Apelação Cível Nº 5000395-04.2020.4.04.7130/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: CLEOMAR JOSE ROSSATTO (AUTOR)
ADVOGADO: Silvio Cesar Rossatto (OAB RS044039)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face de sentença proferida (na vigência do CPC/2015) com o seguinte dispositivo:
"Ante o exposto, rejeito a preliminar de ausência de interesse processual, declaro prescritas as parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que antecede o ajuizamento da ação, e, no mérito, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, condenando o INSS a conceder em favor da parte autora o benefício de auxílio-doença (NB 547.151.682-2), com DIB em 09/09/2020 e DCB em 03/08/2021.
Deverá o INSS, ainda, proceder ao pagamento das parcelas atrasadas daí resultantes, de uma só vez, corrigidas monetariamente, e acrescidas de juros moratórios, nos termos da fundamentação, observada a prescrição quinquenal.
Arbitro os honorários advocatícios sucumbenciais no patamar de 10% do valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 3º, inciso I, do CPC, atentando-se à redação da Súmula 76 do TRF4: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência." E, dada a sucumbência recíproca, condeno a autarquia ao pagamento de 5% em favor do patrono da parte autora, e condeno o autor no pagamento de 5% em favor do procurador da parte ré (contudo resta suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade da justiça que ora defiro).
Havendo sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento dos honorários periciais. O INSS deverá ressarcir o valor de 5%. A parte autora de 5%, contudo, como é beneficiária da AJG, tem a exigibilidade suspensa.
(...)".
Em suas razões recursais, a parte autora sustenta, em síntese, fazer jus à concessão do auxílio-doença desde a DER (21-7-2011) e/ou sua conversão em aposentadoria por invalidez.
Com as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Mérito
Tratando-se de benefício por incapacidade, o julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial. Tal assertiva, todavia, não é absoluta, uma vez que o julgador não está adstrito ao laudo pericial (art. 479, CPC).
A perícia médica judicial (Evento 21 do originário), realizada em 1-9-2020, por especialista em ortopedia e traumatologia, apurou que o demandante, agricultor, nascido em 27-8-1968, é portador de Gonartrose não especificada e Outros estados pós-cirúrgicos (CID-10: M17.9 e Z98), e concluiu que ele está temporariamente incapacitado para o trabalho, nos seguintes termos:
"Histórico/anamnese: O autor vem acompanhado do irmão Silvio Cesar Rossatto, RG 3053422841, devido ser surdo e mudo.
O irmão do autor refere que o mesmo sofreu acidente traumatizando o joelho esquerdo, em 2009.
Relata que fez tratamento com curioso.
Queixa: dor e instabilidade no joelho esquerdo.
Refere que fez tratamento cirúrgico de prótese total em 03/08/2020, no IOT Passo Fundo, ficando cinco dias hospitalizado.
Faz uso de andador até o momento.
Nega outras doenças e cirurgias.
A parte autora menciona que ficou em auxilio doença por 90 dias, há quatro anos. Pelo laudo do INSS de 30/05/2010 a 30/09/2010, devido ao joelho e de 13/08/2012 a 13/11/;2012, devido a ferimento na mão esquerda.
Documentos médicos analisados: RX do joelho esquerdo de 05/09/2013.
Laudo do HSVP de 03/08/2020.
RX dos membros inferiores de 14/07/2020.
Atestado de 14/07/2020.
RX dos joelhos de 30/06/2020.
Exame físico/do estado mental: Apresenta-se deambulando apoiado em andador.
Joelho esquerdo:
Apresenta cicatriz de 21 cm na região anterior do joelho, bem consolidada.
Não realizei as manobras ativas e passivas devido ao P.O recente.
(...)
Conclusão: com incapacidade temporária
- Justificativa: O Autor tem limitação ao trabalho, devido a cirurgia ocorrida em 03/08/2020.
Não existe comprovação de incapacidade ao trabalho em 21/07/2011.
