| D.E. Publicado em 07/10/2016 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003858-12.2013.4.04.9999/RS
RELATORA | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
APELANTE | : | TAMIRES FLORES DA LUZ |
ADVOGADO | : | Leandro do Nascimento Lamaison |
: | Andreia Czichocki e outros | |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE GUARANI DAS MISSÕES/RS |
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). CONDIÇÃO DE IDOSO OU DE DEFICIENTE. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ARTIGO 198, I, DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INOCORRÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI 11.960/09. CRITÉRIOS DE ATUALIZAÇÃO. DIFERIMENTO PARA A FASE PRÓPRIA (EXECUÇÃO). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
2. Na hipótese, comprovados o requisito condição de deficiente e a atual situação de risco social, tem direito a parte autora à concessão do benefício assistencial de prestação continuada desde a data do requerimento administrativo, 11/06/1999.
3. Nos termos do artigo 198, I, do Código Civil Brasileiro, não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes (art. 3º, II, do CCB).
4. Não se declara a falta de interesse de agir, quando, ausente prévio requerimento, o Instituto Nacional do Seguro Social contesta o mérito da ação.
5. Preenchidos os requisitos da verossimilhança do direito da parte autora, bem como o fundado receio de dano irreparável, mantida a tutela antecipada deferida em sentença.
6. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, de modo a racionalizar o andamento do processo, e diante da pendência, nos tribunais superiores, de decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante.Precedentes.
7. Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, a teor das Súmulas 111, do STJ, e 76, do TRF da 4ª Região.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da autora e negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 28 de setembro de 2016.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8562777v5 e, se solicitado, do código CRC FBE49B00. | |
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| Signatário (a): | Salise Monteiro Sanchotene |
| Data e Hora: | 29/09/2016 13:59 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003858-12.2013.4.04.9999/RS
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RELATÓRIO
Tratam-se de remessa oficial e recursos de apelação interpostos contra sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial previsto no artigo 20, da Lei nº 8.742/93, a contar do requerimento administrativo, formulado em 11/06/1999, e antecipou os efeitos da tutela.
A autora impugnou os critérios de atualização do débito no período anterior à Lei nº 11.960/2009 e o valor dos honorários de sucumbência fixado em R$ 1.000,00.
O Instituto Nacional do Seguro Social suscitou as preliminares de falta de interesse de agir, porque a ação foi ajuizada em 27 de setembro de 2013 e não há pedido administrativo indeferido recentemente, e de prescrição quinquenal.
Afirmou não estar demonstrada a situação de risco social e, em caso de manutenção da sentença, a data do início do pagamento deve ser fixada na data da sentença, ou da citação, tendo em vista a impossibilidade de confirmar a efetiva miserabilidade do grupo familiar em 11/06/1999.
A autora apresentou contrarrazões.
Após, vieram os autos para julgamento.
Neste Tribunal, o parecer do Ministério Público Federal foi pelo improvimento da apelação do INSS e pelo parcial provimento da apelação da autora.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Preliminares
No que diz respeito à preliminar de prescrição quinquenal, não prospera a insurgência da autarquia, porque nos termos do artigo 198, I, do Código Civil Brasileiro, não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes (art. 3º, II, do CCB). Consta dos autos Termo de Compromisso de Curatela assinado em 1/04/2003 (fl. 14).
Quanto à falta de interesse de agir, a jurisprudência aponta no sentido de não reconhecer a preliminar, quando, ausente prévio requerimento, o Instituto Nacional do Seguro Social contesta o mérito da ação, como ocorre no caso em tela (fls. 63/66).
Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)
A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.
§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício.
§ 6o A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011).
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: 1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou 1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas) ; e 2) situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
Requisito etário
Tratando-se de benefício requerido na vigência doEstatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Condição de deficiente
No que se refere à incapacidade para a vida independente constante no artigo 20, da Lei 8.742/93, em sua redação original, este Tribunal consolidou entendimento segundo o qual a interpretação que melhor se coaduna ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), de modo a assegurar a ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203) e atender ao objetivo da seguridade social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único), é a que garante o benefício assistencial a maior gama possível de pessoas portadoras de deficiência. Sob essa orientação, ao analisar o caso concreto, cumpre ao julgador observar que a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
A ratificação pelo Brasil, em 2008, da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual fora incorporada ao nosso ordenamento jurídico com status de emenda constitucional (artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988), conferiu ainda maior amplitude ao tema, visando, sobretudo, promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência (Artigo 1, da Convenção).
Assim é que a Lei nº 12.470, de 2011, que alterou o §2º do artigo 20, da LOAS, e, mais recentemente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, com início de vigência em 5 de janeiro de 2016), praticamente reproduziram os termos do artigo 1, da Convenção, redimensionando o conceito de pessoa com deficiência de maneira a abranger diversas ordens de impedimentos de longo prazo capazes de obstaculizar a plena e equânime participação social do portador de deficiência, considerando o meio em que este se encontra inserido.
