Apelação Cível Nº 5003311-71.2019.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AMANDA AMORIM DOS SANTOS
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora pretende a concessão de benefício assistencial à pessoa deficiente, a contar da data do requerimento administrativo, formulado em 08/10/2015.
Sentenciando em 08/01/2019, o MM. Juiz julgou procedente o pedido, concedendo o benefício desde a data da juntada do estudo social, devido à mudança de condição social em relação à DER, nos seguintes termos:
Ante o exposto, dou por resolvido o mérito da causa, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, confirmando a tutela anteriormente concedida, para, na forma da fundamentação:
a) CONDENAR o INSS a conceder à autora o benefício assistencial de prestação continuada, com renda mensal equivalente a um salário mínimo, com efeitos financeiros desde 07.08.2017;
b) CONDENAR o INSS ao pagamento dos valores atrasados; Sobre os valores da condenação deverá incidir juros moratórios, a contar da citação, fixados pelos índices oficiais da caderneta de poupança (art. 5º, da Lei n. 11.960/2009). No que diz respeito à atualização monetária também é aplicável ao caso o dispositivo já citado, tendo como termo inicial a data de vencimento de cada parcela, até seu efetivo pagamento.
c) CONDENAR, ainda, o INSS a pagar honorários advocatícios a parte autora, fixados em 10% sobre o valor atualizado (Súmula 14 do STJ) das prestações vencidas até a presente data (Súmula 111 do STJ).
Apela o INSS, preliminarmente requerendo a anulação da sentença por não ter sido comprovada nos autos a condição de saúde da autora. Quanto ao mérito, alega que deve ser reformada a sentença, já que a autora não preenche o requisito econômico, por possuir renda mensal familiar per capta superior ao 1/4 do salário mínimo estabelecido em lei.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
PRELIMINAR - ANULAÇÃO DA SENTENÇA
Requer o INSS a anulação da sentença em razão de não ter sido demonstrada nos autos a condição de saúde da autora. Da análise dos autos, percebo que, de fato, não houve realização de perícia médica judicial. No entanto, este é um ponto incontroverso.
Conforme demonstrado pela autora no mov. 1.6 (atestado para perícia médica no padrão do INSS), ela foi caracterizada com um quadro de deficiência intelectual desde o nascimento, associado à crises convulsivas, CID F.72, doença neurológica incapacitante e irreversível, sem capacidade para qualquer trabalho. Ademais, conforme cópia do indeferimento administrativo (mov. 21.3), a decisão se deu exclusivamente pela renda per capta ser igual ou superior a 1/4 do salário mínimo vigente da data do requerimento, podendo-se concluir que a autarquia reconheceu a incapacidade da autora.
Além do exposto, conforme referido na sentença, nos autos 0001413-55.2018.8.16.0112 foi declarada a interdição da autora, nomeando sua genitora como curadora, fato que se deu em razão de sua incapacidade.
Por estes motivos, não considero necessária a realização de perícia médica para a comprovação da condição de saúde da autora nos autos. Afasto, portanto, a preliminar.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
O benefício assistencial encontra-se previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06/07/2011, e nº 12.470, de 31/08/2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou de idoso (nesse caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e (b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a delimitação da incapacidade para a vida independente deve observar os seguintes aspectos: (a) não se exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 3ª Seção, DJe 20/11/2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18/04/2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas necessárias ao cuidado da parte autora como decorrentes de compra de medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
A propósito, a eventual percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à "transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.
Registre-se, ainda, que deverá ser excluído do cálculo da renda familiar per capita o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, conforme o decidido pelo STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 580.963/PR, em 17/04/2013, com repercussão geral.
Também deverá ser desconsiderado o benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (EIAC nº 2004.04.01.017568-9/PR, 3ª Seção, Relator Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI, unânime, D.E. de 20/07/2009).
Ressalte-se que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.
CASO CONCRETO
No presente caso, a parte autora requer a concessão de benefício assistencial por ser pessoa com deficiência, incapaz para o trabalho. Conforme já explanado na análise da preliminar, este ponto é incontroverso nos autos.
A controvérsia cinge-se quanto à condição econômica da autora, a qual passo a analisar. Conforme estudos sociais (movs. 18 e 36), a autora reside com dois irmãos, sua mãe e seu padrasto, o qual é o único que possui renda, sendo esta de R$1.800,00 em 2018. Extrai-se do laudo que a família tem um gasto mensal alto em relação ao valor recebido, já que pagam R$450,00 de aluguel, aproximadamente R$330,00 com água, luz e gás, R$100,00 com medicamentos e R$100,00 de combustível para o automóvel que possuem para uso emergencial para levar a autora ao hospital. Não foi contabilizado no estudo social o gasto da família com alimentação/despesas domésticas, que normalmente é uma das maiores despesas da casa. Ademais, o laudo cita que a residência em que vivem é muito simples, possuindo mobília com muitos anos de uso e bastante modesta. Percebo que a renda do padrasto é insuficiente para a manutenção de uma vida digna à família, principalmente por possuir uma integrante com necessidades especiais (a autora) e duas crianças (irmãos da autora).
Quanto ao fato de a família possuir uma casa própria em Nova Sarandi, não vejo esse fato como descaracterizador de sua condição de vulnerabilidade. Isso porque saíram de lá para buscar em Marechal Cândido Rondon melhores condições de vida, e mais proximidade de serviços de pronto atendimento e ambulâncias para a filha. Conforme o estudo, a casa antiga é pequena e é para ser negociada, mas estão encontrando dificuldade, já que é inacabada (sem forro e sem sala), e construída no final de rua, em local com infraestrutura limitada.
Pelo exposto, entendo que a família passa por necessidades básicas e a concessão do benefício se faz necessária para retirá-los da condição de vulnerabilidade social. Não vejo razões, portanto, para a reforma da sentença, mantendo a concessão do benefício desde a data da realização do estudo social (07/08/2017).
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do CPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC.
ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Confirmado o direito ao benefício, resta mantida a antecipação dos efeitos da tutela concedida pelo juízo de origem.
PREQUESTIONAMENTO
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
CONCLUSÃO
Apelação do INSS improvida, honorários majorados.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e à remessa necessária.
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Apelação Cível Nº 5003311-71.2019.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AMANDA AMORIM DOS SANTOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL à pessoa com deficiencia. REQUISITOS ATENDIDOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. antecipação de tutela.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. Comprovada a condição de vulnerabilidade social da parte autora, é de ser deferido o pedido de concessão de benefício de amparo social ao deficiente.
3. Verba honorária majorada em razão do comando inserto no § 11 do art. 85 do CPC/2015.
4. Confirmado o direito ao benefício, resta mantida a antecipação dos efeitos da tutela concedida pelo juízo de origem.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 29 de outubro de 2019.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001369427v3 e do código CRC c7cae7d9.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 29/10/2019
Apelação Cível Nº 5003311-71.2019.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: AMANDA AMORIM DOS SANTOS
ADVOGADO: NILSON PEDRO WENZEL (OAB PR016658)
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
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