensados, a teor da Súmula 306 do STJ ("Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte");
As custas processuais são devidas igualmente pelas partes, à razão de 50% para cada, ficando dispensado o respectivo pagamento, consideradas a AJG deferida à parte autora e a isenção prevista em favor do INSS (Lei n. 9.289/96, art. 4.º)."
A parte autora argumenta que a incapacidade decorre de agravamento da doença, o que lhe confere direito ao benefício.
Por sua vez, o INSS alega, em síntese, a existência de expressa autorização legal para promover a cobrança das parcelas tidas por indevidas, recebidas de boa-fé pela parte autora.
Com contrarrazões, vieram os autos ao Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Pois bem, por estar em consonância com o entendimento desta Relatoria quanto às questões deduzidas, a sentença recorrida merece ser mantida pelos seus próprios fundamentos, os quais transcrevo, adotando como razões de decidir, in verbis:
"- Caso Concreto
Postula aparte autora o restabelecimento do benefício de auxílio doença (NB: 515.616.102-1), ou, alternativamente, de aposentadoria por invalidez, desde a data do cessação do benefício (DCB: 31/08/2013).
Com efeito, a análise do processo administrativo encartado com a inicial, demonstra que a irregularidade no recebimento do benefício por incapacidade recebido pela parte autora, segundo apuração do INSS, consiste em (evento 01 - OFÍCIO/C6 ): Data de início da incapacidade (DII) 07/11/2005, período em que V.Sa. não possuía qualidade de segurada e nem a carência necessária para o benefício.
Nesse andar, considerando que a divergência diz respeito à data de início da incapacidade, foi determinada a realização de prova pericial, que conclui (evento 53 - documento "LAUDPERI1") :
Justificativa/conclusão: A INCAPACIDADE DA AUTORA É PARA QUALQUER ATIVIDADE LABORATIVA QUE EXIJA ESFORÇO FÍSICO MESMO ESFORÇO LEVE, PODENDO NO ENTANTO SER REABILITADA PARA UMA ATIVIDADE QUE NÃO EXIJA ESFORÇO FÍSICO, PORÉM A REABILITAÇÃO ESBARRA NO GRAU DE ESCOLARIDADE DA AUTORA QUE NÃO POSSUI ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO OU QUALQUER OUTRA FORMAÇÃO.
JUSTIFICAMOS QUE A AUTORA ALÉM DE ESFORÇO FÍSICO LEVE NÃO TEM CONDIÇÕES NEM MESMO DE REALIZAR DEAMBULAÇÃO QUE EXIJA RAPIDEZ NEM MESMO MAIS RÁPIDO QUE CAMINHAR NORMAL, SUBIR ESCADAS.....ETC....QUADRO AGRAVADO PELO USO DE INSULINA..
Data de Início da Doença: 27/07/2005
Data de Início da Incapacidade: 27/07/2005
- Incapacidade para qualquer atividade laborativa
Em resposta aos quesitos formulados pelo Juízo, referiu o Sr. Perito:
DOENÇA É INCAPACITANTE?
R: COMO JÁ DESCREVEMOS A DOENÇA É INCAPACITANTE PORÉM PODE SER COMPENSADA COM O USO DE MEDICAMENTOS, DEPENDE DA RESPOSTA INDIVIDUAL DE CADA UM..
F) EM CASO AFIRMATIVO, A INCAPACIDADE É PERMANENTE OU TEMPORÁRIA?
R: A INCAPACIDADE É PERMANENTE, O QUE PODE VARIAR É A INTENSIDADE DAS MANIFESTAÇÕES CLINICAS APRESENTADAS PELO INDIVIDUO
G) DESDE QUANDO A PARTE FOI ACOMETIDA DE TAL INCAPACIDADE?
R: PELO RELATO DA AUTORA E CONFORME OS ATESTADOS E MESMO O EXAME COMPLEMENTAR QUE EFETIVAMENTE CONFIRMOU O DIAGNOSTICO DESDE JULHO DE 2005.
