| D.E. Publicado em 01/06/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005020-37.2016.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
APELANTE | : | MARGARETE DE JESUS |
ADVOGADO | : | Dorival Sebastiao Ipe da Silva |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA.
1. Quando a perícia judicial não cumpre os pressupostos mínimos de idoneidade da prova técnica, ela é produzida, na verdade, de maneira a furtar do magistrado o poder de decisão.
2. Hipótese em que foi anulada a sentença para a realização de prova pericial por médico especialista em psiquiatria.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, anular, de ofício, o processo a partir da prova pericial, que deverá ser refeita por médico especialista em psiquiatria, prejudicadas as apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de maio de 2017.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8931796v8 e, se solicitado, do código CRC 90E0DA6D. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005020-37.2016.4.04.9999/RS
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RELATÓRIO
Cuida-se de apelações interpostas pelas partes em face da sentença, publicada em 30-10-2014 (fls. 84/6), que julgou improcedente o pedido de benefício por incapacidade.
Sustenta a parte autora, em síntese, que a ação que tramitou na Justiça Federal versava sobre eventual incapacidade laboral decorrente da neoplasia maligna da mama com lesão invasiva (Cid10 - C50.8). Ainda, roga pela concessão de benefício previdenciário em razão de Transtorno Depressivo Recorrente (Cid10 - F33) e a total procedência dos pedidos aduzidos na inicial (fls. 89/103).
Por seu turno, o INSS postula a majoração do valor da indenização pela litigância de má-fé e dos honorários de sucumbência, bem como a revogação do AJG concedido à parte autora.
Com as contrarrazões do autor (fls. 110/115), subiram os autos a esta Corte.
Vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Da Coisa Julgada
Como é sabido, a decisão judicial torna-se imutável após o seu trânsito em julgado, em observância ao princípio da segurança e estabilidade da ordem jurídica. Impede-se, assim, pela coisa julgada, que se multipliquem as ações versando sobre o mesmo fato e o risco de decisões divergentes.
De outra banda, para a admissão da existência de coisa julgada é necessário, nos termos do § 2º do artigo 301 do CPC/73, que entre uma e outra demanda seja respeitado o chamado Princípio da Tríplice Identidade, ou seja, que haja identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. A variação de quaisquer desses elementos identificadores afasta a ocorrência de coisa julgada.
Por outro lado, compactuo do entendimento de que, no âmbito do direito processual previdenciário, deva ser flexibilizada a compreensão do instituto da coisa julgada em prol dos direitos fundamentais indispensáveis à manutenção da dignidade humana, bem assim à vista da hipossuficiência da parte, situação que deve orientar o juiz na busca de soluções.
Analisando o caso em apreço, verifico que, na demanda anteriormente ajuizada pelo autor perante JF (processo n. 5005411-41.2012.404.7122/RS), a perícia judicial fls. 64/8, realizada em 22/10/2012 por médico especialista em Cancerologia, constatou que Margarete de Jesus, apresentando queixas de dores no ombro esquerdo e no joelho esquerdo, bem como de alteração na sensibilidade dos pés, possivelmente decorrente da quimioterapia, não se encontrava incapacitada para o trabalho. Em razão disso, a sentença, proferida em 17/06/2013, julgou improcedente a ação objetivando a concessão de auxílio-doença e/ou a conversão em aposentadoria por invalidez, tendo havido o trânsito em julgado em 04/08/2013.
Na presente demanda, ajuizada em 09/04/2013, a autora alega que sofre de Transtorno Depressivo Recorrente (CID10 F33.2), o que o levou a requerer novamente o benefício de auxílio-doença na esfera administrativa em 07/11/2012 (quase um ano após o pedido de reconsideração que embasou a primeira demanda). Em virtude disso, sustenta que não haveria coisa julgada em relação à demanda, pois verifica-se a diferente causa de pedir. Anexou aos autos atestado médico (fl. 8), com data de 19/03/2013, orientando o afastamento de atividades laborais por tempo indeterminado, em razão de apresentar sintomas graves em virtude de Transtorno Depressivo Recorrente CID F33.2. Além disso, observa-se que no laudo da ação pretérita há indícios da doença (fl. 67 - "Humor deprimido"), ainda, faz referência ao uso de medicamentos antidepressivos: "citalopram 20mg 1 comprimido por dia (antidepressivo)".
