Apelação Cível Nº 5003318-30.2019.4.04.7003/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: NELIA DA SILVA OLIVEIRA (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a concessão de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de tempo de serviço especial como cirurgiã-dentista.
Processado o feito, sobreveio sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Ante o exposto, quanto ao pedido de averbação do tempo comum de 14/05/1990 a 11/04/2014, julgo extinto o processo sem resolução de mérito por ausência de interesse processual, nos termos do art. 485, VI, do NCPC.
Quanto ao pedido de averbação de atividades supostamente exercidas em condições especiais no(s) período(s) de 11/01/1991 a 11/04/2014, julgo extinto o processo sem resolução de mérito em razão da ilegitimidade do INSS e da incompetência desse juízo, com fulcro no art. 485, VI, do NCPC.
Quanto aos demais pedidos, julgo-os parcialmente procedente(s) e condeno o INSS a averbar o(s) período(s) de 19/04/1988 a 15/07/1994, 13/02/1989 a 31/12/1989 e 14/05/1990 a 10/01/1991, como laborado(s) em condições especiais com direito à conversão (multiplicador 1,2 caso opte por averbação e aposentadoria por tempo de contribuição), devendo essa declaração surtir efeitos na contagem total do tempo de serviço prestado.
Havendo sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento de honorários ao advogado ex adverso, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa (atualizado pelo IPCA-e, considerando o disposto no art. 85, § 3º, I, e § 4º, III, do NCPC), tendo como favorecido o INSS, e 10% sobre o valor da condenação (parcelas vencidas até a data da prolação desta sentença, acrescido dos juros acima especificados [Súmula 76 do TRF 4ª Região]), tendo como favorecido a parte autora.
Sem custas ao INSS, uma vez que o réu é isento. Condeno a parte autora ao pagamento de 50% do valor das custas (art. 86, caput, da NCPC). *A condenação da parte autora ao pagamento de custas e honorários permanecerá suspensa enquanto vigorarem os benefícios da justiça gratuita da parte autora.
A autora apela, defendendo a legitimidade do INSS e a competência do juízo para reconhecer a especialidade no período de 11/01/1991 a 11/04/2014 laborado junto ao Município de Curitiba/PR, conforme respectivos PPP e LTCAT. Pede a concessão de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição.
O INSS apela, alegando a impossibilidade de enquadramento como especial do trabalho exercido como cirurgiã-dentista, tendo em vista que o contato com pacientes com doenças infectocontagiosas e materiais contaminados não era indissociável da prestação de seus serviços. Pede a improcedência da ação.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS
O INSS é parte ilegítima para figurar no pólo passivo de demanda objetivando o reconhecimento da especialidade de atividade de servidor público municipal, filiado a regime próprio de previdência.
No caso, consoante consta da certidão de tempo de contribuição, a parte autora exercera atividade no período de 11/01/1991 a 11/04/2014, na condição de servidora estatutária, no cargo de cirurgiã-dentista junto à Secretaria Municipal da Saúde do Município de Curitiba/PR, vertendo contribuições ao RPPS. Desse modo, a discussão sobre a especialidade do labor deve ser direcionada ao órgão municipal perante a Justiça Estadual do Estado do Paraná, não possuindo legitimidade o INSS.
Desta feita, mantida a sentença.
TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL
Com relação ao reconhecimento das atividades exercidas como especiais, cumpre ressaltar que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, faz-se necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) no período de trabalho até 28/04/1995, quando vigente a Lei n° 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n° 8.213/91 (Lei de Benefícios) em sua redação original (artigos 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial, ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor/frio, casos em que sempre será necessária a mensuração dos níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes). Para o enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos n° 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), n° 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e n° 83.080/79 (Anexo II);
b) no período de 29/04/1995 a 05/03/1997 foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre esta data e 05/03/1997 (período em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n° 9.032/95 (art. 57 da Lei de Benefícios)), é necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico (com a ressalva dos agentes nocivos ruído e calor/frio, cuja comprovação depende de perícia). Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n° 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), nº 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n° 83.080/79 (Anexo I);
c) a partir de 06/03/1997, quando vigente o Decreto n° 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória n° 1.523/96 (convertida na Lei n° 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico ou por meio de perícia técnica. Para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerado os Decretos n° 2.172/97 (Anexo IV) e n° 3.048/99.
