APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5068292-86.2013.4.04.7100/RS
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | PEDRO ALGEMIRO COSTA |
ADVOGADO | : | LIVIO ANTONIO SABATTI |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. INCAPACIDADE. COMPROVAÇÃO.
1. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) a qualidade de segurado do requerente; (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) a superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) o caráter definitivo da incapacidade.
2. Comprovada a existência de impedimento para o trabalho, é de ser reconhecido o direito ao benefício por incapacidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de outubro de 2015.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7830772v5 e, se solicitado, do código CRC A1D7BDBA. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Paulo Afonso Brum Vaz |
| Data e Hora: | 22/10/2015 20:19 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5068292-86.2013.4.04.7100/RS
RELATOR | : | PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | PEDRO ALGEMIRO COSTA |
ADVOGADO | : | LIVIO ANTONIO SABATTI |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora contra a sentença que julgou improcedente o pedido de benefício por incapacidade.
Sustenta, em síntese, que faz jus ao benefício por incapacidade (evento 2.75).
Embora intimado (evento 2.79), o INSS não apresentou contrarrazões.
Diante da notícia de piora do quadro de saúde do apelante, foi determinada a conversão em diligência para a realização de laudo complementar no juízo de origem, ao qual teve acesso o INSS (evento 37).
Na sessão de 22-09-2015, a Colenda Quinta Turma negou provimento ao AI nº 5027096-28.2015.4.04.0000, no qual a parte autora objetivava mais esclarecimentos do perito no laudo complementar.
É o relatório.
VOTO
São quatro os requisitos para a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez (art. 42 da Lei 8.213/91) ou auxílio-doença (artigo 59 da LBPS): (a) a qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) a superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) o caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Frise-se que, no tocante à inaptidão laboral, a inteligência do § 2º do art. 42 admite a concessão do benefício ainda que a enfermidade seja anterior à filiação, desde que o impedimento para o trabalho decorra de progressão ou agravamento da doença ou lesão.
Além disso, cabe salientar que os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez são fungíveis, sendo facultado ao julgador (e, diga-se, à Administração), conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado ao outro. Dessa forma, o deferimento do amparo nesses moldes não configura julgamento ultra ou extra petita. De outro modo, tratando-se de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, o Julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
De mais a mais, o caráter da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso porque não se pode olvidar que fatores relevantes - como a faixa etária do requerente, seu grau de escolaridade, assim como outros - são essenciais para a constatação do impedimento laboral, consoante pacificada jurisprudência da Colenda Terceira Seção desta Corte (EIAC 1998.04.01.053910-7, Rel. João Batista Pinto Silveira, DJU 1º-3-2006).
Saliente-se, por oportuno, que o sistema normativo autoriza o INSS a revisar benefícios por incapacidade, mesmo quando concedidos judicialmente, mediante perícia médica para averiguação da persistência dos motivos de saúde que autorizaram a concessão (artigos 47, 60, 101 da Lei nº 8.213/91 e art. 71 da Lei nº 8.212/91).
No caso em tela, a qualidade de segurado é incontroversa, especialmente porque o INSS não suscitou a questão por ocasião da contestação (evento 2.8), e concedeu auxílio-doença no período de 05-09-2005 a 30-08-2007 (evento 2.8/fl. 13).
Sendo assim, resta apurar a alegada incapacidade.
Primeiramente, registro que, a partir das perícias médicas realizada por perito psiquiatra e cardiologista de confiança do juízo a quo, em 16-05-2012 e 08-06-2012 (Evento 2, PET52, fls. 02-04 e Evento 2, PET55, fls. 3-8), é possível obter os seguintes dados:
a- enfermidades (CID): Transtomo depressivo recorrente, episódio atual leve (F33.0), Transtomos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool - síndrome de dependência - no passado (F10.2) e Arritmia por fibrilação auricular (I 48);
b- incapacidade: psiquiatra (Houve incapacidade entre setembro de 2005 e cerca de julho de 2010) e cardiológica inexistente;
c- grau da incapacidade: prejudicado;
d- prognóstico da incapacidade:prejudicado;
e- início da doença:psiquiátrica (09-2008 a 07-2010);
f- idade: 57 anos na data do laudo;
g- profissão:eletrecista;
h- escolaridade: ensino médio completo.
