Apelação Cível Nº 5000446-79.2015.4.04.7133/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: JOSUÉ DA COSTA CORREA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença (ev. 136) que julgou improcedente pedido de auxílio-doença, por não comprovada incapacidade, condenando a parte autora em honorários de 10% sobre valor da causa, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade judiciária.
A parte autora apela alegando cerceamento de defesa decorrente da dubiedade da perícia. Requer a anulação da sentença e o refazimento do laudo por especialista em neurologia, tendo em vista que o autor, desde 2011, não consegue trabalhar em decorrência das patologias de que acometido.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Preliminar de cerceamento de defesa
Não se justifica a anulação do processo para refazimento da perícia judicial havendo elementos suficientes nos autos, como no caso, para resolver a lide.
Ademais, a perícia foi realizada por psiquiatra, especialista nas patologias (Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool e dorgas - síndrome de dependência (F102)- Transtorno depressivo recorrente) de que acometido o autor, não demandando a análise por profissional diverso.
Benefício por incapacidade
Conforme o disposto no art. 59 da Lei n.º 8.213/91, o auxílio-doença é devido ao segurado que, havendo cumprido o período de carência, salvo as exceções legalmente previstas, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
A aposentadoria por invalidez, por sua vez, será concedida ao segurado que, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo-lhe paga enquanto permanecer nessa condição, nos termos do art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social.
A lei de regência estabelece que a carência exigida para a obtenção desses benefícios é de 12 (doze) contribuições mensais (art. 25, I), salvo nos casos legalmente previstos.
Em sendo a incapacidade anterior à filiação ao RGPS, ou à recuperação da condição de segurado, resulta afastada a cobertura previdenciária (art. 42, §2º e art. 59, §1º).
Caso concreto
O autor, nascido em 05/02/67, técnico em manutenção, teve concedido auxílio-doença em decorrência de patologias psiquiátricas de 28/07/2009 a 28/04/2010 (transtorno afetivo bipolar episódio grave); de 05/07/2010 a 22/09/2011 (fraturas múltiplas da perna); e de 02/01/2012 a 22/03/2012 (erisipela - doença infecciosa causada por bactérias, normalmente em ferimentos). Ajuizou a ação em 05/05/15, objetivando a concessão de auxílio-doença desde a cessação do NB 541.610.572-7, em 22/09/2011, com a conversão em aposentadoria por invalidez.
- Incapacidade
Durante a instrução processual, em 29/01/16, foi realizada perícia por médico especialista em medicina legal e perícia médica, Evento 31 - LAUDPERI1, que atestou que a parte autora (técnico em manutenção - 48 anos) se encontrava incapacitado de forma temporária para qualquer atividade laborativa desde 23/09/2015.
Colhe-se do laudo:
Histórico da doença atual: O Autor relata que é usuário de bebidas alcoólicas em excesso há vários anos, referindo que realiza tratamento específico para desintoxicação há cerca de sete anos (sic). Relata que em setembro de 2015 apresentou severa recaída, com necessidade de internação hospitalar para tratamento específico, a qual ocorreu no hospital Bom Pastor no período de 23/09/2015 à 09/10/2015. Apresentou receitas e referiu utilizar os seguintes medicamentos: Amitriptilina 25 mg ao dia, Fluoxetina 20 mg 3 comprimidos ao dia e Clorpromazina 25 mg ao dia. Atualmente refere que mesmo realizando o tratamento medicamentoso sugerido por seu Médico Psiquiatra apresenta variações do humor, irritabilidade e ansiedade, relatando que não consegue exercer nenhuma atividade laborativa (sic).
EXAME DO ESTADO MENTAL
Aspecto Geral do Periciando O Autor aparenta sua idade real sendo que se veste de forma simples e adequada, sendo que durante o exame participou e colaborou com o entrevistador.
