Apelação Cível Nº 5006585-77.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: MARILENE OLIVEIRA DA SILVA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91)
APELANTE: LEONIDA OLIVEIRA DA SILVA (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária em face do INSS em que a parte autora, Marilene Oliveira da Silva, representada nos autos pela genitora, Leonida Oliveira da Silva, requer o restabelecimento de benefício assistencial, uma vez que tem deficiência mental e encontra em situação de vulnerabilidade social.
No curso do processo, foi deferida a tutela antecipada, para que restabelecido o benefício de forma imediata (evento 4, Guia de Custas5).
O magistrado de origem, da Comarca de São Luiz Gonzaga/RS, proferiu sentença em 21/10/2017, revogando a tutela antecipada concedida e julgando improcedente a demanda, pois não comprovada a miserabilidade familiar, condenando a parte autora ao pagamento de custas e despesas processuais e de honorários advocatícios de R$ 850,00, cuja exigibilidade resta suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça (evento 4, Sent18).
A parte autora apelou, sustentando que é deficiente mental e que comprovou nos autos a situação de vulnerabilidade social, visto que a renda familiar provém unicamente da aposentadoria por idade do pai, no valor de um salário mínimo, insuficiente para custear as despesas do núcleo familiar, formado por cinco pessoas. Pede a reforma da sentença (evento 4, Apelação19).
O Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso (evento 12, Parecer1).
Sem contrarrazões, os autos vieram conclusos para julgamento.
VOTO
Trata-se de apelação da autora.
CPC/2015
Conforme o art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Logo, serão examinados segundo as normas do CPC/2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Tendo em vista que a sentença em comento foi publicada depois desta data, o recurso será analisado em conformidade com o CPC/2015.
Da controvérsia dos autos
A controvérsia recursal envolve a comprovação da hipossuficiência familiar.
Benefício assistencial
O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa (com mais de 65 anos) e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo.
O referido art. 20 da LOAS, com as modificações introduzidas pelas Leis 12.435 e 12.470, ambas de 2011, e pela Lei 13.146, de 2015, detalha os critérios para concessão do benefício:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
A Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, por sua vez, em complemento à LOAS, dispõe:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Em relação à criança com deficiência, deve ser analisado o impacto da incapacidade na limitação do desempenho de atividades e na restrição da participação social, compatível com a sua idade.
Conceito de família
A partir da alteração promovida pela Lei n. 12.435/2011 na Lei Orgânica da Assistência Social, o conceito de família compreende: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Quanto aos filhos maiores de idade e capazes, importante refletir sobre a responsabilidade que estes têm com os membros idosos da família. Uma vez que o benefício em questão, tratado no art. 203, V, da Constituição Federal, garante um salário mínimo mensal à pessoa deficiente ou idosa que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, não seria razoável excluir a renda de filho maior e capaz que aufere rendimentos, uma vez que este tem responsabilidade para com seus genitores idosos.
Por outro lado, considerar aqueles filhos maiores e capazes que não auferem renda para fins de grupo familiar seria beneficiá-los com uma proteção destinada ao idoso, ou seja, estariam contribuindo para a implementação dos requisitos do benefício (cálculo da renda per capita) sem contribuir para o amparo de seus ascendentes. Logo, tem-se que devem ser computados no cálculo da renda per capita tão somente os filhos que possuem renda.
Condição socioeconômica
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que era hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
No entanto, ao julgar o REsp 1.112.557 representativo de controvérsia, o Superior Tribunal de Justiça relativizou o critério econômico previsto na legislação, admitindo a aferição da miserabilidade por outros meios de prova que não a renda per capita, consagrando os princípios da dignidade da pessoa humana e do livre convencimento do juiz:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
(...) 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Nesse sentido, tenho adotado posição de flexibilizar os critérios de reconhecimento da miserabilidade, merecendo apenas adequação de fundamento frente à deliberação do Supremo Tribunal Federal, que, por maioria, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
Com efeito, reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família.
Mais recentemente, a Lei 13.146/2015 introduziu o § 11 no referido artigo 20 da LOAS, o qual dispõe que para concessão do benefício assistencial poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Caso concreto
A parte autora, nascida em 20/06/1986 (evento 4, AnexosPet4, p. 2), aos 9 anos de idade requereu administrativamente o benefício assistencial em 16/10/1996, o qual foi concedido e mantido ativo até 01/07/2015 (evento 4, AnexosPet4, p. 7). Comunicação enviada à requerente pelo INSS em junho de 2015 informou que, diante da concessão de aposentadoria por idade rural ao genitor, a família deixou de se enquadrar no conceito de miserabilidade, razão pela qual o benefício seria suspenso (evento 4, AnexosPet4, p. 8). A presente ação foi ajuizada em 30/09/2015.
