| D.E. Publicado em 03/02/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010200-34.2016.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
APELANTE | : | LEILA RAQUEL GRESELE |
ADVOGADO | : | Clarissa Hofstetter e outros |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE INCONTROVERSA. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO URBANO DE MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. EFEITOS. DANO MORAL. DESCABIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA.
1. A comprovação do exercício de atividade rural pode ser efetuada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea.
2. "O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ)" - RESP n.º 1.304.479.
3. Comprovado que o segurado encontrava-se temporariamente incapacitado para suas atividades habituais como lavrador quando do requerimento administrativo, é devida a concessão do benefício de auxílio-doença.
4. Inexistindo comprovação de ter o ato administrativo sido desproporcionalmente desarrazoado, inexiste direito à indenização por dano moral. O desconforto gerado pelo não-recebimento temporário do benefício resolve-se na esfera patrimonial, mediante o pagamento de todos os atrasados, com juros e correção monetária.
5. Tutela específica concedida, com cumprimento imediato do acórdão quanto à implantação do benefício, tendo em vista a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497 do CPC/2015.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e ao recurso das partes, bem como, de ofício, diferir para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, julgando prejudicado o recurso do réu e a remessa oficial no ponto, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de janeiro de 2017.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010200-34.2016.4.04.9999/RS
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RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária objetivando a concessão do benefício de auxílio-doença entre a data do início da incapacidade e o fim da gestação, assim como a condenação do réu ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos. Requereu a parte autora o pagamento das parcelas atrasadas.
Em 02/05/2015 foi realizada audiência de instrução, oportunidade em que foram inquiridas três testemunhas pela requerente arroladas.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o INSS ao pagamento do benefício de auxílio-doença entre a data do requerimento administrativo e a data do parto, corrigidas as parcelas vencidas e com incidência de juros de mora. Ainda, condenou ambas as partes ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência em razão da sucumbência recíproca, motivo pelo qual consignou a compensação das verbas.
Apelaram ambas as partes.
A parte autora defendeu a necessidade de reforma do julgado no que tange à condenação do réu ao pagamento de indenização pelos danos morais causados.
O INSS, por seu turno, sustentou não ter sido demonstrada a qualidade de segurada da autora quando do início da incapacidade, uma vez que o marido dela é segurado empregado, o que impede sua caracterização como segurada especial. Em sendo mantida a condenação, postulou a reforma dos índices adotados para o cômputo do montante devido.
Oportunizadas as contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
Do Direito Intertemporal
Considerando que o presente processo está sendo apreciado por esta Turma após o início da vigência da Lei n.º 13.105/15, novo Código de Processo Civil, necessário se faz a fixação, à luz do direito intertemporal, dos critérios de aplicação dos dispositivos processuais concernentes ao caso em apreço, a fim de evitar eventual conflito aparente de normas.
Para tanto, cabe inicialmente ressaltar que o CPC/2015 procurou estabelecer, em seu CAPÍTULO I, art. 1º que 'o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código'; em seu CAPÍTULO II, art. 14, que 'a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada'; bem como, em suas DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, art. 1.046, caput, que 'ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973' (grifo nosso).
Neste contexto, percebe-se claramente ter o legislador pátrio adotado o princípio da irretroatividade da norma processual, em consonância com o art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal, o qual estabelece que 'a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'.
Desta forma, a fim de dar plena efetividade às referidas disposições normativas, e tendo em vista ser o processo constituído por um conjunto de atos, dirigidos à consecução de uma finalidade, qual seja, a composição do litígio, adoto, como critério de solução de eventual conflito aparente de normas, a Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar a lei que o rege, a qual será, segundo o princípio tempus regit actum, aquela que estava em vigor no momento em que o ato foi praticado.
Por consequência, para deslinde da antinomia aparente supracitada, deve ser aplicada no julgamento a lei vigente:
(a) Na data do ajuizamento da ação, para a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação;
(b) Na data da citação (em razão do surgimento do ônus de defesa), para a determinação do procedimento adequado à resposta do réu, inclusive quanto a seus efeitos;
(c) Na data do despacho que admitir ou determinar a produção probatória, para o procedimento a ser adotado, inclusive no que diz respeito à existência de cerceamento de defesa;
(d) Na data da publicação da sentença (entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é tornado público o resultado do julgamento), para fins de verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de seus efeitos, da sujeição da decisão à remessa necessária, da aplicabilidade das disposições relativas aos honorários advocatícios, bem como de sua majoração em grau recursal.
Remessa Oficial
Conforme já referido, tratando-se de sentença publicada na vigência do CPC/73, inaplicável o disposto no art. 496 do CPC/2015 quanto à remessa necessária.
