| D.E. Publicado em 30/08/2016 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0020725-46.2014.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | APARECIDA DE FATIMA MIRANDA DE SOUZA |
ADVOGADO | : | Gilberto Julio Sarmento e outro |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE CRUZEIRO DO OESTE/PR |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. BOIA-FRIA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. INCAPACIDADE - CONDIÇÕES PESSOAIS. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
2. No caso do trabalhador rural, sobretudo o boia-fria, a qualidade de segurado deve ser demonstrada mediante a apresentação de início de prova material complementada por prova testemunhal; não sendo exigível que a prova documental alcance todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporânea aos fatos alegados.
3. A limitação física imposta pela doença apresentada, conjugada com as condições pessoais da segurada, como idade, escolaridade e histórico laboral, revelam a inviabilidade de reabilitação profissional e autorizam a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez desde a perícia judicial.
4. Termo inicial do auxílio-doença na data do requerimento administrativo, uma vez evidenciado nos autos que a incapacidade já estava presente àquela data, sendo convertido em aposentadoria por invalidez a partir da data da perícia judicial - ato formal que comprovou a irreversibilidade da incapacidade laboral, sobretudo pela conjugação da patologia com as condições socioeconômicas da segurada.
5. Até que sobrevenha decisão específica do STF, aplica-se o art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação que lhe foi conferida pela Lei 11.960/09, na atualização das condenações impostas à Fazenda Pública, salvo após a sua inscrição em precatório.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, ao recurso adesivo e ao reexame necessário, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de agosto de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8472461v2 e, se solicitado, do código CRC 19FD4128. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 24/08/2016 18:01 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0020725-46.2014.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | APARECIDA DE FATIMA MIRANDA DE SOUZA |
ADVOGADO | : | Gilberto Julio Sarmento e outro |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE CRUZEIRO DO OESTE/PR |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação, recurso adesivo e reexame necessário contra sentença que deferiu a antecipação de tutela e julgou parcialmente procedente o pedido para conceder à parte autora o benefício de auxílio-doença desde 12/08/2010 (data do início da incapacidade referida no laudo judicial) até a sua efetiva reabilitação. Restou o INSS condenado a pagar as parcelas devidas a partir do vencimento de cada uma, corrigidas pelo INPC e acrescidas de juros de mora calculados pelos índices oficiais aplicados à caderneta de poupança. Arcará a autarquia, também, com o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
O INSS sustenta em seu recurso de apelação que a parte autora não comprovou sua qualidade de segurada, eis que nenhum período de segurado especial foi reconhecido na via administrativa. Afirma que o início da incapacidade, de acordo com o laudo pericial, remonta a 03/06/2011, sendo que nesse marco a autora não preenchia os requisitos legais para percepção do benefício. Argumenta, outrossim, que a sentença não pode impor obrigação ao INSS de incluir a segurada em programa de reabilitação profissional. Ao final, requer a improcedência da ação ou, subsidiariamente, a aplicação integral do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação que lhe foi conferida pela Lei 11.960/09, para fins de juros e correção monetária.
A parte autora apresentou contrarrazões ao apelo do INSS e interpôs recurso adesivo em cujas razões requer a conversão do auxílio-doença deferido na sentença em aposentadoria por invalidez.
Oportunizadas contrarrazões ao recurso adesivo, subiram os autos.
Na decisão de fls. 189/190, verificou-se que a sentença havia reconhecido a qualidade de segurada especial da parte autora com base em prova exclusivamente testemunhal. Assim, diante da Súmula 149 e Resp. 1.321.493/PR do STJ, facultou-se a apresentação de início de prova material-documental.
Apresentados os documentos de fls. 194/199, o INSS deixou de se manifestar (fls. 200/201).
É o breve relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
O caso presente encontra-se dentre aqueles considerados urgentes no julgamento, vez que se refere a benefício por incapacidade, estando a parte autora, hipossuficiente, hipoteticamente impossibilitada de laborar e obter o sustento seu e de familiares.
Dos requisitos para a concessão do benefício
A concessão de benefícios por incapacidade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei 8.213/91, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Extrai-se, da leitura dos dispositivos acima transcritos, que são três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
Da qualidade de segurado e do período de carência
Quanto ao período de carência (número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício), estabelece o art. 25 da Lei de Benefícios da Previdência Social:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 contribuições mensais;
Na hipótese de ocorrer a cessação do recolhimento das contribuições, prevê o art. 15 da Lei nº 8.213/91 o denominado "período de graça", que permite a prorrogação da qualidade de segurado durante um determinado lapso temporal:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Prevê a LBPS que, decorrido o período de graça na forma do § 4º, as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado somente serão computadas para efeitos de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
Cumpre destacar que no caso dos segurados especiais não há obrigatoriedade de preenchimento do requisito carência conforme acima referido, sendo necessária, porém, a comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, mesmo que de forma descontínua. Eis a disciplina do art. 39, da Lei 8.213/91:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão: I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido (...)
