Apelação Cível Nº 5012485-07.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARGARETE SERVELIN DA CRUZ
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação contra sentença, publicada em 19/12/2018, na qual o magistrado a quo determinou a antecipação dos efeitos da tutela e julgou parcialmente procedente o pedido para conceder à parte autora o benefício de auxílio-doença, desde 01/01/2017. Condenou o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas, das custas processuais pela metade e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.
Em suas razões, a Autarquia Previdenciária repisa o argumento da falta de qualidade da segurada na data de início da incapacidade. Postula, caso mantida a condenação, que a DCB seja fixada em 180 dias a contar da realização da perícia e a correção monetária seja regida pela Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Qualidade de segurado e carência mínima
A controvérsia cinge-se à verificação da qualidade de segurado especial do autor.
O exercício de atividade rural deve ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91 e da Súmula 149 do Eg. STJ. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de alternância das provas ali referidas. Não se exige prova plena da atividade rural de toda a vida do autor, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro de que o labor campesino fora exercido contemporaneamente ao período equivalente à carência.
Para comprovação da qualidade de segurado especial, a autora trouxe os seguintes documentos: notas e contra notas de produtor rural, algumas em nome próprio e outras em conjunto com seu cônjuge, dos anos de 2010 (fl. 58), 2011 (fl. 59), 2013 (fl. 47), 2014 (fls. 202-203), 2015 (fls. 204-205) e 2016 (fls. 206-208). Sobre a prova testemunhal, cumpre transcrever o resumo dos depoimentos presente na sentença:
Resta, neste momento, analisar os depoimentos prestados pelas testemunhas, no bojo da audiência realizada em 14.08.2018 (fl. 212).
Ademar Brick, testemunha compromissada, disse que: i) o depoente é vizinho da autora; ii) a autora trabalha na agricultura, assim como o depoente; iii) a autora nunca se afastou da agricultura, ela sempre trabalhou na lavoura, como são vizinhos o depoente vê; iv) não sabe ao certo há quanto tempo a autora e sua família moram lá, mas acredita que sejam vizinhos há mais de 10 anos; v) conhecia autora antes dela ir morar lá, de onde ela morava antes, na mesma cidade, mas não tinham um relacionamento de amigos; vi) depois eles comparam uma terra que é vizinha da propriedade do depoente, e foi nesse momento que se conheceram melhor; vii) a autora sempre trabalhou só na agricultura; viii) a família planta soja, milho, produzem leite, que são praticamente as mesmas atividades realizadas pelo depoente, plantam milho para silagem; ix) a autora tem duas filhas e um filho e é viúva.
Waldemar Brick, testemunha compromissada, relatou que: i) o depoente morava no interior até dois ou três anos atrás, atualmente só trabalha lá, mas tem um filho que é vizinho da família da autora; ii) conhece bem a autora, todos os dias vai pra lá e passa na frente da casa dela; iii) a autora é agricultora; iv) a autora nunca se afastou das atividades rurais, continua trabalhando lá, passa lá e vê; v) conhece a autora há cerca de 20 anos, porque já a conhecia antes de serem vizinhos de propriedade; vi) nesse período, desde que a conhece, a autora sempre trabalhou na agricultura; vii) eles produzem leite, plantam milho e soja.
Como se vê, as testemunhas ouvidas foram unânimes em afirmar que a autora sempre foi agricultora, exercendo atividades rurais em propriedade da família, situação que perdura até os dias atuais, de modo que não restam dúvidas quanto à sua condição de segurada especial da Previdência Social. (fls. 221/222)
O perito judicial constatou diversas limitações no lado direito da autora, vislumbrando incapacidade total temporária da autora, com prazo sugerido de 180 dias. Sobre a data do início da incapacidade informou que "não existe nenhum documento que ajude muito a formalizar isso, mas que, por evolução natural da doença, podemos estimar que esse quadro incapacitante remonta a pelo menos 180 dias anteriores a data de hoje, ou seja, podemos retroagir ao início do ano [de 2017]"
O conjunto probatório demonstra o exercício da atividade rural pela autora, em regime de economia familiar, no período equivalente ao da carência exigida à concessão do benefício postulado.
Deve-se frisar que a presente ação foi proposta em 09/02/2015, tendo como pedido principal a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez desde 02/11/2012. Em 11/08/2015, o perito Alex Magadiel Klaus foi nomeado para a realização de perícia (fls. 101), designada para 20/01/2016 (fls. 113). O laudo dessa perícia não chegou a ser apresentado e, apenas em 08/05/2017, foi designada nova perícia, a ser realizada em 27/06/2017 (fls. 137/144).
