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Apelação Cível Nº 5007841-16.2022.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEREZINHA ALVES
RELATÓRIO
Kassio Wandrei Alves dos Santos, Lian Ariel Alves dos Santos, Kimberly Kelly Alves dos Santos e Lediane Milena Alves dos Santos, representados por sua mãe, Terezinha Alves, ajuizaram ação de procedimento comum em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, objetivando a concessão de auxílio-reclusão, em virtude da prisão de seu pai, Jorge Valdir Alves dos Santos.
Sentenciando, na vigência do CPC/2015, o juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o INSS à concessão de auxílio-reclusão, a contar da data da prisão. Condenou também o Instituto ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas, nos termos da Súmula 111 do STJ.
Inconformado, o INSS interpôs recurso de apelação, sustentando que não restou devidamente comprovada a qualidade de segurado especial de Jorge Valdir Alves dos Santos.
Oportunizadas contrarrazões, vieram os autos a esta Corte, onde o Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
AUXÍLIO-RECLUSÃO
A concessão de auxílio-reclusão, benefício previsto no artigo 80 da Lei nº 8.213/91, rege-se pela legislação vigente à época do encarceramento e depende do preenchimento dos seguintes requisitos: (a) efetivo recolhimento à prisão; (b) demonstração da qualidade de segurado do preso; (c) condição de dependente de quem objetiva o benefício; (d) renda bruta mensal do segurado igual ou inferior ao limite legal e, a partir da edição da Medida Provisória nº 871/19, (e) cumprimento da carência de 24 contribuições mensais.
Este é o teor do artigo 80 da Lei de Benefícios, na atual redação conferida pela Lei nº 13.846/19:
Art. 80. O auxílio-reclusão, cumprida a carência prevista no inciso IV do caput do art. 25 desta Lei, será devido, nas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado de baixa renda recolhido à prisão em regime fechado que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de pensão por morte, de salário-maternidade, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
(...)
§ 3º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se segurado de baixa renda aquele que, no mês de competência de recolhimento à prisão, tenha renda, apurada nos termos do disposto no § 4º deste artigo, de valor igual ou inferior àquela prevista no art. 13 da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, corrigido pelos índices de reajuste aplicados aos benefícios do RGPS.
§ 4º A aferição da renda mensal bruta para enquadramento do segurado como de baixa renda ocorrerá pela média dos salários de contribuição apurados no período de 12 (doze) meses anteriores ao mês do recolhimento à prisão.
(...)
Por sua vez, o artigo 13 da EC nº 20/98 estabelece o seguinte:
Art. 13 - Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.
O limite de renda acima referido vem sendo reajustado anualmente por Portarias do Ministério da Economia/Fazenda.
CASO CONCRETO
Incontroverso o preenchimento dos demais requisitos, cinge-se a discussão à qualidade de segurado especial do pai dos autores, Jorge Valdir Alves dos Santos, recolhido à prisão em 28/09/2013 (Evento 16, OUT2, p. 4).
O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser analisado, complementada por prova testemunhal consistente e idônea.
Por outro lado, nas demandas em que se discute a condição de boia-fria, tendo em vista a dificuldade de se apresentar um início de prova material, esta Corte, mitigando o rigorismo da Súmula nº 149 do STJ, vem manifestando posicionamento mais flexível quando aquela não se mostrar completa.
No caso, porém, não há um documento sequer indicando o efetivo desempenho da atividade rural pelo instituidor do benefício no período que antecedeu sua prisão.
O documento mais recente em que consta a qualificação de agricultor é a certidão de nascimento da filha Kimberly, ocorrido em 10/06/2005 (Evento 1, OUT7, p. 2). Já na certidão de nascimento do filho Lian Ariel, ocorrido posteriormente, em 17/04/2008, consta a qualificação de “serviços gerais” (Evento 1, OUT7).