Consoante decisão da Corte Especial do STJ (EREsp nº 934642/PR), em matéria previdenciária, as sentenças proferidas contra o Instituto Nacional do Seguro Social só não estarão sujeitas ao duplo grau obrigatório se a condenação for de valor certo (líquido) inferior a sessenta salários mínimos.
Não sendo esse o caso, tenho como interposta a remessa oficial.
Fundamentação
Passo, inicialmente, ao exame acerca da incapacidade laborativa da parte autora, postergando a análise a respeito dos requisitos da qualidade de segurado e da carência mínima para o momento seguinte.
No que diz respeito à incapacidade, destaco que o diagnóstico indicando a existência de determinada doença, por si só, não significa que está o paciente incapacitado para o trabalho. E o mesmo se dá com relação a patologias de natureza irreversível ou incurável, pois várias são as doenças sem cura ou sem reversão do quadro que nenhum comprometimento trazem à plena capacidade laboral do portador.
Segundo entendimento dominante na jurisprudência pátria, nas ações em que se objetiva a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, ou mesmo nos casos de restauração desses benefícios, o julgador firma seu convencimento com base na prova pericial, não deixando de se ater, entretanto, aos demais elementos de prova.
No caso dos autos, a incapacidade que deu ensejo ao requerimento da autora realizado em 22/11/2012 teve origem em sua gravidez - enfermidade "hemorragia do início da gravidez - CID10 O20" - e foi constatada pelo INSS como iniciada em 09/11/2012 (fl. 13), o que não foi contestado pelas partes.
O nascimento do filho da demandante, por seu turno, ocorreu em 12/04/2013 (fl. 38), data adotada acertadamente pelo juízo a quo como de término do benefício, o que também restou incontroverso.
A controvérsia, pois, reside na caracterização da requerente como segurada especial.
Quanto à qualidade de segurado, esclareço que o trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/91).
A atividade rural de segurado especial deve ser comprovada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ.
Desde logo ressalto que somente excluirá a condição de segurado especial a presença ordinária de assalariados - insuficiente a tanto o mero registro em ITR ou a qualificação como empregador rural (II b) - art. 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71. Já o trabalho urbano do cônjuge ou familiar, relevante e duradouro, não afasta a condição de regime de economia familiar quando excluído do grupo de trabalho rural. Finalmente, a constitucional idade mínima de dezesseis nos para o trabalho, como norma protetiva, deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários quando tenham efetivamente desenvolvido a atividade laboral.
Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental -Súmula 73 do TRF 4ª Região).
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de bóia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao bóia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.
Como início de prova material do labor rural juntou a parte autora os seguintes documentos:
a) certidão de casamento da autora com Claudio Luiz Dudar, ocorrido em 26/08/2009, sendo ela qualificada como agricultora e ele como serviços gerais (fl. 17);
b) matrícula 17.918 relativa à fração de terras de cultura com área de 6,5 hectares, adquirido por Claudio Luiz Dudar em 21/08/2007, qualificado como agricultor (fl. 18-19), e alienado em 25/08/2011 sendo o casal qualificado como agricultor (fl. 20);
c) declaração de aptidão ao Pronaf em nome do casal, datado de 05/02/2013, em que confessam serem comodatários de área de 9 hectares (fl. 27);
d) contrato de comodato firmado pela autora e por seu marido, ambos qualificados como agricultores, na qualidade de comodatários de área de 3 hectares do imóvel descrito na matrícula 8.921, de propriedade de Nelson Luis Dudar, com vigência de 30/10/2012 a 30/10/2014 (fl. 28);
e) notas fiscais de produto rural emitidas entre 15/04/2010 e 30/07/2012 em nome do marido da autora (fls. 31-37);
No período da incapacidade da autora, seu marido, no entanto, encontrava-se vinculado ao RGPS como segurado empregado, eis que exercia a atividade como vendedor no estabelecimento comercial de propriedade de seu pai (fl. 30).
Pois bem, resta assentado nesta Corte que o exercício de atividade urbana por integrante do núcleo familiar concomitante ao trabalho rural não tem o condão de descaracterizar, por si só, a condição de segurado especial em regime de economia familiar da parte autora, sempre que o trabalho agrícola for indispensável à sobrevivência dos membros do grupo familiar com um mínimo de dignidade.
No caso concreto, observa-se que os proventos percebidos pelo marido da demandante, fixados em um salário mínimo (fl. 30) não podem ser considerados suficientes para a manutenção do grupo familiar, tornando essenciais os rendimentos auferidos pela parte autora e, em consequência, não servem para descaracterizar sua qualidade de segurada especial.
