BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. INOCORRÊNCIA. TRF4...

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Trata-se de ação ordinária em que a parte autora requer a concessão de benefício assistencial por ter deficiência e encontrar-se em situação de vulnerabilidade social.

 

O magistrado de origem, da Comarca de Encantado/RS, proferiu sentença em 30/10/2017, julgando improcedente a demanda, pois não comprovada a miserabilidade familiar, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios de R$ 500,00, cuja exigibilidade resta suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça (evento 4, Sent30).

 

A parte autora apelou, sustentando que comprovou nos autos a hipossuficiência familiar, visto que a família tem gastos elevados. Assevera que está incapacitado, conforme conclusão do médico perito, fazendo jus ao benefício assistencial desde a DER, em 15/12/2011. Caso não seja este o entendimento, requer a concessão do benefício entre a DER e 09/2015, quando o genitor iniciou o vínculo empregatício vigente (evento 4, Apelação31).

 

O Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso (evento 17, Parecer1).

 

Sem contrarrazões, os autos vieram conclusos para julgamento.

 

 

Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.

 

Tendo em vista que a sentença em comento foi publicada depois desta data, o recurso será analisado em conformidade com o CPC/2015.

 

 

A controvérsia recursal envolve a comprovação da miserabilidade familiar.

 

O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa (com mais de 65 anos) e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.

 

O referido art. 20 da LOAS, com as modificações introduzidas pelas Leis 12.435 e 12.470, ambas de 2011, e pela Lei 13.146, de 2015, detalha os critérios para concessão do benefício:

 

 

 

A Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, por sua vez, em complemento à LOAS, dispõe:

 

 

Em relação à criança com deficiência, deve ser analisado o impacto da incapacidade na limitação do desempenho de atividades e na restrição da participação social, compatível com a sua idade.

 

 

A partir da alteração promovida pela Lei n. 12.435/2011 na Lei Orgânica da Assistência Social, o conceito de família compreende: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

 

Quanto aos filhos maiores de idade e capazes, importante refletir sobre a responsabilidade que estes têm com os membros idosos da família. Uma vez que o benefício em questão, tratado no art. 203, V, da Constituição Federal, garante um salário mínimo mensal à pessoa deficiente ou idosa que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, não seria razoável excluir a renda de filho maior e capaz que aufere rendimentos, uma vez que este tem responsabilidade para com seus genitores idosos.

 

Por outro lado, considerar aqueles filhos maiores e capazes que não auferem renda para fins de grupo familiar seria beneficiá-los com uma proteção destinada ao idoso, ou seja, estariam contribuindo para a implementação dos requisitos do benefício (cálculo da renda per capita) sem contribuir para o amparo de seus ascendentes. Logo, tem-se que devem ser computados no cálculo da renda per capita tão somente os filhos que possuem renda.

 

 

Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que era hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

 

No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz:

 

 

Nesse sentido, tenho adotado posição de flexibilizar os critérios de reconhecimento da miserabilidade, merecendo apenas adequação de fundamento frente à deliberação do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.

 

Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.

 

Mais recentemente, a Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no referido artigo 20 da LOAS, o qual dispõe que para concessão do benefício assistencial poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.

 

 

O autor, nascido em 20/04/1987 (evento 4, AnexosPet5, p. 2) aos 23 anos de idade requereu administrativamente o benefício assistencial em 15/12/2011, pedido indeferido, sob o argumento de que ausentes os impedimentos de longo prazo (evento 4, AnexosPet5, p. 3). A presente ação foi ajuizada em 24/03/2014.

Não houve controvérsia sobre os impedimentos de longo prazo, uma vez que a perícia médica produzida nestes autos concluiu que o autor era portador de esquizofrenia indiferenciada, que gerava incapacidade total e permanente, necessitando de auxílio para alimentar-se, vestir-se e higienizar-se (evento 4, LaudPeri18).

O ponto controvertido recaiu sobre a hipossuficiência familiar.

O laudo socioeconômico, produzido a partir de visita domiciliar realizada em 22/05/2015, apontou que o autor, Tiago (28 anos), vivia com a mãe, Leonídia (49 anos), e com o pai, Nelson (57 anos), em residência própria, financiada, em madeira, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e despensa, localizada em Roca Sales/RS. Na data da visita, apenas a mãe do autor estava laborando como empregada na Cooperativa Languiru e percebendo um valor líquido de R$ 788,77.

A assistente social referiu que as despesas mensais englobavam R$ 500,00 com alimentação, R$ 110,00 com energia elétrica, R$ 22,00 com água, R$ 100,00 com medicamentos, R$ 50,00 com gás, R$ 50,00 com telefone e R$ 220,00 com empréstimo do imóvel, somando R$ 1.052,00. O parecer foi favorável à concessão do benefício (evento 4, LaudPeri12).

No entanto, em consulta ao CNIS, verifica-se que os pais do autor laboraram durante períodos significativos desde a data do pedido administrativo, em 12/2011. À época, a mãe do demandante estava empregada, recebendo cerca de R$ 1.000,00 mensais, vínculo que perdurou até 10/2013. A partir de 07/2014, Leonídia passou a laborar em outra empresa, com salário médio de R$ 1.300 em 2014, R$ 1.500,00 em 2015, R$ 1.600,00 em 2016 e de R$ 1.700,00 em 2017. Ou seja, a genitora do autor ficou desempregada durante oito meses, entre o final de 2013 e a metade de 2014.

Já o pai do autor também estava empregado à época do pedido administrativo, em 12/2011, com salário entre R$ 1.000,00 e R$ 1.200,00. Tal vínculo estendeu-se até 06/2014. Nelson voltou a trabalhar formalmente em 09/2015, percebendo remuneração entre R$ 1.000,00 e R$ 1.400,00. Significa que o genitor esteve desempregado da metade de 2014 até setembro de 2015, época em que a esposa estava laborando.

Em resumo, a família teve períodos em que ambos os genitores laboravam, totalizando renda familiar superior a R$ 2 mil, além de um período - de 07/2014 até 09/2015 - em que apenas a mãe do demandante laborava, perfazendo renda mensal entre R$ 1.300,00 e R$ 1.500,00.

Logo, considerando que a família reside em casa própria e que não foram comprovados gastos extraordinários, conclui-se que não há miserabilidade, não merecendo reparos a sentença de improcedência.

Negado provimento ao apelo do autor.

 

Uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no art. 85, §11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.

 

Assim, majoro a verba honorária de R$ 500,00 para R$ 750,00. Mantida a condenação em custas processuais. Exigibilidade suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça.

 

 

Negado provimento ao apelo do autor e majorada a verba honorária para R$ 750,00.

 

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do autor.

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/05/2018, na seqüência 91, disponibilizada no DE de 07/05/2018, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR.