APELAÇÃO CÍVEL Nº 5018731-59.2014.4.04.7003/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | DOMINGO TIMOTEO MARTINS |
ADVOGADO | : | emerson carlos da silva púglia |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO. MISERABILIDADE. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. DESNECESSIDADE.
1. A simples entrega de prestação previdenciária com a ausência dos pressupostos para a concessão do benefício, por si só, não enseja a devolução dos valores. É indispensável a demonstração do elemento subjetivo caracterizado pela má-fé de quem recebeu a prestação.
2. O benefício assistencial de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo devida à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família; os requisitos para sua concessão são a comprovação da incapacidade e da miserabilidade, previstos no art. 20 da Lei nº 8.742/1993.
3. Presentes os requisitos, impõe-se a concessão.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, nnegar provimento ao recurso do INSS e ao recurso do autor e diferir, de ofício, para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e correção monetária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de outubro de 2016.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8597293v4 e, se solicitado, do código CRC 9A224B2A. | |
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| Signatário (a): | João Batista Pinto Silveira |
| Data e Hora: | 21/10/2016 12:52 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5018731-59.2014.4.04.7003/PR
RELATOR | : | JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
APELANTE | : | DOMINGO TIMOTEO MARTINS |
ADVOGADO | : | emerson carlos da silva púglia |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
RELATÓRIO
Trata-se de ação proposta pelo INSS para obtenção do ressarcimento de valores relativos a benefício de prestação continuada pago supostamente de forma indevida ao réu Domingos Timoteo Martins. Alega-se a necessidade de devolução dos valores independente de caracterização da má-fé do segurado.
O réu contestou e apresentou reconvenção. Nela, formula pedido de restabelecimento do benefício de prestação continuada porque presentes os seus requisitos.
Houve ampla dilação probatória para verificação da presença, ou não, da condição de miserabilidade do réu.
Ao final, a sentença julgou improcedente o pedido formulado pelo INSS (ressarcimento) e parcialmente procedente o pedido do réu formulado em reconvenção (concessão/restabelecimento) da seguinte forma: "Pelo exposto, resolvendo o mérito do pedido, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pelo INSS e PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na reconvenção, para o fim de a) na ação principal: declarar a inexistência do débito que pretende o INSS de devolução dos valores recebidos pelo réu, referente ao assistencial de prestação continuada (LOAS) sob o n.º 552.549.979-3 no período de 07/2012 a 07/2013; b) na reconvenção: condenar o INSS a: (i) Restabelecer/implantar o seguinte benefício: Beneficiário: Domingo Timoteo Martins; Benefício: Amparo assistencial ao idoso; DIB: 07/04/2015 (data da intimação para contestar a reconvenção); DIP: 01/06/2016.; (ii) Pagar as parcelas vencidas e vincendas do benefício, acrescidas de correção monetária e juros de mora, na forma da fundamentação. Antecipo os efeitos da tutela para determinar ao réu que proceda à implantação do benefício e efetue o primeiro pagamento no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados de sua intimação acerca desta decisão, com a DIP supramencionada."
Apela o INSS. Rafirma o direito ao ressarcimento e refuta a presença dos requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada. Pugna pela reforma total da sentença.
Apela o réu. Alega que os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada estavam presentes desde antes do ajuizamento da ação e que, portanto, possui direito ao restabelecimento desde a data em que cessada a prestação por parte do INSS. Deveriam ser pagas, portanto, as prestações pretéritas desde o cancelamento (07/2013).
É o relatório.
VOTO
Remessa necessária
Considerando o valor da condenação, não há remessa necessária na hipótese em exame (art. 496, §3º, CPC/15).
1- Delimitação da questão controvertida
A questão controvertida nos autos está limitada: a) à presença dos pressupostos para a concessão do benefício assistencial e, caso entregue de forma indevida; b) à necessidade de devolução dos valores já entregues pelo INSS.