Exame das funções mentais (atitude frente ao examinador) - Descrição geral Comportamento e atividade psicomotora - sem alterações. Atitude frente ao examinador - colaborativo. - Manifestações da linguagem oral - Sem afasias e sem agramatismo (falta de palavras de ligações gramaticais). - Manifestações da linguagem escrita - não foi testada. - Disposição de Ânimo, Sentimentos e Afeto Disposição de ânimo predominante - depressão moderada. Manifestação do Afeto - apresentou explosões do humor na entrevista. - Percepção Não foram constatadas, no decorrer da entrevista, alucinações, ilusões nem desrealizações. -Processo do pensamento Curso do pensamento - alterado. Conteúdo do pensamento - normal. Inteligência - parece ter inteligência dentro da normalidade. Pensamento abstrato - normal. Concentração e cognição - alterada. Consciência - alerta, porém com mínima alteração do sensório. -Consciência - Lúcido. -Atenção - reduzida. -Orientação Temporal - orientado. Espacial - orientado. Pessoas - orientado quanto a si mesmo; orientado quanto ao entrevistador. -Memória Remota - normal. Evocação - lentificada. Imediata - normal. -Juízo Juízo crítico - perda do juízo crítico. - Controle de impulsos Durante a entrevista não ocorreu descontrole dos impulsos. - Grau de auto percepção (insight) Tem noção do presente processo onde o mesmo requer o benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. -Credibilidade Dá ao entrevistador a impressão de veracidade do seu relato.
Diagnóstico/CID:
- Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool - síndrome de dependência (F102)
- Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado (F331)
Em resposta aos quesitos apresentados asseverou o perito:
Quesitos da parte ré:
A parte autora já é ou foi paciente do(a) ilustre perito(a)?
Não. O Autor não é ou já foi meu paciente.
Quais as atividade laborativas já desempenhadas pela parte autora?
Vide corpo do laudo.
Havendo incapacidade para o trabalho esta decorre de acidente do trabalho ou de enfermidade ocupacional equivalente? Quando ocorreu o evento? (indicar local, empregador e data).
Não. A incapacidade atual da parte Autora não tem origem em acidente do trabalho ou 'in itinere'.
O desempenho de atividades laborativas pela parte autora, inclusive reabilitação profissional, pode ser um instrumento de auxílio de seu tratamento?
Atualmente o Autor apresenta incapacidade laborativa total, sendo necessário aguardar sua resposta terapêutica às propostas sugeridas pelo Médico Assistente para verificação da eventual necessidade de reabilitação profissional, porém após recuperação o desempenho de atividades laborativas pela parte Autora, inclusive reabilitação profissional, com inclusão social, pode ser um instrumento importante de auxílio ao tratamento de suas patologias psiquiátricas.
A parte autora realiza e coopera com a efetivação do tratamento médico recomendado?
O Autor referiu estar realizando as medidas terapêuticas sugeridas pelo médico assistente para as suas patologias (sic).
Quesitos da parte autora:
1. O requerente é portador de algum distúrbio psiquiátrico ou outro ?
Sim.
2. Qual o distúrbio apresentado? E qual o CID?
Vide corpo do laudo pericial.
3. Existe algum motivo especifico que desencadeou as presentes patologias ?
Abuso de substâncias alcoólicas.
4. Desde quando (ano) o requerente tem manifestado referidas patologias de acordo com a documentação apresentada pelo requerente?
2009.
5. Que documentos/exames/atestados/receituários que comprovam o inicio das patologias?
2009.
6. O requerente tem algum dos seguintes sintomas: ansiedade, teme sair sozinho e sente - se tenso, assustado, apreensivo, triste e desanimado ?
Sim.
7. O requerente necessita de acompanhamento psiquiátrico, psicológico e realização de exames constantes?
Necessita de acompanhamento psiquiátrico e psicológico, bem como utilização de medicamentos.
8. Como são as crises de pessoas portadoras de referidas patologias ? Estas podem ser perigosas a ela mesma e as pessoas que a rodeiam?
Depende do tipo de crise.
9. O requerente apresenta sentimentos de inutilidade e de tristeza? Sentimentos de culpa excessivos?
Sim.
10. O requerente tem pensamentos de suicídio ou pensamentos anormais sobre morte ou planos para cometer suicídio ou tentativas reais de suicídio ?
Não.
11. O requerente tem dificuldade de concentração ?
Refere que sim.
12. O estado emocional físico do requerente é deprimido/ irritável ?
Refere que sim.
13. O requerente tem redução do prazer nas atividades diárias?
Refere que sim.
14. O requerente teve ou vem tendo alterações de peso (aumento de peso ou perda de peso não intencionais) ?
Refere que sim.
15. O requerente tem dificuldade de conciliar o sono (persistente) ou de ficar acordada? Tem dificuldade de dormir sonolência diurna excessiva?
Refere que sim.
16. O requerente faz uso de algum tipo de medicação? Quais? São indicados para tratamento de tal patologia? São remédios controlados?
Vide história da doença atual no corpo do laudo.
