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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. LEI Nº 8. 742/93. LOAS. REQUISITO NÃO ATENDIDO. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORAL OU DE IMPEDIMENTOS D...

Data da publicação: 13/10/2022, 16:39:42

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. LEI Nº 8.742/93. LOAS. REQUISITO NÃO ATENDIDO. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORAL OU DE IMPEDIMENTOS DE LONGO PRAZO. VISÃO MONOCULAR. PEDIDO IMPROCEDENTE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA PARA REALIZAÇÃO DE ESTUDO SOCIAL. INDEFERIMENTO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. Não atendidos os requisitos legais definidos pela Lei n.º 8.742/93, os quais são cumulativos, não há direito da parte autora ao benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal. 3. Como se pode verificar da leitura da perícia médica elaborada a pedido do Juízo, a demandante possui, sim, visão monocular - cegueira em um dos olhos e uso de prótese ocular, decorrente de trauma perfurante ocorrido na infância. Porém não apresenta incapacidade laborativa no presente momento. Não possui limitação que a impeça de trabalhar e obter sustento. Não necessita da ajuda, supervisão ou vigilância de terceiros. Não possui incapacidade para a vida independente. Não necessita de tratamento médico oftalmológico. 4. A desconsideração ou invalidação das conclusões do laudo pericial somente poderia justificar-se diante de significativo contexto probatório em sentido contrário, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa. 5. Na espécie, mostra-se inequívoca a ausência de incapacidade laboral ou de impedimentos de longo prazo da parte autora, para o fim de recebimento do amparo assistencial, na forma da legislação de regência. Não basta, para a obtenção do benefício assistencial, a demonstração da existência de enfermidade, mas, sobretudo, que desta resulta incapacidade para o exercício das atividades laborais ou a impedimento de longo prazo. 6. O benefício de prestação continuada exige o cumprimento concomitante dos dois requisitos: deficiência (ou idade avançada) e vulnerabilidade social. Inexistindo a comprovação da deficiência, não há motivos para realizar o estudo social, pois não satisfeito o primeiro pressuposto. Improcede, assim, o pedido de anulação da sentença para elaboração de parecer socioeconômico. 7. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao disposto no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil. Suspensão no caso em face da concessão da Assistência Judiciária Gratuita à autora. (TRF4, AC 5061304-43.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 01/06/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5061304-43.2017.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

APELANTE: EDILAINE MOTTA DE ALMEIDA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Trata-se de ação de procedimento comum ajuizada por EDILAINE MOTTA DE ALMEIDA em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando provimento judicial que lhe assegure a concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, com o pagamento das parcelas vencidas desde a DER, em 16/04/2014, sob a alegação de que "padece de patologia que a impossibilita de realizar qualquer atividade laboral ou de reinserir-se no mercado de trabalho formal, caracterizando-se o impedimento de longo prazo de que trata a lei. Noticia, ainda, que a renda da família é insuficiente para atender às suas necessidades mínimas, o que revela o seu estado de miserabilidade. Assevera, por fim, que satisfaz às exigências legais para o direito ao benefício assistencial postulado" (evento 122).

Argumentou a autora na inicial da ação que "é portadora de prótese ocular do olho esquerdo, (CID 10 - Z44.2), implantada após diagnóstico de cegueira no referido olho, patologia que lhe impõe diversas limitações, as quais, constituem significativa dificuldade de inserção no mercado de trabalho, bem como para a vida em sociedade" (evento 1 - INIC1).

Foi indeferida a inicial e julgado extinto o feito sem apreciação de mérito, nos termos do artigo 485, inciso I, do Código de Processo Civil, diante da incompetência absoluta do Juízo, não se aplicando a delegação de competência prevista no artigo 109, § 3º, da Constituição Federal (evento 10).

Com apelo da autora, os autos vieram a este TRF, o qual, em sessão realizada no dia 27/11/2018, deu parcial provimento à apelação para anular a sentença a fim de que fosse reaberta a instrução processual (eventos 29 e 30).

Deferida a Assistência Judiciária Grauita (evento 62).

