Apelação Cível Nº 5012100-07.2016.4.04.7108/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: JAQUELINE RAFAELA VON STEEG (AUTOR)
ADVOGADO: ALADIM TRINDADE DE ALMEIDA
APELANTE: MARCIA SIMONE VON STEEG (AUTOR)
ADVOGADO: ALADIM TRINDADE DE ALMEIDA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em 20/06/2016 contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, postulando a concessão de benefício assistencial ao portador de deficiência, desde a DER (26/11/2002).
O juízo a quo, em sentença publicada em 07/12/2017, julgou improcedentes os pedidos. Condenou a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa. A exigibilidade de tais verbas, contudo, restou suspensa em virtude do deferimento da AJG.
Apelou a parte autora sustentando que deve ser considerada a renda mensal do grupo familiar ao longo do período requerido. Argumenta que não foram sopesadas as diferentes situações fáticas que seus genitores tiveram que superar ao longo do lapso temporal reclamado na ação de conhecimento. Assevera que não se pode tomar como fundamento a renda mensal atual do grupo familiar, sabendo-se que inclui as aposentadorias dos pais, adquiridas em datas distintas, muito posteriores à DER. Aduz que o levantamento de despesas mensais realizado na perícia está incompleto.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
O representante do MPF ofertou parecer pelo desprovimento da apelação da parte autora (evento 7 desta instância).
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Do benefício assistencial devido à pessoa com deficiência
À época do requerimento administrativo, anteriormente às alterações promovidas na Lei nº 8.742/1993 no ano de 2011, os critérios de concessão do benefício assistencial estavam assim dispostos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.
§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício.
§ 6o A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Da condição socioeconômica
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que se considerava hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, ao apreciar recurso especial representativo de controvérsia, relativizou o critério estabelecido pelo referido dispositivo legal. Entendeu que, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo" (REsp n. 1.112.557/MG, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. 28/10/2009, DJ 20/11/2009).
Além disso, o STJ, órgão ao qual compete a uniformização da interpretação da lei federal, acrescentou, no julgado citado, que "em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado".
Como se percebe, o entendimento da Corte Superior consolidou-se no sentido de que é possível a aferição da miserabilidade do deficiente ou do idoso por outros meios, ainda que não observado estritamente o critério da renda familiar per capita previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
No primeiro caso, o STF identificou a ocorrência de um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro), assentando, assim, que o critério econômico presente na LOAS não pode ser tomado como absoluto.
Quanto ao parágrafo único do art. 34, que estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", entendeu a Suprema Corte que violou o princípio da isonomia. Isso porque abriu exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais por idosos, mas não permitiu a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário.
Assim, incorreu o legislador em equívoco, pois, tratando-se de situações idênticas, deveria ser possível a exclusão do cômputo do benefício, independentemente de sua origem..
Este Tribunal, a propósito, já vinha decidindo no sentido da desconsideração da interpretação restritiva do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, como se percebe dos seguintes precedentes: Apelação Cível 5001120-20.2010.404.7202, 6ª. Turma, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle; Apelação Cível 5000629-13.2010.404.7202, 5ª. Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira; AC 0012386-06.2011.404.9999, 5ª Turma, Relator Rogério Favreto.
Reconhecida a inconstitucionalidade do critério objetivo para aferição do requisito econômico do benefício assistencial, em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, identificar o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família. De registrar que esta Corte, ainda que por outros fundamentos, vinha adotando uma maior flexibilização nos casos em que a renda per capita superava o limite estabelecido no art. 20, § 3º, da LOAS, agora dispensável enquanto parâmetro objetivo de aferição da renda familiar.
Em conclusão, o benefício assistencial destina-se àquelas pessoas que se encontram em situação de elevada pobreza por não possuírem meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, ainda que a renda familiar per capita venha a ser considerada como meio de prova desta situação.
Do caso concreto
A parte autora nasceu em 13/08/1992, contando, ao tempo do requerimento administrativo, formulado em 26/11/2002, com 10 anos de idade.
A incapacidade de prover a própria subsistência ou tê-la suprida de outra forma ficou comprovada com a prova pericial.
Informou a médica perita, Dra. Jaqueline Rafaela Von Steeg, psiquiatra, que a parte autora possui Síndrome de Sotos, originada no nascimento. Tal moléstia ocasiona incapacidade total e definitiva para o trabalho, em razão de retardo mental moderado.
