APELAÇÃO CÍVEL Nº 5012874-95.2015.4.04.7003/PR
RELATOR | : | FERNANDO QUADROS DA SILVA |
APELANTE | : | BENEDITA DE CARLOS FELIPES |
ADVOGADO | : | CLOVIS PINHEIRO DE SOUZA JUNIOR |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO À PESSOA IDOSA. LEI Nº 8.742/93. REVISÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. POSSIBILIDADE. MÁ-FÉ CONFIGURADA. DECADÊNCIA.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. É devida a devolução de valores recebidos em decorrência do pagamento de benefício previdenciário quando ausentes os seus pressupostos e comprovada, pela prova dos autos, a má-fé do segurado que recebeu indevidamente a prestação previdenciária.
3. A comprovada má-fé do segurado/beneficiário quando da concessão do benefício afasta a decadência do direito da Autarquia em revisar o ato administrativo, nos termos do art. 103-A da Lei nº 8.213/91.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar/PR do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 14 de novembro de 2017.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9205763v3 e, se solicitado, do código CRC 76C4DE20. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5012874-95.2015.4.04.7003/PR
RELATOR | : | FERNANDO QUADROS DA SILVA |
APELANTE | : | BENEDITA DE CARLOS FELIPES |
ADVOGADO | : | CLOVIS PINHEIRO DE SOUZA JUNIOR |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por Benedita de Carlos Felipes em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando o restabelecimento do benefício assistencial ao idoso previsto pelo artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, com a declaração de decadência do direito de cancelamento do benefício e a declaração de inexigibilidade de cobrança administrativa de débito, abstendo-se de cadastrar a autora em lista de dívida ativa da União.
Prolatada sentença de improcedência do pedido formulado, cujo dispositivo ficou assim redigido:
3. Dispositivo
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a demanda, declarando extinto o processo, com resolução do mérito (artigo 487, I, NCPC), no sentido de rejeitar os pedidos elaborados na inicial.
3.1. Honorários de Sucumbência (art. 85 do CPC):
O novo CPC, acompanhando o Estatuto da OAB, transferiu a titularidade os honorários de sucumbência, antiga verba indenizatória do vencedor do processo, para o advogado. A jurisprudência infraconstitucional é pacífica sobre a validade desta transferência. No plano constitucional, entretanto, a questão está aberta, pois ainda pende de julgamento no STF a nova ADI 5055-DF, com pedido de inconstitucionalidade referente a essa transferência.
A questão da titularidade dos honorários de sucumbência não tem sido constitucionalmente debatida nos tribunais infraconstitucionais. Há nítido conflito de interesse entre o advogado e cliente, neste ponto. O jurisdicionado vencedor normalmente fica sem defensor, pois o advogado naturalmente prefere a defesa de seu interesse financeiro. A questão somente poderá ser mudada com eventual procedência da mencionada ADI no STF.
Nesse quadro, após tantas decisões declarando incidentalmente a inconstitucionalidade da referida transferência (seguindo os indicativos da anterior ADI 1.194-4-DF - votos dos Ministros Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa) sem qualquer sucesso, resigno-me, com ressalva do antigo entendimento pessoal, passando a acompanhar a jurisprudência infraconstitucional, até eventual pronunciamento de inconstitucionalidade.
Assim, como determina o art. 85 do CPC, condeno a parte autora vencida a pagar ao advogado da parte ré, Instituto Nacional do Seguro Social, 10% sobre o valor atualizado da causa.
Custas pela parte autora.
Em apelação, alega a parte autora inexistência de má-fé. Aponta que era obrigação do INSS investigar as informações prestadas ao analisar se a apelante tinha direito ao benefício. Desta forma, requer a reforma da sentença para julgar procedente a ação, reconhecendo-se a decadência do direito de cancelamento do benefício, seu restabelecimento e a inexistência do débito alegado, com a inversão dos ônus da sucumbência.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
O Ministério Público Federal apresentou parecer, da lavra do Procurador Regional da República Juarez Mercante, opinando pelo desprovimento da apelação.
