Apelação Cível Nº 5003252-83.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ANDREIA DE JESUS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença (e.2.69), publicada em 07/11/2018, que julgou improcedente o pedido deduzido na inicial, ao argumento de que a autora possui doença preexistente à condição de segurada, visto que o início de sua doença se deu em 06/2016 e somente passou a contribuir no ano de 2017.
Em suas razões sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários à concessão do benefício (e.2.77 ).
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
No caso sub examine, a controvérsia recursal cinge-se à verificação da preexistência da doença da autora no momento da sua refiliação ao RGPS e ao cumprimento do período de carência exigido para concessão do benefício.
O magistrado a quo julgou improcedente a concessão do benefício à parte autora baseado na seguinte fundamentação:
"Logo, considerando que a parte autora padece de neoplasia maligna de mama (CID 10 C50), mesmo levando-se em consideração que ela reingressou no Regime Geral de Previdência Social em 01/06/2017 (fl. 100), isto é, cerca de três meses antes do surgimento da incapacidade laboral (DIB 15/09/2017 – fls. 135-140), tal fato não seria suficiente, por si só, para obstar a concessão do benefício por incapacidade aqui almejado.
Ocorre que o artigo 26 da Lei de Benefícios acima transcrito é categórico ao preconizar que a dispensa do cumprimento do período de carência se dará apenas nas hipóteses em que o segurado for acometido da moléstia "após filiar-se ao RGPS". Dessa forma, para fazer jus à referida dispensa, é necessário que a doença não seja preexistente.
E digo isso porque, conforme informações prestadas pela própria parte autora à autarquia previdenciária requerida (fl. 102), já por volta do mês de junho do ano de 2016 ela apesentava sinais da doença incapacitante (apalpou nódulo em mama esquerda).
Além disso, o próprio perito judicial indicou como data de início da doença (DID) o mês de junho de 2016 (fl. 135), confirmando, pois, as informações contidas à fl. 102.
Dessa feita, verifico que existem provas concretas de que, quando da refiliação da parte autora ao RGPS, em junho de 2017, ela já se encontrava acometida da doença que resultou na incapacidade laboral constatada em setembro de 2017. Logo, não há que se falar em aplicação, na hipótese em tela, do disposto no artigo 26, inciso II, da Lei n. 8.213/91, de modo que, para fazer jus ao benefício de auxílio-doença, a parte autora deve comprovar o recolhimento de doze contribuições anteriores ao surgimento da incapacidade.
E, considerando que a parte autora comprovou ter recolhido, ao longo de toda a sua vida profissional, apenas seis contribuições previdenciárias (fls. 99-103), resta claro que ela não preenche a carência necessária para receber o auxílio-doença pleiteado. Aliás, em caso recente, assim decidiu o TRF da 4ª Região, in verbis:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. NEOPLASIA MALIGNA. DOENÇA PREEXISTENTE À REFILIAÇÃO. BENEFÍCIO INDEVIDO POR FALTA DE CARÊNCIA. 1. São quatro são os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter definitivo/temporário da incapacidade. 2. A partir da nova filiação ao sistema previdenciário (na hipótese, em 10/2010), a carência exigida para a concessão dos benefícios de auxíliodoença e de aposentadoria por invalidez será de quatro contribuições previdenciárias. 3. O benefício de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez é indevido quando evidenciado que a doença, integrante da lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, for anterior à filiação/refiliação ao RGPS (art. 1º e 2º da Portaria Interministerial MPAS/MS nº 2.998/2001) e o segurado não contar com a carência mínima exigida. (TRF4 5002460-56.2016.4.04.7115, QUINTA TURMA, Relator FÁBIO VITÓRIO MATTIELLO, juntado aos autos em 29/10/2018).
Portanto, considerando que não restou demonstrado o preenchimento concomitante de todos os requisitos legais necessários para a concessão do benefício por incapacidade aqui almejado, mais especificamente o cumprimento do período de carência, entendo que a pretensão formulada pela parte autora deve ser julgada improcedente".
Não merece trânsito a alegação de incapacidade preexistente ao reingresso no sistema previdenciário, impedindo a concessão do benefício. Vale aqui destacar que doenças preexistentes não são óbices à concessão de benefícios por incapacidade caso a incapacidade laboral derive de progressão ou agravamento da doença, nos termos do art. 42, § 2º, da LBPS/91:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
[...]