Ademais, há início de prova material em nome da requerente devidamente complementada por prova oral, sendo também em razão disto superada a impossibilidade de utilização da prova material em nome de componente do grupo familiar que exerce atividade urbana.
As testemunhas ouvidas em juízo admitiram que o marido da autora exercia atividade urbana, o que não implicava óbice à realização da atividade rural pela demandante como indispensável à manutenção do grupo, sendo que tal atividade só restou prejudicada com o início dos sintomas em razão de sua gravidez.
Neste sentido, ROQUE ANTONIO PETTER, quando inquirido, respondeu que "conhece a autora há cerca de sete, oito anos. Que ela mora no interior de Manchinha. Que ela residia com os pais e depois de casar com Cláudio passou a residir em Manchinha, área rural. Que a autora desde então passou a executar as atividades de dona de casa e também tirando leite, cuidando de hortaliças e plantando outras culturas para o consumo da família. Que conheceu os pais da autora após o casamento. Que também há uma área destinada à produção destinada para a comercialização. Que eles não possuem empregados. Que em parte da área a produção é mecanizada. Que não sabe o tamanho da propriedade. Que a terra não é do casal, mas arrendada de familiar do esposo da autora. Que a autora também auxilia o sogro, que também é agricultor".
LENIRA IZLEIA HUBNER, a seu turno, afirmou que "conhece a autora desde quando o casal passou a residir na região de Vila Manchinha, em 2007. Que a autora trabalha na roça. Que sabe que a autora trabalhava mais, porque o marido trabalhava fora, auxiliando-a aos finais de semana e no final do dia. Que a autora possuía vacas leiteiras e comercializava leite. Que todos sabiam que a autora comercializava leite produzido em sua propriedade. Que não se recorda do tamanho das terras. Que quando a autora esteve grávida, houve complicação de seu estado de saúde. Que enquanto grávida ela não podia trabalhar. Que o filho da autora nasceu de forma prematura. Que em razão disto foi necessário permanecer algum período no hospital, em incubadora. Que sabe que a criança nascida de forma prematura exige mais atenção e cuidados".
Por fim, DULCE MARIA STEFFENS revelou que "conhece a autora desde a infância dela, pois era vizinha dos pais dela. Que a autora sempre trabalhou na agricultora, primeiro com os pais e depois continuou trabalhando com o marido. Que precisou se afastar da agricultura quando engravidou. Que o marido a auxiliava quando não estava trabalhando. Que via a autora trabalhando. Que a autora, em razão da gravidez, necessitava manter repouso em razão de possíveis complicações. Que a autora, em Manchinha, plantava de tudo, mandioca, milho, cuidava de horta, pastagem, produção de leite. Que a ordenha era feita de forma manual. Que o filho da autora nasceu de forma prematura. Que desde o início da gravidez a autora necessitou de medicamentos e de repouso".
Desse modo, tenho por correta a sentença que determinou a concessão do benefício de auxílio-doença no período compreendido entre a data do requerimento administrativo, 22/11/2012, e o término da gravidez, ocorrido com o nascimento do filho da autora em 12/04/2013.
Destaco, apenas, que eventuais valores recebidos a título de benefício previdenciário no mesmo período da condenação, por força da tutela antecipada ou na via administrativa, devem ser descontados no pagamento dos atrasados, evitando-se o pagamento em duplicidade.
Da Indenização por Danos Morais
No tocante ao pleito indenizatório, a regra geral é de que o indeferimento ou suspensão de benefício previdenciário, por si só, não se presta à caracterização do dano moral.
É firme o entendimento desta Corte no sentido de ser "incabível a indenização por dano moral se o segurado não comprova a ofensa ao seu patrimônio moral em razão do ato administrativo. O desconforto gerado pelo não-recebimento do benefício resolve-se na esfera patrimonial, através do pagamento de todos os atrasados, com juros e correção monetária". (AC 2004.72.10.001590-6, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira).
A matéria já foi analisada por esta 6ª Turma, no julgamento da AC nº 0001781-76.2008.404.7001/PR, sob a relatoria do Des. Federal João Batista Pinto Silveira, que assim consignou no voto condutor:
"Como já referi em oportunidade anterior nesta Turma (AC nº 0002831-62.2011.404.9999, D.E. 19/07/2011), a indenização por dano moral, prevista no art. 5º, V, da Constituição Federal de 1988, objetiva reparar, mediante pagamento de um valor estimado em pecúnia, a lesão ou estrago causado à imagem, à honra ou estética de quem sofreu o dano.