É o relatório. Peço dia.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9205761v3 e, se solicitado, do código CRC 300021B9. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5012874-95.2015.4.04.7003/PR
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VOTO
DIREITO INTERTEMPORAL
Inicialmente, cumpre o registro de que a sentença recorrida foi publicada em data posterior a 18-3-2016, quando passou a vigorar o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16-3-2015), consoante decidiu o Plenário do STJ.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
A Constituição Federal dispôs em seu artigo 203:
A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso. Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido dispositivo a seguinte redação, ora em vigor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.(Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011).
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL
A redação atual do § 3º do artigo 20 da LOAS manteve como critério para a concessão do benefício assistencial a idosos ou deficientes a percepção de renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso especial representativo de controvérsia (Tema 185), com base no compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana - especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física e do amparo ao cidadão social e economicamente vulnerável -, relativizou o critério econômico estabelecido na LOAS, assentando que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família, uma vez que se trata apenas de um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo (REsp nº 1112557/MG, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 20-11-2009).
Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985 (este com repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE nº 567985, Plenário, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, DJe de 3-10-2013).
Na mesma oportunidade, o Plenário do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.
Mais recentemente, a 1ª Seção do STJ, com fundamento nos princípios da igualdade e da razoabilidade, firmou entendimento segundo o qual, também nos pedidos de benefício assistencial feitos por pessoas portadoras de deficiência, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício, no valor de um salário mínimo, recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único, do artigo 34 do Estatuto do Idoso:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº1355052/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 5-11-2015).
Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (artigo 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).
Por outro lado, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, ou de benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade. Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita. (APELREEX nº 5035118-51.2015.404.9999, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, e-Proc em 14-3-2016, evento 94 - APELREEX nº 5013854-43.2014.404.7208, TRF/4ª Região, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, e-Proc em 13-5-2016, evento 8).
Outrossim, observe-se que, em julgados ocorridos após o recurso especial representativo de controvérsia e o recurso extraordinário com repercussão geral acima citados, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal mantiveram o entendimento de que a renda mensal percebida não é o único critério a ser considerado para a aferição da condição de miserabilidade, explicitando que devem ser analisadas as diversas informações sobre o contexto socioeconômico constantes de laudos, documentos e demais provas:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Ao contrário do que sustenta o agravante, o Tribunal de origem adotou o entendimento pacificado pela Terceira Seção desta Corte, no julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo da controvérsia, de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a hipossuficiência quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 2. O pedido foi julgado improcedente pelas instâncias ordinárias não com base na intransponibilidade do critério objetivo da renda, mas com fundamento na constatação de que não se encontra configurada a condição de miserabilidade da parte autora, uma vez que mora em casa própria ampla e conservada, possui carro e telefone, e as necessidades básicas de alimentação, vestuário, higiene, moradia e saúde podem ser supridas com a renda familiar informada. 3. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no AREsp nº 538948/SP, STJ, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 27-3-2015).
Agravos regimentais em reclamação. Perfil constitucional da reclamação. Ausência dos requisitos. Recursos não providos.
1. Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para preservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas decisões (art. 102, inciso I, alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação de súmula vinculante (art. 103-A, § 3º, CF/88). 2. A jurisprudência desta Corte desenvolveu parâmetros para a utilização dessa figura jurídica, dentre os quais se destaca a aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF . 3. A definição dos critérios a serem observados para a concessão do benefício assistencial depende de apurado estudo e deve ser verificada de acordo com as reais condições sociais e econômicas de cada candidato à beneficiário, não sendo o critério objetivo de renda per capta o único legítimo para se aferir a condição de miserabilidade. Precedente (Rcl nº 4.374/PE) 4. Agravos regimentais não providos.
(Rcl. nº 4154, STF, Plenário, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 21-11-2013)
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas que podem ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (APELREEX nº 0001612-04-2017.404.9999, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, D.E. de 9-6-2017).
Também, eventual circunstância de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do artigo 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (APELREEX nº 2009.71.99.006237-1, TRF4, 6ª Turma, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper, D.E. 7-10-2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto.
