Apelação Cível Nº 5006405-38.2017.4.04.7108/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: JOSE NARCISO AMARAL (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária na qual a parte autora pretende a obtenção do benefício previdenciário de auxílio-doença (NB 602.514.016-6) ou a aposentadoria por invalidez desde a DER (19/07/2013). Alega, em síntese, que se encontra acometida de enfermidade que a incapacita para o exercício de sua atividade laborativa habitual. Requer a condenação do réu ao pagamento dos valores devidos, acrescidos de correção monetária e juros moratórios, bem com a reparação pelos danos morais.
Sobreveio sentença, datada de 08/01/2018, que julgou improcedente o pedido, resolvendo o mérito da demanda, na forma do art. 487, I, do CPC/2015. A parte autora restou condenada ao pagamento das custas processuais, dos honorários periciais e dos honorários advocatícios sucumbenciais fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade resta suspensa diante da concessão da AJG. Não houve remessa necessária.
Em suas razões de recurso, o autor alega que, por ser portador de HIV, sofre grave preconceito, sendo praticamente impossível um portador desta doença se inserir no mercado de trabalho. Nessa linha de entendimento, argumenta que, "resta claro que a parte autora, que hoje tem 49 anos, estando já no final de suas forças, nunca mais terá capacidade de realizar qualquer atividade laborativa, ainda mais porque a doença que a parte autora tem a impede de conseguir emprego". Requer lhe seja concedido o auxilio doença ou a aposentadoria por invalidez.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
Dos Requisitos para a Concessão do Benefício por Incapacidade
Os requisitos para a concessão dos benefícios acima requeridos são os seguintes: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Em se tratando de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, o julgador firma a sua convicção, em regra, por meio da prova pericial, porquanto o profissional da medicina é que possui as melhores condições técnicas para avaliar a existência de incapacidade da parte requerente, classificando-a como parcial ou total e/ou permanente ou temporária.
Cabível ressaltar-se, ainda, que a natureza da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliada conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso porque não se pode olvidar que fatores relevantes - como a faixa etária da postulante, seu grau de escolaridade, dentre outros - sejam essenciais para a constatação do impedimento laboral.
Do Caso Concreto
Nos laudos periciais (eventos 34 e 44), datado, os experts consignaram que se está diante de portador assintomático.
Por oportuno, transcrevo o laudo pericial de 02 de junho de 2017(evento 34):
1. Identificação do paciente (nome, sexo, estado civil, profissão e endereço):
José Narciso Amaral, sexo masculino, data de nascimento 22/09/1967, idade 49 anos,estado civil solteiro, RG/RS nº 4044650952, CPF: 482.103.660-68.
Profissão declarada: Industriário.
Endereço: Rua Ângelo Provenzano, nº 146, bairro Canudos, Novo Hamburgo/RS. [...]
3) Histórico da(s) doença(s):
O Autor apresenta infecção pelo vírus HIV pelo menos desde dezembro de 2007.
Não preenche os critérios do ministério da saúde para ser considerado como apresentando a moléstia SIDA (AIDS).
Faz uso de terapêutica antirretroviral adequadamente, apresentando recuperação de suas células de defesa CD4 e diminuição da contagem de vírus HIV para níveis indetectáveis, mostrando a eficácia de seu tratamento farmacológico.
O Autor faz uso da medicação antirretroviral: tenofovir + lamivudina + efavirenz um comprimido por dia.
Não faz uso contínuo de outras medicações.
Não faz uso de medicação profilática para infecções oportunistas por não apresentar necessidade para tal uso, uma vez que suas células de defesa se encontram em níveis que lhe conferem proteção adequada.
Não apresenta outras comorbidades infecciosas.
Não tem história de internação hospitalar atribuída à sua doença infecciosa causada pelo HIV. [...]
A doença do Autor não se caracteriza como doença profissional ou causada por acidente de qualquer natureza. A moléstia infecciosa do Autor é CID Z21 - Estado de infecção assintomática pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV).
V – OBSERVAÇÕES DO PERITO:O Autor referiu bursite em ombro direito.