No entanto, após a juntada de atestado médico do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre-RS, emitido em 04-09-2014 (evento 6), o qual refere a incapacidade definitiva do segurado, foi determinada a realização de diligências por esta Relatoria (evento 7), a fim que o perito cardiologista se manifestasse a respeito do fato superveniente. Diante disso, o perito cardiologista reconsiderou, parcialmente, a sua conclusão em 04-05-2015 (evento 32):
O autor é portador de patologia crônica. O fato do reconhecimento da incapacidade temporária é devido à internação hospitalar no período entre 01/08/2014 a 07/08/2014 e da necessidade da realização de um estudo eletrofisiológico para estabilizar a patologia (conforme laudo e vento 5).
Houve de minha parte a retificação e reconhecimento da incapacidade a partir de 01/08/2014.
A outro giro, não se pode olvidar das considerações esposadas pela psiquiatra assistente do segurado (evento 2/pet 38, fls. 29-30):
O paciente pertence a uma família de sete irmãos, desestruturada com pais separados desde a tenra infância tendo sido criado por varias famílias. No grupo familiar de origem vários componentes apresentam como portadores de doença mental, tais como: alcoolismo e depressão grave.
Durante sua vida pessoal passou por varias situações de grande estresse e maus tratos. Na adolescência teve inicio o uso de bebida alcoólica. Sempre foi uma pessoa tímida, isolada, muito preocupado com os deveres e regras, muito severo com a qualidade de seu trabalho, e a cada situação de estresse usava a bebida alcoólica como alivio. lngeriu bebida alcoólica por 40 anos causando grande transtorno familiar, mas mesmo assim conseguiu concluir curso técnico em instalação predial área na qual trabalhava e ajudava no sustento da família.
Em 2006 foi internado na ala psiquiátrica da PUC por intoxicação alcoólica não aceitando a internação. Recebeu alta com o compromisso de fazer tratamento o que não ocorreu.
Em 2006 foi afastado de suas atividades laborais por ordem médica cardiológica, devido aos riscos impostos por seu trabalho. Passou a apresentar quadro depressivo, irritabilidade por não estar realizando nenhuma atividade, desconfiança e aumento do uso de bebida alcoólica, culminando em nova internação no Hospital Mãe de Deus, aonde realizou tratamento, recebendo alta médica e permaneceu em tratamento psiquiátrico em grupo com uso de medicação antipsicótica e antidepressiva.
Desde então abstenico, passou a ficar mais recluso, desconfiado, com grave insônia, passou a dedicar-se a casa, a família e principalmente ao filho que é deficiente auditivo.
Aumentaram suas dificuldades nas relações sociais, pp. com os vizinhos, apesar de residir no mesmo local há 20 anos. Cada vez mais exigente com as rotinas domesticas, intolerante, "comprava uma briga" chegando a pesar em agredir fisicamente os vizinhos que segundo ele e familiares realmente perturbavam a ordem no bairro.
Iniciou seu tratamento sob meus cuidados em final de 2008, trazido por sua esposa, devido ao elevado nível de desconfiança - achava que as pessoas falavam dele -, passou a andar armado de uma faca, emagreceu 10 kg, grave insônia, trancado em casa no escuro. Queria um atendimento psiquiátrico individual através de seu convenio médico.
Naquela época sua avaliação clinica apresentou com o diagnostico de: alcoolismo (abstenico), transtomo bipolar episodio atual depressivo grave com sintomas psicóticos.
Desde então está em uso de estabilizador do humor, antipsicótico e antidepressivo além de ansiolítico em situações de intenso estresse. E muito comprometido com seu tratamento e com o uso das medicações.