REVISÃO DO BENEFÍCIO / DECADÊNCIA / RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE
A possibilidade de o INSS rever e anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que o tornem ilegais, buscando a devolução de valores percebidos indevidamente, é consagrada nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, passando posteriormente a contar com previsão legal expressa (art. 53 da Lei 9.784/99 e art. 103-A, da Lei 8.213/91, introduzido pela Lei nº 10.839/04).
No entanto, este poder-dever não é ilimitado no tempo, ficando sujeito à observância de prazo decadencial ou, em sua ausência, aos parâmetros informadores do princípio da segurança jurídica.
Quanto ao tema, considerando a evolução legislativa pertinente e o entendimento jurisprudencial, podemos pontuar, resumidamente:
a) atos praticados até 14/05/1992 (revogação da Lei n.º 6.309/75): incide o prazo de cinco anos, a contar da data do ato a ser revisado;
b) atos praticados entre 14/05/1992 e 01/02/1999: incide o prazo de dez anos (Lei n.º 10.839/2004), a contar de 01/02/1999;
c) para os atos praticados após 01/02/1999: incide o prazo decadencial de dez anos, a contar da data da respectiva prática do ato (art. 103-A, Lei 8213/91).
Importante referir que a comprovada má-fé do segurado/beneficiário quando da concessão do benefício afasta a decadência do direito da Autarquia em revisar o ato administrativo, nos termos do art. 103-A da Lei nº 8.213/91, abaixo transcrito.
"Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)"
Prosseguindo, consolidada a jurisprudência no sentido de que a má aplicação de norma jurídica, a interpretação equivocada e o erro da administração, por parte da Autarquia, não autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados/beneficiários.
Ademais, os valores recebidos de boa-fé pelo segurado/beneficiário, em face da natureza alimentar das prestações previdenciárias, são irrepetíveis, o que implica na relativização do estabelecido nos artigos 115 da Lei nº 8.213/91 e 154 do Decreto nº 3.048/99.
Nesse passo, importante observar que nas ações de ressarcimento promovidas pelo INSS, indispensável que seja demonstrada a má-fé do beneficiário ou, no revés, que seja afastada a boa-fé da pessoa que alegadamente recebeu de forma indevida determinado benefício previdenciário.
Esta identificação é fundamental para autorizar a administração a adotar medidas para fazer cessar a ilicitude, bem como buscar a via judicial para obter a restituição de verba indevidamente paga, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude, dolo e má-fé e, em caso contrário, preservar a condição do beneficiário que agiu de boa-fé.
Essa é a orientação jurisprudencial atual:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE POR ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - Por força do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, e, sobretudo, em razão da diretriz da boa-fé objetiva do segurado, não cabe a devolução de valores recebidos, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro da Administração. III - Recurso Especial não provido. (REsp 1550569/SC, STJ, 1ª Turma, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, DJe 18-05-2016)
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, STJ, 2ª Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 02-02-2016)
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. DECLARAÇÃO FALSA PARA OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. MÁ-FÉ CONFIGURADA. RESSARCIMENTO DEVIDO. 1. Apesar da manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, havendo má fé por parte do recebedor dos valores, devida será a restituição dos valores indevidamente sacados. 2. A afirmação da autora ao requerer a aposentadoria por idade rural de que não recebia qualquer outro benefício, quando, na verdade, vinha recebendo aposentadoria por invalidez há mais de três anos, evidencia a má-fé da beneficiária. (AC 0006008-63.2013.404.9999, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 20-04-2016).
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ. PRESCRIÇÃO. 1. A imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, prevista no art. 37, §5º, da Constituição Federal, deve ser compreendida restritivamente, uma vez que atentaria contra a segurança jurídica exegese que consagrasse a imprescritibilidade de ação de ressarcimento decorrente de qualquer ato ilícito. 2. No que tange à prescrição a jurisprudência assentou entendimento de que em dívida de direito público, o prazo prescricional é qüinqüenal. 3. O pagamento originado de decisão administrativa devidamente motivada à luz das razões de fato e de direito apresentadas quanto do requerimento, tem presunção de legitimidade. 4. Evidenciada a boa-fé, o beneficiário não pode ficar jungido à contingência de devolver valores que já foram consumidos, dada a finalidade de prover os meios de subsistência a que se destina o benefício previdenciário. (AC 5003822-52.2014.404.7216, TRF/4ª Região, 5ª Turma, Rel. Des. ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 30-06-2016).