Realizada perícia médica, por carta precatória (evento 97 - PRECATORIA1 - fls. 24-32).

Foi prolatada sentença de improcedência, em 17/01/2022 (evento 122), com o seguinte dispositivo:

"Face ao exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na peça inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e demais despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, no importe de 10% sobre o valor atualizado da causa nos termos do art. 85, § 4 , III c/c § 6º, do CPC, ficando a execução de tal verba condicionada, o contudo, à prova da superação do estado de necessidade ensejador do deferimento do benefício da justiça gratuita, bem como à limitação temporal prevista no artigo 98, § 3 , do CPC.

Sentença não sujeita ao reexame necessário, ante o disposto no art. 496, § 3º, inc. I, do CPC."

Apela a parte autora (evento 128), requerendo a anulação da sentença, para que seja determinado pelo Juízo a quo a realização de parecer socioeconômico da apelante, para, após, ser proferida nova sentença de mérito. Requer ainda a condenação do recorrido em honorários sucumbenciais nos moldes do artigo 85, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil.

Sustenta que, diferentemente do que foi decidido pela sentença, a apelante possui sim uma deficiência que a impede de ser inserida no mercado de trabalho, o que inclusive é reconhecido por lei, a Lei nº 14.126, de 22 de março de 2021, para qual a visão monocular é deficiência física: “art. 1º. Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais.” Em que pese o pleito administrativo haver iniciado antes da promulgação da citada Lei, enfatiza que a jurisprudência já vinha reconhecendo a visão monocular como deficiência, assim, o legislador nada mais fez do que positivar um entendimento já dominante nos Tribunais. Sendo reconhecida a deficiência, o juiz deveria ter analisado o segundo requisito necessário à concessão de benefício assistencial, qual seja, a vulnerabilidade socioeconômica da apelante, porém não o fez, julgando de plano improcedente a demanda.

Portanto, a sentença deve ser anulada para que seja produzida prova da vulnerabilidade da apelante, com a determinação da realização de parecer socioeconômico, para que após seja proferido novo julgamento. Diz que este Tribunal exige a realização de parecer socioeconômico.

Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

O Ministério Público Federal apresentou parecer pelo desprovimento da apelação (evento 136).

É o relatório.

Inclua-se em pauta.

VOTO

DIREITO INTERTEMPORAL

Inicialmente, cumpre o registro de que a sentença recorrida foi publicada em data posterior a 18/3/2016, quando passou a vigorar o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16/3/2015), consoante decidiu o Plenário do STJ.

REMESSA EX OFFICIO

Nos termos do artigo 496 do CPC/2015, está sujeita à remessa ex officio a sentença prolatada contra as pessoas jurídicas de direito público nele nominadas - à exceção dos casos em que, por simples cálculos aritméticos, seja possível concluir que o montante da condenação ou o proveito econômico obtido na causa é inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.

Logo, não se trata de hipótese de sujeição da sentença à remessa ex officio, uma vez que a sentença é de improcedência.

SÍNTESE DOS FATOS

A autora, EDILAINE MOTTA DE ALMEIDA, apela de sentença de improcedência proferida em ação previdenciária onde postula a concessão do benefício assistencial, alegando ser portadora de visão monocular.

Pede seja anulada a sentença proferida, com a remessa dos autos à Vara de origem, para que seja realizado estudo socioeconômico. Alega que a apelante possui uma deficiência que a impede de ser inserida no mercado de trabalho.

O apelo não merece ser acolhido.

A preliminar de nulidade da sentença para elaboração de parecer social confunde-se com o mérito, e será com ele analisada.

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

A Constituição Federal dispôs em seu artigo 203, inciso V:

Artigo 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso. Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido dispositivo a seguinte redação, ora em vigor:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.(Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011).

Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL

A redação atual do § 3º do artigo 20 da LOAS manteve como critério para a concessão do benefício assistencial a idosos ou deficientes a percepção de renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso especial representativo de controvérsia (Tema 185), com base no compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana - especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física e do amparo ao cidadão social e economicamente vulnerável -, relativizou o critério econômico estabelecido na LOAS, assentando que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família, uma vez que se trata apenas de um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo (STJ, REsp nº 1.112.557/MG, 3ª Seção, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 20/11/2009).

Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567.985 (este com repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família:

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE nº 567985, Plenário, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Rel. p/ acórdão Ministro GILMAR MENDES, DJe de 03/10/2013)

Em julgados ocorridos após o recurso especial representativo de controvérsia e o recurso extraordinário com repercussão geral acima citados, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal mantiveram o entendimento de que a renda mensal percebida não é o único critério a ser considerado para a aferição da condição de miserabilidade, explicitando que devem ser analisadas as diversas informações sobre o contexto socioeconômico constantes de laudos, documentos e demais provas:

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Ao contrário do que sustenta o agravante, o Tribunal de origem adotou o entendimento pacificado pela Terceira Seção desta Corte, no julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo da controvérsia, de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a hipossuficiência quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 2. O pedido foi julgado improcedente pelas instâncias ordinárias não com base na intransponibilidade do critério objetivo da renda, mas com fundamento na constatação de que não se encontra configurada a condição de miserabilidade da parte autora, uma vez que mora em casa própria ampla e conservada, possui carro e telefone, e as necessidades básicas de alimentação, vestuário, higiene, moradia e saúde podem ser supridas com a renda familiar informada. 3. Agravo Regimental desprovido. (STJ, AgRg no AREsp nº 538.948/SP, 1ª Turma, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 27/03/2015)

Agravos regimentais em reclamação. Perfil constitucional da reclamação. Ausência dos requisitos. Recursos não providos. 1. Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para preservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas decisões (art. 102, inciso I, alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação de súmula vinculante (art. 103-A, § 3º, CF/88). 2. A jurisprudência desta Corte desenvolveu parâmetros para a utilização dessa figura jurídica, dentre os quais se destaca a aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF. 3. A definição dos critérios a serem observados para a concessão do benefício assistencial depende de apurado estudo e deve ser verificada de acordo com as reais condições sociais e econômicas de cada candidato à beneficiário, não sendo o critério objetivo de renda per capta o único legítimo para se aferir a condição de miserabilidade. Precedente (Rcl nº 4.374/PE) 4. Agravos regimentais não providos. (STF, Reclamação nº 4154, Plenário, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, DJe de 21/11/2013)

Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas que podem ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (APELREEX nº 0001612-04-2017.404.9999, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. de 09/06/2017).

Também, eventual circunstância de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (APELREEX nº 2009.71.99.006237-1, TRF 4ª R., 6ª Turma, Relator p/ acórdão Desembargador Federal CELSO KIPPER, D.E. 07/10/2014).

Ainda dentro desta questão, recentemente, este Tribunal Regional Federal, com o objetivo de pacificação do tema sobre se a renda familiar per capita inferior ao limite objetivo mínino (¼ do salário mínimo) gera uma presunção absoluta ou relativa de miserabilidade, julgou o IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) nº 12.

Salientando que a técnica legislativa adotada - presunção legal absoluta - dispensa o esforço interpretativo e probatório nos casos em que se verifica a condição de miserabilidade daqueles cuja renda familiar sequer atinge o patamar mínimo fixado pela LOAS (1/4 do salário mínimo), estabeleceu a seguinte tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TRF4. IRDR 12. PROCESSO EM TRAMITE NOS JEFs. IRRELEVÊNCIA. ADOÇÃO DA TÉCNICA DO PROCESSO-MODELO E NÃO CAUSA-PILOTO. ART. 20, § 3º, DA LEI 8.742/93. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE MISERABILIDADE. 1. É possível a admissão, nos Tribunais Regionais Federais, de IRDR suscitado em processo que tramita nos Juizados Especiais Federais. 2. Empregada a técnica do julgamento do procedimento-modelo e não da causa-piloto, limitando-se o TRF a fixar a tese jurídica, sobretudo porque o processo tramita no sistema dos JEFs. 3. Tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade. (grifos) (grifos) (TRF 4ª R., INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (SEÇÃO) nº 5013036-79.2017.404.0000, 3ª Seção, Relator Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, por unanimidade, juntado aos autos em 22/02/2018)

Em suma, o que temos é um entendimento jurisprudencial firme de que o limite mínimo previsto no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, traduz uma presunção absoluta de miserabilidade quando a renda familiar for inferior a ¼ (um quarto) de salário mínimo (miserabilidade é presumida), devendo ser comprovada por outros fatores (qualquer meio de prova admitido em direito) nos demais casos, isto é, quando a renda familiar per capita superar este piso.