No momento sua avaliação clinica psiquiátrica caracteriza por leve quadro depressivo, ainda com importante reclusão e medo social, ausência de sintomas delirantes - mas o paciente reside em outro bairro da cidade e desta maneira sente mais protegido de seus antigos vizinhos - ainda tem medo de conversar com pessoas estranhas, leve insônia, abstinência ao álcool, melhor interação familiar e aderido ao tratamento.
Frente às limitações de seu quadro clinico psiquiátrico e cardiológico não pode retomar á sua atividade laboral.
Com o avanço de sua idade biológica e restrições da patologia não tem conseguido realizar uma reciclagem profissional e por isso muitas vezes apresenta recaída de seu quadro depressivo devido à restrição em suas atividades rotineiras. No momento a esposa é responsável pela parte financeira da família.
Medicações atualmente em uso:
-Oxcarbamazepina 600 mg/ dia
- Risperidona 3mg /dia
- Venlafaxina 75 mg/dia
- Clonazepan 0,25mg/quando ansiedade.
Diagnóstico clinico psiquiátrico/ CID 10
- F10. 20 - Síndrome de dependência - atualmente abstinente
- F31. 5 - Transtomo afetivo bipolar, episódio atual grave com sintomas psicóticos.
Do mesmo modo, merece destaque a afirmação categórica da cardiologista que assiste o segurado no renomado Instituto de Cardiologia de Porto Alegre-RS (evento 5):
Atesto para os devidos fins que o(a) paciente Sr(a) PEDRO ALGEMIRO COSTA encontra-se em acompanhamento nesse hospital, sendo portador de Arritmia Cardíaca Paroxistica - Fibrilação atrial com alta RV, sendo que nos eventos arritmicos agudos manifesta sinais de baixo débito cardíaco com eventos hipotensivos e tonturas. Realizou paralelamente investigação para Cardiopatia Isquêmica sendo negativo para DAC.
O exame Ecocardiografia com fluxo unibidimensional evidenciou sobrecarga atrial esquerda e regurgitação mitral leve, bem como espessamento valvar aórtico e regurgitação aórtica de grau mínimo.
Apesar do tratamento antiarrítimico estabelecido planeja-se realização de EEF com posterior ablação para supressão total dos eventos. Por ora mantém-se em uso de medicações antiarrítmicas em doses plenas e anticoagulação via oral.
Mantém acompanhamento bimestral nesta instituição e necessita de afastamento de suas atividades laborais de forma definitiva. CID I-48.
Pois bem. Não obstante os fundamentos esposados na r. sentença, entendo que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 436 do CPC (O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).
Assim, tendo a perícia certificado a existência da patologia alegada pela parte autora, o juízo de incapacidade pode ser determinado, sem sombra de dúvidas, pelas regras da experiência do magistrado, consoante preclara disposição do artigo 336 do CPC (Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial). Nessa linha, leciona Fabio Luiz dos Passos:
"O objetivo da perícia médica judicial em matéria previdenciária não é (e não deve ser) informar se há (ou houve) incapacidade laborativa no presente ou no passado. A conclusão pela existência ou não de capacidade laborativa, essência da lide previdenciária é encargo atribuído ao juiz, que não deve perder de vista a natureza dinâmica e personalíssima da incapacidade laborativa diante do contexto social de vida do cidadão que busca a tutela judicial." (FOLMANN, Melissa e SERAU Jr., Marco Aurélio. Previdência Social: em busca da Justiça Social. A análise da incapacidade laborativa e o deferimento de benefícios previdenciários. São Paulo: LTr, 2015, p.134-135).
Diversa não é a interpretação do eminente Juiz Federal e professor de Direito Previdenciário José Antonio Savaris (Direito Processual Previdenciário: Curitiba, Alteridade Editora, 2014, p. 275-276), sustentando que não atende ao dever de fundamentação a decisão judicial que consubstancia simples referência à resposta pericial a um dos quesitos que lhe foram formulados (se há ou não incapacidade para o trabalho). Por conseguinte, vaticina o ilustre magistrado, quando a sentença denegatória de proteção social não especifica a função habitual do segurado, o seu contexto social (idade, escolaridade, local de residência, etc), a patologia identificada pela prova técnica e pelos demais achados médicos, e tampouco arrisca pensar o segurado para além da sala em que é realizada a perícia judicial, culmina, a referida sentença, por carecer da necessária fundamentação. Por conta disso, existindo documentação médica relevante, as conclusões do julgador podem afastar-se, por exemplo, quanto à existência de incapacidade, quando à data do seu início, ou quanto à existência de incapacidade que justifique a concessão de benefício.
