Apelação Cível Nº 5016306-53.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JORGE DA SILVA ESPINDOLA
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social interpôs apelação em face de sentença que julgou procedente o pedido para conceder ao autor a implementação de benefício assistencial ao portador de deficiência, com o pagamento das parcelas em atraso corrigidas e com juros, condenando-o ainda ao pagamento das custas e honorários (Evento 3 - SENT22).
Sustentou que a prova é insuficiente em relação ao quesito econômico, pois a renda per capita familiar seria superior ao limite legal, não havendo prova também da situação de vulnerabilidade social. Destacou que há várias contradições no laudo social, que, por tal motivo, necessita ser complementado ou renovado, diante das informações em desacordo com o sistema Plenus. Mencionou que alguns dos componentes do núcleo familiar negaram-se a apresentar à assistente social seus documentos de identificação quando da visita domiciliar, o que configura cerceamento de defesa na medida em que não se tem certeza de quem efetivamente lá reside. Protestou pela isenção ao pagamento das custas. Prequestionou a matéria (Evento 3 - APELAÇÃO23).
Com contrarrazões, subiram os autos.
O Ministério Público Federal apresentou parecer (Evento 12).
VOTO
Discute-se acerca das contradições existentes no laudo socioeconômico, embora a sentença, com base em tal documento, tenha sido no sentido da procedência do pedido para fins de concessão do amparo assistencial.
Compulsando os autos, todavia, verifica-se, de fato, que há contradições insanáveis no estudo social (Evento 3 - LAUDPERI13), que, portanto, deve ser renovado, como bem salientou o INSS nas razões da apelação. Com efeito, não há prova segura sequer do endereço do autor, com quem reside, nem mesmo sobre quais os componentes do núcleo familiar e as respectivas rendas.
No ponto, deve-se destacar a bem lançada manifestação do Ministério Público Federal, que bem traduz a controvérsia em debate (Evento 12):
In casu, relativamente ao requisito de hipossuficiência econômica, referente a análise da perícia socioeconômica realizada pela assistente social (evento 3 – LAUDPERI13), observa-se que a família do apelado é composta por três pessoas, o próprio autor, sua companheira (união estável) Sedeni Loronha da Costa e o enteado Maicon, de 19 anos, sendo a renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo, contando com o valor aproximado de R$ 1.000,00 mensal, proveniente da pensão por morte do falecido marido de Sedeni, bem como o valor aproximado de R$200,00 ao mês obtido através de realizações de “biscates” desempenhadas por Jorge, é perceptível que diante de sua incapacidade ao exercer atividade laborativa, a realidade do grupo familiar é de carência econômica.
Entretanto, o INSS apontou em seu recurso que em consulta ao Sistema Plenus foi possível localizar Sedeni Terezinha Loronha Costa, segurada que titulariza um benefício de pensão por morte no valor de R$ 1.732,06, e que esta teria o mesmo nome da companheira do requerido, comprovando diante dos dados constatados que a renda per capita do grupo familiar excederia mais do que ¼ do salário-mínimo, retirando o direito ao benefício assistencial.
Ocorre que em razão da mesma ter se recusado a fornecer os dados de seu documento na perícia socioeconômica, não é possível atestar que as duas são a mesma pessoa, quedando-se na impossibilidade de comprovação de existência ou inexistência da situação de vulnerabilidade econômica do núcleo familiar – requisito indispensável de ser aferido para a concessão do benefício assistencial, nesses casos.
Contudo, nas contrarrazões apresentadas pelo requerido consta por sua vez que a alegação da autarquia não merece prosperar, pois o apelado juntou aos autos declaração, na qual informa que atualmente está separado há cerca de dois anos de sua companheira e que regressou a residência de sua genitora (Sra. Leci).
Por conseguinte, com tal mudança no núcleo familiar do autor, é reconhecida a necessidade de produção de prova indispensável através de laudo pericial econômico a fim de obter esclarecimentos.
Diante disso, a sentença deve ser anulada para que se elabore novo laudo socioeconômico no local onde o autor efetivamente vive (já que não se tem certeza se reside com sua mãe ou com a companheira), devendo constar também onde residia à época da propositura do processo administrativo no qual requereu o benefício (DER).
Demais disso, deve-se esclarecer ao auxiliar do juízo (assistente social) que é imprescindível que conste do laudo a filiação, o CPF e o RG, bem como a renda de todos os componentes do núcleo familiar, repita-se, à época da DER e atualmente, mesmo que sejam grupos familiares distintos.
Desde já deve-se salientar que, caso tenha havido, no período compreendido entre a DER e os dias atuais, alteração de endereço ou de permanência num ou noutro núcleo familiar, é necessário que venham as autos provas de ambos, com laudos sociais detalhados e que permitam o julgamento do feito.
Registre-se que não se trata, por ora, de reformar a sentença e julgar improcedente o pedido de plano diante da contradição dos dados acima mencionados, pois é direito da parte que pretende ver seu direito atendido, ainda mais em se tratando de benefício assistencial, que a prova realizada sob o crivo do judiciário seja renovada, pois é insuficiente.