17. O requerente é plenamente consciente de seus atos? Tem capacidade de discernimento?
As patologias do autor não o incapacitam para a realização dos atos da vida independente e atos da vida civil.
18. Qual grau pode ser classificado o estado depressivo e alcoólico do requerente?
Não se aplica.
19. O requerente tento u algum tipo de suicídio? Quantos?
Sem elementos para responder.
20. O requerente já esteve internado em hospitais devidos a crises?
Sim.
21. É verídico que as patologias do requerente se agrave, e evolua para um quadro depressivo grave, cujo desfecho seja uma tentativa de suicídio?
É muito relativo.
22. Esta patologia é passível de tratamento?
Sim.
23. Há algum tratamento possível para alivio?
Sim.
24. Tem cura as patologias do requerente ?
A investigação diagnóstica, prognóstico ou tratamento de patologias, não são de competência do Médico Perito (Código de ética médica, Capítulo XI, Art. 94 e Art. 97), sendo que a perícia médica previdenciária tem como finalidade a avaliação da capacidade laborativa do examinado, para fins de enquadramento na situação legal pertinente, sendo que o motivo mais frequente é a habilitação a um benefício pretendido.
25. O requerente teve melhora ou piora após a cessação do beneficio previdenciário em 22/09/2011 ?
Estabilização das patologias.
26. Essa patologia é incapacitante para o trabalho? Temporariamente ou definitivamente ?
Sim.
27. Há mais alguma informação que o Expert entende ser necessário mencionar acerca do requerente e suas patologias?
Vide justificativa/conclusão no corpo do laudo.
Conclui o expert que:
O Autor apresenta transtornos mentais e comportamentais devidos ao de álcool e Transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado, patologias atualmente agudizadas, determinando limitação para a realização de atividades habituais e incapacidade total para a realização de atividades laborativas. As demais patologias alegadas na inicial se encontram compensadas, não determinando incapacidade laborativa. Sob o ponto de vista técnico (médico-pericial), levando-se em conta a história clínica, o exame físico geral e segmentar, pela análise dos documentos apresentados durante o ato pericial e carreados aos autos, via e-PROC, este Médico Perito conclui pela incapacidade laborativa total, multiprofissional, em caráter temporário.
- É sugerido um período de 6 (seis) meses de afastamento laboral (a contar da data da realização do ato pericial), para adequada realização das medidas propostas por seu Médico Assistente, levando-se em conta a resposta individual do organismo e efetiva realização do tratamento proposto, sendo imprescindível a internação e permanência do mesmo em Comunidade Terapêutica para efetivação das medidas e suporte adequado, pois tais patologias psiquiátricas necessitam de acompanhamento psiquiátrico e psicológico adequado para que haja boa evolução. - O quadro clínico do periciando permanece inalterado desde a data do requerimento administrativo perante o INSS. - A patologia diagnosticada não implica em deficiência nas funções e estruturas do corpo, bem como a parte Autora não se encontra enquadrada no conceito de pessoa portadora de deficiência, nos termos do art. 4º do Decreto nº 3.298/99. - A patologia diagnosticada não necessita da utilização de produtos/equipamentos especiais para seu tratamento. - A metodologia utilizada para a elaboração da prova pericial consistiu na leitura prévia dos autos do processo, na anamnese (entrevista realizada com a parte Autora), método hipotético-dedutivo e reconhecimento de padrões, exame físico e manobras semiológicas, análise documental dos exames e atestados acostados aos autos (e-PROC) e os apresentados no ato pericial. - A investigação diagnóstica, prognóstico ou tratamento de patologias, não são de competência do Médico Perito (Código de ética médica, Capítulo XI, Art. 94 e Art. 97), sendo que a perícia médica previdenciária tem como finalidade a avaliação da capacidade laborativa do examinado, para fins de enquadramento na situação legal pertinente, sendo que o motivo mais frequente é a habilitação a um benefício pretendido. - O Médico investido na função de perito, na formação de sua opinião técnica, a qual deve ser totalmente imparcial, fidedigna e embasada na anamnese, exame clínico e exames complementares apresentados pela parte periciada e acostados aos autos, não fica restrito aos laudos médicos periciais prévios (mesmo que tenham sido elaborados por peritos do Juízo ou autárquicos), ou relatórios elaborados pelos médicos assistentes da parte periciada (RESOLUÇÃO CFM nº 1.851/2008, Art. 3º do parecer nº 126, em 17 de outubro de 2005 - CRM-SP e Resolução RP CRMMG n° 292/2008).
