BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. COMPROVAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA...

1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.

2. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.

4. Não comprovada a miserabilidade familiar, é de ser indeferido o benefício pleiteado. Pedido improcedente.

5. Tendo em vista que ainda não está efetivamente pacificada nas Cortes Superiores a questão relativa à restituição dos valores recebidos a título de tutela antecipada posteriormente revogada, não há que se falar em devolução de tais valores, a fim de evitar decisões contraditórias.

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Trata-se de apelação contra sentença que confirmou a antecipação de tutela concedida no curso do processo (fls. 37-39) e julgou procedente o pedido para conceder o benefício assistencial a menor com deficiência, a contar do requerimento na esfera administrativa, condenando-se o INSS ao pagamento das parcelas vencidas, acrescidas de correção monetária e de juros de mora pelos índices de poupança. A autarquia foi onerada, ainda, com o pagamento de honorários advocatícios de 10% do valor da condenação e de custas processuais por metade (fls. 226-235).

 

Inconformado, o INSS apelou, sustentando que não restou comprovado o requisito hipossuficiência familiar, uma vez que a autora vive com a família em residência própria, em boas condições, e que o pai da requerente tem três veículos em seu nome, que totalizam valor de R$ 100 mil, razão pela qual deve ser reformada a sentença. Caso mantido o decisum, pugna pela aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/97 a título de consectários legais e pelo prequestionamento da matéria debatida na petição recursal (fls. 256-292).

 

O Ministério Público opinou pelo desprovimento da apelação do INSS (fls. 314-318).

 

Com contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

 

É o relatório.

Inicialmente, importa referir que a apelação do INSS deve ser conhecida, por ser própria, regular e tempestiva.

 

 

Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).

 

O caso presente encontra-se dentre aqueles considerados urgentes no julgamento, vez que se refere a benefício por incapacidade, estando a parte autora, hipossuficiente, hipoteticamente impossibilitada de laborar e obter o sustento seu e de familiares.

 

 

A controvérsia recursal cinge-se à comprovação da miserabilidade familiar.

 

 

 Trata a presente ação do direito da parte autora à percepção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, e regulado nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), com as alterações introduzidas pelas Leis 9.720/1998, 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015.

 

Pela redação atual, decorrente da pela Lei 12.435/2011, o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência ou ao idoso com 65 ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

 

Logo, a concessão do benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:

 

a) condição de deficiente ou idoso (65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, quando passou a viger o Estatuto do Idoso - Lei 10.741/2003); e

b) situação de risco social - ausência de meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, caracterizando situação de miserabilidade ou de desamparo.

 

Na redação original do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/93, era considerada portadora de deficiência a pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho. A Lei 12.470/2011 definiu a pessoa com deficiência como aquela com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Já a Lei 13.146/2015 alterou apenas a parte referente às barreiras, ao referir que é deficiente quem tem impedimentos de longo prazo, os quais, em contato com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e em igualdade de condições na sociedade.

 

Importante referir que deficiência não significa que a pessoa possua uma vida vegetativa, dependente totalmente de terceiros, e que não tenha condições de locomover-se, de comunicar-se e de executar atividades básicas, como higienizar-se, vestir-se e alimentar-se com autonomia.

 

 

A família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto, nos termos do art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93 (com redação da Lei 12.435/2011).

 

Registre-se que o conceito acima não contempla todos os desenhos familiares existentes na sociedade contemporânea. A interpretação literal pode levar o julgador a contrariar o objetivo da norma constitucional, que prevê socorro do Poder Público ao portador de deficiência e ao idoso em situação de risco social. Assim, tenho que o rol de integrantes da família elencado na legislação ordinária não é taxativo, merecendo análise acurada no caso concreto.

 

 

Quanto ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 dispõe que se considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo.

 

No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz, nos seguintes termos:

 

 

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 567.985/MT, com repercussão geral reconhecida, reviu posicionamento anterior e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do referido § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93.

 

Consta da ementa do julgado:

 

 

Nessa senda, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, tenho que cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.