Com a consolidação desse novo paradigma, o conceito de deficiência desvincula-se da mera incapacidade para o trabalho e para a vida independente -abandonando critérios de análise restritivos, voltados ao exame das condições biomédicas do postulante ao benefício- para se identificar com uma perspectiva mais abrangente, atrelada ao modelo social de direitos humanos, visando a remoção de barreiras impeditivas de inserção social.
Nesse contexto, a análise atual da condição de deficiente a que se refere o artigo 20, da LOAS, não mais se concentra na incapacidade laboral e na impossibilidade de sustento, mas, senão, na existência de restrição capaz de obstaculizar a efetiva participação social de quem o postula de forma plena e justa.
Situação de risco social
A redação atual do parágrafo 3º do artigo 20 da LOAS manteve como critério para a concessão do benefício assistencial a idosos ou deficientes a percepção de renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso especial representativo de controvérsia (Tema 185), com base no compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana-especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física e do amparo ao cidadão social e economicamente vulnerável-, relativizou o critério econômico estabelecido na LOAS, assentando que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, eis que se trata apenas de um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação n. 4374 e o Recurso Extraordinário n. 567985 (este com repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013).
Na mesma oportunidade, o Plenário do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.
Mais recentemente, a Primeira Seção do STJ, com fundamento nos princípios da igualdade e da razoabilidade, firmou entendimento segundo o qual, também nos pedidos de benefício assistencial feitos por pessoas portadoras de deficiência, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício, no valor de um salário mínimo, recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único, do art. 34, do Estatuto do Idoso. Assim:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015).
Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).
Contudo, devem ser excluídos do cálculo da renda familiar per capita, o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (TRF4, EINF 5003869-31.2010.404.7001, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 10/02/2014), bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (TRF4, APELREEX 2006.71.14.002159-6, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 10/09/2015), ressaltando-se que tal beneficiário, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerado na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.
De outra parte, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).
Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
Caso concreto
A hipótese cinge-se ao exame do requisito da situação de risco social.
Na petição inicial o autor alegou que requereu o benefício assistencial em duas ocasiões (doc 11 e doc 12), sendo que os seus pedidos foram indeferidos sob o mesmo argumento: o de que a renda per capita seria superior ao limite de ¼ do salário mínimo. (...) a requerente precisa do benefício para prover suas necessidades básicas como alimentação, medicação, moradia, vestuário e outras. E essa necessidade sempre existiu, desde o primeiro requerimento administrativo. Requereu a concessão do benefício desde a data do requerimento administrativo, em 11/06/1999.
A autora instruiu a inicial com os seguintes documentos:
1) Atestado médico assinado em 05/04/2011 afirmando que a mãe da autora apresenta hipertensão arterial sistêmica e necessita de tratamento contínuo (fl. 19).
2) Atestado médico assinado em 13/09/2011 dando conta de que o pai da autora é portador de hipertensão arterial sistêmica e necessita do uso diário de medicação específica (fl. 20).
3) Ficha financeira (fl. 21) informando o salário o valor da aposentadoria do pai da autora, em 15/06/2012, de R$ 1.403,10 (bruto) e R$ 1.238,29 (líquido).
4) Constas de energia elétrica em nome do pai da autora referentes a abril/maio/junho/2012 (fls. 23).
5) Carta de indeferimento do benefício requerido em 22/04/1996 por constando o seguinte: Não há direito. Renda mensal per capita era maior que 25,00. 70,22 por pessoa - (fl. 24).
6) Atestado da composição do grupo e renda familiar para portador de deficiência emitido pelo Instituto Nacional do Seguro Social em 04 de março de 1996, informado que o grupo familiar era composto por Elpídio Pereira da Luz, Terezinha Flores da Luz, Tamires Flores da Luz, Jaina Flores da Luz, Oséias Flores da Luz (fl. 29). Este documento confirma que somente o Sr. Elpídio Pereira da Luz auferia, à época, rendimento mensal equivalente a R$ 351,07 (fl.29)
7) Laudo de avaliação para pessoa portadora de deficiência (fls. 30), realizado pela autarquia em 29/02/1996, em que profissionais da área médica afirmam que Tamires Flores da Luz apresenta diganóstico CID 348 19 - 74926 34509 é portadora de deficiência e está incapacitado para o desempenho das atividades da vida diária e do trabalho e os profissionais da área terapêutica educacional confirmam a situação de deficiência e referem: Retardo mental, necessita de auxílio na higiene, vestuário. Apresenta convulsões.
8) Atestado médico assinado em 29/02/1996, por Janaína G. Bobrzyk, afirmando que a autora adquiriu 27 pontos (...) para avaliação de deficiência (...) estando, ainda, a mesma, incapacitada para o trabalho (fl. 31).