Impedimentos de longo prazo
Não houve controvérsia sobre os impedimentos de longo prazo da demandante, uma vez que ela é portadora de retardo mental (evento 4, AnexosPet4, p. 14).
Portanto, restou como ponto controvertido a situação socioeconômica.
Condição socioeconômica
O estudo socioeconômico, realizado em novembro de 2016, apontou que a autora, Marilene (31 anos), vivia com a mãe, Leonida (57 anos), com o pai, Deoclides (61 anos), e com as irmãs, Daiane (18 anos) e Daniele (16 anos), em residência cedida pela empregadora do pai, localizada no interior de São Luiz Gonzaga/RS. Referiu tratar-se de uma casa simples, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, em boas condições de habitabilidade e guarnecida com móveis e eletrodomésticos básicos, suficientes para atender às necessidades do núcleo familiar. A empregadora do genitor pagava também as despesas de água e energia elétrica.
A renda familiar, na data da visita, era de um salário mínimo, proveniente da aposentadoria por idade rural do pai, somada a R$ 1.080,00 mensais percebidos pelo genitor pelas atividades rurais que prestava.
A assistente social referiu que a autora demandava atenção constante, pois dependida de terceiros para alimentar-se, vestir-se e higienizar-se. Relatou que ela faz uso de vários medicamentos, obtidos normalmente na rede pública de saúde; esporadicamente, comprados na rede privada, ao custo de R$ 400,00 mensais (evento 4, LaudPeri15).
As informações trazidas aos autos permitem concluir que a família vive de forma simples, mas não em situação de vulnerabilidade social, razão pela qual não merece reparos a sentença. Importa referir que, diante de futura alteração na situação socioeconômica, não há óbice para que pleiteado novamente o benefício junto ao INSS.
Negado provimento ao apelo.
Honorários advocatícios
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC), aplica-se a majoração prevista no art. 85, §11, desse diploma, observados os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos.
Assim, majoro a verba honorária para de R$ 850,00 para R$ 1.300,00, cuja exigibilidade resta suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça.
Tutela antecipada revogada - valores recebidos
Não obstante o julgamento do Tema 692 pelo STJ, a Terceira Seção desta Corte consolidou entendimento pela irrepetibilidade dos valores recebidos a título de tutela antecipada posteriormente revogada, por se tratar de verba alimentar recebida de boa-fé, inclusive citando precedente do STJ julgado pela sistemática dos recursos repetitivos:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. BENEFÍCIO PERCEBIDO POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.401.560. 1. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.401.560, efetuado em regime de recurso repetitivo, compreendeu possível a repetição de valores recebidos do erário no influxo dos efeitos de antecipação de tutela posteriormente revogada, em face da precariedade da decisão judicial que a justifica, ainda que se trate de verba alimentar e esteja caracterizada a boa-fé subjetiva. A desnecessidade de devolução de valores somente estaria autorizada no caso de recebimento com boa-fé objetiva, pela presunção de pagamento em caráter definitivo. 2. Por se tratar de verba alimentar, pelo cunho social peculiar às questões envolvendo benefícios previdenciários e, ainda, pelo fato de se verificarem decisões em sentidos opostos no âmbito do próprio STJ, tenho que deve ser prestigiado o entendimento consolidado da jurisprudência do STF para a questão em exame, ou seja, pela irrepetibilidade dos valores. (TRF4, EINF 5006850-96.2011.404.7001, TERCEIRA SEÇÃO, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 05/08/2016)
Tendo em vista essas considerações, assim como a circunstância de que essa tem sido a orientação das Turmas que compõem a Terceira Seção, a autora está dispensada de devolver os valores recebidos a título de tutela antecipada. Ressalvo meu entendimento pessoal em sentido contrário.
Conclusão
Negado provimento ao apelo da autora e majorados os honorários advocatícios de R$ 850,00 para R$ 1.300,00, cuja exigibilidade resta suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça. Dispensada a devolução dos valores recebidos por antecipação de tutela.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da autora.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000490804v13 e do código CRC cb8ccac9.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5006585-77.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: MARILENE OLIVEIRA DA SILVA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91)
APELANTE: LEONIDA OLIVEIRA DA SILVA (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
VOTO-VISTA
É incontroverso o impedimento de longo prazo da autora, que é portadora de retardo mental (evento 4, AnexosPet4, p. 14).
A controvérsia é restrita à situação socioeconômica sua e familiar.