 

A parte autora nasceu em 09/02/2011 (fls. 22), contando três anos à época do requerimento administrativo, formulado em 08/05/2014 e indeferido sob o argumento de que não preenchido o requisito renda (fls. 136). A presente ação foi ajuizada em julho de 2014.

 

No caso em apreço, a incapacidade para o trabalho e para a vida independente não foi objeto de controvérsia, visto que a requerente é portadora de Síndrome de Down, ponto não contestado pelo INSS. Assim, restou como aspecto controvertido a hipossuficiência familiar.

 O estudo social, realizado em março de 2016, informou que residiam na mesma casa à época: a autora, Rafaela (5 anos); o pai, João Luis (44 anos); a mãe, Aline (39 anos); e a irmã, Gabriela (9 anos). A renda familiar era, na data da perícia, de um salário mínimo mensal, proveniente da atividade dos pais na agricultura e na produção de leite, em terras alugadas, cujo pagamento era realizado por meio de financiamento rural contraído anualmente (custo mensal do aluguel de R$ 700,00).

 

A assistente social afirmou que a família vivia em uma casa própria, mista, em boas condições de habitabilidade, localizada na cidade de Urubici/SC.  Quanto às despesas mensais, referiu que eram aplicados valores entre R$ 280,00 e R$ 350,00 por consulta médica para a autora, algumas delas mensais, com especialistas em genética, oftalmologia, cardiologia, pediatria, neurologia e otorrinolaringologia. Mencionou a aplicação de R$ 200,00 em medicamentos, R$ 60,00 em água, R$ 150,00 em energia elétrica, R$ 900,00 em alimentação, R$ 412,00 em colégio, R$ 300,00 em combustível, R$ 100,00 em internet, R$ 150,00 em roupas, além de R$ 60,00 por sessão de fonoaudiologia. Consignou que a família vinha auxiliando a filha mais velha a pagar as mensalidades da faculdade de direito que ela estava cursando em instituição particular.

Embora não mencionada no estudo social informação sobre o veículo ou os veículos pertencentes à família, referidos pelo INSS em sede de apelação, observa-se que foi listado um gasto mensal de R$ 300,00 em combustível, o que leva a concluir pela existência de algum veículo.

Embora esteja comprovada a deficiência da autora, o perfil dos gastos mensais da família, relatado em detalhes no estudo socioeconômico, demonstra um padrão de vida que não condiz com miserabilidade. Outrossim, residem em casa própria, em boas condições, e os pais têm atividade produtiva com renda própria, o que afasta a hipossuficiência familiar.

Logo, merece guarida o apelo do INSS, para julgar improcedente a demanda.

É de registrar-se, desde logo, que, embora o Superior Tribunal de Justiça tenha decidido, ao julgar o REsp nº 1.401.560 pela sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que, reformada a decisão que antecipa a tutela, está o autor da ação obrigado a devolver os benefícios previdenciários recebidos de forma indevida, tal decisão não foi unânime.

Outrossim, já houve decisão da Corte Especial do STJ, reconhecendo a irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé, conforme se vê do seguinte precedente:

Como referido pela Juíza Federal Taís Schilling Ferraz (TRF4, AG 0005518-94.2015.404.0000, QUINTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 30/01/2017):

Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se:

Portanto, revogada a tutela antecipada concedida no curso do processo, não há que se falar em restituição dos valores percebidos.

Custas processuais, honorários periciais e honorários advocatícios a cargo da parte autora, cuja exigibilidade resta suspensa em razão da assistência judiciária gratuita concedida.

O art. 85, § 2º, do CPC/2015, determina que os honorários advocatícios devem ser fixados entre 10% e 20% do valor da condenação, do proveito econômico ou obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

Como no caso em apreço foi atribuído à causa valor irrisório (R$ 724,00), tenho que os honorários advocatícios devem ser fixados em R$ 937,00.

Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que a parte recorrente suscitou, para fins de prequestionamento.

 

 

Provido o apelo do INSS, para julgar improcedente o pedido. Incabível a restituição dos valores recebidos a título de tutela antecipada.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.

 

É o voto.

Certifico que este processo foi incluído no Aditamento da Pauta do dia 13/06/2017, na seqüência 961, disponibilizada no DE de 02/06/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.