Data de Início da Doença: 2009
Data de Início da Incapacidade: 23/09/2015
- Incapacidade para qualquer atividade laborativa
- Incapacidade temporária.
Com base na data inicial da incapacidade fixada em perícia, o magistrado julgou improcedente a demanda ante à falta da qualidade de segurado, in verbis:
Em análise do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (supra), verifico que o autor auferiu benefício de auxílio-doença no período de 02/01/2012 a 22/03/2012. Nesse contexto, convém destacar a regra constante no artigo 13, inciso II, do Decreto nº 3.048/99, que dispõe:
Art. 13. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
(...)
II - até doze meses após a cessação de benefício por incapacidade ou após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela previdência social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
(...)
Com base nisso, o autor perdeu a qualidade de segurado no dia 16/05/2013. Logo, na data em que ficou comprovada a incapacidade do autor para o trabalho (23/09/2015), ele não mais possuía a qualidade de segurado da Previdência Social. Ressalto, nesse ponto, que mesmo que se considerasse a possibilidade de prorrogação do período de graça por mais 12 (doze) meses, nos termos do § 2º do Art. 15 da Lei 8.213/91, o que ocorreria mediante comprovação, ainda assim o autor não teria a qualidade de segurado na data de início da incapacidade.
Em virtude da apelação do autor, este TRF, de ofício, entendeu necessária realização de perícia médica por especialista na área de psiquiatria e anulou a sentença.
Em 30/08/17 (ev. 60), foi realizada perícia com profissional em psiquiatria, Dr. Alex Resende Terra, que atestou ser o autor portador de - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas - síndrome de dependência (F192), em tratamento regular e adequado, em fase estabilizada e que não lhe acarretavam incapacidade.
À vista do laudo, a parte autora apresentou quesitos complementares (ev. 66), cuja complementação foi indeferida pelo juízo a quo:
d) A documentação médica comprova que o requerente estava incapaz na data da DER 22/09/2011?
e) Houve melhora ou cura do requerente do período da DER 22/09/2011 à atualmente?
f) O requerente segundo lançado esteve INCAPAZ durante determinado período. Em qual período desde à DER 22/09/2011 o requerente esteve incapacitado?
g) Há documentação que comprova que desde à DER 22/09/2011 o requerente vem em constate tratamento de controle da doença/transtorno?
h) O requerente encontra-se com o mesmo quadro clínico desde que data conforme documentação e exame de Vossa Senhoria?
i) Os elementos dos autos revelam que o requerente sofre de dependência química/alcoolismo e já esteve internado para reabilitação. Os tratamentos foram eficaz (curou-se)?
j) O Expert indica a realização de outra perícia nos autos com outro especialista? Se for o caso em que área?
O processo foi anulado para que fossem respondidos os quesitos complementares pelo perito médico psiquiatra, que assim se manifestou (ev. 112):
ALEX RESENDE TERRA, na qualidade de médico perito psiquiatra nomeado nos autos, vem respeitosamente apresentar a manifestação pericial complementar para apreciação deste Juízo.
Conforme solicitado no evento 104, respondo aos quesitos solicitados:
d. A documentação apresentada não apresenta elementos de convicção que indiquem incapacidade laborativa em 09/2011
e. A evolução do quadro do autor está descrita no laudo pericial.
f. A CNIS/ DATAPREV revelou que o último período em que o autor esteve em benefício por auxílio-doença no INSS foi o período compreendido entre 02/01/2012 a 22/03/2012.
g. Favor reportar-se ao laudo pericial.
h. Os aspectos técnicos relevantes para a avaliação pericial, no entender deste perito, estão descritos no laudo pericial. Considerações a respeito de outros aspectos clínicos, prognóstico e terapêutica, estão a cargo do médico assistente (Resolução CFM no. 1.851/2008).
i. Os aspectos técnicos relevantes para a avaliação pericial, no entender deste perito, estão descritos no laudo pericial. Considerações a respeito de outros aspectos clínicos, prognóstico e terapêutica, estão a cargo do médico assistente (Resolução CFM no. 1.851/2008).
j. Não.
Como referido acima, ao decidir, esta Corte não está vinculada às conclusões do laudo pericial, havendo elementos substanciais nos autos que apontem para solução diversa da aventada na perícia.