É importante frisar que a LBPS não exige que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê da transcrição do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213, que segue:
A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Não há justificativa legal, portanto, para que se exija prova material contemporânea ao período a ser reconhecido, nos termos reiteradamente defendidos pela Autarquia Previdenciária; tal exigência administrativa implica a introdução indevida de requisito, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
Consequentemente, em ações desta natureza devem ser consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, sendo dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Da prova da atividade rural prestada como boia-fria
No caso de exercício de trabalho rural caracterizado por sua notória informalidade, comprometendo a prova da atividade e, por conseguinte, a obtenção do benefício previdenciário, a jurisprudência pacificada por esta Corte era no sentido de abrandar a exigência relativa ao início de prova material, admitindo, até mesmo, em situações extremas, a comprovação da atividade exclusivamente por meio de prova testemunhal.
Todavia, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 10-10-2012, do Resp nº 1.321.493/PR, representativo de controvérsia, firmou o entendimento de que se aplica também aos trabalhadores boias-frias a Súmula 149 daquela Corte. Sobressai do julgado que o rigor na análise do início de prova material para a comprovação do labor rural do boia-fria, diarista ou volante, deve ser mitigado, de sorte que o fato de a reduzida prova documental não abranger todo o período postulado não significa que a prova seja exclusivamente testemunhal quanto aos períodos faltantes.
Do caso concreto
Em relação ao cerne da controvérsia levantada pelo INSS - comprovação da qualidade de segurado -, foram acostados os seguintes documentos como prova da condição de trabalhadora rural/segurada especial:
- Contrato de compra e venda de imóvel rural em nome de João Cordeiro de Souza, marido da requerente, qualificado como agricultor em 02/12/1986 (fls. 195/195v);
- Certidão de óbito de João Cordeiro de Souza, marido da requerente, qualificado como lavrador, assento em 11/12/2008 (fl. 196);
- Certidão de nascimento de João Vitor Cordeiro de Souza, filho da requerente, em que ela é qualificada como lavradora em 13/07/1998 (fl. 197);
- Fichas de atendimento na Secretaria de Saúde da Prefeitura de Tapejara/RS, em que a requerente é qualificada como lavradora - primeiros atendimentos de cada ficha em 05/04/2006 e 23/10/2008 (fls. 198/199).
Não obstante a sentença tenha se baseado, fundamentalmente, na prova testemunhal para reconhecer a qualidade de segurada especial "boia-fria" da requerente, a juntada, em grau recursal, do relevante e fidedigno início de prova material-documental acima mencionado, satisfaz a exigência constante da Súmula 149 do STJ.
Ademais, os relatos da autora e das testemunhas Maria da Conceição dos Santos, Terezinha de Jesus Soares da Silva e Rodrigo Cambará da Silva (fls. 124/126 e CD da fl. 127), colhidos em audiência realizada em 20/11/2013, foram analisados e sopesados com acuidade e razoabilidade pela magistrada sentenciante. Transcrevo, por sua pertinência, o excerto que contempla a valoração da prova (fls. 141/142):
O depoimento pessoal da parte autora e as testemunhas por ela arroladas corroboram com o exposto na inicial. Até mesmo porque, na fase administrativa, foi identificada sua atividade rurícula quando da entrevista realizada por servidor da autarquia-ré, haja vista que, em sua conclusão, consignou: "de acordo com as declarações prestadas concluo que foi trabalhadora rural boia-fria até 05/2010, sem recolhimento das contribuições previdenciárias."
A parte autora, quando ouvida em Juízo, relatou que trabalhava na roça como diarista; que trabalhou em várias lavouras, sendo que a principal era mandioca; que desde 2010 não conseguiu mais trabalhar, em razão do agravamento da doença; que exerceu essa atividade rurícula por mais de vinte anos, sempre na região de Tapejara; que não faz o tratamento adequado, uma vez que não possui condições para comprar o remédio todo mês; que o remédio é manipulado, e por isso, não é fornecido pela rede pública (....).
Ainda mais consistente, se mostra suas declarações quando procedida a entrevista rural. Isto porque, naquela época, relatou que trabalhou para vários proprietários, sendo com mais frequência para o Senhor Noé Caldeira Brante, na fazenda Santo Antonio, na estrada Seção Km 8, do município de Tapejara; que ia trabalhar de caminhão ou camionhete, sendo que ia junto com Maria Imaculada e D. Aparecida, D. Maria, e o Sr. Zé, entre outros; que se encontravam no ponto a duas quadras de sua casa (...).
