Apelação Cível Nº 5012043-07.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: ANA HENRIQUE DA SILVA LICHESKI
ADVOGADO: CLARICE BARBOSA CHALITO (OAB PR062607)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de auxílio doença/aposentadoria por invalidez, condenando-a ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre valor atualizado da causa, com exigibilidade suspensa pela concessão da gratuidade da justiça.
A parte autora sustenta, em síntese, que faz jus ao benefício pleiteado, tendo em vista que se encontra incapacitada para o trabalho, conforme demonstram os documentos médicos anexados, postulando designação de nova pericia judicial com analise completa de todas as patologias que lhe acometem, requerendo, por fim:
a) A anulação da respeitável sentença de primeiro grau, nos termos da fundamentação, com a designação de nova perícia judicial com psiquiatria/laudo complementar e o consequente acolhimento integral dos pedidos iniciais. (...)
Sem contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Premissas
A parte autora objetiva a concessão de AUXÍLIO-DOENÇA, previsto no artigo 59 da Lei 8.213/91, ou APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, regulado pelo artigo 42 da Lei 8.213/91.
São quatro os requisitos para a concessão desses benefícios por incapacidade: a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da LBPS; c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Cabe salientar que os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez são fungíveis, sendo facultado ao julgador (e, diga-se, à Administração), conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado ao outro. Dessa forma, o deferimento do amparo nesses moldes não configura julgamento ultra ou extra petita. Por outro lado, tratando-se de benefício por incapacidade, o julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliado conforme as particularidades do caso concreto. Isso porque existem circunstâncias que influenciam na constatação do impedimento laboral (v.g.: faixa etária do requerente, grau de escolaridade, tipo de atividade e o próprio contexto sócio-econômico em que inserido o autor da ação).
Caso concreto
A controvérsia cinge-se à verificação da incapacidade laboral da autora.
A perícia judicial, realizada na data de 28/11/2019, por médico especialista em ortopedia e traumatologia, apurou que a autora, serviços gerais, nascida em 26/12/1965 (atualmente com 55 anos), 5ª série do ensino fundamental, apresenta queixas de depressão, dor e impotência funcional, Discopatia degenerativa lombar e cervical CID M51.3 e Síndrome do manguito rotador de ombros CID M75.1.
Em seu laudo (evento 23, OUT1), relata o sr. perito:
Músculo Esquelético:
Dores articulares
X Ombro D/E
Joelho Cotovelo
Mãos
X Coluna lombar
X Cervical
Neurológicos:
Desmaios
Dor de cabeça
Ataque
X Dormência em braços e pernas.
X Formigamento, mãos, pés, perna
X Problemas no caminhar
Psiquiátrico:
X Distúrbio do sono
X Ansiedade
X Depressão (..)
Características do Sofrimento:
Intensidade, neste momento: [0-10] = 02
Pior dor nos últimos 30 dias: [0-10] = 05
Frequência: Constante
Tipo: Agulhada / Queimação / Formigamento
Quando é pior: Direto
O que faz piorar: Esforço / Movimentos
O que faz melhorar: Repouso / Medicamentos
Mudança do tempo altera a dor: Sim,chuva
Humor nos últimos 30 dias: Médio
(...)
Postura: Normal
Medidas: Simétricas
Aspecto de saúde geral: Normal
Tônus muscular: Normal
Pele: Normal
Deformidades: Ausente
Calosidade palmar: Aspereza
Sujidade ungueal: Ausente
Palpação:
Pontos dolorosos: VER DESENHO PINTADO
Crepitação: Ausente
Pulso radial: Normal
Pulso cubital: Normal
(...)
Testes e Manobras Especiais:
DO SUPRAESPINHOSO: NEGATIVO: POSITIVO:
Impacto de Neer: X
Supraespinhal: X
Jobe: X
(...) Regiões afetadas: VER ACIMA.
Alterações: Degenerativas.
Queixas: Refere dor e impotência funcional.
Particularidades da patologia:
Etiologias: Degenerativas.
Prognóstico: Bom se realizar as atividades ergonomicamente correto.
Datas e Análises Documentais:
Foi considerado as datas do agravamento das doenças, segundo a parte autora , início e fim do auxílio doença e datas dos exames complementares.
Estado Atual das Alterações:
Consolidadas.
Compensadas.
Estabilizadas. Estado de saúde geral: [ Ver revisão dos sistemas ].
Bom
Conclusão:
Vejo que apresenta redução da capacidade funcional sem repercussão na capacidade laboral. Sua lesão está compensada e estabilizada.