d) a partir de 01/01/2004, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) passou a ser documento indispensável para a análise do período cuja especialidade for postulada (artigo 148 da Instrução Normativa nº 99 do INSS, publicada no DOU de 10-12-2003). Tal documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030, ou DIRBEN-8030) e, desde que devidamente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, exime o segurado da apresentação do laudo técnico em juízo.
Saliente-se, ainda, que é admitida a conversão de tempo especial em comum após maio de 1998, consoante entendimento firmado pelo STJ, em decisão no âmbito de recurso repetitivo, (REsp n.º 1.151.363/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011).
Por fim, observo que, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 2ª parte), nº 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo II) até 28/04/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas.
Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo - 1ª parte), nº 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n. 83.080/79 (Anexo I) até 05/03/1997, e os Decretos n. 2.172/97 (Anexo IV) e n. 3.048/99 a partir de 06/03/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto nº 4.882/03.
Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível, também, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n° 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJU de 30/06/2003).
FATOR DE CONVERSÃO
Registre-se que o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é aquele previsto na legislação aplicada na data concessão do benefício e no cálculo de sua renda mensal inicial, e não o contido na legislação vigente quando o serviço foi prestado. A propósito, a questão já foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial Repetitivo (REsp 1151363/MG, Relator Ministro Jorge Mussi, 3ª Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011).
EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI
A utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP 1.729/12/1998, convertida na Lei 9.732, de 11/12/1998, que alterou o § 2º do artigo 58 da Lei 8.213/1991, determinando que o laudo técnico contenha informação sobre a existência de tecnologia de proteção individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo. Esse entendimento, inclusive, foi adotado pelo INSS na Instrução Normativa 45/2010.
A partir de dezembro de 1998, quanto à possibilidade de desconfiguração da natureza especial da atividade em decorrência de EPIs, o STF ao julgar o ARE 664.335, submetido ao regime de repercussão geral (Tema 555), Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014 e publicado em 12/02/2015, fixou duas teses:
1) "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial"; e
2) "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
Ressalte-se, por fim, que para afastar o caráter especial das atividades desenvolvidas pelo segurado é necessária uma efetiva demonstração da elisão das consequências nocivas, além de prova da fiscalização do empregador sobre o uso permanente dos dispositivos protetores da saúde do obreiro durante toda a jornada de trabalho.
INTERMITÊNCIA NA EXPOSIÇÃO AOS AGENTES NOCIVOS
A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física, referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, mas sim, que tal exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades do trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de caráter eventual. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho. Nesse sentido vem decidindo esta Corte (EINF n.º 2007.71.00.046688-7, 3ª Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 07/11/2011; EINF nº 0004963-29.2010.4.04.9999, 3ª Seção, Relatora Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 12/03/2013; EINF n° 0031711-50.2005.4.04.7000, 3ª Seção, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 08/08/2013).
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, não sendo razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF4, EINF 2005.72.10.000389-1, 3ª Seção, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 18/05/2011; TRF4, EINF 2008.71.99.002246-0, 3ª Seção, Relator Luís Alberto D"Azevedo Aurvalle, D.E. 08/01/2010).
