APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001695-64.2016.4.04.7122/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | LEANDRO FILLMANN MUNIZ (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) |
: | SONIA TERESINHA FILLMANN MUNIZ (Curador) | |
ADVOGADO | : | RICARDO LUNKES PELIZZARO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS.
1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
2. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
3. Constatado que a família encontrava-se em situação de vulnerabilidade social quando da formulação do primeiro pedido administrativo, o autor faz jus às parcelas do benefício assistencial desde a primeira DER, em 01/2004, até a concessão judicial do benefício, em 06/2015.
4. Correção monetária pelo IGP-DI de maio de 1996 a março de 2006, pelo INPC de abril de 2006 a junho de 2009, e, a partir de então, desde cada vencimento, pelo IPCA-E.
5. Juros de mora simples de um por cento (1%) ao mês,a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009, e, a partir de tal data, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art.1º-F da Lei 9.494/1997.
6. Os honorários advocatícios são fixados em dez por cento sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, nos termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença".
7. O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de março de 2018.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9327164v4 e, se solicitado, do código CRC 34113138. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001695-64.2016.4.04.7122/RS
RELATOR | : | GISELE LEMKE |
APELANTE | : | LEANDRO FILLMANN MUNIZ (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) |
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ADVOGADO | : | RICARDO LUNKES PELIZZARO |
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RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária em que o autor, Leandro Fillmann Muniz, representado nos autos pela genitora e curadora, Sonia Terezinha Fillmann Muniz, requer o pagamento das prestações de benefício assistencial entre o primeiro requerimento administrativo, em 07/01/2004, e a concessão do benefício por meio de ação judicial, com DIB em 09/06/2015. Aduz que é portador de retardo mental desde o nascimento e que, à época da primeira DER, já se encontrava em situação de vulnerabilidade social.
O magistrado de origem, da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, proferiu sentença em 10/08/2017, julgando improcedente a demanda, porquanto não comprovada a miserabilidade no período em questão, dispensando a parte autora do pagamento de honorários periciais em virtude da concessão de gratuidade da justiça. Não houve condenação em custas e em honorários (evento 66, Sent1).
A parte autora apelou, sustentando que a remuneração do pai, único assalariado do grupo familiar, era inferior ao salário mínimo na DER, o que configurava situação de miserabilidade. Afirma que a família, à época, era composta por cinco pessoas - o autor, os pais e dois irmãos menores -, havendo gastos elevados com medicamentos e aluguel, visto que não têm casa própria. Aduz que o genitor é alcoólatra, de modo que a renda por ele percebida nem sempre revertia integralmente em favor da manutenção do lar. Requer a reforma da sentença, para que concedido o benefício no período pleiteado ou para que remetidos os autos à origem, a fim de que realizada audiência para esclarecer a situação de miserabilidade (evento 74, Apelação1).
O Ministério Público opinou pelo provimento do recurso, uma vez que os laudos juntados aos autos indicavam instabilidade na situação econômica do núcleo familiar, havendo hipossuficiência (evento 4, Promoção1).
Sem contrarrazões, os autos vieram conclusos para julgamento.
VOTO
Trata-se de apelação da parte autora.
CPC/2015
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença em comento foi publicada depois desta data, o recurso será analisado em conformidade com o CPC/2015.
Da controvérsia dos autos
A controvérsia recursal envolve a comprovação da miserabilidade familiar no período de 07/01/2004 a 09/06/2015.
Benefício assistencial
O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa (com mais de 65 anos) e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
O referido art. 20 da LOAS, com as modificações introduzidas pelas Leis 12.435 e 12.470, ambas de 2011, e pela Lei 13.146, de 2015, detalha os critérios para concessão do benefício:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
A Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, por sua vez, em complemento à LOAS, dispõe:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Em relação à criança com deficiência, deve ser analisado o impacto da incapacidade na limitação do desempenho de atividades e na restrição da participação social, compatível com a sua idade.