Aos quesitos, respondeu:
a) O (a) periciado (a) é portador de lesão ou perturbação funcional que implique redução de sua capacidade para o trabalho? Qual?
R: Sua lesão está compensada.
b) Se houver lesão ou perturbação funcional, decorre de acidente de trabalho ou de qualquer natureza? Em caso positivo, indique o agente causador ou circunstancie o fato, com data e local, bem como indique se o (a) periciado (a) reclamou assistência médica e/ou hospitalar.
R: Referiu acidente típico. Demais ver laudo pericial.
c) O (a) periciado (a) apresenta sequelas de acidente de qualquer natureza, que causam dispêndio de maior esforço na execução da atividade habitual?
R: A lesão está compensada.
d) Se positiva a resposta ao quesito anterior, quais são as dificuldades encontradas pelo (a) periciado (a) para continuar desempenhando suas funções habituais? Tais sequelas são permanentes, ou seja, não passíveis de cura?
R: Prejudicada.
e) Houve alguma perda anatômica? Qual? A força muscular está mantida?
R: Não. Força mantida.
f) A mobilidade das articulações está preservada?
R: Levemente alterada .
g) A sequela ou lesão porventura verificada se enquadra em alguma das situações discriminadas no Anexo III do Decreto 3.048/1999?
R: Não.
h) Face à sequela, ou doença, o (a) periciado (a) está: a) com sua capacidade laborativa reduzida, porém, não impedido de exercer a mesma atividade; b) impedido de exercer a mesma atividade, mas não para outra; c) inválido para o exercício de qualquer atividade?
R: Lesão compensada. (...)
14. O quadro do autor é reversível?? Haveria necessidade de intervenção cirúrgica??
R: Degenerações fazem parte da idade.
Conclui que a parte autora não apresenta incapacidade laboral.
Anote-se que o perito judicial é o profissional de confiança do juízo, cujo compromisso é examinar a parte com imparcialidade. Embora seja certo que o juiz não fique adstrito às conclusões do perito, a prova em sentido contrário ao laudo judicial, para prevalecer, deve ser suficientemente robusta e convincente, o que não ocorreu no presente feito.
Além disso, embora o julgador não esteja jungido à literalidade do laudo pericial, sendo-lhe facultada a ampla e livre avaliação da prova, não há nos autos elemento que autorize o afastamento da prova técnica elaborada.
Destarte, a parte autora recebeu benefício de auxílio-doença nos períodos de 25/02/2015 a 24/5/2015 e 04/7/2016 a 23/01/2019 (evento 1, CNIS9). Requereu novo benefício em 23/5/2019, sendo indeferido por parecer contrário da perícia.
Apresenta diversos documentos médicos, especialmente ortopédicos, entre receitas de medicamentos, laudos de exames e atestados de médicos generalistas, ortopedistas e psiquiatras assistentes, que se referem às moléstias por ela relacionadas na petição inicial, dos anos de 2012, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 (evento 1,CERT10), dos quais se destacam:
- 02/02/2018 - atestado de médico psiquiatra assistente, relata diagnóstico de transtorno depressivo e refere tratamento, CID F331;
- 19/10/2018 - atestado de médico psiquiatra assistente, relata diagnóstico de transtorno depressivo/ansioso e refere tratamento, CID F412.
Os documentos médicos anexados comprovam, por sua vez, que a autora esteve em acompanhamento e tratamento médicos para as patologias que a acometem. Porém, não atestam a incapacidade ou sugerem afastamento da atividade laboral contemporaneamente ao indeferimento do pedido de concessão administrativa ou perícia médico judicial, quanto às moléstias ortopédicas, inclusive, são referentes aos períodos em que percebeu, efetivamente, o benefício de auxílio-doença.
A existência de patologia ou lesão nem sempre significa que está o segurado incapacitado para o trabalho. Doença e incapacidade podem coincidir ou não, dependendo da gravidade da moléstia, das atividades inerentes ao exercício laboral e da sujeição e resposta ao tratamento indicado pelo médico assistente. Portanto, nem toda enfermidade gera a incapacidade que é pressuposto para a concessão dos benefícios previdenciários postulados.
Com relação à qualificação do expert, observo que o perito nomeado é especialista em ortopedia e traumatologia, isto é, profissional especializado justamente em uma das áreas das patologias suscitadas na exordial, o que robustece a idoneidade de suas conclusões.
