| D.E. Publicado em 06/04/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015721-57.2016.4.04.9999/SC
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | ROGERIO ALVES PEREIRA |
ADVOGADO | : | Moacir Evaldo Hellinger |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. INOCORRÊNCIA.
1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
2. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
4. No caso em liça, não foi comprovada a hipossuficiência familiar, não fazendo o autor jus ao benefício assistencial. Mantida a sentença de improcedência.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de março de 2017.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8818261v2 e, se solicitado, do código CRC 7DE402E4. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015721-57.2016.4.04.9999/SC
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | ROGERIO ALVES PEREIRA |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial, ante a não comprovação da miserabilidade familiar, condenando-se a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios, fixados em R$ 800,00, suspenso em razão da assistência judiciária gratuita concedida (fls. 115-118).
A parte autora, em suas razões de apelação, sustenta que é inegável a limitação, necessitando do benefício para uma vida digna. Requer a reforma da sentença, para que julgado procedente o pedido (fls. 123-125).
O Ministério Público opinou pelo desprovimento da apelação do autor (fls. 143-144).
Com contrarrazões, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, importa referir que a apelação da parte autora deve ser conhecida, por ser própria, regular e tempestiva.
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016. No caso em apreço, a sentença foi publicada em 16/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
O caso presente encontra-se dentre aqueles considerados urgentes no julgamento, vez que se refere a benefício por incapacidade, estando a parte autora, hipossuficiente, hipoteticamente impossibilitada de laborar e obter o sustento seu e de familiares.
Da controvérsia nos autos
A controvérsia recursal cinge-se à comprovação da miserabilidade familiar.
Do benefício assistencial
Trata a presente ação do direito da parte autora à percepção do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, e regulado nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), com as alterações introduzidas pelas Leis 9.720/1998, 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015.
Pela redação atual, decorrente da pela Lei 12.435/2011, o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência ou ao idoso com 65 ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Logo, a concessão do benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
a) condição de deficiente ou idoso (65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, quando passou a viger o Estatuto do Idoso - Lei 10.741/2003); e
b) situação de risco social - ausência de meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, caracterizando situação de miserabilidade ou de desamparo.
Na redação original do art. 20, § 2º, da Lei 8.742/93, era considerada portadora de deficiência a pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho. A Lei 12.470/2011 definiu a pessoa com deficiência como aquela com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Já a Lei 13.146/2015 alterou apenas a parte referente às barreiras, ao referir que é deficiente quem tem impedimentos de longo prazo, os quais, em contato com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e em igualdade de condições na sociedade.
Importante referir que deficiência não significa que a pessoa possua uma vida vegetativa, dependente totalmente de terceiros, e que não tenha condições de locomover-se, de comunicar-se e de executar atividades básicas, como higienizar-se, vestir-se e alimentar-se com autonomia.
Do conceito de família
A família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto, nos termos do art. 20, § 1º, da Lei 8.742/93 (com redação da Lei 12.435/2011).
Registre-se que o conceito acima não contempla todos os desenhos familiares existentes na sociedade contemporânea. A interpretação literal pode levar o julgador a contrariar o objetivo da norma constitucional, que prevê socorro do Poder Público ao portador de deficiência e ao idoso em situação de risco social. Assim, tenho que o rol de integrantes da família elencado na legislação ordinária não é taxativo, merecendo análise acurada no caso concreto.
Da condição socioeconômica
Quanto ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 dispõe que se considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo.
No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz, nos seguintes termos:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...) 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 567.985/MT, com repercussão geral reconhecida, reviu posicionamento anterior e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do referido § 3º do art. 20 da Lei 8.742/93.
Consta da ementa do julgado:
(...) foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro)
(RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013)
Nessa senda, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, tenho que cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
Caso concreto
A parte autora requer a concessão de benefício assistencial, por ser portadora de transtornos mentais. O requerimento administrativo, formulado em 27/08/2009, foi indeferido, sob o argumento de que não comprovada a miserabilidade familiar (fls. 53). A presente ação foi ajuizada em 19/03/2015.
Não houve controvérsia sobre a deficiência do autor, interditado, conforme sentença a fls. 36-37, em razão de retardo mental moderado (perícia médica, fls. 17).
A controvérsia restringe-se ao requisito econômico.
O estudo socioeconômico, realizado em 03/11/2015, apontou que o requerente, então com 23 anos, vivia com os pais e com dois irmãos, Rodrigo (29 anos) e Robson (25 anos). A assistente social relatou que o pai trabalhava como açougueiro, percebendo R$ 945,00 mensais; a mãe estava em gozo de auxílio-doença, no valor de R$ 1.050,00; e o irmão Robson ocupava cargo de serviços gerais, com salário mensal de R$ 780,00, o que totalizava uma renda familiar de R$ 2.783,00.
Referiu que a família vivia em um bairro próximo ao centro da cidade, com fácil acesso a posto de saúde, escola e demais serviços. Mencionou que, segundo informações da genitora, o autor realizava consultas e exames de rotinas pelo SUS, além de praticar hidroginástica uma vez por semana, também pelo Sistema Único de Saúde. Por fim, consignou que "dentro dos conhecimentos técnicos da área de serviço social, observamos que não há nenhum recurso para superação da limitação que ainda não esteja sendo utilizado".
Com base nestas informações, conclui-se que o autor não se encontra em situação de vulnerabilidade social, não merecendo reparos a sentença que julgou improcedente a demanda, inclusive no que tange à condenação em honorários advocatícios e em custas processuais, suspensa em razão da assistência judiciária gratuita concedida.
Conclusão
Negado provimento ao apelo do autor.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do autor.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/03/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015721-57.2016.4.04.9999/SC
ORIGEM: SC 03009078620158240015
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
APELANTE | : | ROGERIO ALVES PEREIRA |
ADVOGADO | : | Moacir Evaldo Hellinger |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/03/2017, na seqüência 81, disponibilizada no DE de 09/03/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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