PROCESSO CIVL E PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES MÁ-FÉ. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. CARACTERIZAÇÃO. 1. É devida a devolução de valores recebidos em decorrência do pagamento de benefício previdenciário quando ausentes os seus pressupostos e comprovada, pela prova dos autos, a má-fé do segurado que recebeu indevidamente a prestação previdenciária. 2. Inescusável a postura do segurado que obtêm a concessão do benefício mediante a apresentação simultânea de pedidos em agências distintas com informações contraditórias entre si.
(AC 5003170-43.2015.404.7202, TRF/4ª Região, 6ª Turma, Rel. Des. JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 21-10-2016)
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CANCELAMENTO. DESCONTOS ADMINISTRATIVOS. COBRANÇA DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ.
1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99.
2. Diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores determinada pela autarquia.
(AC 5014356-74.2012.404.7200, TRF/4ª Região, Rel. Des. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 01-07-2014)
CASO CONCRETO
No caso em tela, o benefício assistencial devido à pessoa idosa foi deferido administrativamente à parte autora, mas posteriormente cancelado em razão da constatação de irregularidade, uma vez apurado que a mesma não atendia ao requisito da miserabilidade e que ocultou seus rendimentos.
Importante referir, como destacado nas premissas acima, que não há necessidade de devolução dos valores indevidamente recebidos por segurados ou beneficiários quando recebidos de boa-fé, em razão do seu caráter alimentar.
No entanto, examinando os autos, concluo estar suficientemente demonstrada a má-fé da parte autora, a ensejar a restituição dos valores recebidos indevidamente a título de benefício assistencial, tal como exposto na sentença recorrida, cujos fundamentos transcrevo, adotando-os como razões de decidir, in verbis:
1. Relatório
A autora, atualmente com 90 anos de idade, ajuizou a presente ação buscando o restabelecimento do benefício assistencial ao idoso previsto pelo artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, com a declaração de decadência do direito de cancelamento do benefício e a declaração de inexigibilidade de cobrança administrativa de débito, abstendo-se de cadastrar a autora em lista de dívida ativa da União.
Alega, em síntese, que: (i) a autora recebeu amparo social ao idoso em 23/11/1998 e só em 30/06/2014 foi iniciado processo que identificou erro nas informações prestadas ao réu, o qual cessou o benefício em 30/04/2015, (ii) através do ofício nº 723/2015, o réu cobra da autora o valor de R$119.546,59, e o não cumprimento da obrigação de pagar objetivaria a inscrição do nome da autora em dívida ativa de cobrança judicial, inclusive com inclusão no cadastro informativo dos créditos não quitados do Setor Público Federal - CADIN, (iii) considerando que decorreram mais de dez anos entre a data da concessão (23/11/1998) e a comunicação de revisão através do ofício nº 882/2014 em 30/06/2014, e a não comprovação de má-fé, ocorreu a decadência ao direito de anulação do ato administrativo. Juntou documentos (Evento 1).
A parte autora fez o recolhimento das custas processuais (Evento 3).
A decisão proferida no Evento 4 determinou a citação do INSS e a requisição do procedimento administrativo junto à APS de Paranavaí.
O procedimento administrativo foi anexado ao Evento 9.
O INSS contestou, aduzindo, em síntese, preliminarmente, a incapacidade da autora para figurar no polo ativo do feito devido ao Mal de Alzheimer, requerendo a extinção sem resolução do mérito, nos termos do art. 367, IV do CPC. No tocante ao mérito, a autora herdou bens imóveis do seu falecido marido, o qual faleceu no ano de 1993, restando configurada a má-fé da autora ao solicitar o benefício assistencial ao idoso, quando nunca de fato precisou dele, não cumprindo o requisito da renda mensal per capita para o restabelecimento do benefício. Resta evidente que a cobrança dos valores recebidos está em estrita consonância com a legislação atinente ao assunto. Pugnou pela improcedência do pedido (Evento 10).