Prosseguindo, o Plenário do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.

Mais recentemente, a 1ª Seção do STJ, com fundamento nos princípios da igualdade e da razoabilidade, firmou entendimento segundo o qual, também nos pedidos de benefício assistencial feitos por pessoas portadoras de deficiência, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício, no valor de um salário mínimo, recebido por maior de 65 (sessenta e cinco) anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008. (REsp nº 1.355.052/SP, 1ª Seção, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe de 05/11/2015)

Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (artigo 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).

Por outro lado, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, ou de benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade. Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita. (APELREEX nº 5035118-51.2015.404.9999, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, e-Proc em 14/03/2016, evento 94 - APELREEX nº 5013854-43.2014.404.7208, TRF/4ª Região, 5ª Turma, Rel. Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, e-Proc em 13/05/2016, evento 8).

Tal posicionamento - excluir do cálculo de renda per capita todos os benefícios de renda mínima, de idosos e incapazes, de natureza previdenciária ou assistencial - fundamenta-se no fato de que nesses casos o benefício percebido visa a amparar unicamente seu beneficiário, não sendo suficiente para alcançar os demais membros do grupo familiar.

Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício em tela, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto.

CASO CONCRETO

Na hipótese vertente, a demandante postula a concessão de benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência.

Foi realizada perícia médica, por meio de carta precatória, em 08/02/2021 (evento 97 - PRECATORIA1 - fls. 24-32).

A perícia informou que a autora, EDILAINE MOTTA DE ALMEIDA (data de nascimento: 17/06/1983), 37 anos na data da perícia, apresenta como escolaridade ensino fundamental incompleto. Profissão exercida: nenhuma. Diagnóstico: CID - H54.4 - Cegueira em um olho. Conclusão: sem incapacidade atual. Justificativa: autora apresenta bom estado de saúde física e mental acuidade visual de 20/20 (100%) em olho direito. Está adaptada à perda funcional de olho esquerdo. Não realiza nenhuma atividade laboral.

Do laudo pericial, extraio os seguintes trechos:

"5. Exame físico: CEGUEIRA EM OLHO ESQUERDO EM USO DE PRÓTESE OCULAR E 20/20 SEM CORREÇÃO EM OLHO DIREITO

7. A parte é/foi portadora de alguma moléstia/deficiência/lesão física ou mental? Informar a classificação no Código Internacional de Doenças – CID e a data de início da(s) doença(s) - DIB. CEGUEIRA EM OLHO ESQUERDO CID H544

7.1 Descrever histórico da (s) doença (s): TRAUMA PERFURANTE EM OLHO ESQUERDO AOS 9 ANOS DE IDADE, NO ANO DE 200 PROCUROU TRATAMENTO OFTALMOLÓGICO EM CURITIBA, SENDO REALIZADO CIRURGIA DE EVISCERAÇÃO E ADAPTAÇÇAO DE PRÓESE OCULAR, RECEBENDO ALTA MÉDICA EM 18/12/2000

8. A parte autora está seguindo o tratamento que lhe foi indicado? NÃO NECESSITA DE TRATAMENTO MÉDICO OFTALMOLÓGICO

(...)

10. A parte autora apresenta impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, que produza efeitos durante um período mínimo de 2 (dois) anos? NÃO

(...)

10.2 Essa incapacidade é total ou parcial? NÃO HÁ INCAPACIDADE LABORAL

11. Há incapacidade transitória ou permanente que impeça a parte autora de exprimir sua vontade, necessitando da nomeação de um representante legal (curador) para exercer os atos da vida civil por ela? NÃO NECESSITA

12. A parte autora, em razão da moléstia/deficiência/lesão que possui/possuía, necessita/necessitava da ajuda,supervisão ou vigilância de terceiros? NÃO NECESSITA."