2- Benefício assistencial do idoso
A Constituição Federal instituiu o benefício assistencial ao deficiente e ao idoso nos termos do art. 203, V. A Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993, veio a regular a matéria, especialmente no art. 20.
A redação do art. 20 da LOAS, acima mencionado, foi alterada pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011 e nº 12.470, de 31-08-2011, passando a apresentar o seguinte teor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
(...)
§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
(...)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
No tocante ao idoso, o art. 38 da mesma Lei, com a redação dada pela Lei n.º 9.720, de 30 de novembro de 1998, dispunha (antes de ser revogado pela Lei 12.435/2011) que a idade prevista no art. 20 reduz-se para 67 anos a partir de 1º de janeiro de 1998. Esta idade sofreu nova redução, desta feita para 65 anos, pelo art. 34, caput, da Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), idade esta que deve ser considerada a partir de 1º de janeiro de 2004, data de início da vigência do Estatuto, nos termos do seu art. 118.
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20 da LOAS, ou aquela pessoa que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) do autor e de sua família.
Nesse sentido, a orientação consolidada do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LOAS. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. AFERIÇÃO DA CONDIÇÃO ECONÔMICA POR OUTROS MEIOS LEGÍTIMOS. VIABILIDADE. PRECEDENTES. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N.° 7/STJ.INCIDÊNCIA. REPERCUSSÃO GERAL. RECONHECIMENTO. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SOBRESTAMENTO. NÃO APLICAÇÃO.
1. Este Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3.° do art. 20 da Lei n.° 8.742/93 deverá ser observado como um mínimo, não excluindo a possibilidade de o julgador, ao analisar o caso concreto, lançar mão de outros elementos probatórios que afirmem a condição de miserabilidade da parte e de sua família.
2. "A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo." (REsp 1.112.557/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 20/11/2009).
3. Assentando a Corte Regional estarem demonstrados os requisitos à concessão do benefício assistencial, verificar se a renda mensal da família supera ou não um quarto de um salário-mínimo encontra óbice no Enunciado n.° 7 da Súmula da Jurisprudência deste Tribunal.
4. O reconhecimento de repercussão geral pelo colendo Supremo Tribunal Federal, com fulcro no art. 543-B do CPC, não tem o condão de sobrestar o julgamento dos recursos especiais em tramitação nesta Corte.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1267161/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 13/09/2011, DJe 28/09/2011)
Recentemente, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 567985/MT (18-04-13), com repercussão geral reconhecida, revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2303/RS e 2298/SP), reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93, que estabelecia a renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo para a concessão de benefício a idosos ou deficientes, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios, tendo referido o Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Cartão Alimentação (Lei n.º 10.689/03), o Programa Bolsa Família - PBF (Lei n.º 10.836/04), o Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Educação - Bolsa Escola (Lei 10.219/2001), Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde - Bolsa Alimentação (MP 2.206-1/2001) Programa Auxílio-Gás (Decreto n.º 4.102/2002), Cadastramento Único do Governo Federal (Decreto 3.811/2001).
Assim, inexistindo critério numérico atual tido por constitucional pelo STF, como referencial econômico para aferição da pobreza, e tendo sido indicada a razoabilidade de considerar o valor de meio salário mínimo per capita, utilizado pelos programas de assistência social no Brasil, tal parâmetro também deve ser utilizado como balizador para aferição da miserabilidade para a concessão de benefício assistencial, conjugado com outros fatores indicativos da situação de hipossuficiência.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal por decisões monocráticas de vários de seus Ministros vinha mantendo decisões que excluíam do cálculo da renda familiar per capita os valores percebidos por pessoa idosa a título de benefício previdenciário de renda mínima, não as considerando atentatórias à posição daquele Excelso Tribunal (Reclamação 4270/RN, Rel. Ministro EROS GRAU).
Mais do que isso, recentemente (sessão de 18-04-13), no julgamento do RE 580963/PR, o Pretório Excelso, por maioria de votos, reconheceu e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do idoso), por reputar violado o princípio da isonomia, uma vez que o legislador abrira exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais de idoso, mas não permitira a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário.