No mesmo sentido, foi o depoimento de suas testemunhas. Maria da Conceição disse que é vizinha da autora e a conhece desde 1999; que a autor trabalha nas lides rurais juntamente com a depoente; que trabalharam bastante na lavoura de mandioca, tendo trabalhado para diversos patrões; que faz mais de três anos que não vê a autora trabalhando por motivo de doença (...).
Já Terezinha de Jesus relatou, apenas, que via a autora saíndo e chegando do serviço todos os dias, e sabia que a mesma trabalhava como boia-fria (...).
A testemunha Rodrigo em nada contribuiu, ante a perca de contato com a autora há muitos anos.
Pois bem. Pelos relatos supra, afigura-se que restou suficientemente comprovada a atividade rurícola da autora. As testemunhas foram concatenadas com as informações prestadas pela própria parte, o que dá ensejo à veracidade das informações
Nesse diapasão, está devidamente comprovada a qualidade de segurada especial da requerente, no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, bem como o exercício de atividade rural em número de meses superior ao da carência exigida (12 meses).
Em relação à espécie de benefício adequada ao caso concreto, verifico que o magistrado a quo, ao deferir o auxílio-doença desde 12/08/2010, sopesou que o laudo da perícia realizada em 04/03/2013 (fls. 95/100) concluiu ser a incapacidade temporária, decorrente de varizes dos membros inferiores, hipertensão arterial e obesidade (comprovadas por laudo ecográfico de 12/08/2010).
Ocorre que o laudo do expert, em referência à possibilidade de retorno da autora às suas funções, assenta que deve ser avaliado o tratamento de cirurgia vascular, podendo ser reabilitada para atividades leves a moderadas que não necessitem ficar em pé por longo tempo, carregar pesos ou deambular longas distâncias.
Nesse diapasão, considerando que a parte autora é pessoa de idade relativamente avançada (45 anos na época do ajuizamento, 49 atualmente), que sempre trabalhou em atividades braçais e desgastantes (boia-fria) e que possui pouca instrução educacional, não vislumbro possibilidade efetiva de retorno ao trabalho. Todos os fatores mencionados, somados às condições clínicas desveladas no caso concreto, tornam muito remota a possibilidade de sua reinserção no mercado de trabalho, já limitado, inclusive, para pessoas jovens e que estão em perfeitas condições de saúde.
Ademais, esta Corte possui consolidada jurisprudência no sentido de que o julgador não fica adstrito à literalidade do laudo pericial, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova. Assim, quando o caso revela a impossibilidade, em definitivo, de o segurado desempenhar atividade que lhe garanta a subsistência com dignidade, tem-se entendido pelo deferimento da aposentadoria; até mesmo para evitar um auxílio-doença que se perpetue, mantendo o beneficiário numa eterna insegurança diante da possibilidade de revisão.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso adesivo para converter o auxílio-doença em aposentadoria por invalidez.
Termo inicial dos benefícios
A jurisprudência deste Colegiado é pacífica no sentido de que o termo inicial do benefício de auxílio-doença deve ser estabelecido no dia do requerimento administrativo.
O laudo pericial, com efeito, ampara a pretensão da demandante, no ponto em que reconhece a existência de incapacidade laboral em junho/2011 (quesito 5, fl. 98). Assim, em que pese tenha sido evidenciada a patologia desde agosto de 2010, somente é possível a concessão do auxílio-doença a partir de quando requerido - eis que somente aí a demanda foi levada ao conhecimento do INSS, o que indeferiu de forma indevida.
De outra banda, segundo o art. 43 da Lei 8.213/91, a aposentadoria por invalidez é devida a partir do dia imediato ao da cessação do auxílio-doença. Entretanto, na hipótese analisada, em que o requerimento inicial foi indeferido administrativamente, a medida de maior justiça é deferir a aposentadoria a partir da data do exame pericial judicial, eis que foi através deste ato formal que se pôde constatar a irreversibilidade da incapacidade, sobretudo pela conjugação dos elementos clínicos e das condições socioeconômicas da parte.
Destarte, dou parcial provimento ao reexame necessário e ao recurso adesivo para conceder à parte autora o benefício de auxílio-doença desde 15/06/2011 (data do requerimento administrativo), convertendo-o em aposentadoria por invalidez a partir de 04/03/2013 (data da perícia judicial).
Da compensação de prestações inacumuláveis
Explicito que devem ser abatidos das prestações devidas na presente demanda os valores eventualmente já adimplidos pelo INSS a título de benefício inacumulável no mesmo período, seja administrativamente ou em razão de antecipação de tutela.
Dos consectários legais
Considerando o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do tema, no que tem sido acompanhado por este Colegiado, dou parcial provimento ao reexame necessário e ao apelo do INSS para que os juros e a correção monetária incidam na forma abaixo pontuada.
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).
- TR (a partir de 30/06/2009, conforme art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009)
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009, afastando a utilização da TR como fator de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, relativamente ao período entre a respectiva inscrição em precatório e o efetivo pagamento.