H) EM QUALQUER CASO, HÁ POSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO PARA ATOS DA VIDA NORMAL OU PARA O EXERCICIO DE ALGUMA PROFISSÃO OU SIMILAR?
R: DEPENDE DA RESPOSTA CLINICA DO PACIENTE AOS MEDICAMENTOS, DA EXUBERANCIA DAS MANIFESTAÇÕES CLINICAS DESENCADEADAS PELA DOENÇA. ALGUNS INDIVIDUOS TEM VIDA PRATICAMENTE DENTRO DA NORMALIDADE, OUTRAS E DEPENDENDO DAS MANIFESTAÇOES NÃO APRESENTAM CONDIÇÕES FISICAS PARA O TRABALHO.
I) CASO SEJA CONSTATADA INCAPACIDADE, TOTAL OU PARCIAL, PERMANENTE OU TEMPORÁRIA, É POSSIVEL AFIRMAR SE TAL INCAPACIDADE É ANTERIOR A FILIAÇÃO AO RGPS (DEZEMBRO DE 2005)?
R: PELO QUE CONSTA NOS AUTOS NO DOCUMENTO FORNECIDO PELA DATAPREV EM 13/11/2011 A AUTORA, PELO QUE PODEMOS DEDUZIR COM BASE NA INSCRIÇÃO CADASTRADA SOB Nº 1.119.558.692-7 NO PERIODO EM QUE FOI ACOMETIDA OU DIAGNOSTICADA A ENFERMIDADE EM JULHO DE 2005 - NÃO ESTARIA CONTRIBUINDO. DESCREVEMOS A INFORMAÇÃO DOS PERIODOS:
- 08/1986 A 02/1987
- 10/1987 A 10/1987
- 12/2005 A 04/2006
-10/05/2006 A 12/2010 - ESTARIA EM GOZO DE BENEFICIO.
Visto isso, denota-se que a incapacidade da autora remonta a 27/07/2005, informação corroborada inclusive pelas informações prestadas pelo seu médico assistente - Dr. Maurice Formigheri (evento 53 - documento "ANEXO2"), com base nos exames elencados pelo Sr. perito:
- CINEANGIOCORONARIOGRAFIA REALIZADA EM 21/12/2005 - COM DIAGNOSTICO DE CARDIOMIOPATIA DILATADA COM FE DE 45%.
- CINEANGIOCORONARIOGRAFIA REALIZADA EM 13/04/2013 - MANTENDO DIAGNOSTICO DE CARDIOMIOPATIA DILATADA, COM MODERADA A SEVERA DISFUNÇÃO CONTRATIL DO V.E. COM FE DE 41%
- ECOCARDIOGRAMA UNI E BIMDIMENSIONACL COLORIDO EMQ EU APARENTOU DISFUNÇÃO CONTRATIL VENTRICULAR ESQUERDA DE GRAU IMPORTANTE.DISFUNÇÃO DIASTOLICA VENTRIUCULAR ESQUERDA PADSRÃO COM RELAXAMENTO ALTERADO. REGURGITAÇÃO MITRAL DE GRAU LEVE
Além disso:
A autora já tem antecedentes prévios a 2005. Relata que há mais ou menos 15 anos foi submetida a cirurgia neurológica para retirada de tumor da hipófise. Após teve endometriose e foi submetida a histerectomia com anexcectomia. Posteriormente fez cirurgia renal por infecção e litíase. Foi submetida a colecistectomia e neste periodo já passou a apresentar a doença cardíaca. e por ultimo o diabete. Que não respondeu ao uso de medicação via oral sendo necessário o uso de insulina.
Cotejando tais informações com os registros constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) que apontam os recolhimentos realizados pela parte autora como contribuinte individual, nos períodos de 06/1985 a 11/1985, 08/1986 a 02/1987, 10/1987, 12/2005 a 04/2006 (evento 01 - documento "PROCADM5"), denota-se a incapacidade anterior ao reingresso no RGPS.
Sobre a pré-existência da incapacidade como fato impeditivo ao direito ao benefício, a Lei de Benefícios assim dispõe:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Portanto, acolho como provada a tese de pré-existência, respaldada nos laudos administrativos e nos laudos periciais produzidos em Juízo, restando improcedente o pedido de restabelecimento do benefício de auxílio doença, bem como de sua conversão em aposentadoria por invalidez.