Assim, embora o presente feito tenha as mesmas partes e o mesmo pedido, apresenta diferente causa de pedir. Pois, o primeiro feito foi motivado pela neoplasia e o atual pelo transtorno depressivo recorrente, nos termos da argumentação da peça exordial e do atestado médico (fl. 8). Portanto, afastada a coisa julgada.
Premissas
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de AUXÍLIO-DOENÇA, previsto no art. 59 da Lei 8.213/91, ou APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, regulado pelo artigo 42 da Lei 8.213/91.
São quatro os requisitos para a concessão desses benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Cabe salientar que os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez são fungíveis, sendo facultado ao julgador (e, diga-se, à Administração), conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado ao outro. Dessa forma, o deferimento do amparo nesses moldes não configura julgamento ultra ou extra petita. Por outro lado, tratando-se de benefício por incapacidade, o Julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliado conforme as particularidades do caso concreto. Isso porque existem circunstâncias que influenciam na constatação do impedimento laboral (v.g.: faixa etária do requerente, grau de escolaridade, tipo de atividade e o próprio contexto sócio-econômico em que inserido o autor da ação).
Exame do caso concreto
No caso sub examine, a controvérsia recursal cinge-se à verificação da incapacidade da parte autora de cunho psiquiátrica.
Diante disso, a partir da perícia médica (fls. 47/9) realizada em 26-03-2014 por perito de confiança do juízo, Dra. Elizabeth Nielsen Palmeiro, CREMERS 11967, especialista em Cancerologia e perícias médicas, é possível obter os seguintes dados:
a- enfermidade (CID): neoplasia maligna de mama esquerda, estágio IIA (C50); dor torácica (R7.4); depressão (F33);
b- incapacidade: inexistente;
c- grau da incapacidade: prejudicado;
d- prognóstico da incapacidade: prejudicado;
e- início da doença/incapacidade: prejudicado;
f- idade na data do laudo: 46 anos;
g- profissão: caixa;
h- escolaridade:ensino fundamental completo;
Como se pode observar do exame dos autos, a controvérsia reside na apuração da alegada incapacidade de natureza psiquiátrica da parte autora (fl. 8, diagnóstico da fl. 48 e indício da fl. 67), haja vista que a análise da incapacidade de natureza oncológica foi objeto de ação pretérita (processo n. 5005411-41.2012.404.7122/RS). Entrementes, o perito judicial (Cancerologia) limitou-se a apresentar ao juízo um laudo absolutamente lacônico, eximindo-se de analisar a alegada subsistência da incapacidade laboral da segurada no que tange ao transtorno depressivo.
Destaca-se que o perito diagnosticou a depressão (CID10 F33), entretanto nessa seara não houve maiores fundamentações. Ao longo do laudo, referiu à moléstia psiquiátrica novamente quando inquirido indicando, sem maiores fundamentos, que o retorno ao labor pode ser um instrumento de auxílio ao tratamento.
De fato, inexiste liberdade absoluta na elaboração da prova pericial por parte do expert, que deve se empenhar em elucidar ao juízo e às partes todos os elementos necessários à verificação do real estado de saúde do segurado que objetiva a concessão de benefício por incapacidade. A propósito do tema, leciona o eminente Juiz Federal José Antonio Savaris (Curso sobre perícia judicial previdenciária. Curitiba: Alteridade Editora, 2014, p. 32-33):
Com efeito, o médico perito nomeado pelo Juízo, nada obstante - formalmente - atue como perito de confiança em processo judicial, tem o dever inderrogável de prestar todos os esclarecimentos de forma racional, de molde a permitir real debate sobre a prova que é crucial para os processos previdenciários por incapacidade.
