Apelação Cível Nº 5029301-35.2017.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: DIRLEI SALETE SULZENCO BEAL
ADVOGADO: PAULO ROBERTO CORREA PACHECO (OAB SC014513)
ADVOGADO: JONATAS MATANA PACHECO (OAB SC030767)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto em face de sentença que julgou improcedente o pedido e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador do requerido, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade da condenação em razão da gratuidade de justiça deferida.
Nas razões de apelação, sustentou a parte autora que o laudo pericial é contraditório e contràrio às provas dos autos. Afirmou que não consegue exercer nenhuma atividade laboral em virtude de suas patologias. Requereu o provimento do recurso, com a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença ou a anulação da sentença, para a realização de nova prova pericial.
Sem contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Do pedido de nova perícia
A prova pericial nos casos de benefício por incapacidade tem como função elucidar os fatos trazidos ao processo e se destina à formação do convencimento do juízo. No entanto, o juiz não está adstrito ao laudo pericial, devendo indicar os motivos que o levam a entendimento diverso se entender por não acolher as conclusões do perito, à luz dos demais elementos presentes nos autos, nos termos do art. 479 do CPC.
No caso, requereu a parte autora a realização de nova perícia médica, ao fundamento de que o laudo pericial é contraditório, uma vez que o perito concluiu que não há incapacidade para o trabalho, mas aduziu, na resposta aos quesitos complementares, que a mesma não pode retornar à sua atividade de auxiliar de produção.
Embora a prova técnica possa conter inconsistências, decorrentes, como se verá, da terminologia adotada pelo perito para classificar o tipo de limitação experimentada pela autora em decorrência de sua patologia, os autos trazem elementos suficientes ao julgamento e o próprio laudo contém informações relevantes, que indicam a presença dos pressupostos para a concessão do benefício.
Assim, de ser superada a preliminar.
A perícia médica judicial (evento 3 - laudoperic12), realizada em 14/01/2016 pelo Dr. Sebastião Montaury Gomes Vidal Filho, especialista em Ortopedia e Traumatologia, concluiu que a autora, auxiliar de produção, que conta com 48 anos de idade, apresenta sequela de tendinite do ombro direito e epicondilite medial à direita (CID M75.4 e M77.1), estando capaz para a realização de atividades laborais.
De acordo com o perito:
"Não existe incapacidade ao trabalho."
"Não necessita ser reabilitada."
"não existe nexo causal ou concausa entre o trabalho exercido e as alterações que foi portadora."
"Está afastada do trabalho há três anos, tempo suficiente para ter devolvida a sua capacidade laborativa plena."
No entanto, ao responder ao quesito complementar b ("Considerando a atividade de auxiliar de produção, poderá a autora retomar o exercício desta atividade de forma plena como antes de estar acometida desta doença desenvolvia, livre de restrições?)", o perito declarou que: "Não poderá retornar a sua atividade de auxiliar de produção." (evento 3 - laudoperic18), o que gera dúvida sobre a existência de uma eventual incapacidade parcial.
O que parece ter havido é que o perito concluiu que a autora pode trabalhar, mas não nas suas funções habituais. Por isso falou que não há incapacidade para o trabalho. Mas quando perguntado sobre o trabalho habitual, foi expresso ao assentar que a autora não poderá retornar às funções que anteriormente exercia. Esta condição conduziria a um quadro de incapacidade parcial (temporário ou permanente), para fins previdenciários, a justificar a concessão de auxílio-doença até reabilitação para atividade compatível com a limitação identificada. Diante da diversidade de interpretações dos médicos sobre os conceitos de incapacidade total e parcial, permanente e temporária, para fins especificamente previdenciários, ocorrem situações como a presente, a requerer que se interprete o que o médico de fato constatou.
E no caso dos autos, objetivamente indagado, ele referiu que a autora não poderá retornar para a sua atividade de auxiliar de produção.
O que não ficou expresso na perícia, é se esta impossibilidade de retorno às funções habituais é permanente ou temporária.
Analisando-se conjuntamente as respostas do médico, porém, fica claro que se trata de uma impossibilidade permanente, já que foram constatadas sequelas, a indicar que as patologias deixaram efeitos. Não se trata de um quadro agudo, mas, no mínimo, crônico.
Assim, de ser provido o apelo da parte autora para que se lhe assegure o pagamento do benefício de auxílio-doença até ser reabilitada para atividade compatível com suas sequelas e limitações.
Termo inicial
A limitação para o trabalho existe desde que a autora buscou o benefício, consoante se colhe da prova produzida nos autos, com atestados médicos e exames de imagem que corroboram, à época do requerimento administrativo, a existência e a atividade das patologias encontradas pelo perito judicial. Assim, devido o restabelecimento do benefício de auxílio-doença desde a data do indeferimento, em 02/08/2013.
