Apelação Cível Nº 5078696-21.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARILENE DE JESUS (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Marilene de Jesus interpôs apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido para restabelecimento de benefício assistencial, bem como para declaração do indébito (R$ 115.208,86), conforme segue (ev. 57 - grifo no original):
Ante o exposto, rejeito as prefaciais arguidas pelo INSS e, no mérito, julgo improcedente os pedidos, extinguindo o processo com resolução do mérito, em conformidade do disposto no inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil.
Mantenho o indeferimento da antecipação da tutela.
Partes isentas de custas.
No que tange aos honorários advocatícios, condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, ficando suspensa a exigibilidade, na forma do art. 98, §3º, do CPC, porquanto concedida a Justiça Gratuita em seu favor.
Protestou pelo restabelecimento do benefício assistencial (NB 88/600.520.073-2), do qual era titular desde 18/12/2012 (DER), cessado administrativamente em 01/09/2021, por entender presente a vulnerabilidade social. Mencionou, ainda, que os valores foram recebidos de boa-fé e não devem ser ressarcidos ao cofres previdenciários, requerendo provimento de antecipação recursal a fim de que o INSS não proceda à cobrança ou inscrição da autora em qualquer cadastro de dívida (ev. 63).
Com contrarrazões (ev. 68), subiram os autos.
O Ministério Público Federal manifestou-se em parecer (ev. 4 da apelação).
VOTO
Benefício Assistencial ao Idoso ou Portador de Deficiência
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b)situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g.STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01 de julho de 2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19 de abril de 2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de recurso repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar for superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, 3ª Seção, rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 20 de novembro de 2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18 de abril de 2013, a reclamação nº 4374 e o recurso extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas com os cuidados necessários da parte autora, especialmente medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: (1) requisito etário - ser idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou apresentar condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente); e (2) situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
No que diz respeito ao requisito etário, em se tratando de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise da condição incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Quanto à condição de deficiente, deve ficar comprovada a incapacidade para a vida independente, conforme disposto no artigo 20, da Lei 8.742/93, em sua redação original, esclarecendo que este Tribunal consolidou entendimento segundo o qual a interpretação que melhor se coaduna ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) é a que garante o benefício assistencial a maior gama possível de pessoas portadoras de deficiência. Cumpre ao julgador, portanto, ao analisar o caso concreto, observar que a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29 de maio de 2015).
A situação de risco social, por sua vez, deve ser analisada inicialmente sob o ângulo da renda per capita do núcleo familar, que deverá ser inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Registro, no ponto, que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no bojo do Tema 185 esclarecendo que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação n. 4374 e o Recurso Extraordinário n. 567985 (este com repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Na mesma oportunidade, o Plenário do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.
Mais recentemente, a Primeira Seção do STJ, com fundamento nos princípios da igualdade e da razoabilidade, firmou entendimento segundo o qual, também nos pedidos de benefício assistencial feitos por pessoas portadoras de deficiência, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício, no valor de um salário mínimo, recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único, do art. 34, do Estatuto do Idoso. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefíciode prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015).
Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).
Devem ser excluídos do cálculo, todavia, o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (TRF4, EINF 5003869-31.2010.404.7001, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 10 de fevereiro de 2014), bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (TRF4, APELREEX 2006.71.14.002159-6, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 10 de setembro de 2015), ressaltando-se que tal beneficiário, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerado na composição familiar, para efeito do cálculo da renda.
Demais disso, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27 de junho de 2013).
Em relação à percepção do benefício instituído pelo Programa Bolsa Família, não só não impede o recebimento do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07 de outubro de 2014).
Concluindo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29 de maio de 2015).
Mérito da causa
A controvérsia diz respeito exclusivamente ao requisito da renda, pois a autora, nascida em 24/08/1947, preenche, desde 24/08/2012, o requisito etário.
Com a finalidade de contextualizar a situação, deve-se dizer que a autora conta, atualmente, 76 (setenta e seis) anos de idade. Marilene foi titular de benefício assistencial ao idoso no período compreendido entre 18/12/2012 (DER) e 01/09/2021 (DCB - NB 88/600.520.073-2).
Conforme constou do laudo social (ev. 38 - em 16/01/2023), o núcleo familiar é composto por ela e seu marido, Sr. Adelgides Corrêa de Jesus (31/07/1938). O imóvel onde residem pertence à nora da autora, e não possuem despesas com aluguel, observando-se das fotografias anexadas ao laudo que está em boas condições de habitabilidade.
Em relação à renda per capita, ainda que se exclua o valor de um salário mínimo da aposentadoria recebida pelo marido da autora, que é idoso, a quantia remanescente é suficiente à manutenção das necessidades de Marilene. No ponto, deve-se destacar os argumentos que constaram da sentença (grifo no original):
Fazem parte do grupo familiar, residindo sob o mesmo teto, 02 pessoas: A Autora (Marilene) e seu marido, Adelgides, de 84 anos. O casal possui quatro filhos, Denise, Sérgio Ricardo, Carlos Eduardo e Jaqueline. Contudo, segundo o laudo, nenhum deles presta auxílio financeiro aos pais.