O perito não é um senhor absoluto erigido acima de todos os postulados processo-constitucionais. Não pode ser tido tampouco como um ser mítico que acessa o impenetrável e revela a verdade oculta e que somente por ele pode ser obtida. A prova técnica, como qualquer outra etapa processual, não pode ser arbitrária e assim será toda vez que não se mostrar devidamente justificada ou, tanto quanto possível, fundamentada em dados técnicos objetivos ou que possam ser obtidos por sua experiência profissional (não se pretende excluir aqui, evidentemente, o elemento subjetivo do exame pericial).
Não se exigirá do perito, qualquer que seja sua especialidade, que realize diagnóstico para prescrição do tratamento, faça prognóstico da evolução clínica, oriente ou acompanhe o periciando (o que seria ideal numa perspectiva de atendimento não fracionado à pessoa), mas é atribuição do perito determinar, com a necessária fundamentação, a aptidão laboral para fins do benefício por incapacidade.
O laudo técnico pericial, reconhecidamente a mais relevante prova nas ações previdenciárias por incapacidade, deve conter, pelo menos: as queixas do periciando; a história ocupacional do trabalhador; a história clínica e exame clínico (registrando dados observados nos diversos aparelhos, órgãos e segmentos examinados, sinais, sintomas e resultados de testes realizados); os principais resultados e provas diagnósticas (registrar exames realizados com as respectivas datas e resultados); o provável diagnóstico (com referência à natureza e localização da lesão); o significado dos exames complementares em que apoiou suas convicções; as consequências do desempenho de atividade profissional à saúde do periciando.
Quando a perícia judicial não cumpre os pressupostos mínimos de idoneidade da prova técnica, ela é produzida, na verdade, de maneira a furtar do magistrado o poder de decisão, porque respostas periciais categóricas, porém sem qualquer fundamentação, revestem um elemento autoritário que contribui para o que se chama decisionismo processual. Em face da ausência de referências fáticas determinadas, a solução judicial se traduziria em uma subjetividade desvinculada aos fatos, resultando mais de valorações e suspeitas subjetivas do que de circunstâncias de fato (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002. p. 36).
Nessa direção, também se manifesta a jurisprudência deste Colegiado:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA PARA PRODUÇÃO DE NOVO LAUDO MÉDICO PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. Insuficiente a perícia médica, elemento essencial para a verificação da incapacidade da postulante ao benefício de prestação continuada, determinada a anulação da sentença, com a reabertura da instrução para que seja produzido novo laudo médico pericial, com levantamento detalhado da moléstia, a ser elaborado por médico especialista, bem como as demais provas que as partes entenderem pertinentes. (AC nº 0019515-91.2013.404.9999, 5ª TURMA, Rel. Des. Federal ROGERIO FAVRETO, unânime, D.E. 28-01-2014).
Por conseguinte, de ofício a sentença deve, excepcionalmente, ser anulada e reaberta a instrução com a realização de perícia judicial por médico psiquiatra, para avaliar, exaustivamente, a alegada incapacidade da parte autora.
Ante o exposto, voto por anular, de ofício, o processo a partir da prova pericial, que deverá ser refeita por médico especialista em psiquiatria, prejudicadas as apelações.
Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 23/05/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005020-37.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00051439020138210086
RELATOR | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr.Fábio Nesi Venzon |
APELANTE | : | MARGARETE DE JESUS |
ADVOGADO | : | Dorival Sebastiao Ipe da Silva |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 23/05/2017, na seqüência 56, disponibilizada no DE de 04/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU ANULAR, DE OFÍCIO, O PROCESSO A PARTIR DA PROVA PERICIAL, QUE DEVERÁ SER REFEITA POR MÉDICO ESPECIALISTA EM PSIQUIATRIA, PREJUDICADAS AS APELAÇÕES.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO | |
: | Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9005668v1 e, se solicitado, do código CRC D925851F. | |
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