Apelação Cível Nº 5003807-03.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
APELANTE: IVONETE SILVEIRA GARCIA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Ivonete Silveira Garcia em face da sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício por incapacidade.
A apelante sustenta, em síntese, preencher os requisitos para a concessão do benefício, pois os documentos constantes nos autos demonstram a qualidade de segurada especial. Requer a procedência do pedido.
Com contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
Premissas
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de AUXÍLIO-DOENÇA, previsto no art. 42, da Lei 8.213/91, ou APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, regulado pelo artigo 59, da Lei 8.213/91.
São quatro os requisitos para a concessão desses benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Cabe salientar que os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez são fungíveis, sendo facultado ao julgador (e, diga-se, à Administração), conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado ao outro. Dessa forma, o deferimento do amparo nesses moldes não configura julgamento ultra ou extra petita. Por outro lado, tratando-se de benefício por incapacidade, o Julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso porque não se pode olvidar que existem fatores que influenciam na constatação do impedimento laboral (v.g. faixa etária do requerente, grau de escolaridade).
Caso concreto
A controvérsia dos autos diz respeito à qualidade de segurada especial da parte autora.
Em se tratando de segurado especial (trabalhador rural), a concessão de aposentadoria por invalidez, de auxílio-doença ou de auxílio-acidente independe de carência, mas pressupõe a demonstração do exercício de atividade rural no período de 12 meses anteriores ao requerimento administrativo, ainda que de forma descontínua.
Nestes casos, o tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, em princípio, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149 do STJ. Cabe salientar que embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.
Para a comprovação da qualidade de segurada especial rural a autora trouxe aos autos: certidão de nascimento do filho em 1995, na qual é qualificada como agricultora (evento 2, OUT5); cópia da ação de inventário de 2013, com a descrição da propriedade rural e cópia da matrícula do imóvel (evento 2, OUT72); duas declarações registradas em cartório que demonstram o histórico de labor rural da autora e seu marido . Além disso, em consulta ao CNIS a autora recebeu diversos benefícios na qualidade de segurada rural, inclusive está recebendo pensão por morte rural, o que coaduna com os demais elementos probatórios.
Os documentos apresentados constituem início de prova material, a qual, conforme entendimento consolidado pela jurisprudência deste Tribunal, deve ser complementado por prova testemunhal idônea, considerada essencial à análise do alegado trabalho rural (TRF4, AC 0017173-44.2012.404.9999, Quinta Turma, Relator Luiz Antonio Bonat, D.E. 24/08/2015; TRF4, AC 0008676-07.2013.404.9999, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 29/01/2015).
Na audiência realizada em 08/11/2018 (evento 2, AUDIÊNCI53) foram ouvidas as testemunhas Aldemiro Almindo Azeredo e Ivo Wirth.
A testemunha Ivo disse que: a autora é agricultora e desenvolve a atividade campesina desde 1983 na propriedade de Arnoldo Keller, seu falecido marido; após a morte do esposo, a parte continuou o trabalho na agricultura, cultivando milho e feijão; além da atividade do campo a autora não possui outra fonte de renda.
A testemunha Aldemiro disse que: a parte autora é agricultora e trabalha na propriedade de seu falecido marido Arnoldo Keller, onde ela e o seu filho residem; a autora planta milho e feijão, não possui outra fonte de renda e nunca morou na cidade; atualmente a parte continua cuidando da propriedade rural.
Os testemunhos são convincentes e idôneos, corroborando com o início de prova material sobre a atividade rural da autora em regime de economia familiar.
No que diz respeito a incapacidade da parte autora foi realizada perícia judicial, em 22/11/2017, pela Dra. Tadiane Luiza Ficagna, especialista em psiquiatria (evento 2, LAUDOPERIC31), apurou que a autora, agricultora, nascida em 12/03/1964 (atualmente com 55 anos), apresenta Transtorno Depressivo Recorrente (CID10 F33). Esclareceu que "a paciente não vem tendo uma boa adesão ao tratamento psiquiátrico medicamentoso, o que favoreceu um insucesso terapêutico".
Em laudo pericial complementar, a expert disse que "não tem como afirmar data de início de seu diagnóstico psiquiátrico, uma vez que antes de buscar ajuda especializada no ano de 2016, a mesma já realizava tratamento para sintomas depressivos e somáticos (dores difusas) com médico especialista, há longa data". Concluiu que a parte possui "uma doença psiquiátrica de longa data, sem incapacidade permanente, com má adesão ao tratamento".
Portanto, forçoso reconhecer que a confirmação da existência de moléstia incapacitante, associada às suas condições pessoais demonstra a efetiva incapacidade para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de auxílio-doença.
Desse modo, impõe-se a reforma da sentença, para conceder o benefício de auxílio-doença desde a data do requerimento administrativo em 28/07/2016.
Correção Monetária e Juros
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório.
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101, 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa, a despeito da decisão proferida pelo Egrégio STJ no Tema 905, é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009.
Honorários advocatícios
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios no montante de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas do Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96). Na Justiça Estadual de Santa Catarina, a questão está regulada pelo artigo 33 da Lei Complementar nº 156/1997, cuja redação foi alterada pela Lei Complementar nº 729, de 17/12/2018, que passou a ter a seguinte redação:
Art. 33 São isentos de custas judiciais pelos atos praticados por servidor remunerado pelos cofres públicos, e de emolumentos pela prática de atos notariais e de registro público em que o Estado de Santa Catarina, os seus municípios e as respectivas autarquias forem interessados e tenham que arcar com tal encargo.
§ 1º São devidos pela metade as custas e os emolumentos quando o interessado for autarquia de outro Estado da Federação e de seus Municípios, e isento quando o interessado for autarquia federal. (Redação dada pela Lei Complementar nº 729/2018)
Assim, o INSS está isento do pagamento das custas e emolumentos na Justiça Estadual de Santa Catarina, nos termos do §1º do art. 33 da LCE 156/97, com redação dada pela LCE 729/2018.
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 15 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por JORGE ANTONIO MAURIQUE, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001347512v31 e do código CRC 80e1705a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JORGE ANTONIO MAURIQUE
Data e Hora: 6/11/2019, às 18:34:26
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:38:12.
Apelação Cível Nº 5003807-03.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
APELANTE: IVONETE SILVEIRA GARCIA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. COMPROVAÇÃO.
1. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade.
2. Hipótese em que restou comprovada a qualidade de segurada especial da requerente e a existência de incapacidade laboral.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 06 de novembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por JORGE ANTONIO MAURIQUE, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001347513v4 e do código CRC 9e6fa901.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JORGE ANTONIO MAURIQUE
Data e Hora: 6/11/2019, às 18:34:26
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:38:12.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 06/11/2019
Apelação Cível Nº 5003807-03.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: IVONETE SILVEIRA GARCIA
ADVOGADO: Fabrício Luís Mohr (OAB SC029306)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 06/11/2019, às 14:00, na sequência 239, disponibilizada no DE de 18/10/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:38:12.