A suspensão do pagamento do benefício ou o seu indeferimento não constitui ato ilegal por parte da Autarquia, ao contrário, se há suspeita de o segurado não haver preenchido os requisitos para a concessão do benefício, é seu dever apurar se estes estão ou não configurados. Este ato, que constitui verdadeiro dever do ente autárquico, não é capaz de gerar constrangimento ou abalo tais que caracterizem a ocorrência de dano moral. Para que isto ocorra, é necessário que o INSS extrapole os limites deste seu poder-dever. Ocorreria, por exemplo, se utilizado procedimento vexatório pelo INSS, o que não foi alegado pela parte autora.
No presente caso, a parte autora não comprovou qualquer lesão causada em seu patrimônio moral em razão do ato administrativo do INSS que indeferiu o benefício previdenciário, sendo incabível a pleiteada indenização.
Sobre o tema, assim já se pronunciou o Colendo STJ, in verbis:
CIVIL. DANO MORAL. NÃO OCORRÊNCIA. O mero dissabor não pode ser alçado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige. (STJ, REsp nº. 215.666 - RJ, 1999/0044982-7, Relator Ministro César Asfor Rocha, 4ª Turma, DJ 1 de 29/10/2001, p. 208).(...)"
Desta forma, inexistindo comprovação de ter o ato administrativo sido desproporcionalmente desarrazoado, inexiste direito à indenização por dano moral. O desconforto gerado pelo não-recebimento temporário do benefício resolve-se na esfera patrimonial, mediante o pagamento de todos os atrasados, com juros e correção monetária.
Consectários
Juros Moratórios e Correção Monetária.
De início, esclareço que a correção monetária e os juros de mora, sendo consectários da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício. Assim, sua alteração não implica falar em reformatio in pejus.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101, 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicados o recurso e a remessa necessária no ponto.
Honorários Advocatícios
Considerando que a sentença recorrida foi publicada antes de 18/03/2016, data da entrada em vigor do NCPC, e tendo em conta as explanações tecidas quando da análise do direito intertemporal, esclareço que as novas disposições acerca da verba honorária são inaplicáveis ao caso em tela, de forma que não se determinará a graduação conforme o valor da condenação (art. 85, §3º, I ao V, do CPC/2015), tampouco se estabelecerá a majoração em razão da interposição de recurso (art. 85, §11º, do CPC/2015).
Tratando-se de demanda com pedidos autônomos, e não subsidiários ou sucessivos (reconhecimento da especialidade do labor e concessão de aposentadoria especial), e rejeitado um destes, não merece reforma a sentença quanto ao reconhecimento da sucumbência recíproca, situação que autoriza a compensação de honorários, expressamente admitida nos termos do art. 21 do CPC de 1973:
Art. 21. Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas.
Também não merece reparos a sentença no tocante à equivalência e a proporcionalidade da compensação, que, levando em conta os pedidos e a valoração da causa, mostra-se razoável e adequada.
De igual forma, deve ser mantida a compensação dos honorários sucumbenciais, pois, conforme já referido, as disposições do novo CPC acerca da verba honorária são inaplicáveis ao caso em tela, além do que, tal proceder, à luz do diploma processual civil de 1973, não viola dispositivos legais.
A propósito, a Súmula 306 do STJ:
Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte.
Ademais, consigno que a regra do art. 23 da Lei nº 8.906/94, que confere direito próprio e autônomo ao advogado de executar seus honorários, não se incompatibiliza com a do art. 21 do CPC de 1973, na medida em que, reconhecida a sucumbência recíproca, e havendo saldo em favor de uma das partes, é garantida ao advogado a possibilidade de execução autônoma da verba honorária.
Custas processuais
Quanto às custas processuais, que devem ser suportadas por ambas as partes na proporção de metade, resta suspensa sua exigibilidade no tocante à parte autora, em virtude da concessão da prefalada benesse.
Já o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual n.º 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI n.º 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Dispositivo
Em face do exposto, voto por negar provimento à remessa oficial e ao recurso das partes, bem como, de ofício, diferir para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, julgando prejudicado o recurso do réu e a remessa oficial no ponto.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
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| Data e Hora: | 27/01/2017 12:33 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 25/01/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010200-34.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00024325120138210074
RELATOR | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Claudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | LEILA RAQUEL GRESELE |
ADVOGADO | : | Clarissa Hofstetter e outros |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25/01/2017, na seqüência 586, disponibilizada no DE de 10/01/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E AO RECURSO DAS PARTES, BEM COMO, DE OFÍCIO, DIFERIR PARA A FASE DE EXECUÇÃO A FORMA DE CÁLCULO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS, JULGANDO PREJUDICADO O RECURSO DO RÉU E A REMESSA OFICIAL NO PONTO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE | |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Gilberto Flores do Nascimento |
| Data e Hora: | 26/01/2017 01:25 |