Termo final
A Lei 13.457, de 26-06-2017, alterando os termos do art. 60 da Lei 8.213/91, assim dispôs:
"Art. 60 (...)
§8º Sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício.
§9º Na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8o deste artigo, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62 desta Lei.
§10. O segurado em gozo de auxílio-doença, concedido judicial ou administrativamente, poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção, observado o disposto no art. 101 desta Lei.
§11. O segurado que não concordar com o resultado da avaliação da qual dispõe o § 10 deste artigo poderá apresentar, no prazo máximo de trinta dias, recurso da decisão da administração perante o Conselho de Recursos do Seguro Social, cuja análise médica pericial, se necessária, será feita pelo assistente técnico médico da junta de recursos do seguro social, perito diverso daquele que indeferiu o benefício."
Segundo referidas alterações, portanto, a circunstância de ter sido judicializada a discussão quanto ao direito ao benefício por incapacidade, não exclui a possibilidade de o INSS realizar revisão periódica da condição laborativa do segurado.
O § 8º, acima transcrito, traz a regra geral, ao estabelecer que, sempre que possível, na decisão judicial que concede ou reativa auxílio-doença, haverá fixação do prazo para a duração do benefício.
Não houve determinação legal de que o juiz estipulasse prazo. E isto se deve à circunstância de que haverá situações em que as características da incapacidade indicarão a sua definitividade, desde logo, ou não permitirão estimar o tempo necessário de reabilitação.
A convocação para nova perícia administrativa, conquanto possa acontecer a qualquer tempo (§10 do artigo 60 da Lei nº 8.213 introduzido pela Lei nº 13.457/2017), pressupõe a observação do que foi estabelecido no respectivo julgamento, em termos de prazo ou condições específicas para revisão da concessão.
No caso, não há como estipular prazo, uma vez que se trata de incapacidade parcial, com expectativa de permanência. Assim, deve o benefício ser mantido enquanto não reabilitada a autora para o exercício de atividade profissional que lhe garanta o sustento ou, não sendo a reabilitação possível, até que lhe seja concedida a aposentadoria por invalidez.
- Correção monetária
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91, na redação da Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei n.º 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei 11.960/2009, que introduziu o art. 1º-F na Lei 9.494/97, foi afastada pelo STF no julgamento do tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos. O precedente do STF é aplicável desde logo, uma vez que, nos termos da decisão do Relator, a pendência do julgamento dos embargos de declaração é que motivava a suspensão nacional dos processos.
No julgamento do tema 905, através do REsp 1.495146, e interpretando o julgamento do STF, o STJ definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte, no recurso representativo da controvérsia e que, aos previdenciários, voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice, nos termos acima indicados.
A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do CPC/2015, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Por fim, na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Conclusão
Apelo da parte autora provido, para condenar o INSS ao restabelecimento do benefício de auxílio-doença, desde a data do indeferimento (02/08/2013), a ser mantido ativo até que seja a autora reabilitada para atividade compatível com suas limitações. Devido o pagamento das parcelas vencidas desde então. Fixados os honorários advocatícios em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a presente data.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001563749v28 e do código CRC 07975adb.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5029301-35.2017.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: DIRLEI SALETE SULZENCO BEAL
ADVOGADO: PAULO ROBERTO CORREA PACHECO (OAB SC014513)
ADVOGADO: JONATAS MATANA PACHECO (OAB SC030767)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. auxílio-doença. INCAPACIDADE PARA AS ATIVIDADES HABITUAIS. NECESSIDADE DE REABILITAÇÃO.
1. Comprovado nos autos que a incapacidade é parcial e que impede a autora de realizar suas atividades habituais, impõe-se a concessão de auxílio-doença.
2. Apelo da parte autora provido, para condenar o INSS ao restabelecimento do benefício de auxílio-doença, desde a data do indeferimento, a ser mantido ativo até que seja a autora reabilitada para atividade compatível com suas limitações
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 12 de fevereiro de 2020.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001563750v5 e do código CRC eff15292.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 12/02/2020
Apelação Cível Nº 5029301-35.2017.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): THAMEA DANELON VALIENGO
APELANTE: DIRLEI SALETE SULZENCO BEAL
ADVOGADO: PAULO ROBERTO CORREA PACHECO (OAB SC014513)
ADVOGADO: JONATAS MATANA PACHECO (OAB SC030767)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 12/02/2020, na sequência 397, disponibilizada no DE de 24/01/2020.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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