Aponto, apenas, que a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 deu-se por omissão parcial, permitindo sua interpretação de forma extensiva. Assim, o critério da exclusão dos benefícios assistenciais continua sendo aplicado, mas não somente ele, admitindo-se, extensivamente, em razão da omissão declarada.
Assim, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (EIAC nº 0006398-38.2010.404.9999/PR, julgado em 04-11-2010), ou de benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (EIAC N.º 2004.04.01.017568-9/PR, Terceira Seção, julgado em 02-07-2009. Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.
Por outro lado, não podem ser incluídos no cálculo da renda familiar os rendimentos auferidos por irmãos ou filhos maiores de 21 anos e não inválidos, bem assim por avós, tios, sobrinhos, primos e outros parentes não relacionados no art. 16 da Lei de Benefícios, conforme disposto no art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, na redação dada pela Lei n.º 9.720, de 30-11-1998, ao entender como família, para efeito de concessão do benefício assistencial, o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, elencadas no art. 16 da Lei de Benefícios - entre as quais não se encontram aquelas antes referidas.
O egrégio Supremo Tribunal Federal tem assentado, por decisões monocráticas de seus Ministros, que decisões que excluem do cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos por pessoas não relacionadas no art. 16 da Lei de Benefícios não divergem da orientação traçada no julgamento da ADI 1.232-1, como se constata, v. g., de decisões proferidas pelos Ministros GILMAR MENDES (AI 557297/SC - DJU de 13-02-2006) e CARLOS VELLOSO (Reclamação 3891/RS - DJU de 09-12-2005).
Porém, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.435, de 06-07-2011, que alterou a redação do art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, o conceito de família, para efeito de concessão do benefício assistencial, passou a ser o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, ali elencadas ("Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.").
Ressalto, outrossim, que cuidados que se fazem necessário com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou idade avançada, geram despesas com aquisição de medicamentos, alimentação especial, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, tais despesas podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família do demandante. Referido entendimento não afronta o entendimento do Supremo Tribunal Federal esposado na ADI 1.232-1, como demonstram as decisões monocráticas dos Ministros CARLOS VELLOSO (Reclamação 3891/RS - DJU de 09-12-2005), CELSO DE MELLO (Reclamações 3750/PR, decisão de 14-10-2005, e 3893/SP, decisão de 21-10-2005) e CARLOS BRITTO (RE 447370 - DJU de 02-08-2005).
Destaca-se, por fim, que eventual circunstância de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social.
No caso dos autos, o benefício assistencial foi requerido perante o INSS em 31/07/2012 - oportunidade em que a autarquia entendeu que estavam presentes os requisitos e concedeu o benefício. O processo de concessão foi regular e sem quaisquer vícios (e. 01, procadm3). Após denúncia anônima o INSS apurou que o segurado não preenchia os requisitos para o benefício já que possuía trabalho remunerado, ainda que informal (e. 01, procadm2, fl. 15). No curso do processo de revisão, não foram produzidas provas que infirmassem as conclusões da autarquia previdenciária, de modo que o benefício foi cessado em agosto de 2013.
Em 12/2014 foi ajuizada a ação e, com a apresentação da recovenção, novamente se discutiu a presença dos requisitos para a concessão ou nao do benefício. Ocorre que, no curso do processo judicial, a constatação anterior de que o réu não ostentava a condição de miserabilidade na data do requerimento não foi desconstituída. Pelo contrário, os elementos de prova somente permitiram concluir que o réu/segurado passou à condição de miserabilidade em momento posterior.
Confira-se, a propósito, a avaliação corretamente realizada quanto aos elementos de prova pelo juízo de origem:
Ou seja, é possível constatar a existência de elementos convincentes sobre o trabalho do autor, ainda que informal e de pouco remuneração. Essa informação é confirmada pelo depoimento da testemunha José Pereira de Souza (Evento 75 - VÍDEO4) ao afirmar que o réu era obrigado a trabalhar "porque ele tem que trazer o arroz e o feijão para a casa dele (aos 02:20)".