No caso dos autos, o autor já recebeu benefício em 2009/2010 por transtorno afetivo bipolar, episódio grave, sem sintomas psicóticos. Muito embora os auxílios-doença subsequentes (2011 e 2012) tenham sido por patologias diversas (fratura na perna e complicações no ferimento), relativamente às quais não se tem notícias nos autos e ainda que não existam documentos médicos relativos às doenças psiquiátricas entre jul/2011 e 2015, o cotejo da prova aponta para a persistência das patologias psíquicas, má-adesão ao tratamento e evolução negativa desde pelo menos 2009.
Os atestados e receitas médicas emitidos por profissionais de Porto Alegre Clínicas entre 2009 e jul/2011, indicam baixa aderência ao tratamento apesar de tentativas múltiplas medicamentosas, anti-sociabilidade, bastante instabilidade em razão de depressão, transtorno bipolar e dependência do álcool (ev. 1). Do prontuário médico, constata-se que, em 2009, era usuário de álcool e iniciou com a crise de ansiedade após queda de andaime no trabalho. Entre 2009 e 2011, o prontuário registra consultas periódicas sempre com registro de alcoolismo e recaídas, bem como tratamento para depressão. No último atendimento na Clínica Porto Alegre em 11/07/11, relata ter voltado a beber. Conforme CNIS, o vínculo laboral com a empresa Condomínio Parque Residencial Teresópolis iniciado em 2008, extinguiu-se em 11/2012.
No ano de 2015, passou a realizar tratamento junto ao CAPs de Ijuí-RS e, de 23/09/15 a 09/10/15, esteve internado no Hospital Bom Pastor por etilismo crônico, associado à dependência de crack/cocaína (ev. 19).
Em sede apelação, foram juntados documentos que informam acolhimento em comunidade terapêutica em 23/04/19 no município de Caraá-RS (out2, ev. 142), bem como diversos receituários entre fev/17 e abril/2019, comprovando o uso contínuo de diversos fármacos (haloperidol, clorpromazina, biperideno, amitriptilina, diazepan, entre outros), bem como comprovante de nova internação no Hospital Bom Pastor em Ijuí entre 09/01/16 e 29/01/16 (ev. 144).
Além disso, o autor não conta com novos vínculos laborais após nov/12, o que denota a má adesão ao tratamento e a impossibilidade de reintegração social, em decorrência da dependência do álcool e outras drogas, associada a doenças psiquiátricas.
Assim, o conjunto probatório permite concluir pela incapacidade ininterrupta desde 2009, sendo devido o restabelecimento do auxílio-doença desde a cessação em 22/09/11, conforme requerido, descontando-se outros valores recebidos administrativamente no período.
- Termo final
A Lei 13.457, de 26-06-2017, alterando os termos do art. 60 da Lei 8.213/91, assim dispôs:
"Art. 60 (...)
§8º Sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício.
§9º Na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8o deste artigo, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62 desta Lei.
§10. O segurado em gozo de auxílio-doença, concedido judicial ou administrativamente, poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram sua concessão ou manutenção, observado o disposto no art. 101 desta Lei.
§11. O segurado que não concordar com o resultado da avaliação da qual dispõe o § 10 deste artigo poderá apresentar, no prazo máximo de trinta dias, recurso da decisão da administração perante o Conselho de Recursos do Seguro Social, cuja análise médica pericial, se necessária, será feita pelo assistente técnico médico da junta de recursos do seguro social, perito diverso daquele que indeferiu o benefício."
Segundo referidas alterações, portanto, a circunstância de ter sido judicializada a discussão quanto ao direito ao benefício por incapacidade, não exclui a possibilidade de o INSS realizar revisão periódica da condição laborativa do segurado.
O § 8º, acima transcrito, traz a regra geral, ao estabelecer que, sempre que possível, na decisão judicial que concede ou reativa auxílio-doença, haverá fixação do prazo para a duração do benefício.
Embora não tenha havido determinação legal de que o juiz estipulasse prazo em qualquer hipótese, o que se deve à circunstância de que haverá situações em que as características da incapacidade indicarão a sua definitividade, desde logo, ou não permitirão estimar minimamente o tempo necessário de reabilitação, impõe-se dar efetividade à norma, quando houver elementos que apontem para a temporariedade do estado patológico.