E, quanto aos quesitos complementares, o perito respondeu:

"2. NÃO GERA INCAPACIDADE LABORAL

3. NÃO GERA INCAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE

4 NÃO GERA INCAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE APRESENTA BOM ESTADO DE SAÚDE FÍSICA E MENTAL,SEM DIFICULDADE PARA SE LOCOMOVER E BEM ORIENTADA. BOA ACUIDAE VISUAL EM OLHO DIREITO CEGUEIRA EM OLHO ESQUERDO AOS NOVE ANOS DE IDADE ,ESTANDO BEM ADAPTADA A CONDIÇÃO

5. NÃO GERA INCAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE OU LABORAL

7. NÃO GERA INCAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE OU LABORAL

8. AUTORA RELATA QUE NUNCA EXERCEU ATIVIDADE LABORAL, POREM COM A PERFEITA CAPACIDADE VISUAL EM OLHO DIREITO, TEM CONDIÇÕES DE EXERCER ATIVIDADE COMO EMPREGADA DOMÉSTICA, FAXINEIRA E OU SERVIÇOS GERAIS."

Como se pode verificar da leitura da perícia médica elaborada a pedido do Juízo, a autora possui, sim, visão monocular - cegueira no olho esquerdo e uso de prótese ocular, decorrente de trauma perfurante no referido olho, ocorrido na infância. Porém não apresenta incapacidade laborativa no presente momento. Não possui limitação que a impeça de trabalhar e obter sustento. Não necessita da ajuda, supervisão ou vigilância de terceiros. Não possui incapacidade para a vida independente. Não necessita de tratamento médico oftalmológico.

Na espécie, portanto, tenho que se mostra inequívoca a ausência de incapacidade laboral ou de impedimentos de longo prazo da parte autora, para o fim de recebimento do amparo assistencial, na forma da legislação de regência.

Foi realizada no caso perícia judicial, com médico oftalmologista, a qual foi conclusiva no que se refere à inexistência de incapacidade da autora, seja para o labor, seja para as atividades diárias. Não há incapacidade laboral ou para a vida independente, ou barreira que impeça sua inserção no mercado de trabalho. A autora pode exercer diversas atividades que não exijam a visão dos dois olhos.

Somente a perda da visão em um dos olhos não se mostra suficiente para lhe conferir a condição de incapaz para o labor, ou de deficiente, nos termos exigidos para a percepção do benefício em questão. Reitero que a demandante pode exercer labor compatível com sua condição. Ainda, a autora informou, na perícia, não exercer nenhuma atividade laboral.

Note-se o que referiu o perito acerca do ponto:

"8. AUTORA RELATA QUE NUNCA EXERCEU ATIVIDADE LABORAL, POREM COM A PERFEITA CAPACIDADE VISUAL EM OLHO DIREITO, TEM CONDIÇÕES DE EXERCER ATIVIDADE COMO EMPREGADA DOMÉSTICA, FAXINEIRA E OU SERVIÇOS GERAIS."

Necessário mencionar que, embora a Lei nº 14.126, de 22 de março de 2021, classifique a visão monocular como deficiência visual (“Art. 1º. Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais”), ocorre que, para os fins do recebimento do benefício assistencial, deve haver por parte do requerente incapacidade de laborar e perceber seu sustento. Não se ingnora que se trata de benefício de caráter assistencial, disponibilizado àqueles que de fato estão impedidos de laborar e de obter seu sustento por si próprios ou por seu grupo familiar.

No caso, a conclusão da perícia foi categórica: sem incapacidade atual. Justificativa: a autora apresenta bom estado de saúde física e mental acuidade visual de 100% no olho direito. Está adaptada à perda funcional de olho esquerdo. Não realiza nenhuma atividade laboral. Ainda, não necessita sequer de tratamento.