Conceito de família
A partir da alteração promovida pela Lei n. 12.435/2011 na Lei Orgânica da Assistência Social, o conceito de família compreende: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Quanto aos filhos maiores de idade e capazes, importante refletir sobre a responsabilidade que estes têm com os membros idosos da família. Uma vez que o benefício em questão, tratado no art. 203, V, da Constituição Federal, garante um salário mínimo mensal à pessoa deficiente ou idosa que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, não seria razoável excluir a renda de filho maior e capaz que aufere rendimentos, uma vez que este tem responsabilidade para com seus genitores idosos.
Por outro lado, considerar aqueles filhos maiores e capazes que não auferem renda para fins de grupo familiar seria beneficiá-los com uma proteção destinada ao idoso, ou seja, estariam contribuindo para a implementação dos requisitos do benefício (cálculo da renda per capita) sem contribuir para o amparo de seus ascendentes. Logo, tem-se que devem ser computados no cálculo da renda per capita tão somente os filhos que possuem renda.
Condição socioeconômica
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que era hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...) 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Nesse sentido, tenho adotado posição de flexibilizar os critérios de reconhecimento da miserabilidade, merecendo apenas adequação de fundamento frente à deliberação do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
Mais recentemente, a Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no referido artigo 20 da LOAS, o qual dispõe que para concessão do benefício assistencial poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Caso concreto
A parte autora, nascida em 02/04/1984, aos 19 anos de idade requereu administrativamente o benefício assistencial, em 07/01/2004, pedido indeferido, sob o argumento de que não preenchido o requisito renda (evento 1, Indeferimento3). Protocolou novo pedido administrativo, em 09/06/2015, também indeferido. Em 14/09/2015, ingressou com ação judicial que tramitou no Juizado Especial Federal de Porto Alegre (autos n. 505699951.2015.404.7100), cuja decisão foi pela concessão do benefício assistencial desde a segunda DER, de 09/06/2015. Nestes autos, o autor requer o pagamento das prestações do benefício de prestação continuada desde a primeira DER, em 07/01/2004, até a DIB do benefício hoje ativo, em 09/06/2015. A presente ação foi ajuizada em 20/05/2016.
Não houve controvérsia sobre os impedimentos de longo prazo, apurados pelo INSS em perícia médica, a qual constatou que o requerente era portador de retardo mental grave (CID F72), tendo iniciado a doença e a incapacidade na data do nascimento (evento 16, ProcAdm1, p. 30). Ademais, foi juntada perícia médica realizada nos autos n. 505699951.2015.404.7100, cuja conclusão foi no sentido de que o autor apresentava retardo mental moderado (CID F72) e epilepsia (CID G64), quadro psiquiátrico grave, sem perspectiva de reabilitação, iniciado com o nascimento (evento 1, Laudo6).
Logo, o ponto controvertido é a existência de vulnerabilidade social no período de 07/01/2004 (primeira DER) e 09/06/2015 (data da concessão judicial do benefício).
Quando do requerimento administrativo, em 01/2004, foi informado que a família era então composta pela autor, com 19 anos, pelos pais e por dois irmãos menores, Vanessa (12 anos) e Victor (10 anos). A informação no requerimento foi de que o pai estava desempregado e de que a família não dispunha de renda (evento 16, ProcAdm1, p. 3).
Foi produzido estudo socioeconômico nestes autos, em setembro de 2016, o qual apontou que o autor fazia uso de medicamentos de uso controlado desde a infância, tendo ocorrido controle das crises, sobretudo de agressividade, somente em 2015, com internação no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre, quando houve o ajuste das medicações.