Assim entendo, porque me convenci, diante das razões que vêm sendo trazidas pelo INSS nos processos e diante da jurisprudência das demais Cortes e da TNU, que a alta programada, sempre que possível, deve ser adotada como procedimento, frente às dificuldades operacionais de se estabelecer meios diversos de controle de prazo e de prorrogação dos benefícios, a depender do entendimento de cada juízo.
Dessa forma, quando os documentos médicos existentes, ou mesmo eventual perícia médica já realizada, possa indicar algum prognóstico para a recuperação do beneficiário de auxílio-doença, o magistrado deve estabelecer uma data provável para o cancelamento do benefício, inclusive em sede de tutela de urgência, sem prejuízo da possibilidade de o segurado, nos termos da legislação vigente, diligenciar no sentido de requerer ao INSS, em tempo hábil, a prorrogação do auxílio-doença. De toda forma, em havendo cancelamento, após perícia administrativa, e estando o processo em andamento, nada obstará a que o segurado procure demonstrar ao juiz que sua incapacidade remanesce.
Tal solução não se aplica a casos em que o cancelamento do benefício for submetido a uma condição fixada judicialmente, como a reabilitação profissional ou a realização de procedimento cirúrgico.
No caso dos autos, considerando-se tratar-se de trabalhador urbano de 53 anos e não se descartando a possibilidade de compensação do quadro com o tratamento adequado, não se identifica, por ora, hipótese de incapacidade definitiva, razão por que o benefício de auxílio-doença deve ser concedido pelo prazo de doze meses, considerado o longo tempo sem estabilização do quadro clínico, cabendo à parte autora, se pretender a respectiva manutenção, requerer ao INSS a prorrogação, nos termos da legislação de regência.
Consectários e provimento finais
- Correção monetária
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91, na redação da Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei n.º 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei 11.960/2009, que introduziu o art. 1º-F na Lei 9.494/97, foi afastada pelo STF no julgamento do tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, com trânsito em julgado em 03/03/2020.
No julgamento do tema 905, através do REsp 1.495146, e interpretando o julgamento do STF, transitado em julgado em 11/02/2020, o STJ definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte, no recurso representativo da controvérsia e que, aos previdenciários, voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice, nos termos acima indicados.
A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Honorários Advocatícios
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência aquele regramento.
Considerando a natureza previdenciária da causa, bem como a existência de parcelas vencidas, e tendo presente que o valor da condenação não excederá de 200 salários mínimos, os honorários de sucumbência devem ser fixados originariamente em 10% sobre as parcelas vencidas, nos termos do artigo 85, §3º, inciso I, do CPC. Conforme a Súmula n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça, a verba honorária deve incidir sobre as prestações vencidas até a data da decisão de procedência (acórdão).
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (art. 5º, inciso I, da Lei Estadual/RS nº 14.634/2014, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais).
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Dados para cumprimento: ( ) Concessão (x ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | 541.610.572-7 |
Espécie | auxílio-doença |
DIB |
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DIP | No primeiro dia do mês da implantação do benefício |
DCB | Doze meses a contar da data da implantação do benefício" |
RMI | a apurar |
Observações |
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Requisite a Secretaria da 6ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, via CEAB.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002447848v22 e do código CRC 6ec87c6b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 7/5/2021, às 18:53:49
Conferência de autenticidade emitida em 15/05/2021 04:00:59.
Apelação Cível Nº 5000446-79.2015.4.04.7133/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: JOSUÉ DA COSTA CORREA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
AUXÍLIO-DOENÇA - INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. TERMO INICIAL NO CASO DE RESTABELECIMENTO E DESCONTO DE PERÍODOS EM QUE O SEGURADO RECEBEU O BENEFÍCIO
Comprovada a incapacidade temporária para o exercício das atividades laborativas habituais, é cabível o restabelecimento de auxílio-doença, devendo-se reconhecer efeitos financeiros retroativos à data da indevida cessação, sem prejuízo do desconto de parcelas eventualmente pagas em decorrência da implantação temporária do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, via CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de maio de 2021.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002447849v3 e do código CRC 824af77e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 7/5/2021, às 18:53:49
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 05/05/2021
Apelação Cível Nº 5000446-79.2015.4.04.7133/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI
APELANTE: JOSUÉ DA COSTA CORREA (AUTOR)
ADVOGADO: RINALDO CRISTIANO SALLA (OAB RS046908)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento da Sessão Telepresencial do dia 05/05/2021, na sequência 1230, disponibilizada no DE de 26/04/2021.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, VIA CEAB.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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