- DII - Data provável de início da incapacidade: 03/08/2020
- Justificativa: Data da cirurgia do joelho esquerdo.
- Caso a DII seja posterior à DER/DCB, houve outro(s) período(s) de incapacidade entre a DER/DCB e a DII atual? NÃO
- Data provável de recuperação da capacidade: 03/08/2021
- Observações: Tempo para a consolidação cirurgia e recuperação fisioterápica.
- A recuperação da capacidade laboral depende da realização de procedimento cirúrgico? SIM
- Observações: Realizou o tratamento cirúrgico necessário.
- O(a) examinado(a) apresenta transtorno relacionado ao uso de substância(s) psicoativa(s) (ébrio habitual e/ou viciado em drogas ilícitas) ou está impossibilitado de exprimir sua vontade em razão de causa transitória ou permanente? NÃO".
Assim, tendo o perito esclarecido que se trata de incapacidade temporária, agiu acertadamente o magistrado de origem, ao condenar o INSS a conceder à parte autora o benefício de auxílio-doença.
Afasto, ao menos por ora, a concessão da aposentadoria por invalidez, considerando a inexistência de prova robusta e convincente hábil a comprovar que a incapacidade laboral é definitiva.
Quanto ao termo inicial do benefício, embora o expert tenha fixado a data de início da incapacidade em 3-8-2020, penso que é possível reconhecer que essa condição já existia à época do requerimento administrativo do auxílio-doença, em 21-7-2011 (Evento 1 do originário - DECISÃO/10), pois a patologia constatada na perícia judicial é a mesma apontada nos exames e atestados médicos anexados à inicial (Evento 2 do originário - PROCADM2, fls. 24-25; Evento 3 do originário - ATESTMED2; e Evento 8 do originário - OUT2). Logo, não é consentâneo com a realidade que o segurado com tal espécie de enfermidade crônica tenha subitamente piorado em agosto de 2020.
Cumpre destacar, ainda, que o INSS concedeu à parte autora o benefício de auxílio-doença, no período de 14-4-2010 a 18-10-2010 (Evento 11 do originário - LAUDO1), em razão de "Artrose não especificada" (CID-10: M19.9), bem como que a perícia administrativa examinou o autor em 5-10-2011, e, embora não tenha reconhecido a incapacidade laboral, constatou a existência da moléstia "Gonartrose (artrose do joelho)" (CID-10: M17), a mesma doença diagnosticada na perícia judicial como causa incapacitante, o que indica - considerando-se, ainda, o fato de o perito não ter noticiado eventual melhora do paciente -, que o quadro de inaptidão laboral manteve-se desde então.
No que tange ao termo final do benefício, a Lei 13.457, de 26-6-2017, que alterou o art. 60 da Lei 8.213/91, assim dispõe:
"Art. 60 (...)
§8º Sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício.
§9º Na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8o deste artigo, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62 desta Lei.
§10. O segurado em gozo de auxílio-doença, concedido judicial ou administrativamente, poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção, observado o disposto no art. 101 desta Lei.
§11. O segurado que não concordar com o resultado da avaliação da qual dispõe o § 10 deste artigo poderá apresentar, no prazo máximo de trinta dias, recurso da decisão da administração perante o Conselho de Recursos do Seguro Social, cuja análise médica pericial, se necessária, será feita pelo assistente técnico médico da junta de recursos do seguro social, perito diverso daquele que indeferiu o benefício."
Portanto, segundo referidas alterações, a circunstância de ter sido judicializada a discussão quanto ao direito ao benefício por incapacidade não exclui a possibilidade de o INSS realizar revisão periódica da condição laborativa do segurado.
Ainda, o § 8º, acima transcrito, traz a regra geral, ao estabelecer que, sempre que possível, na decisão judicial que concede ou reativa auxílio-doença, haverá fixação do prazo para a duração do benefício.