Saliento que a desconsideração ou invalidação das conclusões do laudo pericial somente poderia justificar-se diante de significativo contexto probatório em sentido contrário, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa, o que não ocorre no caso dos autos, onde a autora sequer alega que não conseguiu exercer determinada tarefa em face de sua condição.

Acerca do tema, o julgado deste TRF:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS). (...) CONDIÇÃO DE DEFICIENTE E IMPEDIMENTO A LONGO PRAZO NÃO COMPROVADOS. (...) 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). 2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da aptidão para o exercício de atividade laborativa. 3. Não havendo prova da deficiência ou impedimento a longo prazo, incabível a concessão do amparo assistencial. (...) (grifos) (TRF 4ª R., AC nº 5010039-59.2019.4.04.7112, 5ª TURMA, Relator Juiz Federal OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 20/08/2020)

Com efeito, não basta, para a obtenção do benefício assistencial de prestação continuada, a demonstração da existência de determinada condição de saúde, mas, sobretudo, que desta resulta incapacidade para o exercício das atividades laborais ou a impedimento de longo prazo.

A sentença, no caso, indeferiu o benefício postulado, sob o entendimento de não estar demonstrada a condição de deficiente da autora.

O Juízo a quo, no tocante, assim decidiu:

"Como se vê, extrai-se da normativa do § 2º do art. 20 da Lei n. 8.742/93, que o requisito elementar para a concessão do benefício de prestação continuada é a “deficiência”, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

No caso dos autos, o laudo pericial elaborado indicou a inexistência de incapacidade laborativa que acomete a parte autora (mov. 70.1, pág. 26): “Autora apresenta bom estado de saúde física e mental acuidade visual de 20/20 (100%) em olho direito está adaptada a perda funcional de olho esquerdo não realiza nenhuma atividade laboral”.

O laudo pericial, bem se sabe, constitui importante instrumento de convicção do juízo. Nada obstante, inexiste adstrição quanto à conclusão técnica (CPC, art. 479).

Reputo, portanto, insatisfeito esse primeiro requisito, o que impõe a improcedência do pleito.

Com efeito, se a parte autora não se enquadra como deficiente física, incapaz de prover seu próprio sustento, conforme laudo médico pericial acostado aos autos, deixa ela de preencher um dos requisitos para a obtenção do benefício assistencial." (evento 122)

Tenho que a sentença merece ser mantida, não havendo no caso deficiência da parte autora, para o fim de receber o benefício pleiteado.

No que se refere ao pedido de que seja anulada a sentença para a realização de estudo socioeconômico, igualmente não prospera.

Ocorre que o benefício de prestação continuada exige a presença dos dois requisitos, os quais são cumulativos - deficiência (ou idade avançada) e vulnerabilidade social. Isto é, o requerente deve demonstrar sua incapacidade laboral, seja por ser portador de determinada moléstia, seja pela sua idade, e, ainda, o requisito econômico, presente na situação de risco social.

Inexistindo a comprovação da deficiência, não há motivos para realizar o estudo social, pois não satisfeito o primeiro pressuposto.

Assim, não atendidos os requisitos legais definidos pela Lei n.º 8.742/93, não havendo condição de deficiência, tampouco incapacidade permamente, inexiste direito da parte autora ao benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.

Neste sentido, o seguinte precedente desta Corte:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. Desatendidos os pressupostos, mostra-se indevido o benefício. (grifos) (TRF 4ª Região, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA nº 5019111-47.2016.404.9999, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, e-Proc em 16/12/2016)

Desprovido, portanto, o apelo.

CONSECTÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

A sucumbência foi assim decidida pela sentença apelada:

"Condeno a parte autora ao pagamento das custas e demais despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, no importe de 10% sobre o valor atualizado da causa nos termos do art. 85, § 4 , III c/c § 6º, do CPC, ficando a execução de tal verba condicionada, o contudo, à prova da superação do estado de necessidade ensejador do deferimento do benefício da justiça gratuita, bem como à limitação temporal prevista no artigo 98, § 3 , do CPC." (evento 122)

A partir da jurisprudência do STJ (em especial do AgInt nos EREsp nº 1.539.725/DF, Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017), para que haja a majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos simultaneamente: (a) sentença publicada a partir de 18/03/2016 (após a vigência do CPC/2015); (b) recurso não conhecido integralmente ou improvido; (c) existência de condenação da parte recorrente no primeiro grau; e (d) não ter ocorrido a prévia fixação dos honorários advocatícios nos limites máximos previstos nos §§2º e 3º do artigo 85 do CPC (impossibilidade de extrapolação). Acrescente-se a isso que a majoração independe da apresentação de contrarrazões.