A assistente social referiu que há 10 anos a família - formada pelo autor, Leandro (32 anos), pela mãe, Sonia Terezinha (54 anos), e pelo pai, Romeo (53 anos) -, residia em casa alugada, situada em bairro distante do centro, em Gravataí/RS. Antes disso, haviam morado em uma casa alugada em uma vila, também afastada do centro, com poucos recursos. Relatou que a residência atual era em alvenaria, situada nos fundos do terreno, construída no andar de cima, com entrada independente, mas sem acesso ao pátio. Informou tratar-se de local úmido, com pouca ventilação, guarnecida com móveis básicos e em estado razoável. Afirmou que o autor dorme em uma cama colocada junto à cozinha, separada por um armário, e que a residência apresenta higiene precária. Os outros dois irmãos do autor estavam morando fora. Foram anexadas fotos da residência, as quais denotam tratar-se de moradia simples, com muita umidade e pouca iluminação, com móveis simples e antigos.
A assistente mencionou que o autor não interage com as pessoas, nem com os familiares mais próximos, devido ao elevado quadro de déficit mental apresentado. Não fala, não faz a higiene sozinho e precisa de supervisão para alimentar-se. Referiu que a renda mensal era de um salário mínimo, proveniente do benefício assistencial do autor, somada a um valor incerto obtido pelo genitor, que estava desempregado e fazia biscates como segurança. Relatou que os gastos mensais eram de R$ 191,95 com energia elétrica, R$ 500,00 com aluguel, R$ 60,00 com gás, R$ 100,00 com medicação, R$ 100,00 de telefone e R$ 500,00 com alimentação. Os pais do autor disseram que os gastos atuais eram equivalentes aos valores dispendidos entre 2004 e 2015 (evento 22, Laudo1).
O laudo social produzido em 04/2016 nos autos n. 505699951.2015.404.7100, demanda que resultou na concessão do benefício assistencial a partir de 2015, apontou que a família era composta pelo autor, pela mãe e pelos dois irmãos, Vanessa, então, com 23 anos, e Victor, com 21 anos. A renda familiar, naquela data, era de R$ 1.800,00, percebidos pelos irmãos do requerente, ambos em período de experiência nos empregos. A assistente social referiu que a mãe não tinha condições de trabalhar fora, devido ao elevado grau de dependência do autor. Os gastos mensais somavam R$ 1.875,81.
Relatou que eles viviam há nove anos nesta casa alugada, com dois quartos, sala/cozinha e banheiro, com organização, higiene e manutenção em estado precário, localizada em Gravataí/RS. Referiu que o núcleo familiar estava passando por um período delicado, pois o pai do autor, alcoólatra há muitos anos, havia sido afastado da residência com a intervenção da Brigada Militar, após agressões à esposa e aos filhos. A conclusão foi de que a situação da família não assegurava estabilidade para o requerente se manter e ter o devido atendimento (evento 1, Laudo7).
Extrato do CNIS colacionado aos autos indica que, no período controvertido, o pai do autor teve vários vínculos empregatícios efêmeros, na área de vigilância, com remuneração média inferior a dois salários mínimos. Os contratos de trabalho mais longos foram de 09/2007 a 04/2009 (19 meses), de 03/2012 a 03/2013 (12 meses) e de 04/2013 a 05/2013 (24 meses), períodos que, somados, correspondem a pouco mais de um terço do período em questão (evento 55, CNIS).
A irmã do autor, Vanessa, começou a laborar em 11/2010, apresentando dois vínculos empregatícios no período, com remuneração na faixa de um salário mínimo (evento 18, CNIS2). O irmão, Victor, começou a trabalhar em 02/2012, com dois vínculos no período e remuneração pouco superior a um salário mínimo (evento 18, CNIS3).
Com base nas informações colacionadas, conclui-se que de 2004 a 2010 o sustento familiar provinha apenas do labor do pai, com remuneração na faixa de dois salários mínimos, embora de forma instável, com vários períodos de desemprego, contexto agravado pelo histórico de alcoolismo. À época, o núcleo familiar era formado por cinco pessoas, sendo dois menores e o requerente, portador de limitação em grau elevado, que demanda cuidados especiais e medicações não obtidas na rede pública de saúde. Ademais, a família vivia em residência alugada, em condições precárias.
