Apelação Cível Nº 5009876-17.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELI ISRAEL DE SOUZA
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pelo INSS em face da sentença, publicada em 19/11/2019 (e.75.1), que deferiu a tutela de urgência e julgou procedente o pedido de concessão de AUXÍLIO-DOENÇA desde 22/08/2017, excluídas as parcelas atingidas pela prescrição quinquenal.
Sustenta, em síntese, que há nulidade da sentença, por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois o perito judicial concluiu que a autora apresenta incapacidade para a atividade de faxineira, mas, na verdade, a efetiva atividade da demandante é "do lar", tendo efetuado contribuições como segurada facultativa. Em razão disso, deve ser julgada improcedente a demanda, com a consequente devolução dos valores recebidos por tutela provisória revogada. Pede, ainda, o desconto do período trabalhado, por ser indevido o recebimento concomitante de salário e de auxílio-doença (e.82.1).
O INSS comprovou a implantação do benefício de auxílio-doença em favor da autora, com DIB em 22/08/2007, DIP em 01/12/2019 e DCB em 14/07/2020 (e.83.1/2).
Com as contrarrazões (e.92.1), vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Nas razões de apelação, o INSS insurge-se, especificamente, no que toca à incapacidade da parte autora se considerada sua condição de segurada facultativa/do lar.
A sentença ora recorrida examinou a demanda nestes termos (e.75.1):
"(...)
Aplicando tal entendimento ao caso concreto, verifico que a parte ativa comprovou a qualidade de segurado e o cumprimento do período de carência de 12 meses, uma vez que, conforme o extrato previdenciário de pp. 62-63, verteu as contribuições previdenciárias do mês de novembro de 2013 a janeiro de 2018, enquanto o pedido de concessão do benefício foi efetuado em 22/08/2017 (p. 2).
O laudo pericial, por sua vez, concluiu pela incapacidade total e temporária, durante o período de 6 (seis) meses a contar de 25/06/2018, para o desempenho de atividades laborativas (pp. 93-101).
No ponto, destaco que a irresignação da parte ré quanto ao teor do laudo, o qual teria avaliado profissão (faxineira/diarista) diversa daquela pretensamente exercida pela parte autora (dona de casa), não é suficiente para retirar a sua higidez.
Além de a parte autora ter se apresentado como faxineira/diarista ao perito (item 7 do laudo pericial), ainda acostou documentos em que declara exercer essa profissão (pp. 12 e 24).
Ademais, não há qualquer elemento nos autos que ponha dúvidas acerca de que a integrante do polo ativo labora como diarista, de modo que a alegação da parte ré não possui fundamento probatório suficiente para ensejar nova complementação do laudo pericial.
Portanto, fixada a higidez do laudo pericial, a parte autora tem direito ao benefício postulado, porquanto demonstrou a contento a existência dos requisitos previstos nos arts. 11 a 13, 25, I, 59 e 62 da Lei 8.213/1991, para fins de percepção do auxílio-doença sem acréscimo de 25%.
Quanto à data inicial do benefício por incapacidade, esta deve retroagir ao dia do término de eventual benefício anterior, acaso decorra da mesma enfermidade, porquanto deve-se interpretar que tal prestação não deveria ter sido encerrada (restabelecimento). Não havendo prévio benefício com mesma origem (ou seja, não se tratando de restabelecimento), a benesse deve retroagir à data da formulação do requerimento administrativo, consoante uniformização da interpretação jurisprudencial dos arts. 43, § 1º, e 60, caput e § 1º, da Lei 8.213/1991. Por fim, acaso ausentes prévios benefício e pedido administrativo, em causas em que a autarquia costuma rejeitá-lo ou houve revogação da prestação anterior (e, portanto, há interesse de agir), deve-se adotar supletivamente a data da citação, conforme verbete sumular 576/STJ ("Ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação válida").
Deixo de fixar data de cessação do benefício, porquanto – apesar de o prazo de 6 meses de incapacidade atestado pelo perito judicial em seu laudo – a manutenção ou não do quadro de incapacidade que ensejou a concessão da prestação previdenciária depende de nova perícia a ser realizada na via administrativa."
Não vejo razão para modificar o entendimento acima transcrito.
Como se pode observar, o laudo pericial é seguro sobre a efetiva incapacidade total e temporária para o exercício da atividade profissional para a qual possui habilitação, o que justifica a concessão de auxílio-doença à parte autora, que não recorreu.
Embora o INSS questione, no apelo, a atividade de faxineira informada pela autora, pelo simples fato de ela contribuir como segurada facultativa, isso não invalida a sua qualificação como "diarista" contida na procuração e de "faxineira" declarada na perícia, tendo em vista que, ao contrário do que alegou o Instituto, a autora sempre contribuiu como contribuinte individual (e.19.3), o que é totalmente compatível com o exercício autônomo da atividade informada.
Além disso, a incapacidade constatada pelo perito judicial atingiria qualquer tipo de atividade que a autora exercesse.