Na espécie, diante do não-provimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios de 10% sobre a base de cálculo fixada na sentença para 15% sobre a mesma base de cálculo, com base no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade resta suspensa em face da prévia concessão da Assistência Judiciária Gratuita (evento 62).

CUSTAS PROCESSUAIS

Mantida a condenação da parte autora ao pagamento das custas processuais, suspensa em face da concessão da AJG.

PREQUESTIONAMENTO

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, ainda que não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.

CONCLUSÃO

a) Apelação da parte autora desprovida, para o fim de manter o indeferimento do benefício assistencial, nos termos da fundamentação;

b) Majorada a sucumbência, conforme descrito, porém suspensa a condenação em honorários face à concessão da AJG à autora.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003208236v52 e do código CRC 80677678.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
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5061304-43.2017.4.04.9999
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5061304-43.2017.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

APELANTE: EDILAINE MOTTA DE ALMEIDA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. LEI Nº 8.742/93. LOAS. REQUISITO NÃO ATENDIDO. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE LABORAL OU DE IMPEDIMENTOS DE LONGO PRAZO. VISÃO MONOCULAR. PEDIDO IMPROCEDENTE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA PARA REALIZAção de estudo social. INDEFERIMENTO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.

1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

2. Não atendidos os requisitos legais definidos pela Lei n.º 8.742/93, os quais são cumulativos, não há direito da parte autora ao benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.

3. Como se pode verificar da leitura da perícia médica elaborada a pedido do Juízo, a demandante possui, sim, visão monocular - cegueira em um dos olhos e uso de prótese ocular, decorrente de trauma perfurante ocorrido na infância. Porém não apresenta incapacidade laborativa no presente momento. Não possui limitação que a impeça de trabalhar e obter sustento. Não necessita da ajuda, supervisão ou vigilância de terceiros. Não possui incapacidade para a vida independente. Não necessita de tratamento médico oftalmológico.

4. A desconsideração ou invalidação das conclusões do laudo pericial somente poderia justificar-se diante de significativo contexto probatório em sentido contrário, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.

5. Na espécie, mostra-se inequívoca a ausência de incapacidade laboral ou de impedimentos de longo prazo da parte autora, para o fim de recebimento do amparo assistencial, na forma da legislação de regência. Não basta, para a obtenção do benefício assistencial, a demonstração da existência de enfermidade, mas, sobretudo, que desta resulta incapacidade para o exercício das atividades laborais ou a impedimento de longo prazo.

6. O benefício de prestação continuada exige o cumprimento concomitante dos dois requisitos: deficiência (ou idade avançada) e vulnerabilidade social. Inexistindo a comprovação da deficiência, não há motivos para realizar o estudo social, pois não satisfeito o primeiro pressuposto. Improcede, assim, o pedido de anulação da sentença para elaboração de parecer socioeconômico.

7. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao disposto no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil. Suspensão no caso em face da concessão da Assistência Judiciária Gratuita à autora.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 31 de maio de 2022.



Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003208237v8 e do código CRC b3395c2c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 1/6/2022, às 15:35:35


5061304-43.2017.4.04.9999
40003208237 .V8


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:39:41.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 24/05/2022 A 31/05/2022

Apelação Cível Nº 5061304-43.2017.4.04.9999/PR

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART

APELANTE: EDILAINE MOTTA DE ALMEIDA

ADVOGADO: MARCOS DANIEL HAEFLIEGER (OAB SC029122)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 24/05/2022, às 00:00, a 31/05/2022, às 16:00, na sequência 516, disponibilizada no DE de 13/05/2022.

Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

SUZANA ROESSING

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 13:39:41.

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