| D.E. Publicado em 05/12/2018 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000481-28.2016.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
APELANTE | : | GUSTAVO BLOMKER GONCALVES |
ADVOGADO | : | Álvaro Domingues Tavares |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. TUTELA ESPECÍFICA.
1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
2. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
3. Preenchidos os requisitos, é de ser concedido o benefício pleiteado de 04/2014 a 07/2017, período durante o qual o padrasto do autor e único membro da família que laborava permaneceu em situação de desemprego.
4. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente no Supremo Tribunal Federal decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante.
5. Os honorários advocatícios são fixados em dez por cento sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, nos termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença".
6. O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigos 2º, parágrafo único, e 5º, I da Lei Estadual 14.634/2014).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de novembro de 2018.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Gisele Lemke, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9477607v7 e, se solicitado, do código CRC 6FD7596C. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000481-28.2016.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
APELANTE | : | GUSTAVO BLOMKER GONCALVES |
ADVOGADO | : | Álvaro Domingues Tavares |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
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RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária em que o autor, Gustavo Blomker Gonçalves, representado pela genitora, requer a concessão de benefício assistencial por ter deficiência (sequelas de traumatismo craniano) e encontrar-se em situação de vulnerabilidade social.
O magistrado de origem, da Comarca de Triunfo/RS, proferiu sentença em 26/08/2015, julgando improcedente a demanda, porquanto não comprovada a miserabilidade, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios de 10% do valor da causa, cuja exigibilidade resta suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça (fls. 155-158).
A parte autora apelou, sustentando que tornou-se dependente de terceiros após sofrer um atropelamento, em 2012, estando incapacitado desde esta data. Assevera que o limite de renda previsto legalmente para concessão de benefício assistencial é apenas um parâmetro, devendo ser analisadas também as condições de vida do beneficiário. Requer a reforma da sentença (fls. 159-161).
O Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso (fls.164-165).
Sem contrarrazões, os autos vieram conclusos para julgamento.
Nesta Corte, foi proferida decisão, determinando a baixa dos autos em diligência para que produzida perícia médica e laudo socioeconômico (fls. 167-168).
Produzidos ambos os laudos (fls. 173-176 e 187-188), as partes foram instadas a se manifestar e os autos vieram conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Trata-se de apelação da parte autora.
CPC/1973
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença foi publicada antes desta data, o recurso será analisado em conformidade com o CPC/1973.
Da controvérsia dos autos
A controvérsia recursal envolve a comprovação da miserabilidade familiar e dos impedimentos de longo prazo do autor.
Benefício assistencial
O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa (com mais de 65 anos) e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
O referido art. 20 da LOAS, com as modificações introduzidas pelas Leis 12.435 e 12.470, ambas de 2011, e pela Lei 13.146, de 2015, detalha os critérios para concessão do benefício:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
A Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, por sua vez, em complemento à LOAS, dispõe:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Em relação à criança com deficiência, deve ser analisado o impacto da incapacidade na limitação do desempenho de atividades e na restrição da participação social, compatível com a sua idade.
Conceito de família
A partir da alteração promovida pela Lei n. 12.435/2011 na Lei Orgânica da Assistência Social, o conceito de família compreende: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Quanto aos filhos maiores de idade e capazes, importante refletir sobre a responsabilidade que estes têm com os membros idosos da família. Uma vez que o benefício em questão, tratado no art. 203, V, da Constituição Federal, garante um salário mínimo mensal à pessoa deficiente ou idosa que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, não seria razoável excluir a renda de filho maior e capaz que aufere rendimentos, uma vez que este tem responsabilidade para com seus genitores idosos.
Por outro lado, considerar aqueles filhos maiores e capazes que não auferem renda para fins de grupo familiar seria beneficiá-los com uma proteção destinada ao idoso, ou seja, estariam contribuindo para a implementação dos requisitos do benefício (cálculo da renda per capita) sem contribuir para o amparo de seus ascendentes. Logo, tem-se que devem ser computados no cálculo da renda per capita tão somente os filhos que possuem renda.
