Apelação Cível Nº 5000133-79.2019.4.04.7133/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: IARA ELISABETE FAGUNDES (AUTOR)
ADVOGADO: CAROLINA MENEGON (OAB RS090506)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face de sentença prolatada em 21/01/2020 na vigência do NCPC que julgou o pedido de benefício assistencial, cujo dispositivo reproduzo a seguir:
Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para:
a) determinar ao INSS que conceda em favor de IARA ELISABETE FAGUNDES o benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência (NB nº 703.688.655-3), a contar de 22/03/2018 (DIB), devendo mantê-lo ativo ao menos até 03/05/2020 (DCB), facultando-se à segurada o direito de requerer sua prorrogação junto ao INSS nos 15 dias que antecedem a data de cessação, caso ainda se considere incapacitada;
b) condenar o INSS a pagar as parcelas vencidas, a serem atualizadas pelo IPCA-E, e a partir da citação incidirão juros moratórios aplicados à caderneta de poupança, sem capitalização.
Determino ao INSS que proceda à imediata implantação do benefício à parte autora, com a comprovação nos autos no prazo de 10 (dez) dias.
Defiro o benefício da Gratuidade da Justiça à parte autora.
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor da condenação, consideradas nesta as parcelas vencidas até a prolação da sentença, de acordo com o disposto no art. 85, § 2º, do CPC, atentando à natureza da demanda e ao trabalho desenvolvido pelo profissional.
Responderá o INSS pelo ressarcimento dos honorários periciais.
Sentença não sujeita ao reexame necessário (art. 496, § 3º, inciso I do CPC/2015).
Inconformada, a parte autora recorreu alegando, em apertada síntese, que é portadora de transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas - síndrome de dependência (CID 10 – F19.2) e transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado (CID 10 – F33.1), e doenças que a incapacitam para exercer qualquer atividade laborativa.
Requereu que o recurso de apelação seja conhecido e julgado procedente, uma vez que preenche com o requisito quanto a condição de deficiente.
Subsidiariamente pugna pela realização de nova perícia médica e pelo estudo socioeconômico.
Oportunizada as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.
O Ministério Público Federal devolveu os autos ao TRF4 por entender pela inexistência de interesse público indisponível requerendo o regular prosseguimento do feito.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)
A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes.
Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(...)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou
1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas) ;
2) Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
Requisito etário
Tratando-se de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Condição de deficiente
Mister salientar, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente:
a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover;
b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho;
c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e
d) não pressupõe dependência total de terceiros.
Situação de risco social
Tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a miserabilidade para fins de benefício assistencial deve ser verificada em cada caso concreto.
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).
A jurisprudência desta Corte Regional, bem como do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso de 65 anos ou mais (salvo quando recebido por força de deficiência, quando então o requisito etário é afastado) deve ser excluído da apuração da renda familiar, bem como essa renda mínima não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família (Pet n.º 7203/PE - 3ª Seção - Unânime - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - DJe 11-10-2011; TRF4 - AC n.º 0019220-88.2012.404.9999 - 6ª T. - unânime - Rel. Des. Celso Kipper - D.E. 22-03-2013; REsp n.º 1112557/MG - 3ª Seção - unânime - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 20-11-2009).
Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
Durante a instrução processual foi realizada perícia médica em 19/09/2019 pelo médico psiquiatra Dr Alex Resende Terra (CRMRS023924) que diagnosticou que a autora apresenta quadro compatível com F32.1 - Episódio depressivo moderado e F10.2 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool - síndrome de dependência; entretanto, sem incapacidade atual; concluindo ainda (evento 28 - LAUDOERIC1):
Histórico/anamnese:
HISTÓRIA PSIQUIÁTRICA ATUAL E PRÉVIA
Relata que é dependente de álcool, com início de uso em meados de 2014, passando a fazer uso compulsivo logo em seguida e uso de outras substância (crack, cocaína, maconha). Buscou tratamento pela primeira vez em meados de 2014, através de internação psiquiátrica. Refere que teve várias internações em sua história, a última ocorrida em meados de 2017. Esteve em tratamento no CAPS AD, desde 2014 até 07/2018. Em meados de 08/2018 teve acidente automobilístico, com fratura de bacia e membros inferiores, ficando com dificuldade de locomoção e não conseguindo mais ir aos atendimentos. Relata que está abstinente desde o acidente. Apresenta documentos médicos, no ato pericial, datados de 2014 a 2018, entre atestados, prontuário e receitas, com referência e compatíveis com alcoolismo e depressão. Mora com uma amiga. Refere que ocupa o dia a dia fazendo com algumas atividades domésticas, tendo limitações em função da perna.