Quanto à condição socioeconômica do grupo familiar da parte autora, o estudo social (evento 61), apresentado em 21/11/2016, informa que a requerente mora com seus pais em um apartamento alugado há dois anos. O pai, nascido em 01/08/1955, é aposentado e trabalha como vendedor de gás. A mãe, nascida em 29/08/1962, é aposentada.
A renda familiar é composta pelas aposentadorias dos pais (R$ 1.529,99 do pai e R$ 880,00 da mãe), R$ 1.200,00 recebidos pelo pai como vendedor de gás e R$ 876,51 do aluguel de uma casa em Sapiranga.
Informam que residiam em Sapiranga, porém se mudaram para Dois Irmãos, onde alugaram um apartamento, para darem melhor qualidade de vida a autora, bem como para que o pai, que trabalha em Dois Irmãos, possa auxiliar nas crises da autora, que fica agressiva com a mãe. Pagam o aluguel do apartamento com o valor recebido pela locação da casa.
Referem despesas de R$ 750,00 com aluguel, R$ 100,00 com garagem, R$ 190,22 de condomínio e água, R$ 204,77 de luz, R$60,00 de gás, R$ 50,00 de roupas e calçados, R$ 150,00 de consultas, R$ 100,00 de medicamentos, R$ 800,00 de alimentação, R$ 600,00 de transporte para a APAE, R$ 831,30 de prestação do carro, R$ 424,22 de empréstimo e R$ 78,74 de telefone.
Registro que, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (EIAC nº 0006398-38.2010.404.9999/PR, julgado em 04-11-2010), ou de benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (EIAC N.º 2004.04.01.017568-9/PR, Terceira Seção, julgado em 02-07-2009).
Assim, o valor da aposentadoria do pai da demandante (63 anos), até o limite de um salário mínimo, não deve ser considerado para fins de cálculo da renda per capita familiar.
Contudo, não há situação de vulnerabilidade caracterizada no caso em exame a justificar a concessão do benefício. Não restaram comprovadas despesas extraordinárias referentes à doença que a autora é portadora, bem como resta claro que as condições de vida apresentadas pela demandante são bem superiores que a maioria da população brasileira que vive em situação de carência de recursos materiais. A família teve a possibilidade de optar por pagar aluguel e não residir em seu imóvel, além de pagar um valor elevado de prestação de carro. O fato de possuírem dívidas e despesas elegíveis não quer dizer que sejam necessitados. É claro que o ideal seria ter uma vida mais confortável, porém, não pode o julgador afastar a real finalidade da norma, que é conferir o benefício àqueles que vivem em estado de vulnerabilidade social. A concessão do benefício assistencial objetiva prover as condições mínimas e essenciais de sobrevivência, o que, no caso, encontra-se atendido, pois a renda familiar é suficiente para o sustento da parte autora, muito acima do critério objetivo, inclusive.
Dessa forma, não tendo ficado demonstrada a presença de ambos os requisitos, deve ser mantida a sentença que julgou improcedente o pedido formulado pela parte autora.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso, impõe-se a majoração dos honorários, por incidência do disposto no §11 do artigo 85 do CPC.
Assim, os honorários vão majorados para 15% sobre o valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade, contudo, em virtude do deferimento da AJG.
Conclusão
A sentença resta mantida integralmente. Majorada a sucumbência, mantendo-se a suspensão da sua exigibilidade.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000709460v48 e do código CRC 9a0f4824.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5012100-07.2016.4.04.7108/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: MARCIA SIMONE VON STEEG (AUTOR)
ADVOGADO: ALADIM TRINDADE DE ALMEIDA
APELANTE: JAQUELINE RAFAELA VON STEEG (AUTOR)
ADVOGADO: ALADIM TRINDADE DE ALMEIDA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CRITÉRIO ECONÔMICO NÃO DEMONSTRADo. INDEFERIMENTO.
1. O benefício assistencial é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Não comprovado o preenchimento do requisito econômico, é indevido o benefício assistencial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 31 de outubro de 2018.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000709461v4 e do código CRC be57e740.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/10/2018
Apelação Cível Nº 5012100-07.2016.4.04.7108/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: JAQUELINE RAFAELA VON STEEG (AUTOR)
ADVOGADO: ALADIM TRINDADE DE ALMEIDA
APELANTE: MARCIA SIMONE VON STEEG (AUTOR)
ADVOGADO: ALADIM TRINDADE DE ALMEIDA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 31/10/2018, na sequência 80, disponibilizada no DE de 15/10/2018.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA, DECIDIU, POR UNANIMIDADE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
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