Condição socioeconômica
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que era hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...) 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Nesse sentido, tenho adotado posição de flexibilizar os critérios de reconhecimento da miserabilidade, merecendo apenas adequação de fundamento frente à deliberação do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
Mais recentemente, a Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no referido artigo 20 da LOAS, o qual dispõe que para concessão do benefício assistencial poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Caso concreto
O autor, Gustavo Blomker Gonçalves, nascido em 27/09/1992 (fls. 7), aos 20 anos de idade requereu administrativamente o benefício assistencial em 19/10/2012, pedido indeferido, sob o argumento de que houve parecer contrário da perícia médica e que a renda familiar ultrapassava o limite legal (fls. 15). A presente ação foi ajuizada em 09/07/2014.
Impedimentos de longo prazo
Perícia médica realizada por neurologista em 12/01/2018 apontou que o demandante, então com 25 anos, era portador de sequela de traumatismo cerebral difuso ocorrido em 2012 (CID S062), sem recuperação funcional, estando restrito a cadeira de rodas, com grande comprometimento motor, de linguagem e cognitivo, situação que impede o exercício de qualquer atividade remunerada e implica perda de autonomia. O médico consignou que ele estava incapacitado de forma total e permanente desde dezembro de 2012, conforme o registro hospitalar (fls. 187-188).
Comprovados os impedimentos de longo prazo, passo à análise da questão socioeconômica.
Condição socioeconômica
O estudo socioeconômico, realizado em 09/2016, apontou que o autor, Gustavo (24 anos), vivia com a mãe, Cristiane, (39 anos), e com o padrasto, Marco Antonio, em residência própria, mista (madeira e alvenaria), em bom estado de conservação, com seis cômodos, situada na BR 386, em Triunfo/RS. Referiu que o banheiro da moradia não era adaptado, o que dificultava a locomoção com a cadeira de rodas. A assistente social mencionou que os móveis da casa eram bem conservados, os quais haviam sido adquiridos no período anterior ao atropelamento de Gustavo, quando todos os membros da família laboravam, segundo informado por Cristiane.
A renda, na data da visita domiciliar, era de R$ 1.300,00 ao mês, obtidos pelo padrasto do demandante. A genitora do autor disse que trabalhava fazendo faxinas, atividade que interrompeu após o acidente de Gustavo, para auxiliá-lo, visto que as demandas são contínuas.
A mãe do requerente relatou que o filho foi vítima de atropelamento, que resultou em sérios problemas de saúde e que demandou mudanças na organização familiar, a fim de atender às novas necessidades de Gustavo, que não caminha, tem poucos movimentos, vive acamado, necessitando de auxílio para as atividades rotineiras, como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e locomover-se. Disse que, na fase mais crítica pós acidente, o autor foi atendido na AACD, entidade que disponibilizou a cadeira de rodas por ele utilizada. Referiu que atualmente Gustavo é atendido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde faz botox nas pernas. Afirmou que ele faz tratamento fisioterápico em casa e hidroterapia no centro do município de Trinfo/RS, custeada pela Secretaria de Saúde. Mencionou que o filho tem prescrição de atendimento fonoaudiológico, porém, a família não tem condições de pagar, estando no aguardo de atendimento na APAE.
Quanto às despesas mensais, referiu que são aplicados R$ 120,00 mensais em medicação não obtida na rede pública de saúde, além dos gastos com alimentação, água, energia elétrica e gás. A conclusão da assistente social foi de que a condição de sáude do autor, após o atropelamento, requereu nova organização familiar, tanto na esfera econômica, quando no atendimento em tempo integral prestado ao demandante, situação que impossibilita a mãe de inserir-se no mercado de trabalho. Referiu que, segundo relato da genitora do autor, a família enfrenta dificuldades financeiras, pois a renda obtida pelo esposo - e padrasto de Gustavo - é insuficiente para atender às necessidades familiares (fls. 173-176).
Em consulta ao CNIS, observa-se que não há registros de vínculos empregatícios formais da mãe do autor desde 12/2008.
Já o CNIS do padrasto aponta que ele esteve empregado de 01/2006 a 03/2014 na empresa Transporte JK Ltda, percebendo em 2012 (época do acidente e da DER) pouco mais de três salários mínimos. Voltou a ter emprego formal somente entre 08/2017 e 09/2018, percebendo pouco mais de dois salários mínimos.