Logo, não há determinação legal para que o juiz estipule prazo em qualquer hipótese, até porque haverá casos em que as circunstâncias e características da incapacidade não permitem uma definição, desde logo, de sua duração, ou que se possa estimar minimamente um tempo necessário para sua cessação.
No caso, não é possível a prévia determinação de prazo para duração do benefício, em razão da ausência de notícia de que o demandante tenha realizado o tratamento (fisioterápico) indicado pelo perito judicial. Caberá ao INSS realizar revisão médica periódica da condição laborativa da parte segurada, mediante prévio agendamento.
Desse modo, tenho que merece parcial reforma a sentença, para determinar a concessão do auxílio-doença a contar do requerimento administrativo (21-7-2011), observada a prescrição quinquenal, bem como para afastar o termo final do benefício, devendo ser descontados os valores eventualmente pagos a tal título na via administrativa desde então.
Correção monetária e Juros de mora
Após o julgamento do RE n. 870.947 pelo Supremo Tribunal Federal (inclusive dos embargos de declaração), a Turma tem decidido da seguinte forma.
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
Honorários advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, este regramento é aplicável quanto à sucumbência.
Reconhecido o direito da parte autora ao auxílio-doença desde a DER, resta afastada a sucumbência recíproca, devendo o INSS arcar com a integralidade dos ônus sucumbenciais.
No tocante ao cabimento da majoração de que trata o §11 do art. 85 do CPC/2015, assim decidiu a Segunda Seção do STJ, no julgamento do AgInt nos EREsp nº 1.539.725-DF (DJe de 19-10-2017):
É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, §11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente:
a) vigência do CPC/2015 quando da publicação da decisão recorrida, ou seja, ela deve ter sido publicada a partir de 18/03/2016;
b) não conhecimento integralmente ou desprovimento do recurso, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente;
c) existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso.
No caso concreto, não estão preenchidos todos os requisitos acima elencados, sendo indevida, portanto, a majoração da verba honorária.
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
A renda mensal do benefício, em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, deve ser implementada em 45 dias a partir da intimação.
A parte interessada deverá indicar, em 10 dias, o eventual desinteresse no cumprimento do acórdão.
Conclusão
- Recurso do autor provido em parte para fixar o termo inicial do auxílio-doença na data do requerimento administrativo (21-7-2011), observada a prescrição quinquenal, bem como para afastar o termo final do benefício;
- afastada a sucumbência recíproca;
- determinado o imediato cumprimento do acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e determinar o cumprimento imediato do acórdão.
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Apelação Cível Nº 5000395-04.2020.4.04.7130/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: CLEOMAR JOSE ROSSATTO (AUTOR)
ADVOGADO: Silvio Cesar Rossatto (OAB RS044039)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE LABORAL TEMPORÁRIA. TERMO INICIAL E TERMO FINAL DO BENEFÍCIO.
1. É devido o auxílio-doença quando a perícia judicial é concludente de que a parte autora encontra-se temporariamente incapacitada para o trabalho.
2. O termo inicial deve ser fixado na data de entrada do requerimento (DER) quando o conjunto probatório permite concluir que a moléstia já causava incapacidade laboral desde então.
3. Apesar de a alta programada passar a ter previsão legal, conforme art. 60, §§ 8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, incluídos pela Lei nº 13.457/2017, tem-se que o dispositivo normativo refere, de forma expressa, que a fixação de prazo deverá ser feita "sempre que possível". Como no caso não é possível a prévia determinação de prazo para a duração do benefício, não há falar em violação da norma legal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e determinar o cumprimento imediato do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de julho de 2021.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 14/07/2021 A 21/07/2021
Apelação Cível Nº 5000395-04.2020.4.04.7130/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
APELANTE: CLEOMAR JOSE ROSSATTO (AUTOR)
ADVOGADO: Silvio Cesar Rossatto (OAB RS044039)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/07/2021, às 00:00, a 21/07/2021, às 14:00, na sequência 926, disponibilizada no DE de 05/07/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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