Além disso, a parte autora não trouxe aos autos nenhum elemento suficiente para infirmar a conclusão da perícia, em relação às moléstias ortopédicas.
O laudo judicial foi claro, objetivo e coerente. O perito descreveu de forma satisfatória o quadro de saúde da autora, por meio do histórico da doença, anamnese e exame físico, bem como respondeu aos quesitos apresentados, concluindo pela ausência de incapacidade. Não há, pois, razão que justifique qualquer dúvida relativa à credibilidade ou à legitimidade profissional da perita designada.
No entanto, considerando a necessidade de melhor detalhamento do estado de saúde da parte autora, observando ser portadora, além de móléstias ortopédicas tambem de moléstia de natureza psiquiátrica, bem como que não há maiores investigações acerca da possibilidade de desempenho da atividade exercida, levando em conta as peculiaridades do caso, tem-se que o laudo juntado aos autos não se revela apto a fundamentar a conclusão pela (in)existência de enfermidade incapacitante, impondo-se a elucidação de tais questões.
Para tanto, faz-se necessária a reabertura da instrução, com realização de nova prova pericial, mediante a elaboração de novo laudo médico, por perito com especialidade em psiquiatria, para avaliar as implicações do quadro clínico diagnosticado.
Neste sentido, confira-se as ementas de julgados desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PERÍCIA INSUFICIENTE. ESPECIALISTA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PARA CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. SENTENÇA ANULADA 1. Quando a perícia judicial não cumpre os pressupostos mínimos de idoneidade da prova técnica, ela não deve ser considerada suficiente, especialmente quando o laudo não responde, com segurança, aos quesitos necessários para a formação do convencimento judicial. 2. Hipótese em que se verifica a existência de decisão anterior desta Corte que, ao anular a primeira sentença prolatada, determinou a realização de perícia médica na área de Ortopedia. Anulada a segunda sentença prolatada para nova remessa dos autos à origem com o intuito de promover a realização de perícia judicial nos termos em que determinado pela referida decisão judicial transitada em julgado. (TRF4, AC 5015311-06.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 18/12/2019)
PREVIDENCIÁRIO. INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERÍCIA MÉDICA JUDICIAL. AUSÊNCIA DE DADOS SEGUROS E CONCLUSIVOS PARA A SOLUÇÃO DA LIDE. SENTENÇA ANULADA PARA A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Nas ações em que se objetiva a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez o julgador firma seu convencimento, de regra, através da prova pericial. 2. Verificada a insuficiência de esclarecimentos no laudo judicial, deve-se anular a sentença para reabrir a instrução processual, com produção de nova prova pericial, visando à obtenção de dados seguros e conclusivos para a solução da lide. (TRF4, AC 5010042-20.2018.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 24/07/2019)
Por conseguinte, impõe-se a anulação da sentença e a reabertura da instrução com a realização de nova perícia judicial detalhada, por médico especialista em psiquiatria, para avaliar a alegada incapacidade da parte autora.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação para anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual.
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Apelação Cível Nº 5012043-07.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: ANA HENRIQUE DA SILVA LICHESKI
ADVOGADO: CLARICE BARBOSA CHALITO (OAB PR062607)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL ORTOPEDISTA. MOLÉSTIA PSIQUIÁTRICA. SENTENÇA ANULADA. NOVA PERÍCIA.
1. Parte autora é acometida de moléstias ortopédicas e psiquiátricas, conforme referido na exordial.
2. Embora o julgador não esteja jungido à literalidade do laudo pericial, sendo-lhe facultada a ampla e livre avaliação da prova, não há nos autos elemento que autorize o afastamento da prova técnica elaborada por médico especialista em ortopedia.
3. No entanto, para avaliar a alegada incapacidade decorrente de moléstia psiquiátrica, impõe-se a anulação da sentença e a reabertura da instrução com a realização de perícia judicial detalhada, por médico especialista em psiquiatria.
4. Hipótese em que foi anulada a sentença para a realização de nova prova pericial por médico especialista em psiquiatria.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação para anular a sentença e determinar a reabertura da instrução processual, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001914519v7 e do código CRC 3721b6a6.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/08/2020 A 20/08/2020
Apelação Cível Nº 5012043-07.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: ANA HENRIQUE DA SILVA LICHESKI
ADVOGADO: CLARICE BARBOSA CHALITO (OAB PR062607)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/08/2020, às 00:00, a 20/08/2020, às 16:00, na sequência 1429, disponibilizada no DE de 03/08/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO PARA ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR A REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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