SOBRE AIDS:
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA ou AIDS) é uma doença caracterizada por um conjunto de sinais (aquilo que se pode ver) e sintomas aquilo que se sente) relacionado ao sistema imunológico (aquilo que nos protege de agentes infecciosos e de tumores) adquirido (não se nasceu com a gente). É causada por um vírus conhecido como HIV (sigla em inglês para a Imunodeficiência Humana).
Este vírus atua em vários locais do organismo sendo as células de defesa (leucócitos) as mais atingidas. Devido a esta ação ocorre uma diminuição gradual e contínua destas células e consequentemente das defesas. É esta situação que permite o surgimento das chamadas doenças oportunistas, e de alguns tipos específicos de tumores. As doenças e os tumores surgem em razão direta da diminuição das células de defesa, em especial de uma célula chamada de CD4 que é a responsável pelo inicio da resposta imune e pela mobilização do restante do sistema imune, ou seja, quanto menos células deste tipo houver no organismo mais sujeito a doenças e tumores ele estará.
Até o momento não é considerada uma doença curável, apenas uma doença tratável. No Brasil encontramos o tratamento com os fármacos denominados de antirretrovirais gratuitamente oferecidos pelo SUS. [...]
CONCLUSÃO COMENTÁRIOS
INFECÇÃO CRÔNICA ASSINTOMÁTICA
CAPAZ
Indeferimento.
Evidência laboratorial de infecção pregressa pelo HIV, sem sinais ou sintomas relacionados com a doença. [...]
Traz-se excerto do laudo pericial complementar, de 28 de junho de 2017 (evento 44):
Evento 39 – QUESITOS: (...)
b) Que o nobre expert responda o seguinte quesito complementar:
b.1) É possível a reinserção do autor no mercado de trabalho possuindo HIV, tendo baixa escolaridade? Conforme diversos estudos, a inserção no mercado de trabalho das pessoas que possuem HIV é um desafio mundial, no Brasil é difícil a inserção no mercado de trabalho de pessoas com HIV?
O Autor apresenta infecção pelo vírus HIV pelo menos desde dezembro de 2007. Não preenche os critérios do ministério da saúde para ser considerado como apresentando a moléstia SIDA (AIDS).
Constam no CNIS (evento 10, PROCADM1) vários vínculos empregatícios ocorridos após dezembro de 2007, o que demonstra a capacidade do Autor de se empregar de forma adequada.
O exame compulsório para o HIV é proibido por lei. Se o empregador exigir exame anti-HIV, deve ser feita uma denúncia na Delegacia Regional do Trabalho da região. Se algum exame anti-HIV for realizado sem o consentimento do empregado e ele descobrir, poderá recorrer à Justiça e pedir uma indenização por danos morais.
Existem leis estaduais, em especial nos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo, que proíbem a discriminação para o ingresso no serviço público de portadores do HIV. Aconselha-se a jamais tornar pública a situação sorológica para o HIV. Essa informação é indiferente e sem importância em qualquer relação de trabalho porque, através das relações sociais ou de trabalho, não há qualquer possibilidade de haver contaminação pelo HIV.
Nenhum trabalhador pode ser demitido por causa da infecção pelo HIV. A demissão injusta ou arbitrária está prevista na Constituição Federal, em seu art. 7º. Podemos levar em conta também os artigos 3°, inciso IV e 5°, ambos da Constituição Federal. Os juízes repudiam qualquer demissão por preconceito e discriminação. Além disso, não existem leis nem regulamentos que obriguem uma pessoa a notificar ou a informar no ambiente de trabalho que é soropositiva. Aconselha-se inclusive, que essa pessoa nunca torne isso público. Observa-se que estamos tendo menos casos de discriminação deste tipo, inclusive algumas empresas multinacionais já possuem uma política interna de AIDS para atender a empregados infectados pelo HIV.