Todavia, das provas produzidas nestes autos há indicativo de que essa atividade remunerada informal cessou após a concessão do benefício.
A testemunha Domingos Canno (Evento 75 - VÍDEO5) afirmou não ter conhecimento de qualquer atividade laboral do réu, bem assim confirma que ele recebe doações da igreja para auxiliar na sua subsistência.
No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha Odemias dos Santos, que disse nunca ter visto o réu trabalhando e que recebe auxílio da igreja.
Há que se destacar que a constatação realizada (Evento 35), não evidenciou a existência de bens supérfluos na residência do réu ou que ele possua automóveis.
Ou seja, todas as provas produzidas levam a concluir que o réu-reconvinte parou de trabalhar após a concessão do amparo assistencial. Desta feita, quando parou de exercer qualquer atividade remunerada, considerando que sua esposa também não aufere qualquer renda, ao réu é devido o amparo assistencial.
Verifica-se, pois, que o réu somente passou a contar com os requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada em momento posterior à cessação pelo INSS (2013), razão pela qual poderia, ter formulado novo requerimento na esfera administrativa. Como não o fez, a conclusão inafastável é que faz jus desde a angularização da pretensão à concessão levada a juízo. O ponto foi corretamente apurado na sentença: o benefício é devido desde 07/04/2015 - data da intimação para contestar.
É preciso deixar claro o ponto: não foi demonstrado que o benefíciário fazia jus ao LOAS antes da apresentação dos elementos de prova em juízo. Reconhecido, portanto, que o direito ao benefício de prestação continuada somente surgiu na data acima apontada, cumpre verificar se a pretensão principal (do INSS) deve ser, ou não, acolhida.
No ponto, portanto, mantenho a sentença e nego provimento ao recurso do INSS e ao recurso do autor.
3- Devolução de valores recebidos de boa-fé
Nas ações de ressarcimento promovidas pelo INSS, o elemento central tende a ser a identificação da má-fé do beneficiário, já que a existência do fato lesivo à autarquia previdenciária é facilmente demonstrável através do processo administrativo originário e ou do processo de revisão posterior.
Nessa esteira, reputo indispensável que seja demontrada a má-fé ou, no revés, que seja afastada boa-fé da pessoa que alegadamente recebeu de forma indevida determinado benefício previdenciário. Essa é a orientação correta e atual das Turmas Previdenciárias, verbis:
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. DECLARAÇÃO FALSA PARA OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. MÁ-FÉ CONFIGURADA. RESSARCIMENTO DEVIDO. 1. Apesar da manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, havendo má fé por parte do recebedor dos valores, devida será a restituição dos valores indevidamente sacados. 2. A afirmação da autora ao requerer a aposentadoria por idade rural de que não recebia qualquer outro benefício, quando, na verdade, vinha recebendo aposentadoria por invalidez há mais de três anos, evidencia a má-fé da beneficiária. (TRF4, AC 0006008-63.2013.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 20/04/2016).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO DE BENEFÍCIO PAGO INDEVIDAMENTE. PARCELAS RECEBIDAS DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. INSCRIÇÃO DO NOME DO AUTOR JUNTO AO CADIN. INCABÍVEL. 1. É indevida a repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em virtude do caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos artigos. 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Precedentes desta Corte. 2. Ausente a comprovação de comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé por parte do recorrente, deve ser deferida a liminar para que o INSS se abstenha de inscrever o nome do autor junto ao CADIN até final julgamento da ação originária. (TRF4, AG 0001792-15.2015.404.0000, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 28/09/2015).