Em consequência dessa decisão, e tendo presente a sua ratio, a 3ª Seção desta Corte vinha adotando, para fins de atualização dos débitos judiciais da Fazenda Pública, a sistemática anterior à Lei nº 11.960/2009, o que significava, nos termos da legislação então vigente, apurar-se a correção monetária segundo a variação do INPC, salvo no período subsequente à inscrição em precatório, quando se determinava a utilização do IPCA-E.
Entretanto, a questão da constitucionalidade do uso da TR como índice de atualização das condenações judiciais da Fazenda Pública, antes da inscrição do débito em precatório, teve sua repercussão geral reconhecida no RE 870.947, e aguarda pronunciamento de mérito do STF. A relevância e a transcendência da matéria foram reconhecidas especialmente em razão das interpretações que vinham ocorrendo nas demais instâncias quanto à abrangência do julgamento nas ADIs 4.357 e 4.425.
Recentemente, em sucessivas Reclamações, a Suprema Corte vem afirmando que, no julgamento das ADIs em referência, a questão constitucional decidida restringiu-se à inaplicabilidade da TR ao período de tramitação dos precatórios, de forma que a decisão de inconstitucionalidade por arrastamento foi limitada à pertinência lógica entre o art. 100, § 12, da CRFB e o artigo 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009. Em consequência, as Reclamações vêm sendo acolhidas, assegurando-se que, ao menos até que sobrevenha decisão específica do STF, seja aplicada a legislação em referência na atualização das condenações impostas à Fazenda Pública, salvo após inscrição em precatório. Os pronunciamentos sinalizam, inclusive, para eventual modulação de efeitos, acaso sobrevenha decisão mais ampla quanto à inconstitucionalidade do uso da TR para correção dos débitos judiciais da Fazenda Pública (Rcl 19.050, Rel. Min. Roberto Barroso; Rcl 21.147, Rel. Min. Cármen Lúcia; Rcl 19.095, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Em tais condições, com o objetivo de guardar coerência com os mais recentes posicionamentos do STF sobre o tema, e para prevenir a necessidade de futuro sobrestamento dos feitos apenas em razão dos consectários, a melhor solução a ser adotada, por ora, é orientar para aplicação do critério de atualização estabelecido no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009.
Este entendimento não obsta a que o juízo de execução observe, quando da liquidação e atualização das condenações impostas ao INSS, o que vier a ser decidido pelo STF em regime de repercussão geral, bem como eventual regramento de transição que sobrevenha em sede de modulação de efeitos.
Juros de mora
Até 29-06-2009 os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRg no AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Quanto ao ponto, esta Corte já vinha entendendo que no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não houvera pronunciamento de inconstitucionalidade sobre o critério de incidência dos juros de mora previsto na legislação em referência.
Esta interpretação foi, agora, chancelada, pois, no exame do Recurso Extraordinário 870.947, o STF reconheceu repercussão geral não apenas à questão constitucional pertinente ao regime de atualização monetária das condenações judiciais da Fazenda Pública, mas também à controvérsia pertinente aos juros de mora incidentes.
Em tendo havido a citação já sob a vigência das novas normas, inaplicáveis as disposições do Decreto-lei 2.322/87, incidindo apenas os juros da caderneta de poupança, sem capitalização.
Honorários advocatícios e periciais
Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula 111 do STJ e Súmula 76 deste TRF.
Honorários periciais a cargo da parte vencida.
Das custas e despesas processuais - Justiça do Paraná
Tramitando a ação na Justiça Estadual do Paraná, o INSS responde integralmente pelo pagamento das custas processuais (Súmula nº 20 do TRF4).
Conclusão
O recurso adesivo da autora e o reexame necessário foram parcialmente providos para reformar a sentença, concedendo à parte autora o benefício de auxílio-doença desde 15/06/2011 (data do requerimento administrativo), convertendo-o em aposentadoria por invalidez a partir de 04/03/2013 (data da perícia judicial).
O apelo do INSS foi parcialmente provido para adaptar os consectários legais ao mais recente entendimento do STF acerca de juros e correção monetária, na forma da fundamentação supra.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo, ao recurso adesivo e ao reexame necessário.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8472460v2 e, se solicitado, do código CRC 3874EE11. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
| Data e Hora: | 24/08/2016 18:01 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 23/08/2016
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0020725-46.2014.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00043785820118160077
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELANTE | : | APARECIDA DE FATIMA MIRANDA DE SOUZA |
ADVOGADO | : | Gilberto Julio Sarmento e outro |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE CRUZEIRO DO OESTE/PR |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 23/08/2016, na seqüência 362, disponibilizada no DE de 28/07/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO, AO RECURSO ADESIVO E AO REEXAME NECESSÁRIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8544476v1 e, se solicitado, do código CRC 20DA2F07. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 24/08/2016 00:29 |