9) Requerimento administrativo de benefício assistencial em 11/06/99 (fl. 39).
10) Declaração sobre a composição do grupo familiar em 07/05/1999 feita por Clair Alexandra Flores da Luz de Araújo, irmã da autora, informando que o grupo familiar era composto por Tamires Flores da Luz - deficiente, Clair Alexandra Flores da Luz de Araújo- irmã e sem rendimentos, Alexandra de Araújo, Jonas de Araújo, Marcio de Araújo e Márcia Itiane da Luz de Araújo, todos sobrinhos e sem rendimentos (fl. 40).
11) Registro da sentença de interdição de Tamires Flores da Luz em 05/05/1999, sendo nomeada curadora a requerente Clair Alexandra Flores da Luz Araújo, irmã da autora (fl. 45).
12) Carta de indeferimento do pedido do benefício de amparo social a pessoa portadora de deficiência apresentado em 11/06/1999, sob o motivo: Renda mensal familiar ser superior ¼ do salário mínimo, irmã não tem termo de guarda da menor, menor é dependente dos pais (fl. 58).
Proferida sentença de improcedência (fls. 88/89), o Tribunal Regional Federal deu provimento à apelação da autora para anular o julgado a fim de possibilitar a instrução processual realizando perícia médica e avaliação socioeconômica.
Após a devida instrução foi proferida sentença de procedência para conceder o benefício assistencial desde a data do requerimento administrativo em 11/06/1999. Assim fundamentou o julgador:
(...)
A enfermidade do requerente foi corroborada pelo laudo pericial (fls. 135/136), do qual se pode extrair que a requerente "apresenta retardo mental grave. CID 10 F72".
A hipossuficiência econômica alegada, restou confortada pela conclusão do estudo social das fls. 132/134, que, embora tenha sido constatado que a renda per capita do núcleo familiar seja superior a ¼ do salário mínimo, para que a requerente viva em condições minimamente dignas, seria necessário um acréscimo na renda familiar.
Ainda, da referida avaliação socioeconômica, extrai-se que a requerente, após o ajuizamento da demanda, passou a residir na moradia de seu irmão, na cidade de Campo Grande/MT, com seus genitores, já idosos e que também possuem vários problemas de saúde. Foi destacado que o casal conta com apenas dois salários mínimos, oriundos da aposentadoria do pai da requerente.
O núcleo familiar, além da protegida e seus pais, é composto ainda pelo irmão e cunhada desta, bem como por dois sobrinhos em idade escolar, sendo que os quatro últimos vivem com a renda mensal de aproximadamente R$ 1.724,00. Ressaltou-se que a família possui em torno de R$ 1.500,00 em despesas mensais fixas.
Diante de tal contexto, tenho que assiste razão à parte autora.
(...)
É corolário da proteção constitucional e legal ao idoso, portanto, que o benefício, seja previdenciário ou assistencial, por este percebido, não seja computado co mo renda familiar apta a garantir o sustento de outros membros da família - sobretudo ao se tratar de pessoa com necessidades especiais, como a ora autora -, reconhecendo-se que tal renda se destina a seu próprio sustento, visto que as despesas, em particular com a saúde, costumam avolumar-se na idade avançada.
Tenho, pois, que devem ser excluídos do cômputo da renda familiar, para a apreciação do pedido veiculado na inicia, o benefício previdenciário percebido pelo genitor da autora.
Contudo, na espécie, além da renda do benefício, foi referido que o núcleo familiar conta com a renda do irmão e da cunhada da autora, os quais, como visto, possuem dois filhos (10 e 15 anos). Salientou-se, ademais, que quando um dos genitores da requerente adoece, haja vista se tratar de pessoas idosas e com problemas de saúde, um deles (irmão ou cunhada) se ausenta do labor para cuidar da autora.
(...)
Assim, ainda que superado o patamar de ¼ do salário mínimo da renda per capita do núcleo familiar, nas circunstâncias postas, há necessidade premente a embasar a concessão do benefício assistencial.
(...)
A condição de deficiente é incontroversa. A própria autarquia reconheceu, em 29/02/1999, que a autora preenche os requisitos do artigo 20, §2º, da Lei 8.742/93, fl. 30 - deficiência mental necessita de auxílio na higiene, vestuário e apresenta convulsões.
Ademais, registre-se que o benefício fora indeferido administrativamente em 22/04/96 (fl. 24) e 11/06/1999 (fl. 58) porque não demonstrada a situação de risco social.