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ. PRESCRIÇÃO. 1. A imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, prevista no art. 37, §5º, da Constituição Federal, deve ser compreendida restritivamente, uma vez que atentaria contra a segurança jurídica exegese que consagrasse a imprescritibilidade de ação de ressarcimento decorrente de qualquer ato ilícito. 2. No que tange à prescrição a jurisprudência assentou entendimento de que em dívida de direito público, o prazo prescricional é qüinqüenal. 3. O pagamento originado de decisão administrativa devidamente motivada à luz das razões de fato e de direito apresentadas quanto do requerimento, tem presunção de legitimidade. 4. Evidenciada a boa-fé, o beneficiário não pode ficar jungido à contingência de devolver valores que já foram consumidos, dada a finalidade de prover os meios de subsistência a que se destina o benefício previdenciário. (TRF4, AC 5003822-52.2014.404.7216, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 30/06/2016).
Na situação em tela, o fato lesivo não foi afastado pela prova produzida nos autos. Conclui-se que houve a entrega de prestação pelo Poder Público quando não presentes os seus requisitos.
Cumpre identificar agora a possibilidade, ou não, de devolução dos valores pagos indevidamente.
No caso dos autos, claramente não houve má-fé ou esta não foi devidamente comprovada pelo INSS. Pelo contrário, por ocasião da concessão, o INSS efetuou a avaliação sem grande aprofundamento, não exigido muitos documentos e nem verificando o histórico do benefíciário. Não há, também, qualquer elemento de prova que confirme que o réu tenha tentado, de algum modo, induzir ou ludibriar o INSS, falseando a situação fática. Pelo contrário: na defesa administrativa o réu alegou que possuía direito ao benefício e essa era sua expectativa até o deslinde da causa em juízo.
O que se verifica é que houve erro da Administração - que entendeu que estavam presentes os requisitos do benefício quando ausentes.
De fato, quando se trata de pagamento ocorrido por erro da administração que sequer se valeu de seu próprio sistema para, com diligência, proceder à análise da situação da segurada, não há que se falar na devolução dos valores sem que se demonstre a má-fé do segurado. A propósito confira-se decisão desta Turma:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO.DOS VALORES PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO NA REVISÃO DO BENEFÍCIO. BOA-FÉ E HIPOSSUFICIÊNCIA DO SEGURADO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. IRREPETIBILIDADE.
É indevida a devolução de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública na revisão do benefício previdenciário, tanto em razão da boa-fé do segurado e da sua condição de hipossuficiente, como também em virtude do caráter alimentar das parcelas e da irrepetibilidade dos alimentos.(AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5002759-09.2014.404.0000/PR, Relator Des. Fed. VÂNIA HACK DE ALMEIDA, sessão de 21 de janeiro 2015).
Cumpre reafirmar que a simples entrega de prestação previdenciária ou social com a ausência dos pressupostos para a concessão do benefício, por si só, não enseja a devolução dos valores. É indispensável a demonstração do elemento subjetivo caracterizado pela má-fé de quem recebeu a prestação e isto não está presente nos autos.
No ponto, portanto, nego provimento ao recurso do INSS.
4 - Consectários
Considerando que houve condenação do INSS, entendo que os consectarios fixados na sentença devem ser modificados na forma a seguir tratada.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que sejam definidos na fase de cumprimento do julgado, em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5.º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de correção, não prevalecendo os índices eventualmente fixados na fase de conhecimento, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e correção monetária, restando prejudicado, no ponto, o recurso e/ou remessa necessária.
5- Dispositivo
Frente ao exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e ao recurso do autor e diferir, de ofício, para a fase de execução a forma de cálculo dos juros e correção monetária, tudo na forma da fundamentação.
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/10/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5018731-59.2014.4.04.7003/PR
ORIGEM: PR 50187315920144047003
RELATOR | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Cláudio Dutra Fontela |
APELANTE | : | DOMINGO TIMOTEO MARTINS |
ADVOGADO | : | emerson carlos da silva púglia |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/10/2016, na seqüência 440, disponibilizada no DE de 03/10/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E AO RECURSO DO AUTOR E DIFERIR, DE OFÍCIO, PARA A FASE DE EXECUÇÃO A FORMA DE CÁLCULO DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA, TUDO NA FORMA DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA | |
: | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
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