Apelação Cível Nº 5006596-37.2013.4.04.7104/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | CIRLEI BONETTE ODORIZZI |
ADVOGADO | : | SADI JOAO GUARESCHI |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE LABORAL. PRESENÇA. DOENÇA PREEXISTENTE À FILIAÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CONCERNENTE A VALORES RECEBIDOS POR ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. CARÁTER ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE.
1. Doença preexistente à filiação não enseja a concessão de benefício por incapacidade.
2. Segundo entendimento desta Corte, são irrepetíveis os valores recebidos de boa-fé pelo segurado a título de benefício previdenciário quando decorrentes de erro administrativo. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99.
3. Constatado erro administrativo no recebimento das parcelas sem a comprovação de má-fé por parte do segurado, é indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 19 de abril de 2017.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8870261v4 e, se solicitado, do código CRC 67F07E72. | |
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Apelação Cível Nº 5006596-37.2013.4.04.7104/RS
RELATOR | : | SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | CIRLEI BONETTE ODORIZZI |
ADVOGADO | : | SADI JOAO GUARESCHI |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença (28/01/2016) que julgou improcedente ação visando o restabelecimento de benefício de auxílio-doença (NB 515.642.759-2), cessado em 31/03/2013, cumulado com declaração de inexistência de débito e cobrança de valores.
Apela a parte autora postulando a reforma da sentença. Sustenta não ter restado comprovado que a requerente não estivesse capaz em 2005, quanto verteu contribuições ao regime geral da previdência social. Requer, ainda, a dispensa de devolução dos valores percebidos, em face da boa-fé e ao caráter alimentar das prestações previdenciárias.
Sem contrarrazões subiram os autos.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
No caso em apreço, as provas produzidas foram suficientes para formar o convencimento acerca do ponto controvertido.
Tratando-se de benefício por incapacidade, o julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
No caso dos autos o laudo pericial, realizado por médica pediatra informa que a parte autora (diarista - 53 anos) se encontra incapaz para o exercício de atividades laborais, temporariamente, desde 09/10/14.
Colhe-se do laudo:
Data da perícia: 05/12/2014 08:48:39
Examinado: CIRLEI BONETTE ODORIZZI
Data de nascimento: 06/06/1963
Idade: 51
Estado Civil: Casado
Sexo: Feminino
UF: RS
CPF: 66456657091
Escolaridade: Ens. Fund. Incompleto
Complemento Escolaridade: TERCEIRA SÉRIE
Profissão: desempregada
Última Atividade: DIARISTA
Data Última Atividade: 15 ANOS ATRÁS
Motivo alegado da incapacidade: DOR NAS MÃOS
Autor relata que há quinze anos apresenta dor nas mãos, acompanhada de perda de força e sensibilidade das mesmas. Há 5 anos apresenta dificuldade na deambulação por rigidez articular. Refere dificuldade para deglutir, crises de tremores, perda de força nas mãos e problemas pulmonares. Faz acompanhamento reumatológico e com pneumologista por lúpus. Faz uso de nebulização e broncodilatador inalatório diariamente. Faz fisioterapia respiratória 3x por semana continuamente.História de TVP direita-usa meia elástica. Labirintite. Hérnia de hiato. Salpingectomia.Mora com o esposo, quando está bem sai para caminhar, passa a maior parte do tempo sentada, nas crises dolorosas não consegue realizar a higiena pessoal.Episódios de esquecimento-deixa fogão ligado. Ex tabagista.
Conclui o expert que:
Existe incapacidade laborativa temporária estimada em 90 dias para tratamento de doença pulmonar secundária a doença reumatológica. A doença é de caráter crônico, com períodos de agudização e melhora, com necessidade de tratamento continuado para controle dos sintomas. A incapacidade existe desde 09/10/14 de acordo com atestado médico descrevendo atelectasia pulmonar bilateral com encaminhamento para o pneumologista. Não foram apresentados documentos que comprovassem incapacidade laborativa em 13/6/2002.
A doença pode causar limitações laborativas nos períodos de agudização. A periciada informou exercer atividade exclusiva de diarista, necessitando movimentação ativa e repetitiva dos membros e da coluna vertebral, com esforços leves a moderados. A data de afastamento laborativo foi informada pela pericianda, sem documentos comprobatórios apresentados e ocorreu por perda de força e sensibilidade nas mãos.
A autora não apresenta sinais de labor físico atual. Não está inválida pela possibilidade de controle medicamentoso das doenças.A periciada não é/foi minha paciente.
A possibilidade de reabilitação profissional deve ser considerada após compensação do quadro pulmonar.
Tratamentos: marevan, cinarizina, azatioprina 2x, prednisona 2x/dia, neb ipatrópio 3x/dia. Fostair.