§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.
Ademais, a jurisprudência deste Colegiado é firme no sentido de que, "constatada a presença de sintomas incapacitantes em razão de agravamento da moléstia, não há falar em incapacidade preexistente ao ingresso no RGPS". (TRF4, AC 5000890-50.2016.4.04.7207, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 21/09/2017). Portanto, o que se verifica é que durante algum tempo a parte autora conseguiu exercer suas atividades profissionais. Contudo, em decorrência do agravamento da moléstia que a acomete, não pode mais realizar seu trabalho.
No caso sub examine, apesar de a parte autora ter apalpado nódulos na sua mama esquerda em 06/2016 não se pode afirmar com clara convicção em que momento exato a mesma contraiu a doença. Além disto, é importante observar que a doença só foi diagnosticada após a realização de uma biópsia em 15/09/2017, sendo que posteriomente, em 26/10/2017, a autora passou por intervenção cirúrgica para a retirada dos nódulos (e.2.22), ficando então claramente definido um agravamento do seu quadro clínico.
Observa-se que o laudo pericial (e.2.44) fixou o início da incapacidade em 15/09/2017 e determinou a incapacidade temporária da autora durante o período de tratamento quimioterápico.
Neste aspecto é importante ressaltar que o dado mais relevante para a aferição do direito ao benefício não é a data em que surgiu a doença ou lesão, mas sim a data em que se iniciou a incapacidade para o trabalho.
Assim, na data da DER (26/10/2017) a autora apresentou um atestado médico, comprovando a sua permanência em tratamento oncológico (e.2.7).
Logo, inexiste qualquer dúvida de que efetivamente houve deterioração do quadro clínico da autora, devendo ser afastada a alegação de preexistência, pois é notório que a neoplasia maligna, é uma doença com evolução muito rápida e caso não seja diagnosticada no inicio é de difícil recuperação.
Por fim, descabe questionar a falta do cumprimento de carência exigido para concessão do benefício, pois a parte autora está amparada pelo artigo 26 da Lei de Benefícios que preconiza a dispensa do cumprimento do período de carência nos casos de neoplasia maligna.
Como é sabido, o diagnóstico de neoplasia maligna, na quase grande maioria dos casos, acarreta consequências e sequelas na vida pessoal e profissional das pacientes, tanto nos aspectos físicos quanto na capacidade laboral, devido à dor e às limitações resultantes do procedimento terapêutico necessário em casos como este.
Não se pode olvidar que o trabalho habitual da autora era o de empregada doméstica, que, como bem se sabe, exige uma quantidade elevada de esforço físico, o que o torna inviável para alguém acometido por neoplasia maligna de mama efetivamente pudesse estar novamente apto ao labor.
Portanto, ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela incapacidade temporária da parte autora, a confirmação da existência das moléstias incapacitantes referidas na exordial, corroborada pelo quadro clínico supra, associada às suas condições pessoais - habilitação profissional (empregada doméstica), baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto) e idade atual (35 anos de idade) e, ainda, à circunstância de já estar afastada do trabalho, demonstra a efetiva incapacidade para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de auxílio por incapacidade temporária desde a DER (26/10/2017).
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Conclusão
Reforma-se a sentença para reconhecer o direito da autora à concessão de AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA partir da DER (26/10/2017).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo da autora e determinar a imediata implantação do benefício
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Apelação Cível Nº 5003252-83.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ANDREIA DE JESUS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. DOENÇA PREEXISTENTE. INOCORRÊNCIA. AGRAVAMENTO.
1. A jurisprudência deste Colegiado é firme no sentido de que, "constatada a presença de sintomas incapacitantes em razão de agravamento da moléstia, não há falar em incapacidade preexistente ao ingresso no RGPS".
2. Hipótese em que restou comprovada a incapacidade laborativa, sendo devida a concessão do AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA desde à DER.
3. Recurso parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo da autora e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de novembro de 2020.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/11/2020 A 17/11/2020
Apelação Cível Nº 5003252-83.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ANDREIA DE JESUS
ADVOGADO: PEDRO ADRIANO DAMANN (OAB SC034075)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/11/2020, às 00:00, a 17/11/2020, às 16:00, na sequência 373, disponibilizada no DE de 28/10/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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