Este é o dilema que os juízes previdenciários têm de solver todos os dias, como, aliás, vem sendo feito com maestria neste Colegiado (AC nº 0018648-69.2011.404.9999, 5ª TURMA, Rel. Des. Federal ROGERIO FAVRETO, unânime, D.E. 26-04-2012).
Portanto, os critérios de exame das provas no processo previdenciário já não se restringem aos instrumentos e às formas tradicionais. Ainda que o caderno processual não contenha elementos probatórios conclusivos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências.
Nesse aspecto, não é preciso romper com os paradigmas teóricos, porque tal meio probatório é legal e, no contexto, pode e deve ser valorada, sobretudo para essa espécie de prestação social, intrinsecamente permeada pela subjetividade, haja vista o moderno conceito de incapacidade dado pela Organização Mundial da Saúde:
"Incapacidade, genericamente falando, é a resultante da interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo (orgânica e/ou da estrutura do corpo), a limitação de suas atividades e a restrição na participação social e dos fatores ambientais que podem atuar como facilitadores ou barreiras para o desempenho dessas atividades ou da participação (CIF/OMS, 2004).
A incapacidade pode ser operacionalmente definida como debilidades não compensadas do indivíduo frente às exigências do trabalho, sempre tendo em mente que debilidade e incapacidade não são apenas uma conseqüência das condições de saúde/doença, mas são determinadas, também, pelo contexto do meio ambiente físico e social, pelas diferentes percepções culturais e atitudes em relação à deficiência, pela disponibilidade de serviços e legislação (CIF/OMS, 2004)." (TREZUB, Cláudio José. Fundamentos para a perícia médica judicial previdenciária. Curso de Perícia Judicial Previdenciária/coordenação de José Antonio Savaris. Curitiba: Alteridade Editora, 2014. p. 168).
A tendência, pois, é de uma maior valorização da prova indiciária, o que, aliás, já vem sendo feito pela jurisprudência em relação a outros benefícios previdenciários, como nos casos da aposentadoria rural por idade (v.g. AgRg no AREsp 163.261/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 17-12-2012).
Ademais, não se pode olvidar que o artigo 427 do CPC prevê que o juiz poderá, inclusive, dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes, o que, aliado ao dever de fundamentação das decisões judiciais previsto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, demonstra a possibilidade de emprego de tais meios.
Muitas vezes, se instala a dúvida científica em relação à verdade sobre um fato relevante à solução do conflito. Um caso emblemático na área do direito da seguridade social é a questão da incapacidade para fins previdenciários. Não é diferente quando se está diante dos pedidos de tratamentos e medicamentos especiais. Uma dose de recursividade ao pragmatismo pode ajudar o juiz na tarefa de compelir o Estado a cumprir o seu papel constitucional de proteção social.
Se vamos assumir que a verdade real precisa ser perseguida, e nem sempre nos deparamos com a prova cabal, seja sobre a própria incapacidade ou sobre a data do início desta, um raciocínio filosófico pragmático autoriza, a partir de uma boa "inquirição", a recursividade às "evidências". As circunstâncias do caso precisam ser levadas em conta.
A perícia judicial previdenciária deveria ser uma avaliação holística, o que permitiria distinguir as circunstâncias do caso concreto, inclusive a perspectiva das consequências do reconhecimento para a manutenção da vida e da subsistência digna, objetivo primaz do Estado.
Na prática, convivemos com o raciocínio fingido, expressão cunhada por Susan Haack, uma forma rematada de cinismo. Nem o juiz, nem seus auxiliares, como o perito judicial, buscam descobrir as coisas como verdadeiramente são. Não importa onde a busca os levará, mas buscam suporte para uma proposição com a qual eles já estão comprometidos e que não é negociável. Não se interessam por desconstituir seus preconceitos, seus prejuízos, seus comprometimentos anteriores e inamovíveis com a proposição que tentam defender. Não se interessam pela coisa como ela é.