Data de Início da Doença: meados de 2002
Data de Início da Incapacidade:
- Incapacidade apenas para sua atividade habitual
- Incapacidade temporária.
Em manifestação complementar asseverou a perita médica:
1.Considerando que a autora desde 24.05.2002 até 06.05.2014 permaneceu sintomática, é possível que a incapacidade exista desde 2002?Sim, é possível que a autora apresentasse períodos de incapacidade desde o início do quadro.
2.Considerando que a autora esteve internada no período de 14.10.2005 a 18.10.2005, caso não seja possível afirmar que o início da incapacidade tenha se dado em 2002, é possível afirmar que em 18.10.2005 a autora estava incapaz?
No período em questão, durante internação, a autora estava incapacitada.3.Caso a perita entenda que a autora não esteve incapaz desde aquela data, precisar outra data que a autora apresentou o início da incapacidade e justificar o porquê.
A resposta está prejudicada visto que a autora não apresentou documentos médicos anteriores a 2008. A resposta aos quesitos anteriores está se baseando em atestado médico anexado ao processo posteriormente. A precariedade de informações do período de 2002 a 2008 compromete a data de início de incapacidade, induzindo que a mesma tenha iniciado após o período questionado. A incapacidade atual existe em virtude das complicações pulmonares decorrentes do lúpus com necessidade de investigação adicional, descritas em atestado médico de 9/10/2014. 4.Manifeste-se sobre a seguinte decisão
A AUTORA NÃO APRESENTOU DOCUMENTOS QUE COMPROVEM INCAPACIDADE TOTAL A PARTIR DE 2006.
Conforme exposto anteriormente, a autora não apresentou documentos médicos anteriores a 2008, ocorrendo prejuízo quanto a informação da data de início da incapacidade questionada.
Data de Início da Doença: 24/5/2002
Data de Início da Incapacidade: ??
A questão de fundo para o deslinde da controvérsia instaurada nestes autos é aferir se a requerente estava incapacitada em data anterior ao lapso de tempo em que recolheu contribuições como facultativa, de janeiro de 2005 a dezembro de 2005, único registro da autora constante do CNIS.
O depoimento das testemunhas da autora não sabem informar se a requerente trabalhara em algum momento, sendo que a testemunha Maria Luiza conhece a autora há dois anos, sendo dela cuidadora. A testemunha Tônia é vizinha da autora há aproximadamente dez anos, e não sabe dizer se a requerente trabalhou.
Ouvido em juízo o médico assistente particular da autora afirmou: que o diagnóstico da moléstia que acomete a autora, doença mista do tecido conjuntivo, que é muito parecida com o lúpus, se deu em 2002; que houve momentos, desde que acompanha a autora, em que poderia ter tido incapacidade, em alguns momentos; tem momentos de agravamento e melhora, mas nunca assintomática; poliartrite, doença pulmonar, em 2012 fez biópsia do pulmão; que desconhece que a autora tenha desenvolvido atividade de trabalho.
Consultando o prontuário da autora a testemunha afirmou que: em 2005 sempre dor articular, dor nas mãos, esôfago melhor em 2005, miopatia de base, fraqueza; em 2014 registra diminuição da capacidade pulmonar; não registra internações no período; que em alguns momentos pode ter estado incapaz em 2005, em outubro.
A magistrada sentenciante assim enfrentou a questão:
Os termos do depoimento pessoal evidenciam que autora, desde que contava com trinta e cinco/quarenta anos, apresenta problemas de saúde, cujas crises a impedem de executar movimentos e determinavam constantes internações hospitalares. Por outro lado, o teor do depoimento não demonstra que, após a eclosão de seus problemas de saúde, a autora tenha apresentado melhora significativa de seu quadro, tampouco referiu a autora que tenha conseguido contornar as crises por longo período de modo a estar apta ao trabalho, afirmando que deixou de trabalhar como diarista em função dos problemas de saúde. Muito embora a autora não tenha precisado as datas, depreende-se das suas declarações que desde que iniciaram suas internações a autora está incapacitada para o trabalho, na medida em que as crises decorrentes do seu problema reumático a impedem de executar movimentos. Saliente-se que a autora declarou que chegou a ser internada duas vezes no mesmo mês.