2.2. Da inexistência de débito. Irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado.
Consolidou-se na jurisprudência, entendimento no sentido de que não cabe a restituição dos valores indevidos pelo beneficiário se reconhecido nas vias ordinárias que ele estava de boa-fé. Tal entendimento - observo - não constitui novidade no âmbito da Administração Pública Federal: o Tribunal de Contas da União (TCU) tem assentado que o servidor não fica obrigado a restituir vantagens indevidas, senão a partir da ciência da declaração de ilegalidade do ato de concessão pela corte de contas, porque antes disso o servidor está de boa-fé (Súmulas 106 e 249 do TCU).
A oposição da boa-fé como limite às pretensões restituitórias da Administração, outrossim, se legitima na concepção de legalidade administrativa como parâmetro de juridicidade, que exige o cotejo da legalidade com os demais princípios norteadores do Estado de Direito, notadamente a segurança jurídica. Vale dizer: a legalidade, que orienta o dever de restituição à luz da vedação ao enriquecimento sem causa, deve ser compatibilizada com a proteção substancial da confiança do administrado que não contribui para o vício do ato (in MAFFINI, Rafael. Princípio da proteção substancial da confiança no Direito Administrativo Brasileiro. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006, p. 185).
Nessa ótica, parece claro que a boa-fé é limite à pretensão do Estado obter a restituição de valores indevidamente pagos a beneficiários da Previdência Social/Assistência Social, o que se fundamenta no caráter alimentar dos benefícios e na preservação dos efeitos pretéritos de atos nulos em favor de destinatários não causadores do vício. Não dissente, a posição do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ CONFIGURADA.
É certo que o Instituto do Seguro Social tem o direito de promover a execução dos seus créditos inseridos em dívida ativa. Todavia, para a cobrança de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, ou assistencial, em face do caráter alimentar dessas verbas e, em decorrência, da sua irrepetibilidade, é imprescindível a demonstração da má-fé do beneficiário em processo judicial próprio com observância do contraditório e da ampla defesa. (TRF4, Embargos de Declaração em Apelação Cível nº 5000871-41.2011.404.7006/PR, Rel. Des. Fernando Quadros da Silva, em 12.04.2012)
PREVIDENCIÁRIO E ASSISTENCIAL. CUMULAÇÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL E AUXÍLIO-RECLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. DESCONTO DO BENEFÍCIO EM MANUTENÇÃO. 1. O benefício assistencial não é acumulável com qualquer benefício previdenciário, nos termos do art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/93 2. Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, a norma do inciso II do art. 115 da Lei nº 8.213/91 deve restringir-se às hipóteses em que, para o pagamento a maior feito pela Administração, tenha concorrido o beneficiário. Precedentes do STJ pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não-devolução dos alimentos. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.71.99.003724-8, 6ª Turma, Des. Federal CELSO KIPPER, D.E. 01/10/2009)
PREVIDENCIÁRIO. DESCONTO DE VALORES PREVIDENCIÁRIOS PAGOS A MAIOR. CESSAÇÃO. BOA-FÉ DO SEGURADO. PEDIDO DE PAGAMENTO DE DANOS MORAIS. Em se tratando da devolução dos valores percebidos de boa-fé ou por equívoco administrativo, é de se ver que a jurisprudência pátria já consolidou entendimento no sentido de que deve ser acolhida a tese da impossibilidade de repetição das referidas prestações em face da natureza alimentar de que gozam os benefícios previdenciários. Não cabem danos morais pelo fato puro e simples de a administração previdenciária, no exercício de seu poder de autotutela, efetuar a revisão da renda mensal de benefício previdenciário. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2008.71.09.000154-3, 6ª Turma, Juiz Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, POR UNANIMIDADE, D.E. 05/08/2009)
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. DESCONTO DO BENEFÍCIO EM MANUTENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. SALÁRIO MÍNIMO. 1. Hipótese em que devida a remessa oficial. 2. Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, a norma do inciso II do art. 115 da Lei nº 8.213/91 deve restringir-se às hipóteses em que, para o pagamento a maior feito pela Administração, tenha concorrido o beneficiário. Precedentes do STJ pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não-devolução dos alimentos. 3. Em se tratando de benefício com proventos fixados em um salario mínimo, incabível qualquer desconto, sob pena de violação ao art. 201, § 2 º, da CF/88, na redação dada pela EC nº 20/98. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.14.000273-0, 5ª Turma, Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI, POR UNANIMIDADE, D.E. 04/08/2009)
Passo seguinte na análise da viabilidade da repetição é a definição exata do que seja boa-fé e má-fé. Como se sabe, existem duas boas-fés no âmbito do Direito: uma objetiva, identificada em um padrão de conduta a ser tomado pelas partes, e outra subjetiva, pertinente a aspectos anímicos do agente. A fim de delimitar a restituição dos benefícios previdenciários pagos por erro, ganha ênfase a segunda, referente a um estado psicológico do beneficiário que recebe a maior.