Cumpre salientar que quando a ciência médica não consegue subsidiar a instrução com elementos mínimos sobre o estado global de saúde do segurado, a proteção social há de ser conferida pelo Estado-Juiz, aplicando-se, no campo previdenciário, o princípio constitucional da proteção do hipossuficiente, pois, consoante abalizada lição de João Batista Lazzari (Manual de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 89), não há razão para gerar proteção ao sujeito passivo - como, certas vezes, acontece em matéria de discussões jurídicas sobre o direito dos beneficiários do sistema a determinado reajuste ou revisão de renda mensal, por dubiedade da norma, visto que incide, a regra de interpretação in dubio pro misero, ou pro operário, pois este é o principal destinatário da norma previdenciária.
Por conseguinte, delineado conflito aparente entre as avaliações médicas elaboradas pelos profissionais da Autarquia Previdenciária, pelo médico-assistente do segurado e pelo próprio expert do juízo, impõe-se, com fundamento no princípio in dubio pro misero, acolher a conclusão da asserção mais protetiva ao bem jurídico tutelado pelos benefícios de incapacidade, isto é, a vida, a saúde, e, mais remotamente, a própria dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil insculpido no artigo 3º, inciso III, da Constituição da República, sob pena de o próprio Poder Judiciário afrontar o princípio da proibição de proteção insuficiente (untermassverbot).
Diante disso, ainda que, no caso sub examine, os laudos dos peritos judiciais tenham sugerido a aptidão laboral da parte autora, é forçoso reconhecer que a confirmação da existência das patologias referidas na inicial por ambos os peritos, corroborada pelo histórico clínica carreado aos autos (Evento 2, PET20, Página 2-37), especialmente o pormenorizado laudo dos médicos assistentes (Evento 2, PET38, Página 29 e evento 5.3), os quais são posteriores ao cancelamento do benefício, e pelo laudo complementar do perito cardiologista, ainda que tenha concluído pela incapacidade recentemente, associada às suas condições pessoais - habilitação profissional (eletrecista), idade atual (61 anos de idade), escolaridade (ensino médio completo) - demonstram, a mais não poder, a efetiva incapacidade definitiva para o exercício da atividade profissional para qual possui habilitação, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de aposentadoria por invalidez desde quando foi indevidamente cancelado o auxílio-doença pelo INSS (30-08-2007), haja vista que, diante de tão severas comorbidades documentadas desde aquela época, não era crível que o segurado pudesse ter, subitamente, recuperado a sua aptidão laboral.
Dessarte, é de rigor a reforma da sentença de improcedência, a fim de conceder aposentadoria por invalidez desde a data do indevido cancelamento (30-08-2007). Frise-se, outrossim, que diante do ajuizamento da ação em 27-10-2009, não há falar em prescrição qüinqüenal.
Isso posto, passo ao exame dos consectários.
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64);
- OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86);
- BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89);
- INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91);
- IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92);
- URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94);
- IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94);
- INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95);
- IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).
- TR (a partir de 30/06/2009, conforme art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009)
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009, afastando a utilização da TR como fator de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, relativamente ao período entre a respectiva inscrição em precatório e o efetivo pagamento.
Em consequência dessa decisão, e tendo presente a sua ratio, a 3ª Seção desta Corte vinha adotando, para fins de atualização dos débitos judiciais da Fazenda Pública, a sistemática anterior à Lei nº 11.960/2009, o que significava, nos termos da legislação então vigente, apurar-se a correção monetária segundo a variação do INPC, salvo no período subsequente à inscrição em precatório, quando se determinava a utilização do IPCA-E.