Tal conclusão é integralmente ratificada pelo depoimento do médico pessoal da autora, Sr. Cezar Augusto Caleffi Paiva, que a acompanha desde o ano de 2002 (evento 119 - ÁUDIO2). Destacou o depoente que a doença apresentada pela autora tem "períodos de melhora e de agravamento", nunca "assintomática" e "nunca totalmente bem". Por meio de consulta a seu prontuário médico, o depoente ressaltou que a autora, no ano de 2004, relatou que "não conseguiu nem caminhar", apresentava mãos inchadas e tinha sempre dor. Destacou o depoente, ainda com base no prontuário, que em 2004 a autora apresentou importante diminuição da capacidade pulmonar em decorrência da doença, o que dificultaria atividades braçais. Ressaltou que a doença da autora apresenta evolução lenta e que o quadro de saúde da autora evoluiu gradativamente, com momentos de melhora e piora. Ressaltou o depoente que, no seu entender, a autora tinha momentos de incapacidade laboral desde o ano de 2002.
Por isso, em face da incapacidade laboral ser anterior à filiação ao regime geral, improcede o pleito de restabelecimento de auxílio-doença e, corolário lógico, também o de concessão de aposentadoria por invalidez. Resta mantida a sentença neste ponto.
Faz-se necessário enfrentar o tema da devolução ou não dos valores recebidos durante o tempo em que esteve a autora em gozo de auxílio-doença deferido administrativamente em 23.01.2006 e cessado em 31.03.2013.
Cobrança de valores previdenciários pagos indevidamente.
É cediço que a Seguridade Social é um amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal. Por esta razão, a proteção previdenciária oriunda de um sistema contributivo em que todos devem colaborar merece uma atenção destacada, de modo que os recursos financeiros sejam distribuídos com justiça e igualdade.
Assim, a Previdência Social pode buscar a devolução de valores percebidos indevidamente, em razão de três fundamentos jurídicos: a) poder/dever de auto-tutela da Administração Pública; b) supremacia do interesse público sobre o interesse privado e; c) vedação do enriquecimento sem causa do segurado.
A autorização legal para desconto e cobrança de valores indevidamente pagos a título de benefício está prevista no art. 115 da Lei nº 8.213/91 e no art. 154 do Decreto nº 3.048/99:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento de benefício além do devido;
(...)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
(...)
Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
(...)
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
(...)
§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 2006)
§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito. (grifei)
§ 4º Se o débito for originário de erro da previdência social e o segurado não usufruir de benefício, o valor deverá ser devolvido, com a correção de que trata o parágrafo anterior, da seguinte forma:
I - no caso de empregado, com a observância do disposto no art. 365; e
II - no caso dos demais beneficiários, será observado:
a) se superior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de sessenta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa; e
b) se inferior a cinco vezes o valor do benefício suspenso ou cessado, no prazo de trinta dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena de inscrição em Dívida Ativa. (...)
A respeito do tema, a jurisprudência deste Regional firma-se no sentido da impossibilidade de repetição de valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em face do caráter alimentar das prestações previdenciárias que implica relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.123/91 e 154, § 3º, do Decreto 3.048/99.
A propósito, os seguintes precedentes:
PROCESSO CIVL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO.DOS VALORES PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ DO SEGURADO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. IRREPETIBILIDADE. 1. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas e da irrepetibilidade dos alimentos. (TRF4 5014634-88.2015.404.7000, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 21/10/2016).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública no pagamento do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas. Precedentes do STJ e desta Corte. 2. No caso em tela, a autora, beneficiária de pensão por morte desde 1969, contraiu novo matrimônio em 1971, ato que levaria à perda da qualidade de dependente pela legislação da época (Decreto 60.501/67, art. 15, VI). Quando requereu a pensão por morte em decorrência do falecimento do novo cônjuge, em 2011, foi informada de que houve pagamento indevido da pensão por morte no período de 40 anos, havendo lançamento do débito. Irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé. (TRF4, APELREEX 0014099-11.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 08/11/2016)
Destaque-se, ainda, a jurisprudência do STJ, no sentido de não ser devida a restituição de valores pagos aos segurados por erro/equívoco administrativo do INSS, observado o princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos, como se vê das ementas a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1550569/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 18/05/2016).
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 02/02/2016)
Sobre o tema colho, ainda, o precedente do STF, que afasta violação ao princípio da reserva de plenário:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO A MAIOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO AO INSS. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. 1. A violação constitucional dependente da análise do malferimento de dispositivo infraconstitucional encerra violação reflexa e oblíqua, tornando inadmissível o recurso extraordinário. 2. O princípio da reserva de plenário não resta violado, nas hipóteses em que a norma em comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, vale dizer: a controvérsia foi resolvida com o fundamento na interpretação conferida pelo Tribunal de origem a norma infraconstitucional que disciplina a espécie. Precedentes: AI 808.263-AgR, Primeira Turma Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 16.09.2011; Rcl. 6944, Pleno, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Dje de 13.08.2010; RE 597.467-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI Dje de 15.06.2011 AI 818.260-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Dje de 16.05.2011, entre outros. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: "PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. COBRANÇA DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores recebidos indevidamente pelo segurado, a título de aposentadoria por tempo de contribuição." 4. Agravo regimental desprovido. (AI 849529 AgR/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 15-03-2012) (grifei).