A declaração firmada por Edmilson de Oliveira (Evento 1, OUT8) não se presta como início de prova material. Trata-se, em verdade, de depoimento reduzido a termo, produzido de forma unilateral, sem a garantia do contraditório.
Nesse passo, ante a ausência de início de prova material e a impossibilidade de se admitir a prova exclusivamente testemunhal, é forçoso reconhecer que não restou demonstrada a qualidade de segurado especial de Jorge Valdir Alves dos Santos à época do encarceramento.
Estaria assim, em tese, configurada a improcedência da demanda.
Contudo, não é possível desconsiderar a dificuldade encontrada, notadamente pelos trabalhadores rurais, para a comprovação do tempo de serviço prestado nas lides campesinas, uma vez que o trabalho, na maioria das vezes, é exercido informalmente.
Em razão dessa dificuldade de obter registros documentais acerca das atividades exercidas pelo trabalhador rural, evidenciada através dos inúmeros feitos que demandam a análise de tempo rural, possível, excepcionalmente, ser julgado extinto o processo sem resolução de mérito.
Isso porque não se mostra adequado inviabilizar à demandante o direito de perceber a devida proteção social, em razão da improcedência do pedido e consequente formação plena da coisa julgada material, quando a segurada, na verdade, poderia fazer jus à prestação previdenciária que lhe foi negada judicialmente.
Cumpre ressaltar que esse entendimento foi acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.352.721/SP, em sede de recurso representativo de controvérsia (Tema 629/STJ), cuja ementa apresenta o seguinte teor:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido.
(REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016) grifei
Em suma, o STJ firmou o entendimento de que na hipótese de ajuizamento de ação com pedido de concessão de aposentadoria rural por idade, a ausência/insuficiência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção sem resolução de mérito. Assegura-se, com isso, caso o segurado especial venha a obter outros documentos que possam ser considerados prova material do trabalho rural, a oportunidade de ajuizamento de nova ação sem o risco de ser extinta em razão da coisa julgada.
A hipótese em exame se amolda à orientação traçada no julgamento do Recurso Especial acima citado, pois ausente início de prova material do labor rural, o que autoriza a extinção do feito sem o julgamento do mérito, possibilitando que a parte autora postule em outro momento, caso obtenha prova material hábil à comprovação da alegada atividade rurícola.
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
Em razão da extinção do feito sem resolução do mérito, deve a parte autora arcar com o pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, cuja exigibilidade fica suspensa em face da gratuidade da justiça.
PREQUESTIONAMENTO
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
CONCLUSÃO
Apelação do INSS parcialmente provida para extinguir o processo sem julgamento do mérito.
Invertidos os ônus sucumbenciais.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5007841-16.2022.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEREZINHA ALVES
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. REQUISITOS. LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DO ENCARCERAMENTO. QUALIDADE DE SEGURADO. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. A concessão de auxílio-reclusão rege-se pela legislação vigente à época do encarceramento, a qual, no caso, previa que o benefício era devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão que não recebesse remuneração da empresa, nem estivesse em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou de abono de permanência em serviço, e tivesse renda bruta mensal igual ou inferior ao limite legal estipulado.
2. O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser analisado, complementada por prova testemunhal consistente e idônea.
3. Para fins de comprovação do labor rural, a ausência de prova material não é causa de improcedência do pedido, mas sim de extinção do feito sem resolução de mérito. Precedente do STJ.
4. Extinto o feito sem resolução do mérito, deve a parte autora arcar com o pagamento dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, cuja exigibilidade fica suspensa em face da gratuidade da justiça.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 23 de agosto de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/08/2022 A 23/08/2022
Apelação Cível Nº 5007841-16.2022.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEREZINHA ALVES
ADVOGADO: ELISÂNGELA ALONÇO DOS REIS (OAB PR030958)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/08/2022, às 00:00, a 23/08/2022, às 16:00, na sequência 276, disponibilizada no DE de 04/08/2022.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
SUZANA ROESSING
Secretária
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