Os limites da boa-fé subjetiva, impeditiva da restituição de valores recebidos por erro no pagamento administrativo, foram bem traçados pelo Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, em artigo intitulado "A restituição de benefícios previdenciários pagos indevidamente e seus requisitos", inserido na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nº 78, pp. 11 e 12, verbis:
[...] Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá então a restituição de valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo, sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável. A meu ver, não é desculpável o recebimento de benefícios inacumuláveis (Lei nº 8.213, de 1991, art. 124), porque a lei é bastante clara, sendo de exigir-se o seu conhecimento pelo beneficiário. Também não será escusável o recebimento, em virtude de simples revisão, de valor correspondente a várias vezes o valor do benefício. Do mesmo modo, não cabe alegar boa-fé o pensionista que recebe pensão de valor integral e continua a receber o mesmo valor, ciente de que outro beneficiário se habilitou e houve o desdobramento da pensão. De qualquer modo, serão os indícios e circunstâncias que indicarão, em cada caso concreto, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário é escusável ou não.
Se colhe de tal entendimento, ajustado às peculiaridades do direito previdenciário, se a ignorância do erro administrativo pelo beneficiário for desculpável extrai-se a ilação de que agira em boa-fé; inviabilizada estará, assim, a restituição. Caso contrário, tratando-se de ignorância indesculpável - v.g., quando o beneficiário passa a perceber benefício em valor dobrado ou após a extinção do direito à prestação -, à primeira vista, haverá indício de má-fé e consequente necessidade de repetição.
Verificando os documentos acostados aos autos (evento 01 - "PROCADM5"), verifico que a autora requereu a concessão do benefício de auxílio doença em 10/05/2006, requerimento acompanhado, inclusive, de atestado de seu médico assistente, e teve o benefício deferido em 10/05/2006. Posteriormente, em razão de revisão administrativa, realizada em maio de 2013, foi identificado indício de irregularidade relativo à data de início da incapacidade da segurada.
Verifica-se, pois, que a má-fé não resta evidenciada, mormente levando-se em conta que a irregularidade diz respeito a aspecto técnico, apurado por perito médico, sem qualquer interferência da autora.
Portanto, se o INSS apurou de forma incompleta e/ou errônea, quando da concessão, a data de início da incapacidade, não pode pretender, anos após, fazer as consequências de tal erro recaírem sobre a requerente, que de boa-fé recebeu a prestação e consumiu os valores de natureza alimentar."
A alegação da parte autora de que a incapacidade decorre do agravamento da moléstia não tem como prosperar.
A refiliação ao sistema, em 12/2005, operou-se posteriormente à data de início da incapacidade fixada pelo perito judicial (27/07/2005), ou seja, não somente a moléstia, mas tambem a incapacidade é preexistente ao reingresso ao regime geral.
Não se trata, pois, de moléstia anterior ao ingresso no sistema, que evoluiu para incapacidade após a integralização da carência; trata-se de incapacidade anterior à aquisição das condições para a concessão do benefício.