A partir de 11/2010, a irmã do autor passou a laborar, percebendo remuneração de um salário mínimo -, época em que o pai estava desempregado. A partir de então, o genitor e os filhos alternaram períodos com e sem emprego, o que denota constante instabilidade quanto aos rendimentos.
Importa referir que a situação de vulnerabilidade social é aferida não apenas com base na renda familiar, mas analisando-se o contexto socioeconômico em que o autor se encontra inserido.
Portanto, levando-se em consideração o elevado grau de incapacidade do requerente, as condições precárias de moradia, a instabilidade nos rendimentos familiares e o problema recorrente de alcoolismo do genitor, conclui-se que o autor já estava em situação de vulnerabilidade social quando requereu o benefício assistencial em 07/01/2004, conforme destacado pelo Ministério Público Federal em seu parecer (evento 4, Promoção1).
Logo, o requerente faz jus às parcelas do benefício assistencial entre a DER, em 07/01/2004, e a DIB do benefício concedido judicialmente, em 09/06/2015.
Provido o apelo do autor.
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação, e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- IGP-DI de maio de 1996 a março de 2006 (art. 10 da Lei 9.711/1998, combinado com os §§ 5º e 6º do art. 20 da Lei 8.880/1994);
- INPC de abril de 2006 a junho de 2009 (art. 31 da Lei 10.741/2003, combinado com a Lei 11.430/2006, conversão da MP 316/2006, que acrescentou o art. 41-A à L 8.213/1991; STJ, REsp 1.103.122/PR);
- IPCA-E (a partir de 30 de junho de 2009, conforme RE870.947, j. 20/09/2017).
Juros de mora
Aplicam-se juros de mora simples de um por cento (1%) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, os juros incidem, de uma só vez, de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997.
Em face do intrínseco efeito expansivo de decisões desta natureza, deve a eficácia do julgamento proferido pelo STF incidir no presente caso, não se cogitando de reformatio in pejus contra a Fazenda Pública, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no REsp 1577634/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe de 30/05/2016; AgInt no REsp 1364982/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe de 02/03/2017).
Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios são em regra fixados em dez por cento sobre o valor da condenação (TRF4, Terceira Seção, EIAC 96.04.44248-1, rel. Nylson Paim de Abreu, DJ 07/04/1999; TRF4, Quinta Turma, AC 5005113-69.2013.404.7007, rel. Rogerio Favreto, 07/07/2015; TRF4, Sexta Turma, AC 0020363-44.2014.404.9999, rel. Vânia Hack de Almeida, D.E. 29/07/2015), excluídas as parcelas vincendas nos termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença".
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (art. 11 da Lei Estadual 8.121/1985, com a redação da Lei Estadual 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864, TJRS, Órgão Especial).
Conclusão
Provido o apelo do autor, para determinar o pagamento das prestações de benefício assistencial entre a primeira DER, em 07/01/2004, e a DIB do benefício concedido judicialmente, em 09/06/2015, corrigidas monetariamente e com juros de mora. O INSS foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios de 10% do valor das prestações, estando isento das custas processuais.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9327163v2 e, se solicitado, do código CRC A91BA7B2. | |
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 20/03/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001695-64.2016.4.04.7122/RS
ORIGEM: RS 50016956420164047122
RELATOR | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
PRESIDENTE | : | Luiz Carlos Canalli |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | LEANDRO FILLMANN MUNIZ (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) |
: | SONIA TERESINHA FILLMANN MUNIZ (Curador) | |
ADVOGADO | : | RICARDO LUNKES PELIZZARO |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 20/03/2018, na seqüência 138, disponibilizada no DE de 01/03/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
: | Des. Federal LUIZ CARLOS CANALLI | |
: | Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Lídice Peña Thomaz, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9355357v1 e, se solicitado, do código CRC 28BD28C1. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Lídice Peña Thomaz |
| Data e Hora: | 20/03/2018 21:49 |