No que diz respeito ao requisito econômico, para a concessão do benefício assistencial, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de recurso repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar for superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, 3ª Seção, rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 20/11/2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18-04-2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, é forçoso reconhecer que as despesas com os cuidados necessários da parte autora, especialmente medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
Além disso, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), em seu art. 34, dispõe que o benefício assistencial concedido a qualquer membro da família do idoso não será computado pra fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Infere-se do dispositivo que o objetivo do legislador é de preservar a renda mínima recebida pelo idoso (no montante de um salário mínimo), excluindo-a do cálculo da renda per capita familiar. Como a intenção primordial foi assegurar a dignidade do idoso, por analogia, tal regra deve ser estendida aos demais benefícios de renda mínima, sejam eles de natureza assistencial ou previdenciária, percebidos pelo idoso, assim como pelos portadores de deficiência integrantes da família.
Nesse sentido foi a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 580.963/PR, com repercussão geral reconhecida, declarando a inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, sem pronúncia de nulidade, verbis:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
(...) 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional.
5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003.
6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013)
Não se pode permitir, portanto, que o segurado, após longos anos de contribuição, seja obrigado a compartilhar seu benefício com os demais membros do grupo familiar.
No caso sob exame, o estudo socioeconômico, realizado em novembro de 2016, apontou que a autora, Marilene (31 anos), vivia com a mãe, Leonida (57 anos), com o pai, Deoclides (61 anos), e com as irmãs, Daiane (18 anos) e Daniele (16 anos), em residência cedida pela empregadora do pai, localizada no interior de São Luiz Gonzaga/RS. A assistente social apurou que a renda familiar, na data da visita, era de um salário mínimo, proveniente da aposentadoria por idade rural do pai, somada a R$ 1.080,00 mensais percebidos pelo genitor pelas atividades rurais que prestava. Referiu que a autora demandava atenção constante, pois dependia de terceiros para se alimentar, se vestir e higienizar-se. Relatou que ela faz uso de vários medicamentos, obtidos normalmente na rede pública de saúde; esporadicamente, comprados na rede privada, ao custo de R$ 400,00 mensais (evento 4, LaudPeri15).
Embora a renda per capita da família seja superior a ¼ de um salário mínimo, é relevante considerar que a autora se mostra dependente de assistência e/ou vigilância contínua de terceiros para executar as mínimas tarefas cotidianas e requer tratamento contínuo de saúde com uso de diversos medicamentos, ou seja, há despesas associadas ao seu tratamento de saúde que oneram os rendimentos familiares, a ponto de o genitor, aposentado e, em que pese sua idade, ter voltado a trabalhar para prover o sustento e manutenção da filha.
É preciso registrar, ainda, que o pai da autora está próximo a atingir idade de 65 anos, quando então sua renda no montante de um salário mínimo não poderá ser considerada para fins de cálculo da renda per capita familiar. Essa conclusão é possível em face da recente orientação firmada no julgamento do IRDR n.º 12, em que a 3ª Seção deste Tribunal fixou tese jurídica no sentido de que o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade. (TRF4, INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (SEÇÃO) Nº 5013036-79.2017.404.0000, 3ª Seção, Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 22/02/2018).
Logo, preenchidos os requisitos legais, é cabível a concessão do benefício assistencial.
Consectários
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo INPC a partir de 4-2006 (Lei n.º 11.430/06, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n.º 8.213/91), conforme decisões do STF, no RE nº 870.947, DJE de 20-11-2017, e do STJ, no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20-3-2018.
Juros moratórios
a) os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29-6-2009;
b) a partir de 30-6-2009, os juros moratórios serão computados de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, consoante decisão do STF no RE nº 870.947, DJE de 20-11-2017 e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20-3-2018.
Ônus sucumbenciais
O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça Federal (art. 4º, I, d, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, de acordo com o que vem disposto no art. 5º, I, da Lei Estadual/RS nº 14.634/14, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado, ressalvando-se que tal isenção não o exime da obrigação de reembolsar eventuais despesas processuais, tais como a remuneração de peritos e assistentes técnicos e as despesas de condução de oficiais de justiça (art. 2º c/c art. 5º, ambos da Lei Estadual/RS nº 14.634/14).
Registre-se que essa regra deve ser observada mesmo no período anterior à Lei Estadual/RS nº 14.634/14, tendo em vista a redação conferida pela Lei Estadual nº 13.471/2010 ao art. 11 da Lei Estadual nº 8.121/1985. Frise-se, nesse particular, que, malgrado a norma estadual tenha dispensado as pessoas jurídicas de direito público também do pagamento das despesas processuais, restou reconhecida a inconstitucionalidade formal do dispositivo nesse particular (ADIN estadual nº 70038755864). Desse modo, subsiste a isenção apenas em relação às custas.
No que concerne ao preparo e ao porte de remessa e retorno, sublinhe-se a existência de norma de isenção no CPC (art. 1007, caput e § 1º), o qual exime as autarquias do recolhimento de ambos os valores.