A Autora não possui renda própria desde a cessação do benefício. Seu marido está aposentado e recebe R$ 2.388,83 mensais (
).Destarte, a renda per capita do grupo perfaz o montante de R$ 1.194,00 mensais (R$ 2.388,83: 2), valor que supera o teto para concessão/manutenção do benefício.
Mas, como esse elemento não é o único a ser considerado em avaliações desta natureza, há que se prosseguir na análise dos demais indicadores econômicos do grupo familiar.
As condições materiais registradas no laudo social não induzem à presença de miserabilidade.
Assim, vejamos:
As despesas mensais são básicas: água, luz, alimentação/higiene, gás e telefone. Não há gastos com medicação, obtida junto ao SUS, nem com transporte, pois o casal tem direito ao Passe Livre. A casa foi cedida pela nora da Autora, sem custos.
As condições de conservação do imóvel ocupado pela família estão assim descritas no laudo correlato:
"Residência de alvenaria, construída em área de fácil acesso, com dois quartos,sala, cozinha,garagem e banheiro. Na garagem possui uma máquina de lavar roupase um freezer. Na cozinha possui um fogão, uma geladeira, armários, balcão suporte de pia, um forno microondas,uma mesa e cadeiras. Na sala possui dois sofás e um rack e um aparelho de televisor. Primeiro quarto possui uma maquina de costura, roupas e mala. Segundo quarto possui uma cama de casal, uma cômoda e um guarda-roupas,um aparelho de ar condicionado e um criado mudo. Um banheiro."
O levantamento fotográfico revela muito boas condições habitacionais. O imóvel consiste em uma construção de alvenaria com boas dimensões, pintada e rebocada. Possui piso cerâmico e revestimento cerâmico em parte das paredes. Conta também com área de serviço ampla e pátio. Está bem guarnecida de móveis e eletrodomésticos, aptos a garantir conforto e segurança ao casal, cabendo destaque dois televisores de tela plana, ar condicionado split, fogão, forno de microondas, lavadora de roupas e freezer.
Acrescento que o grupo não participa de programas sociais de erradicação da miséria, tais como Bolsa Família, cujo recebimento, via de regra, é indicativo de que a Postulante não tem suas necessidades básicas atendidas por seu núcleo familiar.
Sublinho que o casal possui uma prole de quatro filhos, três deles empregados: Denise recebe R$ 2.670,17 como funcionária dos Correios e Telégrafos (
), Sérgio Ricardo e Carlos Eduardo trabalham como motoristas, auferindo renda mensal de R$ 2.100,00 e R$ 3.500,00 respectivamente, segundo informado. Jaqueline é dona-de-casa.Apesar do grupo familiar possuir meios de garantir sua sobrevivência com dignidade, morando em residência confortável e bem equipada, certo é que os filhos empregados podem se cotizar e auxiliar a genitora caso lhe falte para as despesas essenciais.
Vale lembrar que o benefício em questão não se destina a complementar a renda de pessoas pobres, mas à elisão da miséria e à reabilitação da dignidade humana.
Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITO FINANCEIRO. RENDA PER CAPITA NÃO SUPERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO. 1. O benefício assistencial é devido: a) à pessoa portadora de deficiência ou à pessoa idosa; b) pertencente a grupo familiar cuja renda mensal per capita não seja igual ou superior a ¼ do salário mínimo. 2. O benefício destina-se a suprir o mínimo para subsistência de quem se encontra efetivamente em estado de miserabilidade e não tem recursos para prover seu o próprio, e nem potenciais alimentantes com obrigação legal de fazê-lo. 3. Não se pretende, com o benefício assistencial, elevar o padrão de vida de famílias que se encontram acima da linha de pobreza, e nem fazer com que o Estado se substitua à família suprindo as obrigações recíprocas entre seus membros. 4. No caso, ainda que se aplique a mitigação do critério para aferição da miserabilidade o requisito financeiro não se faz presente.
(Apelação 0015825-25.2011.404.9999, Rel. Des. Cláudia Cristina Cristofani, D.E. 09/02/2012)
Desse modo, não se enquadrando a autora no modelo legal correlato, torna-se inafastável a conclusão de que não é ela detentora do direito subjetivo invocado.
Depreende-se dos autos, portanto, que não há situação de vulnerabilidade social, o que leva ao desprovimento da apelação neste aspecto, já que o benefício não deve ser restabelecido.
Valores a restituir
No que diz respeito, entretanto, à devolução dos valores recebidos pela parte autora a título de amparo assistencial, a sentença merece reforma.