HISTÓRIA FAMILIAR Irmão com quadro depressivo.
HISTÓRIA MÉDICA ATUAL E PRÉVIA
Refere tratamento ortopédico, para fraturas recentes.
(...) Diagnóstico/CID: - F32.1 - Episódio depressivo moderado - F10.2 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool - síndrome de dependência
(...) Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: Não há incapacidade para o trabalho, do ponto de vista psiquiátrico.
A autora é portadora de quadro compatível com o diagnóstico de alcoolismo e depressão maior, ambas as condições estáveis e em tratamento adequado, não havendo presença de características, do ponto de vista psiquiátrico, que possam ser enquadradas no conceito de deficiência, nos termos do art. 4º do Decreto nº 3.298/99 ou nos termos do art. 20 da lei 8.742/93, não havendo impedimento, de longo prazo, de natureza mental.
Está em tratamento psiquiátrico regular e adequado.
Deve-se levar em conta as seguintes datas técnicas:
DID: meados de 2014
Não há necessidade de acompanhamento de terceiros.
Não há incapacidade para os atos da vida civil.
A doença é a mesma ou se vincula àquela que levou ao requerimento do benefício na esfera administrativa.
O quadro clínico permanece inalterado desde a data do requerimento administrativo.
Essa doença não implica impedimentos que geram limitações para o desempenho de atividade laborativa ou restringe a participação social em igualdade de condições com as demais pessoas.
A moléstia não demanda utilização de produtos / equipamentos especiais.
A metodologia utilizada para a elaboração da prova pericial consistiu na leitura prévia dos autos do processo, realização da Anamnese Psiquiátrica, composta da História Psiquiátrica passada e atual, História Familiar, História Médica pregressa e atual, Exame do Estado Mental, análise documental dos exames e atestados acostados aos autos e os apresentados no ato pericial, consulta bibliográfica, dando ênfase a artigos de medicina baseada em evidências.
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) autor(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) autor(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO"
Destarte, foi realizada outra perícia médica, desta feita com 03/11/2019 pelo Dr. Bruce Quatrin Buzzeto (CRMRS035365), médico ortopedista, que diagnosticou a existência de quadro compatível com S72.3 - Fratura da diáfise do fêmur, S82.5 - Fratura do maléolo medial com incapacidade temporária, como segue (evento 52, LAUDOPERIC1):
"Histórico/anamnese: Paciente acima, 55 anos, diarista, procedente de Ijuí.
Paciente refere fazer acompanhamento no CAPS devido a problema de depressão e alcoolismo.
Vítima de atropelamento em via pública no dia 14/03/2018, apresentando fratura da pelve, diáfise do fêmur e do maléolo medial.
Foi submetida a tratamento cirúrgico no femur direito e tornozelo direito pelo Dr. Jules Stucky.
Relata dor e dificuldade para caminhar, dor para ficar em pé.
Refere fazer uso de medicações analgésicas, tramal.
Fez fisioterapia mas sem apresentar melhora dos sintomas.
Diz não conseguir realizar as atividades laborais que antes exercia.
Estava em tratamento com Dr. Bernardo Pydd. Atualmente em tratamento na unidade básica de saúde.