Considerando que, à época do acidente, o padrasto do autor percebia remuneração pouco superior a três salários mínimos, situação que perdurou até 03/2014, enquanto permaneceu contratado pela empresa Transporte JK Ltda, conclui-se que, neste período, não estava configurada a situação de miserabilidade.
No entanto, de 04/2014 a 07/2017 ele esteve fora do mercado formal de trabalho. Na data da visita da assistente social, em 09/2016, foi referido que Marco Antônio tinha remuneração de R$ 1.300,00, certamente, obtida na informalidade.
Em 08/2017, o padrasto do requerente voltou a laborar formalmente, como empregado de Israel Kistique, segundo consta do CNIS, com remuneração em 2018 de R$ 2.181,60, o que corresponde a pouco mais de dois salários mínimos.
Assim, tenho que resta comprovada a situação de hipossuficiência familiar a partir de 04/2014, quando o padrasto do autor deixou de trabalhar formalmente, até 07/2017, quando retornou ao mercado de trabalho, sendo devido o benefício assistencial ao autor em referido período. Não há que falar em prescrição, pois a presente ação foi ajuizada em 07/2014.
Provido parcialmente o apelo, para conceder o benefício assistencial desde 04/2014 até 07/2017.
Correção monetária e Juros de Mora
Esta 5ª Turma vinha aplicando a decisão do STF no RE nº 870.947, conhecida por Tema 810 do STF, acerca da correção monetária e dos juros de mora. No entanto, em 24/09/2018, o ministro Luiz Fux, relator do processo em questão, atribuiu efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos contra aquela decisão. Com isso, é o caso de ser suspensa sua aplicação por ora.
No entanto, a questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do CPC de 2015, ao prever como regra geral que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter a interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão o inc. I traz exceção à regra da cabeça, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
O enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária a ser aplicada sobre os débitos da Fazenda Pública a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no Supremo Tribunal Federal a definição final, em regime de repercussão geral, quanto à aplicação de consectários na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito cujos consectários são totalmente definidos por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida a solução definitiva para a fase de cumprimento do julgado em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do Código de Processo Civil de 2015, mostra-se adequado e racional diferir para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo Tribunal Superior, o que conduzirá à observância pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie adotando-se os índices da Lei nº 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do Juízo de origem sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas caso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter a incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes, conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei nº 11.960/2009.
Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios são fixados em dez por cento sobre o valor da condenação (TRF4, Terceira Seção, EIAC 96.04.44248-1, rel. Nylson Paim de Abreu, DJ 07/04/1999; TRF4, Quinta Turma, AC 5005113-69.2013.404.7007, rel. Rogerio Favreto, 07/07/2015; TRF4, Sexta Turma, AC 0020363-44.2014.404.9999, rel. Vânia Hack de Almeida, D.E. 29/07/2015), excluídas as parcelas vincendas nos termos da Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência", e da Súmula 111 do STJ (redação da revisão de 06/10/2014): "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença".
O termo final do cômputo dos honorários advocatícios neste caso será a data de julgamento deste recurso.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigos 2º, parágrafo único, e 5º, I da Lei Estadual 14.634/2014).
Conclusão
Provido parcialmente o apelo do autor, para conceder o benefício assistencial desde 04/2014 até 07/2017, condenando-se o INSS ao pagamento das prestações vencidas, diferindo-se para a fase de cuprimento de sentença a definição da forma de cálculo dos juros e correção monetária aplicáveis. A autarquia foi condenada ao pagamento de honorários advocatícos de 10% das prestações vencidas até a data deste acórdão.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do autor.
Juíza Federal Gisele Lemke
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/11/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000481-28.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00027604320148210139
RELATOR | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
PRESIDENTE | : | Osni Cardoso Filho |
PROCURADOR | : | DR. Marcelo Veiga Beckhausen |
APELANTE | : | GUSTAVO BLOMKER GONCALVES |
ADVOGADO | : | Álvaro Domingues Tavares |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/11/2018, na seqüência 1, disponibilizada no DE de 12/11/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal GISELE LEMKE |
: | Juíza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ | |
: | Des. Federal OSNI CARDOSO FILHO |
Paulo Roberto do Amaral Nunes
Secretário em substituição
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| Data e Hora: | 29/11/2018 17:07 |