Entretanto, a questão da constitucionalidade do uso da TR como índice de atualização das condenações judiciais da Fazenda Pública, no período antes da inscrição do débito em precatório, teve sua repercussão geral reconhecida no RE 870.947, e aguarda pronunciamento de mérito do STF. A relevância e a transcendência da matéria foram reconhecidas especialmente em razão das interpretações que vinham ocorrendo nas demais instâncias quanto à abrangência do julgamento nas ADIs 4.357 e 4.425.
Recentemente, em sucessivas reclamações, a Suprema Corte vem afirmando que no julgamento das ADIs em referência a questão constitucional decidida restringiu-se à inaplicabilidade da TR ao período de tramitação dos precatórios, de forma que a decisão de inconstitucionalidade por arrastamento foi limitada à pertinência lógica entre o art. 100, § 12, da CRFB e o artigo 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009. Em consequência, as reclamações vêm sendo acolhidas, assegurando-se que, ao menos até que sobrevenha decisão específica do STF, seja aplicada a legislação em referência na atualização das condenações impostas à Fazenda Pública, salvo após inscrição em precatório. Os pronunciamentos sinalizam, inclusive, para eventual modulação de efeitos, acaso sobrevenha decisão mais ampla quanto à inconstitucionalidade do uso da TR para correção dos débitos judiciais da Fazenda Pública (Rcl 19.050, Rel. Min. Roberto Barroso; Rcl 21.147, Rel. Min. Cármen Lúcia; Rcl 19.095, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Em tais condições, com o objetivo de guardar coerência com os mais recentes posicionamentos do STF sobre o tema, e para prevenir a necessidade de futuro sobrestamento dos feitos apenas em razão dos consectários, a melhor solução a ser adotada, por ora, é orientar para aplicação do critério de atualização estabelecido no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação da lei 11.960/2009.
Este entendimento não obsta a que o juízo de execução observe, quando da liquidação e atualização das condenações impostas ao INSS, o que vier a ser decidido pelo STF em regime de repercussão geral, bem como eventual regramento de transição que sobrevenha em sede de modulação de efeitos.
Juros de mora
Até 29-06-2009 os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRg no AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Quanto ao ponto, esta Corte já vinha entendendo que no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não houvera pronunciamento de inconstitucionalidade sobre o critério de incidência dos juros de mora previsto na legislação em referência.
Esta interpretação foi, agora, chancelada, pois no exame do recurso extraordinário 870.947, o STF reconheceu repercussão geral não apenas à questão constitucional pertinente ao regime de atualização monetária das condenações judiciais da Fazenda Pública, mas também à controvérsia pertinente aos juros de mora incidentes.
Em tendo havido a citação já sob a vigência das novas normas, inaplicáveis as disposições do Decreto-lei 2.322/87, incidindo apenas os juros da caderneta de poupança, sem capitalização.
Honorários advocatícios
Devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Implantação do benefício
Reconhecido o direito ao benefício, impõe-se a determinação para sua imediata implantação, nos termos do art. 461 do CPC (TRF4, Terceira Seção, QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper).
A bem da celeridade processual, já que o INSS vem opondo embargos de declaração em todos os feitos nos quais determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC e 37 da Constituição Federal de 1988, abordo desde logo a matéria.
Não se cogita de ofensa aos artigos 128 e 475-O, I, do CPC, porque a hipótese, nos termos do precedente da 3ª Seção, não é de antecipação, de ofício, de atos executórios. A implantação do benefício decorre da natureza da tutela judicial deferida.
Dessa forma, em vista da procedência do pedido e do que estabelecem os artigos 461 e 475-I, caput, bem como dos fundamentos expostos no precedente referido alhures, e inexistindo embargos infringentes, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado deste acórdão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais).
Conclusão
Recurso da parte autora provido para, reformando a sentença de improcedência, conceder aposentadoria por invalidez desde a data do indevido cancelamento (30-08-2007).
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e determinar a implantação do benefício.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 20/10/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5068292-86.2013.4.04.7100/RS
ORIGEM: RS 50682928620134047100
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | PEDRO ALGEMIRO COSTA |
ADVOGADO | : | LIVIO ANTONIO SABATTI |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 20/10/2015, na seqüência 180, disponibilizada no DE de 02/10/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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