Agiu acertadamente o magistrado de origem que não restabeleceu o benefício de auxílio-doença à parte autora, em respeito ao ordenamento jurídico que veda a concessão de auxílio-doença ao segurado que já se filiar incapacitado para o trabalho.
Quanto à alegação do INSS, de que existe expressa autorização legal para realização de cobrança de valores recebidos de boa-fé, melhor sorte não lhe socorre.
Isso porque, no caso concreto, não há demonstração de ter havido má-fé da parte autora para percepção dos valores decorrentes do benefício em referência. Por isso, não se pode presumir tenha se utilizado de subterfúgio para revisão do benefício ou esteja fundando o seu pedido em intenção maliciosa.
Assim, os valores recebidos se referem a verbas de caráter alimentar recebidas com induvidosa boa-fé da parte autora, o que implica em prevalência do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Nos termos da assente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a fraude ou má-fé do segurado deve ser comprovada pelo INSS, não podendo ser presumida. Na sua ausência, os alimentos recebidos de boa-fé são irrepetíveis, conforme reiteradamente esses Tribunais têm decidido. Esse entendimento encontra-se representado nos seguintes arestos:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PAGO A MAIOR. ERRO ADMINISTRATIVO. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO INDEVIDA. 1. Em face do caráter social das demandas de natureza previdenciária, associada à presença da boa-fé do beneficiário, afasta-se a devolução de parcelas pagas a maior, mormente na hipótese de erro administrativo. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 1318361/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2010, DJe 13/12/2010)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DESNECESSIDADE. BOA-FÉ DO SEGURADO. HIPOSSUFICIÊNCIA. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. É incabível a devolução pelos segurados do Regime Geral da Previdência Social de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública. Entendimento sustentado na boa-fé do segurado, na sua condição de hipossuficiente e na natureza alimentar dos benefícios previdenciários. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1170485/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 14/12/2009)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS ADMINISTRATIVAMENTE. VERBA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Segundo posicionamento consolidado por esta Corte Superior, a hipótese de desconto administrativo, nos casos em que a concessão a maior se deu por ato do Instituto agravante, não se aplica às situações em que presente a boa-fé do segurado, assim como ocorre no caso dos autos. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1130034/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 01/10/2009, DJe 19/10/2009)
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. COBRANÇA DOS VALORES PAGOS A MAIOR. ERRO ADMINISTRATIVO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores determinada pela autarquia. (TRF4, AC 2007.71.10.004862-5, Quinta Turma, Relator Hermes Siedler da Conceição Júnior, D.E. 09/06/2011)
Ausente a comprovação de que a parte autora tenha concorrido para o pagamento realizado pela Autarquia, é de ser improvida a apelação do INSS e a remessa oficial no tópico.
Dessa forma, negado provimento aos apelos e à remessa oficial, resta confirmada a sentença, bem como os ônus sucumbenciais fixados.
Despesas processuais
Cabe suprir omissão da sentença para condenar as partes a reembolsar à Justiça Federal o valor adiantado a título de honorários periciais, à razão de 50% para cada, ficando a parte autora dispensada do pagamento, considerada a AJG deferida.
Prequestionamento
Para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores dou por prequestionadas as matérias constitucionais e legais alegadas em recurso pelas partes, nos termos das razões de decidir já externadas no voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou tidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do declinado.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento aos recursos do INSS e da parte autora e à remessa oficial e suprir omissão da sentença quanto aos honorários periciais.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 18/11/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5002014-57.2014.4.04.7104/RS
ORIGEM: RS 50020145720144047104
RELATOR | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Adriana Zawada Melo |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | MARLEI MACEDO DOS SANTOS |
ADVOGADO | : | SADI JOAO GUARESCHI |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 18/11/2015, na seqüência 1398, disponibilizada no DE de 05/11/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS DO INSS E DA PARTE AUTORA E À REMESSA OFICIAL E SUPRIR OMISSÃO DA SENTENÇA QUANTO AOS HONORÁRIOS PERICIAIS.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR |
: | Juiz Federal OSNI CARDOSO FILHO | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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