Isso porque não se observa, do contexto probatório, que tenha agido ardilosamente ou de má-fé, no intuito de seguir recebendo o benefício, e condená-la a devolver os valores não estaria de acordo com o posicionamento adotado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. TEMA 979 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. BOA-FÉ OBJETIVA. HONORÁRIOS MAJORADOS. 1. Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. (Tema 979 do Superior Tribunal de Justiça). 2. Descabe a devolução de valores recebidos a título de amparo assistencial, se as circunstâncias em que foi concedido o benefício não permitem concluir que o segurado faltou com o dever de agir com boa-fé objetiva. 3. Majorados os honorários advocatícios para o fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil. (TRF4, AC 5019413-14.2019.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 28/08/2022)
Logo, a apelação merece provimento, no ponto.
Desde já fica determinado à autarquia a proibição em inscrever a parte autora nos respectivos órgãos de proteção ao crédito, independentemente do trânsito em julgado desta decisão.
Readequação da sucumbência
Considerando o provimento do recurso em relação à inexigibilidade dos valores, deverá a autarquia pagar ao patrono da parte autora, a título de honorários advocatícios, o percentual de 10% (dez por cento) sobre a quantia discutida, pois corresponde ao proveito econômico da ação.
O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça Federal (art. 4º, I, d, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (art. 5º, I, da Lei Estadual/RS nº 14.634/14, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado). Ressalve-se, contudo, que tal isenção não exime a autarquia previdenciária da obrigação de reembolsar eventuais despesas processuais, tais como a remuneração de peritos e assistentes técnicos e as despesas de condução de oficiais de justiça (art. 4º, I e parágrafo único, Lei nº 9.289/96; art. 2º c/c art. 5º, ambos da Lei Estadual/RS nº 14.634/14).
Essa regra deve ser observada mesmo no período anterior à Lei Estadual/RS nº 14.634/14, tendo em vista a redação conferida pela Lei Estadual nº 13.471/2010 ao art. 11 da Lei Estadual nº 8.121/1985. Frise-se, nesse particular, que, embora a norma estadual tenha dispensado as pessoas jurídicas de direito público também do pagamento das despesas processuais, restou reconhecida a inconstitucionalidade formal do dispositivo nesse particular (ADIN estadual nº 70038755864). Desse modo, subsiste a isenção apenas em relação às custas.
No que concerne ao preparo e ao porte de remessa e retorno, sublinhe-se a existência de norma isentiva no CPC (art. 1.007, caput e § 1º), o qual exime as autarquias do recolhimento de ambos os valores.
Desse modo, cumpre reconhecer a isenção do INSS em relação ao recolhimento das custas processuais, do preparo e do porte de retorno, cabendo-lhe, todavia, o pagamento das despesas processuais, na proporção de 50% (cinquenta por cento), em face da sucumbência recíproca.
Conclusão
Apelação parcialmente provida para reconhecer a inexigibilidade dos valores recebidos pela parte autora a título de benefício assistencial, com tutela específica para proibição, por parte do INSS, em inscrevê-la nos órgãos protetivos de crédito, a partir da intimação deste julgado.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora, determinando ao INSS que, independentemente do trânsito em julgado desta decisão, se abstenha de inscrevê-la nos órgãos protetivos de crédito.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004267642v19 e do código CRC ba28d936.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 5/3/2024, às 23:7:44
Conferência de autenticidade emitida em 13/03/2024 04:01:06.
Apelação Cível Nº 5078696-21.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARILENE DE JESUS (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. RESTABELECIMENTO. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE SOCIAL. DEVOLUÇÃO DE VALORES. TEMA 979 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
2. É impróprio o restabelecimento de benefício assistencial quando não houver prova em relação à situação de vulnerabilidade do núcleo familiar.
3. Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido (Tema 979 do Superior Tribunal de Justiça).
4. Descabe a devolução de valores recebidos a título de amparo assistencial, se as circunstâncias em que foi concedido o benefício não permitem concluir que o segurado tenha agido ardilosamente ou de má-fé.
5. Readequada a sucumbência em desfavor da autarquia.
6. Tutela específica para determinar à autarquia a abstenção de inscrição, da parte autora, em órgãos de proteção de crédito.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, determinando ao INSS que, independentemente do trânsito em julgado desta decisão, se abstenha de inscrevê-la nos órgãos protetivos de crédito, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de fevereiro de 2024.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004267643v5 e do código CRC 11c30733.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 5/3/2024, às 23:7:44
Conferência de autenticidade emitida em 13/03/2024 04:01:06.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/02/2024 A 27/02/2024
Apelação Cível Nº 5078696-21.2021.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO
APELANTE: MARILENE DE JESUS (AUTOR)
ADVOGADO(A): andré luis berthold
ADVOGADO(A): JEFERSON NESSI BRAGA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/02/2024, às 00:00, a 27/02/2024, às 16:00, na sequência 403, disponibilizada no DE de 07/02/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, DETERMINANDO AO INSS QUE, INDEPENDENTEMENTE DO TRÂNSITO EM JULGADO DESTA DECISÃO, SE ABSTENHA DE INSCREVÊ-LA NOS ÓRGÃOS PROTETIVOS DE CRÉDITO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 13/03/2024 04:01:06.