Segundo o preceito estabelecido pelo art. 240, §3º do CPC, "a parte não será prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário". Portanto, estando demonstrada a qualidade de segurada especial na data da propositura da ação, é desnecessária nova demonstração de tal qualidade decorrente exclusivamente da demora na realização da perícia.
Ademais, para além de tais considerações, a parte autora apresentou notas de produtor rural dos anos de 2015, 2016 e 2017. Em que pese algumas tenham sido emitidas após o falecimento do marido da autora, tudo indica tratar-se de mero equívoco. Salienta-se que o Apelante não arguiu falsidade dos documentos, quer no momento oportuno, quer na apelação.
Corroborando o início de prova material, os depoimentos testemunhais colhidos em audiência indicam que a autora sempre laborou como agricultora. Assim sendo, caberia ao Réu provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II do CPC), o que não ocorreu.
Desta forma, a sentença deve ser mantida nesse ponto.
Data de Cessação do Benefício
O Apelante afirma que:
"O Juízo a quo determinou a concessão do benefício pelo prazo de 180 dias a contar da sentença. Entretanto, da análise do laudo pericial, observa-se que o perito indicou que o prazo de recuperação seria de 180 dias após a data da perícia, realizada em 27/06/2017".
Apesar de a orientação desta Turma Julgadora encontrar-se assentada no sentido de impossibilidade de prévia fixação de data de cessação de benefício por incapacidade, cabendo ao INSS reavaliar constantemente o quadro clínico do segurado, em face da ausência de apelo da parte autora, deve ser mantida, sob pena de reformatio in pejus, a DCB estabelecida pelo sentenciante.
Outrossim, diante de tais limites processuais, assiste razão ao apelante, pois a data estimada de cessação do benefício deveria ser o dia 27/12/2017, conforme o laudo pericial.
Portanto, a sentença deve ser reformada nesse ponto.
Correção monetária e juros moratórios
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp nº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, em 03-10-2019, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, até 29-06-2009 devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, a contar da citação, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987, aplicável, analogicamente, aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte. A partir de 30-06-2009, por força da Lei n. 11.960, de 29-06-2009, que alterou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, para fins de apuração dos juros de mora haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE n. 870.947 (Tema STF 810).
Honorários periciais
Sucumbente, deve o INSS suportar o pagamento do valor fixado a título de honorários periciais.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas judiciais na Justiça Federal, nos termos do art. 4º, I, da Lei n. 9.289/96, e na Justiça Estadual de Santa Catarina, a teor do que preceitua o art. 33, parágrafo primeiro, da Lei Complementar Estadual n. 156/97, com a redação dada pela Lei Complementar Estadual n. 729/2018.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do INSS apenas para modificar a Data de Cessação do Benefício para 27/12/2017 (180 dias após a realização da perícia judicial).
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001648510v10 e do código CRC b56c5a35.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5012485-07.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARGARETE SERVELIN DA CRUZ
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE LABORAL. qualidade de segurado. segurado especial.
1. Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
2. Considerando as conclusões do perito judicial de que a parte autora está parcial/total e temporariamente incapacitada para o exercício de atividades laborativas, é devido o benefício de auxílio-doença.
3. O exercício de atividade rural deve ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91 e da Súmula 149 do Eg. STJ.
4. A correção monetária deve seguir o entendimento do Eg. STJ no julgamento do Tema 905 dos Recursos Repetitivos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS apenas para modificar a Data de Cessação do Benefício para 27/12/2017 (180 dias após a realização da perícia judicial), nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 20 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001648511v4 e do código CRC c9a7cbdb.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 20/07/2020
Apelação Cível Nº 5012485-07.2019.4.04.9999/SC
RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARGARETE SERVELIN DA CRUZ
ADVOGADO: DEIVIDI RICARDO FERRARI (OAB SC036145)
ADVOGADO: ODAIR PEDRO BORTOLINI (OAB SC041451)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 20/07/2020, às 16:00, na sequência 696, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS APENAS PARA MODIFICAR A DATA DE CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO PARA 27/12/2017 (180 DIAS APÓS A REALIZAÇÃO DA PERÍCIA JUDICIAL).
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 29/07/2020 18:58:53.