Com efeito, o expert constatou que a demandante (faxineira, ensino fundamental completo, 65 anos de idade atualmente) realizou cirurgia para retirada total do estômago em 2004, devido à neoplasia do estômago não especificada (CID C16.9), e apresenta, atualmente, "Síndromes pós-cirurgia gástrica (Síndrome de Dumping)" (CID K91.1), que consiste em quadro diarreico intenso (10 a 15 vezes por dia), apesar do uso de medicação e de dieta, com escapes, tendo de fazer uso de fraldas. Disse, ainda, que a incapacidade laboral remonta à época do requerimento administrativo (22/08/2017), estimando um prazo de seis meses para a recuperação a contar de 25/06/2018 (data do atestado da médica oncologista anexado no e.46.2).
Portanto, deve ser mantida a sentença, que concedeu o auxílio-doença a contar da DER (22/08/2017), deixando de fixar data de cessação do benefício, "porquanto – apesar de o prazo de 6 meses de incapacidade atestado pelo perito judicial em seu laudo – a manutenção ou não do quadro de incapacidade que ensejou a concessão da prestação previdenciária depende de nova perícia a ser realizada na via administrativa".
Por conseguinte, inexiste prescrição quinquenal, porquanto a presente ação foi ajuizada em 19/10/2017.
O INSS alega ser indevida a sua condenação ao pagamento de auxílio-doença no período em que a parte autora manteve vínculo laboral.
No que concerne ao pedido do INSS de desconto dos períodos em que exerceu atividade laboral e houve concessão do benefício, necessário salientar que se, eventualmente, ela se viu obrigada a efetuar determinadas atividades inerentes ao seu ofício, o fez por extrema necessidade alimentar, sendo absolutamente irrelevante a continuidade da atividade laboral para a sua subsistência e de sua família durante o período de injustificada falta da prestação previdenciária devida pelo INSS, conforme Súmula 72 TNU: "é possível o recebimento de benefício por incapacidade durante período em que houve exercício de atividade remunerada quando comprovado que o segurado estava incapaz para as atividades habituais na época em que trabalhou".
Nessa linha de intelecção, sobreveio recentíssima decisão unânime da Colenda Primeira Seção do STJ ao desprover o Recurso Especial do INSS no Tema nº 1013 (REsp nº 1786590, rel. Min. Herman Benjamin, j. 24-06-2020), restando, por conseguinte, consagrada na jurisprudência a possibilidade de recebimento de benefício por incapacidade do Regime Geral de Previdência Social de caráter substitutivo da renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) concedido judicialmente em período de abrangência concomitante ao que o segurado estava trabalhando e aguardando o deferimento do benefício.
Dessarte, assim como a TNU, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça passa a entender a possibilidade de recebimento de benefício por incapacidade do Regime Geral de Previdência Social de caráter substitutivo da renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) concedido judicialmente em período de abrangência concomitante ao que o segurado estava trabalhando e aguardando o deferimento do benefício.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Conclusão
Confirma-se a sentença que condenou o INSS à concessão do AUXÍLIO-DOENÇA a contar da DER (22/08/2017), deixando de fixar data de cessação do benefício, "porquanto – apesar de o prazo de 6 meses de incapacidade atestado pelo perito judicial em seu laudo – a manutenção ou não do quadro de incapacidade que ensejou a concessão da prestação previdenciária depende de nova perícia a ser realizada na via administrativa".
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e determinar a imediata implantação do benefício.
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Apelação Cível Nº 5009876-17.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELI ISRAEL DE SOUZA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. faxineira. contribuinte individual. ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A DENEGAÇÃO DO BENEFÍCIO PELO INSS. TEMA 1013. POSSIBILIDADE. TEMA 1013/STJ.
1. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade.
2. In casu, restou comprovado que a incapacidade laboral total e temporária da autora (faxineira, idade avançada) remonta à época do requerimento administrativo do auxílio-doença, o qual deve ser deferido.
3. No que respeita ao pedido do INSS de desconto dos períodos em que exerceu atividade laboral e houve concessão do benefício por incapacidade, pacificou-se a jurisprudência quanto à possibilidade de recebimento de benefício por incapacidade do Regime Geral de Previdência Social de caráter substitutivo da renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) concedido judicialmente em período de abrangência concomitante ao que o segurado estava trabalhando e aguardando o deferimento do benefício, nos termos da Súmula 72 da TNU e do julgamento do mérito do Tema 1013/STJ (REsp nº 1786590, Primeira Seção, unânime, rel. Min. Herman Benjamin, j. 24-06-2020).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001881442v4 e do código CRC daafa34a.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 20/07/2020
Apelação Cível Nº 5009876-17.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELI ISRAEL DE SOUZA
ADVOGADO: VALDECI ISRAEL (OAB SC016093)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 20/07/2020, às 16:00, na sequência 337, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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