(...) Diagnóstico/CID: - S72.3 - Fratura da diáfise do fêmur e - S82.5 - Fratura do maléolo medial
(...) Conclusão: com incapacidade temporária
- Justificativa: Paciente com dor e limitação da mobilidade do membro inferior direito.
Presença de sinais flogísticos ao nível da coxa direita.
- DII - Data provável de início da incapacidade: 14/03/2018.
- Justificativa: Devido a presença de permanência dos sintomas.
Sinais sugestivos de quadro infeccioso em atividade.
- Caso a DII seja posterior à DER/DCB, houve outro(s) período(s) de incapacidade entre a DER/DCB e a DII atual? NÃO
- Data provável de recuperação da capacidade: Maio de 2020.
- Observações: Sugiro reavaliação em 180 dias.
- A recuperação da capacidade laboral depende da realização de procedimento cirúrgico? NÃO
- A parte apresenta incapacidade para os atos da vida civil? NÃO" (grifei)
Convém por em relevo que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Outrossim, à análise da incapacidade para a vida independente não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar e não pressupõe dependência total de terceiros.
Nessa quadra, sopesando que se trata de pessoa com 56 anos de idade, com baixa instrução, profissão diarista e cuidadora, impedida de desempenhar as atividades que exijam grande esforço físico e atenção, acometida ainda de transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativaS - síndrome de dependência sendo inclusive atropelada no ano de 2018 diante de crises de alcoolismo, negar-se o benefício em tais casos equivaleria a condená-la, a intentar retornar à única atividade que desempenhou em toda a sua vida laboral, agravando cada vez mais seu quadro de saúde e ou colocando sob risco outrem.
Ademais, há que se considerar que são mínimas e mesmo inexistentes as chances de recolocação em um mercado de trabalho atual, já exíguo até para pessoas jovens e que estão em perfeitas condições de saúde.
Desse modo, do acervo probatório, as perícias judiciais, e as condições pessoais da autora, permitido concluir que restou evidenciada a incapacidade da apelante à vida independente e para o trabalho.
No tocante ao requisito econômico, importa referir que a situação de vulnerabilidade social é aferida não apenas com base na renda familiar, que não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Deverá ser analisado o contexto socioeconômico em que o autor se encontra inserido.
Foi realizado estudo social em 06/07/2019, que concluiu (evento 32, LAUD1):
No da autora: Iara Elisabete Fagundes Data de nascimento: 22/02/1964 Idade: 55 anos...
Algum dos membros da família exerce atividade remunerada? Algum dos componentes do grupo familiar recebe algum valor a título de aposentadoria, pensão ou outro benefício? Em caso positivo, qual a renda mensal líquida auferida por cada integrante, e qual a renda da família como um todo? A autora não exerce atividades remunerada, não recebe aposentadoria e nem pensão. A mesma é beneficiária do Programa Bolsa Família com o valor mensal de R$ 89,00 (oitenta e nove reais)...
Quem assegura a subsistência do(a) autor(a)? A subsistência da autora está sendo assegurada com o valor que recebe do Bolsa Família e com a solidariedade de pessoas da comunidade tais como: Maria Itália Pinto de 65 anos, viúva, mora sozinha, Santina de 79 anos, viúva, mora sozinha, Laurine de 38 anos (sobrinha da autora), as pessoas nominadas fornecem comida quando a autora “aparece”
Algum membro do grupo familiar faz uso de medicação? Em caso positivo, indique-os, bem como informe o valor dos gastos mensais com os referidos remédios. A autora é usuária de álcool e crack, relatou ter sido encaminhada para várias internações em diferentes cidades, para realizar o tratamento e que não concluiu nenhum, todos ela abandonou. A mesma necessita frequentar o CAPS/AD, inclusive possui o cronograma de atividades de segunda a sexta - feira nos turno da manhã e tarde, não está frequentando, deveria usar a medicação mas não está usando. A autora relatou que em agosto de 2018, foi atropelada por um veículo fraturou a bacia e o fêmur da perna direta, possui dificuldades para caminhar.