No entanto, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé, há previsão legal autorizando a administração a adotar medidas administrativas para fazer cessar a ilicitude, bem como a buscar a via judicial para obter a restituição da verba indevidamente paga.
Pois bem. A boa-fé é um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem se comportar de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõe às partes comportamentos necessários. Se o agente sabe que está descumprindo obrigação jurídica, aí está configurada a má-fé. Há, portanto, consciência de que o indivíduo está descumprindo dever advindo de sua posição de beneficiário do sistema previdenciário, do qual faz parte. Ou seja, a má-fé está justamente neste descumprimento do que o indivíduo sabe ser indevido.
Consoante ensina Wladimir Novaes Martinez em sua obra Cobrança de benefícios indevidos, Ed. LTR, 2012, página 97:
A má-fé lembra a idéia de fraude, deliberada e consciente intenção de causa prejuízo a alguém. Não é correto o autor ter esse procedimento relevado porque julga, por diferentes motivos, fazer jus ao bem maior pretendido. (...) Quem age de má-fé causa dano material ao erário público. Essa ação será comissiva (a mais comum) ou omissiva.
Assim, ainda que se trate de parcela com nítido caráter alimentar, acaso caracterizada a má-fé do beneficiário no recebimento dos valores, não há como se obstar a conduta da Administração de procurar reaver os valores pagos indevidamente. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. POSSIBILIDADE. A despeito da manifesta natureza alimentar da prestação, evidenciada a má-fé, impõe-se a condenação da requerida na devolução dos valores recebidos indevidamente. (TRF4 5006912-07.2014.404.7204, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 15/06/2016).
PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO. FRAUDE. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS PELO SEGURADO. Nos termos do art. 115 da Lei n° 8.213/91, o INSS é competente para proceder ao desconto dos valores pagos indevidamente ao segurado. Contudo, a jurisprudência do STJ e desta Corte já é consolidada no sentido de que, estando de boa-fé o segurado, as parcelas são irrepetíveis, porque alimentares. No entanto, caso comprovada a má-fé do segurado com provas que superam a dúvida razoável, é devido ao INSS proceder à cobrança dos valores pagos indevidamente. (AC 0004498-56.2007.404.7208-SC, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Sexta Turma, D.E. 22/04/2010).
Do caso concreto
É fato incontroverso que a autora recolheu doze contribuições como segurado facultativo no ano de 2005, Evento 14 - PROCADM, pág. 11.
No documento do Evento 14 - PROCADM1, pág. 6, está o registro de que o requerimento de concessão de auxílio-doença, indeferido pela autarquia previdenciária em face da existência de doença antes mesmo do início ou reinício das contribuições.
Em 23/01/2006 a requerente formula novo requerimento, Evento 14 - PROCADM1, pág. 1, que dá ensejo ao auxílio-doença que percebeu até 04/04/2013.
Tenho, assim, que a concessão administrativa do auxílio-doença se deu por erro da autarquia, que dois meses antes do deferimento, havia constatado a doença antecedente à filiação ao regime geral e indeferira a concessão do benefício.
Não vejo na conduta da requerente, pessoa que a instrução comprovou doente de longa data, má-fé pelo só fato de postular o benefício. Ao revés, vislumbro, isso sim, erro administrativo da autarquia em indeferir o benefício num primeiro momento, por doença existente antes da filiação e, pouco tempo depois, conceder o benefício.
Nessa quadra, descabe a exigibilidade de restituição dos valores recebidos pelo segurado, merecendo reparo a decisão recorrida, que deve ser reformada, para o efeito de declarar a inexistência de débito da autora frente ao INSS relativamente aos valores recebidos em face do NB 515.642.759-2.
Conclusão
Provida em parte a apelação da parte autora para declarar a inexistência de débito em relação ao auxílio-doença percebido, dispensando-a da devolução de qualquer valor relativamente ao NB 515.642.759-2, mantida a sucumbência na forma como fixada em sentença.
Decisão.
Assim sendo, voto por dar parcial provimento ao apelo.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Desembargadora Federal
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/04/2017
Apelação Cível Nº 5006596-37.2013.4.04.7104/RS
ORIGEM: RS 50065963720134047104
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | CIRLEI BONETTE ODORIZZI |
ADVOGADO | : | SADI JOAO GUARESCHI |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/04/2017, na seqüência 901, disponibilizada no DE de 03/04/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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| Signatário (a): | Gilberto Flores do Nascimento |
| Data e Hora: | 20/04/2017 12:42 |