Mas, infelizmente, algumas pessoas ainda enfrentam problemas. Diante disso, o primeiro passo é não revelar a soropositividade. Aconselha-se ao empregado ficar atento no trabalho, pois caso ocorra alguma discriminação é fundamental que se tenha provas (testemunhas, documentos, indícios, etc.) de que ocorreu discriminação ou dispensa do serviço por causa do conhecimento da sorologia positiva para o HIV. Isso será fundamental caso alguém seja dispensado por causa do HIV e procure a justiça para reivindicar os seus direitos. O Judiciário Trabalhista pode vir a condenar o órgão empregador a pagar uma indenização pecuniária (com dinheiro) por dano moral e, se for do interesse do trabalhador, ele poderá pedir a recondução ao emprego, com o pagamento de todas as verbas que foram devidas durante o período em que ficou afastado do trabalho. Para dispensar essa pessoa reintegrada ao trabalho, o patrão que sofreu a condenação judicial terá, a partir de então, que “motivar o ato” (dispensar o empregado apenas se ele cometer algum ato que se enquadre numa demissão por justa causa prevista na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT). [...]
Eduardo M. Lütz Perito Médico Infectologista [...]
No que tange à moléstia, o entendimento atual deste Tribunal é de que o portador do vírus HIV sem sintomatologia da doença não deve ser automaticamente considerado incapaz para o trabalho.
Cito as razões defendidas pelo Desembargador Federal Roger Raupp Rios, em sessão de julgamento realizada em 14/03/2017, no sentido de que há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem o exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação continuada, se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de oportunidades.
A mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício.
A conclusão que se extrai deste julgamento é a de que, estando a doença assintomática, a mera possibilidade de haver estigmatização no seio social não justifica a concessão de benefício por incapacidade, fazendo-se necessária a demonstração em concreto da ocorrência do processo discriminatório.
Em consulta ao CNIS (evento 10 - PROCADM1), observo que a demandante esteve em auxílio-doença de 03/2007 a 02/2009, em auxílio-doença de 08/2007 a 01/2008, e em gozo de auxílio-doença acidentário de 02/2008 a 01/2009, encontrando-se empregado de 03/2010 a 02/2017, não havendo nos autos indícios de que o autor esteja sofrendo discriminação. Esses diversos vínculos previdenciários após 2007, quando passou a ser portador de HIV (v. CNIS)., reforçam a conclusão pela capacidade.
No caso em tela, o perito afirmou que não há incapacidade como também não havia incapacidade entre a cessação do benefício administrativo e a realização da perícia judicial.
Consigno que não há qualquer documento nos autos a evidenciar que não possa exercer atividade laboral ou que esteja sofrendo discriminação.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PORTADOR DE HIV. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE NÃO VERIFICADA. 1. Considerando que o perito é profissional de confiança do juízo, que o escolheu e o considerou apto, não há óbice à realização do procedimento pericial por médico não especialista na patologia apontada. 2. A mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício. 3. O laudo médico judicial aponta que a autora não apresenta, na ocasião da perícia, manifestações dos sintomas da doença que a torne incapaz para o trabalho. De outra parte, não há qualquer documento nos autos a evidenciar que não possa exercer sua ocupação habitual, ou que esteja sofrendo discriminação. 4. Sentença de improcedência mantida. (TRF4, AC 5049220-44.2016.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 01/03/2018)
Assim, concluo que deve ser mantida a sentença que julgou improcedente a ação.
Dos Honorários Advocatícios
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no art. 85, § 11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.
Assim, majoro a verba honorária para 15% sobre o valor da causa atualizado.
Ressalto que a exigibilidade da obrigação sucumbencial resta suspensa diante da concessão da gratuidade de justiça.
Conclusão
Deve ser negado provimento ao apelo. Majorada a verba honorária. Suspensa a exigibilidade.
Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000580006v24 e do código CRC a6cd256d.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5006405-38.2017.4.04.7108/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: JOSE NARCISO AMARAL (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO DOENÇA. PORTADOR DE HIV. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE NÃO VERIFICADA.
1. A mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício.
2. Hipótese em que o laudo médico judicial aponta que não há incapacidade.
3. Sentença de improcedência mantida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de agosto de 2018.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000580007v4 e do código CRC 395383cd.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/08/2018
Apelação Cível Nº 5006405-38.2017.4.04.7108/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: JOSE NARCISO AMARAL (AUTOR)
ADVOGADO: VAGNER STOFFELS CLAUDINO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/08/2018, na seqüência 549, disponibilizada no DE de 13/08/2018.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª Turma , por unanimidade, decidiu negar provimento ao apelo.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
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