O grupo familiar, no qual vive o(a) autor(a), mora em casa própria ou alugada? Qual a importância paga a título de aluguel? A autora não possui residência fixa, refere que foi e é moradora de rua, depois de ter sofrido o atropelamento que resultou na dificuldades de locomoção fica de casa em casa de pessoas da comunidade, ultimamente está utilizando o quarto cedido pela senhora Maria Itália Pinto localizado nos fundos da casa.
Qual o valor dos gastos mensais fixos da família com alimentação, água, energia elétrica, vestuário, higiene e transporte, telefone? A autora não possui gastos, se referiu que pessoas da comunidade fornecem “comida”, roupas e agasalhos também recebe da Assistência Social do Município.
Em que condições materiais vive a família do(a) autor(a), especialmente em relação aos gastos enumerados nos itens anteriores e a renda mensal líquida auferida, bem como a situação e estado de sua moradia, condições dos móveis e quais eletrodomésticos que possui? Segundo informações da senhora Maria Itália, a autora não possui paradeiro, praticamente é moradora de rua, relatou que ela é usuária de álcool e crack, por piedade, acolhe cedendo comida, banho e cama (quarto cedido está localizado nos fundos da casa), a autora entra pela garagem, não possui acesso ao restante da casa. Outro fato relatado foi de que a autora anoitece e não amanhece, principalmente quando recebe o valor do Bolsa Família. A autora relatou que vai se encontrar com os moradores de rua no Bairro Osvaldo Aranha em Ijuí para usar álcool e “cheirar” que dorme na rua, tal situação foi confirmada pela senhora Maria Itália que a referida quando retorna para usar quarto cedido, seu estado é precário, de caída, suja, com fome, devido tal situação senhora Maria Itália disse tem “pena” cede o quarto e encaminha para o banho e fornece alimentos (prato de comida), agasalhos e calçado...
Nas averiguações das condições socioeconômicas da autora, averiguamos que está vivendo em situação de miserabilidade, sugerimos segundo melhor juízo, a concessão do Benefício Assistencial para Iara Elisabete Fagundes.
Deflui do laudo a situação de extrema vulnerabilidade social e renda da autora. Ademais, o fato de titular Bolsa Família, constitui forte indicativo de que encontra-se em situação de risco social. Precedente desta Corte:
CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONDIÇÃO DE DEFICIENTE. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. Deve ser reduzida, de ofício, a sentença ultra petita aos limites do pedido. 2. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 3. Comprovado o preenchimento dos requisitos legais, deve ser concedido o benefício em favor da parte autora, desde a data do requerimento administrativo (24-04-2003), descontadas as parcelas já recebidas por força de antecipação de tutela, não havendo que se cogitar de parcelas prescritas, uma vez que a ação foi ajuizada em 23-12-2003. 4. In casu, o benefício assistencial percebido pelo autor, por força de antecipação de tutela deferida nos autos, não pode ser computado na renda familiar, uma vez que se trata, justamente, do benefício cuja concessão é perseguida na demanda. Restaria, portanto, o valor recebido a título de Bolsa Família como renda da família, o qual, além de ser ínfimo, constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2009.71.99.006237-1, 6ª TURMA, Des. Federal CELSO KIPPER, POR MAIORIA, VENCIDA A RELATORA, D.E. 07/10/2014, PUBLICAÇÃO EM 08/10/2014).
Dessa forma, comprovados ambos os requisitos, a decisão recorrida merece ser reformada para conceder à parte autora Antônio Carlos Duarte o Benefício de prestação continuada ao deficiente (LOAS).
Termo inicial
O marco inicial do benefício é da data do requerimento administrativo em 23/03/2015 (evento 1, PROCADM10, p.1), cumprindo ao INSS pagar as parcelas vencidas. Observo que não há que se falar em prescrição de parcelas, pois que o requerimento administrativo ocorreu em 23/03/2015 e o processo foi distribuído em 06/02/2019 (evento 1, INIC2, p.1).
