Apelação Cível Nº 5019739-65.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: ANDREA MARTINS BARBOSA (Pais)
APELANTE: ESTEFANY BARBOSA OLIVEIRA (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária em que a parte autora requer a concessão de benefício assistencial por ter deficiência e encontrar-se em situação de vulnerabilidade social.
O magistrado de origem, da Comarca de São Luiz Gonzaga, proferiu sentença em 23/03/2018, julgando improcedente a demanda, condenando a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios de 20% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade resta suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça (evento 3, SENT27)
A parte autora apelou, sustentando que a foi periciada por médico especialista em neurologista e nesta perícia foi considerada parcialmente incapaz, conforme resposta dada ao quesito 7, letra a, tendo sido constatado, ainda, que o impedimento é de longa duração. Quanto ao critério de miserabilidade, defende que qualquer benefício no valor de um salário mínimo recebido por qualquer integrante do grupo familiarnão deve ser considerado para fins de aferição de renda familiar.
O Ministério Público opinou pelo desprovimento da apelação (Evento 11 - PARECER1).
Sem contrarrazões, os autos vieram conclusos para julgamento.
VOTO
Trata-se de apelação da parte autora.
CPC/2015
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença em comento foi publicada posteriormente a esta data, o recurso será analisado em conformidade com o CPC/2015.
Da controvérsia dos autos
A controvérsia recursal envolve a comprovação da incapacidade da autora.
Benefício assistencial
O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa (com mais de 65 anos) e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
O referido art. 20 da LOAS, com as modificações introduzidas pelas Leis 12.435 e 12.470, ambas de 2011, e pela Lei 13.146, de 2015, detalha os critérios para concessão do benefício:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
A Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, por sua vez, em complemento à LOAS, dispõe:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Em relação à criança com deficiência, deve ser analisado o impacto da incapacidade na limitação do desempenho de atividades e na restrição da participação social, compatível com a sua idade.
Conceito de família
A partir da alteração promovida pela Lei n. 12.435/2011 na Lei Orgânica da Assistência Social, o conceito de família compreende: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Quanto aos filhos maiores de idade e capazes, importante refletir sobre a responsabilidade que estes têm com os membros idosos da família. Uma vez que o benefício em questão, tratado no art. 203, V, da Constituição Federal, garante um salário mínimo mensal à pessoa deficiente ou idosa que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, não seria razoável excluir a renda de filho maior e capaz que aufere rendimentos, uma vez que este tem responsabilidade para com seus genitores idosos.
Por outro lado, considerar aqueles filhos maiores e capazes que não auferem renda para fins de grupo familiar seria beneficiá-los com uma proteção destinada ao idoso, ou seja, estariam contribuindo para a implementação dos requisitos do benefício (cálculo da renda per capita) sem contribuir para o amparo de seus ascendentes. Logo, tem-se que devem ser computados no cálculo da renda per capita tão somente os filhos que possuem renda.
Condição socioeconômica
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que era hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...) 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Nesse sentido, tenho adotado posição de flexibilizar os critérios de reconhecimento da miserabilidade, merecendo apenas adequação de fundamento frente à deliberação do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
Mais recentemente, a Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no referido artigo 20 da LOAS, o qual dispõe que para concessão do benefício assistencial poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Caso concreto
A parte autora, nascida em 04/01/2002, aos 12 anos de idade requereu administrativamente o benefício assistencial em 27/02/2014, pedido indeferido, sob o argumento de que os impedimentos constatados não produzirem efeitos pelo prazo mínimo de 2 anos (Evento 3 - ANEXOS PET4, pág. 38). A presente ação foi ajuizada em 22/04/2014.
Tendo em vista que o magistrado de origem analisou de forma ampla e detalhada as provas colacionadas, principalmente o laudo do Evento 1 - LAUDPERI 19, reporto-me à sentença, cujos fundamentos adoto como razões de decidir:
"(...)
Realizada perícia médica, oportunidade em que o perito nomeado afirmou que a autora apresenta CID 10 S52.0, associado a pseudoartrose, sendo que o quadro apresenta fratura não consolidada antiga. Alegou que a periciada é menor e não trabalha, conseguindo mobilizar membro superior direito e membros inferiores, estando limitada unicamente para o uso do ombro superior esquerdo. Disse que não há incapacidade laborativa e sim limitação do uso do membro superior esquerdo. Aduziu que a periciada não apresentou documentos que comprovem a data do início da doença. Mencionou que a patologia é possível de melhora com tratamento cirúrgico futuro. Referiu que a autora é menor e não trabalhava. Concluiu dizendo que a autora encontra-se parcialmente incapaz de modo temporário, até ser controlada a pseudoartrose do cotovelo, sendo que as limitações encontram-se restritas unicamente ao uso do membro superior esquerdo, permanecendo demais capacidades laborativas sem limitação nenhuma.
Dessa forma, não estando a autora incapacitada laborativamente, tampouco para a vida independente, não há se falar em concessão do benefício ora postulado, não havendo sequer necessidade de análise do enquadramento ou não da família no requisito relativo à renda familiar.
(...)"
Portanto, não merece reparos a sentença de improcedência.
Negado provimento ao apelo da autora.
Honorários Advocatícios
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no art. 85, §11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.
Assim, majoro a verba honorária para 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, cuja exigibilidade resta suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça.
Conclusão
Desprovido o apelo da autora
Majorada a verba honorária para 15% do valor da causa, cuja exigibilidade resta suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da autora.
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Apelação Cível Nº 5019739-65.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: ESTEFANY BARBOSA OLIVEIRA (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))
APELANTE: ANDREA MARTINS BARBOSA (Pais)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. inocorrência.
1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
2. Não comprovada a deficiência, a autora não faz jus ao benefício assistencial requerido. Improcedência mantida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de setembro de 2018.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000661795v3 e do código CRC 26ef0471.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 25/09/2018
Apelação Cível Nº 5019739-65.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ESTEFANY BARBOSA OLIVEIRA (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC))
ADVOGADO: LUÍS ROGER VIEIRA AZZOLIN
APELANTE: ANDREA MARTINS BARBOSA (Pais)
ADVOGADO: LUÍS ROGER VIEIRA AZZOLIN
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25/09/2018, na seqüência 228, disponibilizada no DE de 13/09/2018.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª Turma , por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da autora.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal FÁBIO VITÓRIO MATTIELLO
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