AGENTES BIOLÓGICOS
De acordo com a Terceira Seção deste Tribunal, é possível o reconhecimento da especialidade do labor exercido sob exposição a agentes biológicos nocivos, conforme se depreende do julgado a seguir:
EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. - Tendo o embargante logrado comprovar o exercício de atividade em contato com agentes biológicos, de 01-03-1979 a 02-03-1987, 03-04- 1987 a 16-01-1989 e 15-02-1989 a 07-05-1997, faz jus ao reconhecimento da especialidade dos períodos, com a devida conversão, o que lhe assegura o direito à concessão do benefício da aposentadoria por tempo de serviço proporcional, desde a data do requerimento administrativo, efetuado em 08-05-1997. (TRF4, EIAC 1999.04.01.021460-0, 3ª S., Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJ 05/10/2005)
No mesmo sentido, julgado desta Turma: AC 5005415-63.2011.4.04.7009, TRS/PR, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 20/08/2018.
No que concerne especificamente às atividades desenvolvidas em contato com agentes biológicos, é possível o enquadramento nos códigos 1.3.2 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64 (germes infecciosos ou parasitários humanos-animais), código 1.3.4 do Anexo I do Decreto n. 83.080/79 (trabalhos em que haja contato permanente com doentes ou materiais infecto-contagiantes) (atividades discriminadas entre as do código 2.1.3 do Anexo II: médicos, médicos-laboratoristas (patologistas), técnicos de laboratório, dentistas, enfermeiros), código 3.0.1 do Decreto nº 2.172/97 e do Anexo IV do Decreto n. 3.048/99 (Micro-organismos e parasitas infecto-contagiosos vivos e suas toxinas).
Veja-se, nesse sentido, o respectivo item constante no anexo ao Regulamento da Previdência Social (destaquei):
MICROORGANISMOS E PARASITAS INFECTO-CONTAGIOSOS VIVOS E SUAS TOXINAS 25 ANOS
a) trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes portadores de doenças infecto-contagiosas ou com manuseio de materiais contaminados;
b) trabalhos com animais infectados para tratamento ou para o preparo de soro, vacinas e outros produtos;
c) trabalhos em laboratórios de autópsia, de anatomia e anátomo-histologia;
d) trabalho de exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais deteriorados;
e) trabalhos em galerias, fossas e tanques de esgoto;
f) esvaziamento de biodigestores;
g) coleta e industrialização do lixo.
No tocante ao exercício de funções e atividades dentro de unidades hospitalares ou unidades de saúde em geral, o Anexo 14 da NR-15 da Portaria MTb 3.214/78 (Agentes Biológicos) define que são insalubres as atividades desempenhadas em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana quando houver contato direto com pacientes ou objetos por estes utilizados.
Quanto à eventual intermitência, em se tratando de agentes biológicos está pacificado nesta Corte que "a exposição de forma intermitente aos agentes biológicos não descaracteriza o risco de contágio, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, ainda que não de forma permanente, tem contato com tais agentes (TRF4, APELREEX 5002443-07.2012.404.7100, Sexta Turma, Relator para Acórdão João Batista Pinto Silveira, julgado em 24/07/2013).
Por sua vez, a Turma Nacional de Uniformização já sinalizou que "no caso de agentes biológicos, o conceito de habitualidade e permanência é diverso daquele utilizado para outros agentes nocivos, pois o que se protege não é o tempo de exposição (causador do eventual dano), mas o risco de exposição a agentes biológicos." (PEDILEF nº 0000026-98.2013.490.0000, Rel. Juiz Federal Paulo Ernane Moreira Barros, DOU 25/04/2014).
Ademais, é firme o entendimento no sentido de que a mera utilização de EPI não é suficiente para neutralizar a nocividade de tais agentes agressivos e afastar o cômputo diferenciado do respectivo período laboral de exposição. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. PROVA DA EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. (...) 9. Para fins de reconhecimento de atividade especial, em razão da exposição a agentes biológicos, não se exige comprovação do contato permanente a tais agentes nocivos, pressupondo-se o risco de contaminação, ainda que o trabalho tenha sido desempenhado com a utilização de EPI. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, § 3º, da Lei n° 8.213/91) não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. 10. a 14. (...) (TRF4 5038030-56.2013.4.04.7100, 5ª T., Rel. Des. Federal Osni Cardoso Filho, 10.08.2018)
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. (...). 4. A exposição a agentes biológicos não precisa ocorrer durante toda a jornada de trabalho para caracterização da especialidade do labor, uma vez que basta o contato de forma eventual para que haja risco de contaminação. Ainda que ocorra a utilização de EPIs, eles não são capazes de elidir o risco proveniente do exercício da atividade com exposição a agentes de natureza infecto-contagiosa. 5 a 6. (...) (TRF4, AC 5005224-96.2013.4.04.7122, 6ª. T., Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, 06.08.2018)
Ainda, em conformidade com o IRDR (Tema nº 15 deste Tribunal Regional Federal), é dispensável a produção de prova sobre a eficácia do EPI, pois, segundo o item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS no ano de 2017, aprovado pela Resolução nº 600, de 10/08/2017, "como não há constatação de eficácia de EPI na atenuação desse agente, deve-se reconhecer o período como especial mesmo que conste tal informação."
TEMPO ESPECIAL NO CASO CONCRETO
Passo, então, ao exame do(s) período(s) controvertido(s) nesta ação, com base nos elementos contidos nos autos e na legislação de regência, para concluir pelo cabimento ou não do reconhecimento da natureza especial da atividade desenvolvida.
Para tanto, colaciono trecho da sentença de procedência, que bem analisou a questão, cujos fundamentos transcrevo e adoto como razões de decidir, a saber:
Quanto à contagem diferenciada do tempo de serviço prestado em atividade especial, resumo da seguinte forma meu entendimento:
PERÍODO | DOCUMENTOS NECESSÁRIOS |
Até 28/04/1995 (agente nocivo/categoria profissional) | CTPS ou outro documento (necessário e suficiente) |
De 29/04/1995 até 05/03/1997 (agente nocivo) | CTPS ou outro documento+formulário (SB-40 ou DSS-8030) |
De 06/03/1997 até 05/05/1999 (agente nocivo) | CTPS ou outro documento+formulário (SB-40 ou DSS-8030)+laudo |
A contar de 06/05/1999 (agente nocivo) | CTPS ou outro documento+formulário (DIRBEN-8030)+laudo |
A contar de 31/12/2003 (agente nocivo) | CTPS ou outro documento+PPP+laudo |
OBSERVAÇÕES: |
- Sempre é necessário haver o laudo técnico das condições ambientais de trabalho para os agentes nocivos "RUÍDO, UMIDADE e CALOR". |
- Caso o período trabalhado compreenda dois períodos, deve-se exigir todos os documentos. |
- Categoria Profissional - fica dispensado LAUDO e FORMULÁRIO antes de 28/04/1995. |
- Os seguintes níveis de ruído são considerados prejudiciais à saúde: superior a 80 decibéis até 05/03/1997 (Decreto 53831/64); superior a 90 decibéis de 06/03/1997 a 18/11/2003 (Decreto 2172/97); superior a 85 decibéis a partir de 19/11/2003 (Decreto 4882/03) - entendimento adotado pelo STJ (PET 9059/STJ) e TNU (que cancelou a Súmula 32 da TNU), por aplicação da norma vigente na época em que o trabalhador esteve exposto ao agente nocivo. |
- O fator risco ergonômico, por si só, não gera direito ao reconhecimento do desempenho de atividade especial. |
- O uso de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz pelo trabalhador descaracteriza a natureza especial da atividade a ser considerada a partir de 03/12/1998, exceto no caso em que o agente nocivo seja o ruído (STF, ARE 664335/SC, rel. Min. Luiz Fux, 04/12/2014). Até 02/12/1998, as atividades podem ser consideradas especiais independentemente de constar a informação do uso de EPI eficaz em algum documento (TNU, PEDILEF 05013092720154058300, julgado em 22/03/2018). |
Pretende a parte autora o reconhecimento de período(s) de diz ter laborado em condições especiais, vinculada a regime próprio de previdência (RPPS), de 11/01/1991 a 11/04/2014.