No que se refere à situação de risco social, o laudo de avaliação socioeconômica das fls. 132/134, elaborado em 03/04/2014, atesta que a família da parte autora é composta, atualmente, por 07 pessoas (a autora, sua mãe com 70 anos e sem renda, seu pai com 72 anos-renda de 2 salários mínimos, o irmão- renda de R$ 1.000, a cunhada-renda de R$ 724,00, e dois sobrinhos menores, estudantes). O laudo afirmou que Tamires atualmente dentário no Posto de Saúde do bairro, pois tem que extrair todos os dentes devido o uso dos medicamentos psicotrópicos que usa desde a infância. Terá que usar um aparelho que segundo informações do irmão, custa em torno de R$ 4.000,00. A requerente tem uma fenda palatal e por isso não pronuncia as palavras corretamente. Necessita de cuidados permanentes, pois não toma banho sozinha, se alimenta só com a presença da mãe, pois tem medo de engasgar, como já ocorreu diversas vezes, devido a referida fenda. Tem dificuldade de mastigação e deglutição. Despesas mensais da família aproximadamente: alimentação em torno de R$ 1.200; água R$ 90.00; energia elétrica R$ 200; medicamentos não fornecidos pelo SUS Akineton R$ 55,00 Omeprazol 20 mg, Carbamazepina (geralmente encontrado na rede pública) Para os dentes: Amoxilina, Ibuprofeno e dipirona. Quando está agitada toma Clonazepan gotas de 2,5 mg. Têm também despesas com gás, transporte coletivo e de material de construção, pois o dono da casa está construindo 3 peças para abrigar os novos membros da família. Os pais da requerente são idosos, 72 e 70 anos respectivamente. Tem vários problemas de saúde como hipertensão, colesterol alto, tireóide e problemas cardíacos (mãe). Faz uso dos medicamentos: Atelonol, AAS, Putan T4 - levotixima sódica, 25mg, losartana potássica. (...)Se partirmos do critério que a renda per capita é maior que ¼ do salário mínimo, a requerente não tem direito, mas para a mesma ter uma vida digna seria necessária a concessão do benefício para a requerente. 11) Como não conhecíamos a família em 1999, não temos como comparar a situação socioeconômica. Mas o agravante é o envelhecimento dos pais e tudo o que decorre deste fato. Por esse motivo o irmão Jadir, prevendo que a situação tende a se agravar, resolveu trazê-los para Campo Grande. Até porque no caso de falecimento dos pais, a irmã já estaria ajustada ao novo lar. Penso também que negando esse benefício á requerente, esse mesmo irmão que está ajudando, seria penalizado com o aumento das despesas.
Frente a esse contexto, considerando que o direito ao benefício de prestação continuada não pressupõe a verificação de um estado de miserabilidade extremo - bastando estar demonstrada a insuficiência de meios para o beneficiário, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família-, tenho por configurada a situação de risco social necessária à concessão do benefício.
Termo inicial
Presentes o requisito condição de deficiente e a situação de risco social no caso em concreto, tem direito a parte autora à concessão do benefício assistencial de prestação continuada desde a data da DER, em 11/06/1999, cumprindo ao INSS pagar as parcelas vencidas e descontados eventuais valores já pagos administrativamente ou por força de antecipação de tutela relativamente ao benefício em questão.
Consectários. Juros moratórios e correção monetária.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que sejam definidos na fase de cumprimento do julgado em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016 e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação, e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais, restando prejudicado o recurso da autora e a remessa necessária no ponto.
Honorários advocatícios e periciais
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, a teor das Súmulas 111, do STJ, e 76, do TRF da 4ª Região.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADInº 70038755864, julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual nº 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Antecipação de tutela
Quanto à antecipação dos efeitos da tutela, que examino por força da remessa oficial, mantenho a sentença no ponto, uma vez que presentes a verossimilhança do direito da parte autora, conforme fundamentação, bem como o fundado receio de dano irreparável - consubstanciado na situação vivenciada pelo autor, que é pessoa doente, sem condições de trabalhar.
Conclusão
Resta provida a apelação da autora no que diz respeito aos honorários advocatícios, improvidas a apelação do INSS e a remessa oficial; diferida para a execução a forma de cálculo dos consectários legais, restando prejudicados os recursos e a remessa oficial no ponto.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da autora e negar provimento à apelação e à remessa oficial.
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/09/2016
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003858-12.2013.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00014915120128210102
RELATOR | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
PRESIDENTE | : | Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida |
PROCURADOR | : | Procurador Regional da República Marcus Vinícius de Aguiar Macedo |
APELANTE | : | TAMIRES FLORES DA LUZ |
ADVOGADO | : | Leandro do Nascimento Lamaison |
: | Andreia Czichocki e outros | |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | (Os mesmos) |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE GUARANI DAS MISSÕES/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/09/2016, na seqüência 286, disponibilizada no DE de 12/09/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA |
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Gilberto Flores do Nascimento, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8618820v1 e, se solicitado, do código CRC 4B735E36. | |
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