Desse modo, cumpre reconhecer a isenção do INSS em relação ao recolhimento das custas processuais, do preparo e do porte de retorno, cabendo-lhe, todavia, o pagamento de eventuais honorários periciais, quando houver.
Incumbe ao INSS, vencido, suportar os ônus sucumbenciais. Cabe-lhe, assim, o pagamento dos honorários advocatícios, os quais devem ser fixados em 15% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência (Súmula nº 111 do STJ; Súmula nº 76 desta Corte).
Tutela específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do Código de Processo Civil/1973, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007 - 3ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à implantação do benefício postulado. Para tanto, fixa-se o prazo de 30 dias úteis.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação e, de ofício, determinar a imediata implementação do benefício.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000575381v22 e do código CRC e8171259.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5006585-77.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: LEONIDA OLIVEIRA DA SILVA (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário)
ADVOGADO: MAURO ANTONIO WOLKMER
APELANTE: MARILENE OLIVEIRA DA SILVA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91)
ADVOGADO: MAURO ANTONIO WOLKMER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. INCAPACIDADE. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. MISERABILIDADE. AFERIÇÃO. renda familiar per capita. exclusão do benefício de renda mínima do idoso.
1. O direito ao benefício assistencial de prestação continuada, instituído pelo artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei nº 8.742/93 (LOAS), é assegurado à pessoa portadora de deficiência e ao idoso (idade de 65 anos ou mais), desde que qualquer deles esteja em situação de risco social, quer porque a renda familiar per capita é inferior a ¼ do salário mínimo, quer porque o conjunto probatório demonstra situação de miserabilidade.
2. O critério legal de renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo, para o fim de caracterizar a situação de miserabilidade, não revela a única forma de se aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família. Precedente do STJ.
3. À conta do que está disposto na Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), em seu art. 34, parágrafo único, não deve ser computado o benefício assistencial concedido a qualquer membro da família do idoso, para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Por analogia, a exclusão também deve se dar em relação aos demais benefícios de renda mínima, sejam eles de natureza assistencial ou previdenciária, percebidos pelo idoso, assegurando-se de igual modo a sua dignidade. Precedente do STF.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencida a relatora, decidiu dar provimento à apelação e, de ofício, determinar a imediata implementação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de agosto de 2018.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Relator do Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000660402v11 e do código CRC 6e0b1bed.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 7/12/2018, às 23:27:14
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:45:16.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 26/06/2018
Apelação Cível Nº 5006585-77.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Juiz Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: LEONIDA OLIVEIRA DA SILVA (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário)
ADVOGADO: MAURO ANTONIO WOLKMER
APELANTE: MARILENE OLIVEIRA DA SILVA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91)
ADVOGADO: MAURO ANTONIO WOLKMER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 26/06/2018, na seqüência 241, disponibilizada no DE de 08/06/2018.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto da Juíza Federal GISELE LEMKE no sentido de negar provimento à apelação da autora, pediu vista o Juiz Federal OSNI CARDOSO FILHO. Aguarda o Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO.
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Pedido Vista: Juiz Federal OSNI CARDOSO FILHO
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:45:16.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/07/2018
Apelação Cível Nº 5006585-77.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARILENE OLIVEIRA DA SILVA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91)
ADVOGADO: MAURO ANTONIO WOLKMER
APELANTE: LEONIDA OLIVEIRA DA SILVA (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário)
ADVOGADO: MAURO ANTONIO WOLKMER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto-vista divergente do Des. Federal Osni Cardoso Filho no sentido de dar provimento à apelação e, de ofício, determinar a imediata implementação do benefício, no que foi acompanhado pelo Juiz Federal Altair Antonio Gregorio, foi sobrestado o julgamento nos termos do art. 942 do CPC/2015, para que tenha prosseguimento na sessão de 28-8-2018.
VOTANTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Comentário em 17/07/2018 11:12:21 - GAB. 54 (Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO) - Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO.
Acompanho a divergência, Des. Osni.
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:45:16.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/08/2018
Apelação Cível Nº 5006585-77.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARILENE OLIVEIRA DA SILVA (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91)
ADVOGADO: MAURO ANTONIO WOLKMER
APELANTE: LEONIDA OLIVEIRA DA SILVA (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário)
ADVOGADO: MAURO ANTONIO WOLKMER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/08/2018, na seqüência 701, disponibilizada no DE de 13/08/2018.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após os votos do Des. Federal João Batista Pinto Silveira e do Juiz Federal Artur César de Souza acompanhando a divergência, a 5ª Turma, por maioria, vencida a relatora, decidiu dar provimento à apelação e, de ofício, determinar a imediata implementação do benefício.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 12:45:16.