No entanto, deveria buscar o reconhecimento da alegada especialidade junto ao ente responsável pela gestão do regime previdenciário ao qual pertencia ao tempo da prestação dos serviços.
Já houve pronunciamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e da TRU em casos semelhantes:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. ATIVIDADE ESPECIAL. REGIME ESTATUTÁRIO. INSS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O INSS é parte ilegítima para figurar no pólo passivo de demanda objetivando o reconhecimento da especialidade de atividade desempenhada por servidor público filiado a regime próprio de previdência (estatutário). (TRF4, AC 2005.70.02.009914-9, Sexta Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, D.E. 25/09/2007).
REVISÃO DE BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ESPECIAL, PARA FINS DE CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. SERVIDOR PÚBLICO VINCULADO A REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AÇÃO AJUIZADA EM FACE DO INSS. CARÊNCIA DE AÇÃO, POR FALTA DE LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.
1. Tratando-se de pedido de reconhecimento de tempo de serviço especial, exercido na condição de servidor público vinculado a Regime Próprio de Previdência, o INSS não detém legitimidade passiva ad causam.
2. Ausente uma das condições da ação, o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, inciso VI e § 3º, do Código de Processo Civil. (IUJEF 2006.70.95.015679-0, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relatora Flávia da Silva Xavier, D.E. 10/09/2008).
Desse modo, forçoso reconhecer a ilegitimidade do INSS para figurar na lide e a incompetência deste Juízo quanto ao período em análise.
Ressalto que a parte autora só fará jus à averbação do tempo especial e uso desse tempo para fins de concessão de aposentadoria junto ao Regime Geral após análise pelo RGPS e novo requerimento administrativo, com apresentação da CTC atualizada junto ao INSS.
Desse modo, se na DER ou no ajuizamento da presente ação a demandante não preenche os requisitos exigidos à concessão da benesse pretendida, não cabe a este juízo suspender o processo para aguardar providências à cargo do segurado a fim de obter novos documentos.
A controvérsia cinge-se, portanto, na especialidade ou não das atividades laborais da autora nos períodos de 19/04/1988 a 15/07/1994, 13/02/1989 a 31/12/1989 e 14/05/1990 a 10/01/1991.
Para provar a atividade especial, há nos autos os seguintes documentos:
Ref | Período da Atividade | Documento | Profissão | Agente(s) Nocivo(s) a que está exposto | Empresa | Evento/Doc |
A | 19/04/1988 a 15/07/1994 | CTPS | odontóloga |
| Sindicato dos Trabalhadores nas Ind. Urbanas de CTBA | 19/1 |
B | 13/02/1989 a 29/12/1989 | CTPS | dentista |
| Sindicato dos Empregados em Empresas de Seguros e Crédito do Paraná | 19/1 |
C | 14/05/1990 a 10/01/1991 | CTPS
PPP laudo | cirurgiã dentista | vírus, bactérias, protozoários, fungos, bacilos e parasitas | Prefeitura Municipal de Curitiba | 19/1;
26/1 |
Desse forma, reconheço o desempenho de atividade especial nos períodos supra, por enquadramento categoria profissional (dentista - código 2.1.4 do Decreto 53.831/94 e código 2.1.3 do anexo II do Decreto 80.083/79), com direito à conversão mediante aplicação do fator 1,4.
No caso, restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos de 19/04/1988 a 15/07/1994, 13/02/1989 a 31/12/1989 e 14/05/1990 a 10/01/1991, com vínculo empregatício junto aos Sindicatos da cidade de Curitiba, bem como junto à Prefeitura de Curitiba, conforme demostram as cópias das CTPS, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude do enquadramento por categoria profissional (odontologia), nos termos do código 2.1.3 do Quadro Anexo ao Decreto nº 53.831/64 e no código 2.1.3 do Quadro do Anexo II do Decreto 83.080/79.