É bom que se diga que a tutela colimada nas ações previdenciárias insere-se nos direitos sociais da previdência, relacionado-se diretamente a valores como a concretização da cidadania e o respeito da dignidade humana. Ressalto, aliás, que uma das peculiaridades do direito previdenciário é o dever constitucional da Autarquia, diante da hipossuficiência do segurado, de tornar efetivas as prestações previdenciárias, dever esse insculpido inclusive na legislação - a partir da interpretação extensiva do art. 105 da Lei de Benefícios, que determina ao INSS orientar, sugerir ou solicitar os documentos necessários a fim de conceder o melhor benefício ao que o segurado tem direito, o que aqui também se aplica.
Para além disso, um dos princípios que norteia o processo civil previdenciário é o da verdade real. Segundo Savaris, "a busca pela verdade real nos processos previdenciários não consiste em uma liberalidade do juiz. Ele deve valer-se de seus poderes instrutórios para encontrar algo que se aproxime da verdade dos fatos. [...] A atuação do magistrado na busca da verdade real não agride o princípio da imparcialidade judicial, pois o resultado obtido servirá a melhor instrução da causa e à mais qualificada prestação de jurisdição (com o que deve atender aos interesses de ambas as partes)." (Savaris, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. 6ª edição. Curitiba; Alteridade Editora, 2016, p. 97).
Em comunhão de ideias, o Código de Processo Civil autoriza ao magistrado, inclusive de ofício, determinar a realização das provas necessárias ao bom julgamento do mérito (artigo 130 do CPC/73 e artigo 370 do CPC/2015). No mesmo sentido, precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. VIABILIDADE. NECESSIDADE DE REPETIÇÃO DA PROVA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. ANULAR A SENTENÇA 1. Comprovados os requisitos da idade avançada e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial. 2. Mostrando-se necessário o aprofundamento das investigações acerca das condições socioeconômicas do segurado, impõe-se a realização de novo Estudo social. (TRF4, AC 5039685-57.2017.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 12/04/2018)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº 8.742/93. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AUSÊNCIA DA PARTE AUTORA NA PERÍCIA DESIGNADA. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. As ações de natureza previdenciária têm nítido caráter social, em face da notória hipossuficiência daqueles que as exercitam, devendo ser relativizado o rigorismo processual no que concerne à produção da prova necessária à demonstração do direito alegado. 2. Ausente a parte autora à perícia designada, necessária se faz sua intimação pessoal, tanto para apurar a continuidade da importância da perícia na prova que se pretende constituir, quanto para que se possa conhecer de eventual ausência de interesse no prosseguimento do feito. 3. Hipótese em que anulada a sentença e determinada a reabertura da instrução processual, possibilitando à parte autora a realização de perícia médica e estudo social, a fim de que se avalie se estão presentes os pressupostos necessários à concessão do benefício assistencial. (TRF4, AC 5002705-94.2016.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 28/03/2018)
PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. Mesmo que a parte autora fique inerte em relação à postulação de instrução probatória, é prematura a entrega da prestação jurisdicional quando não oportunizada a produção das provas necessárias ao julgamento da causa, diante do preceito contido no artigo 130 do CPC/73 (atual art. 370 do CPC/2015), em que é facultada ao magistrado, inclusive de ofício, a determinação das provas necessárias ao deslinde da questão posta em Juízo. Anula-se a sentença e determina-se o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual. (TRF4 5008146-55.2013.404.7108, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 07/06/2017)
Diante disso, cabe anular a sentença para retorno dos autos à origem a fim de que sejam instruídos com novo estudo socioeconômico (laudo social sobre as condições de vida do autor e seu núcleo familiar nos dias atuais e retroativamente à DER), facultando-se às partes inclusive a produção de novas provas.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem, nos termos da fundamentação, ficando prejudicado o julgamento dos demais pontos do recurso.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001387387v9 e do código CRC 90eaa959.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5016306-53.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JORGE DA SILVA ESPINDOLA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS). NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA. LAUDO SOCIOECONÔMICO CONTRADITÓRIO E INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
2. A realização de nova perícia é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida (art. 480, caput, do CPC). Havendo necessidade de elaboração de novo laudo socioeconômico diante das contradições e insuficiência do teor do que consta dos autos, cabível a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual para que se produza prova a fim de esclarecer se há ou não a situação de vulnerabilidade social.
3. Sentença anulada, determinando-se o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual. Prejudicada a análise dos demais pontos da apelação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem, ficando prejudicado o julgamento dos demais pontos do recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de novembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001387388v4 e do código CRC d025c262.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 05/11/2019
Apelação Cível Nº 5016306-53.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JORGE DA SILVA ESPINDOLA
ADVOGADO: ALDA CRISTINA DE SOUZA FREITAS (OAB RS058272)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 05/11/2019, às 13:30, na sequência 316, disponibilizada no DE de 15/10/2019.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM, FICANDO PREJUDICADO O JULGAMENTO DOS DEMAIS PONTOS DO RECURSO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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