Como a parte autora logrou êxito na integralidade do pedido, invertem-se os ônus da sucumbência, nos termos do art. 86, parágrafo único, do novo Código de Processo Civil (CPC), para condenar a requerida ao pagamento de custas e honorários advocatícios, como segue.
Correção monetária e juros de mora
A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação e é calculada pelos seguintes índices oficiais: [a] IGP-DI de 5-1996 a 3-2006, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 9.711/1998 combinado com os §§ 5º e 6º do artigo 20 da Lei n. 8.880/1994; e, [b] INPC a partir de 4-2006, de acordo com a Lei n. 11.430/2006, que foi precedida pela MP n. 316/2006, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n. 8.213/1991 (o artigo 31 da Lei n. 10.741/2003 determina a aplicação do índice de reajustamento do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A incidência da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública foi afastada pelo Supremo naquele julgamento. No recurso paradigma foi determinada a utilização do IPCA-E, como já o havia sido para o período subsequente à inscrição do precatório (ADI n. 4.357 e ADI n. 4.425).
O Superior Tribunal de Justiça (REsp 149146) - a partir da decisão do STF e levando em conta que o recurso paradigma que originou o precedente tratava de condenação da Fazenda Pública ao pagamento de débito de natureza não previdenciária (benefício assistencial) - distinguiu os créditos de natureza previdenciária para estabelecer que, tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização, deveria voltar a incidir, em relação a eles, o INPC, que era o índice que os reajustava à edição da Lei n. 11.960/2009.
É importante registrar que os índices em questão (INPC e IPCA-E) tiveram variação praticamente idêntica no período transcorrido desde 7-2009 até 9-2017 (mês do julgamento do RE n. 870.947): 64,23% contra 63,63%. Assim, a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
A conjugação dos precedentes acima resulta na aplicação, a partir de 4-2006, do INPC aos benefícios previdenciários e o IPCA-E aos de natureza assistencial.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação. Até 29-6-2009 à taxa de 1% ao mês (artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987), aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar (Súmula n. 75 do Tribunal).
A partir de então, deve haver incidência dos juros até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, de acordo com o artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 11.960/2009. Eles devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez".
Honorários advocatícios e periciais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até a data do presente julgado, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC, devendo restituir os honorários periciais.
Custas e despesas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS).
Cumprimento imediato do julgado (tutela específica)
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497 do novo CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007), determino o cumprimento imediato do acórdão, a ser efetivado em 45 dias, mormente pelo seu caráter alimentar e necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Conclusão
Dado provimento à apelação da parte autora, adequando consectários à orientação do STF no RE 870947.
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas devidas até a data deste acórdão, conforme o entendimento da Súmula nº 76 desta Corte e Súmula nº 111 do STJ,, determinando o cumprimento imediato do acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do autor determinando o cumprimento imediato do acórdão.
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Apelação Cível Nº 5000133-79.2019.4.04.7133/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
APELANTE: IARA ELISABETE FAGUNDES (AUTOR)
ADVOGADO: CAROLINA MENEGON (OAB RS090506)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. BOLSA FAMÍLIA. HONORÁRIOS PERICIAIS. CONSECTÁRIOS.
1. Comprovados os requisitos da deficiência para o labor e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial.
2. O valor recebido a título de bolsa Família como renda da família, o qual, além de ser ínfimo, constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social.
3. Honorários periciais a cargo do INSS.
4. A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, prevista na Lei 11.960/2009, foi afastada pelo STF no julgamento do Tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos.
5. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E.
6. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação do autor determinando o cumprimento imediato do acórdão, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001952253v3 e do código CRC 452cea0c.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 19/08/2020
Apelação Cível Nº 5000133-79.2019.4.04.7133/RS
RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): CLAUDIO DUTRA FONTELLA
APELANTE: IARA ELISABETE FAGUNDES (AUTOR)
ADVOGADO: CAROLINA MENEGON (OAB RS090506)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 19/08/2020, na sequência 964, disponibilizada no DE de 06/08/2020.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR DETERMINANDO O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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