Destarte, durante os períodos laborais controvertidos, a parte autora estava exposta a agentes biológicos potencialmente nocivos, o que dá suporte fático ao enquadramento do trabalho como especial, agentes esses que não são neutralizados pela utilização de equipamentos de proteção individual e em relação aos quais nem mesmo a eventual intermitência da exposição descaracteriza o risco de contágio.
Portanto, restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos controvertidos, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude de sua exposição, de forma habitual e permanente, a agentes biológicos.
Conclusão: deve ser mantida a sentença, para reconhecer a especialidade nos períodos controvertidos.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A partir da jurisprudência do STJ (em especial do AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017), para que haja a majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos simultaneamente: (a) sentença publicada a partir de 18/03/2016 (após a vigência do CPC/2015); (b) recurso não conhecido integralmente ou improvido; (c) existência de condenação da parte recorrente no primeiro grau; e (d) não ter ocorrido a prévia fixação dos honorários advocatícios nos limites máximos previstos nos §§2º e 3º do artigo 85 do CPC (impossibilidade de extrapolação). Acrescente-se a isso que a majoração independe da apresentação de contrarrazões.
Na espécie, diante do não acolhimento dos apelos, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios a que ambas as partes foram condenadas na origem em 50% sobre a mesma base de cálculo, vedada a compensação e mantida a suspensão da exigibilidade em relação à autora em razão da gratuidade da justiça deferida.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelo do INSS: improvido.
Apelo da AUTORA: improvido.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e negar provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003237243v16 e do código CRC e3a180af.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
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Apelação Cível Nº 5003318-30.2019.4.04.7003/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: NELIA DA SILVA OLIVEIRA (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. averbação. tempo especial. município. regime próprio de previdência. ilegitimidade passiva do inss. enquadramento por categoria profissional. dentista. direito configurado. sucumbência recursal.
. O INSS é parte ilegítima para figurar no pólo passivo de demanda objetivando o reconhecimento da especialidade de atividade de servidor público municipal, filiado a regime próprio de previdência.
. O reconhecimento da especialidade da atividade exercida sob condições nocivas é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador (STJ, Recurso Especial Repetitivo n. 1.310.034).
. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído, calor e frio); a partir de 29/04/1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05/03/1997; a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica; e, a partir de 01/01/2004, passou a ser necessária a apresentação do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), que substituiu os formulários SB-40, DSS 8030 e DIRBEN 8030, sendo este suficiente para a comprovação da especialidade desde que devidamente preenchido com base em laudo técnico e contendo a indicação dos responsáveis técnicos legalmente habilitados, por período, pelos registros ambientais e resultados de monitoração biológica, eximindo a parte da apresentação do laudo técnico em juízo.
. É cabível o reconhecimento da especialidade do trabalho exercido sob exposição a agentes biológicos. A exposição a agentes biológicos não precisa ser permanente para caracterizar a insalubridade do labor, sendo possível o cômputo do tempo de serviço especial diante do risco de contágio sempre presente. Entendimento da Terceira Seção deste Tribunal.
. A exposição de forma intermitente aos agentes biológicos não descaracteriza o risco de contágio, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua, como para aquele que, durante a jornada, ainda que não de forma permanente, tem contato com tais agentes.
. Conforme dispõe a NR-15 do Ministério do Trabalho e Emprego, ao tratar da exposição a agentes biológicos em seu Anexo XIV, são insalubres as atividades desempenhadas em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, quando houver contato direto com pacientes ou objetos por estes utilizados.
. Honorários advocatícios majorados em razão da sucumbência recursal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e negar provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 31 de maio de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 24/05/2022 A 31/05/2022
Apelação Cível Nº 5003318-30.2019.4.04.7003/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: NELIA DA SILVA OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO: FELIPE SANCHES MARQUES LOPES (OAB PR085626)
ADVOGADO: ALANA DOS SANTOS SOUZA (OAB PR085537)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 24/05/2022, às 00:00, a 31/05/2022, às 16:00, na sequência 381, disponibilizada no DE de 13/05/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
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