Em impugnação à contestação, a parte autora considerou que decorreram mais de dez anos entre a data da concessão e a comunicação, e a não comprovação de má-fé, há presunção legal de que ocorreu a decadência ao direito de anulação do ato administrativo (Evento 13).
O feito foi convertido em diligência para determinar a intimação da parte autora para se manifestar expressamente sobre a alegação do INSS de que a autora é portadora de Mal de Alzheimer, incapaz para os atos da vida civil, nos termos do art. 4º, III, do Código Civil, não se encontrando devidamente representada nos autos. Deveria esclarecer se sofreu processo de interdição e se houve a nomeação de curador especial, apresentando nos autos todos os documentos necessários para regularizar sua representação processual (Evento 18).
A parte autora se manifestou no sentido de que é portadora de Mal de Alzheimer, porém é capaz para todos os atos da vida civil (Evento 21).
O INSS manifestou-se no sentido de que a parte autora encontra-se capaz para os atos da vida civil, requerendo o prosseguimento do feito (Evento 24).
O Ministério Público Federal entendeu que não se justifica sua intervenção como custos legis no presente caso, considerando que não há qualquer irregularidade ou lesão a direitos e interesses da autora, bem como outras a ensejar nulidades aos atos processuais até agora praticados (Evento 27).
É o breve relato. Passo a decidir.
2. Fundamentos
2.1. Do benefício Assistencial
(...)
2.2. Do caso concreto
A autora recebeu o benefício de Amparo Social ao Idoso entre 23/11/1998 a 30/04/2015 (NB 111.976.055-8), suspenso pelo INSS pela constatação de irregularidade em sua concessão.
Em 30/06/2014, o INSS expediu o Ofício INSS N. 0000882/APSPAR/2014 cientificando a autora de que em revisão administrativa foi identificado a vinculação da autora com a propriedade de bens constantes no Registro Nacional de Veículos Automotores (OFIC7 - Evento 1).
Em 08/01/2015, expediu o Ofício INSS N. 0079153/APSPAR/2015, identificando indício de irregularidade consistente em: "confirmado que o falecido esposo, José Felipes, falecido em 08/02/1993, deixou de herança, alguns lotes rurais, não obstante, em pesquisa externa restou confirmado que desde a morte do esposo V.Sª aufere renda proveniente de arrendamento de área rural", implicando na devolução de valores relativos aos períodos considerados irregulares, atualizados em R$106.696,49 (OFIC8 - Evento 1).
Por fim, em 09/10/2015, foi expedido o Ofício INSS nº 723/APSPAR/2015, cobrando da autora o valor de R$119.546,59, referente ao recebimento indevido do benefício entre 23/11/1998 a 30/04/2015 (OFICIO/C9 - Evento 1)
A parte autora alega que houve a decadência do direito de o INSS revisar o benefício concedido, conforme determina o art. 103-A da Lei 8.213/91, o qual prescreve:
Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004)
Nos termos deste dispositivo legal, o prazo decadencial para anulação dos atos administrativos se opera de pleno direito decorridos dez anos contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Diante das provas constantes dos autos, não é possível afirmar a ocorrência de boa fé quando da concessão do benefício assistencial à autora.
Vejamos.
Por ocasião do requerimento administrativo (PROCADM1 - Evento 9), em 1998, a autora foi convocada para entrevista com a assistente social, a qual, nas fls. 15, anotou: "... Vive só e depende de filha casada", sendo, na sequência, deferido-lhe o benefício (fls. 19).
Na revisão administrativa feita em 06/05/2002 (fls. 20), nas respostas do formulário padrão, constou: "Pessoa vivendo em moradia cedida", "Apresenta dificuldade nas relações familiares", "Não tem condições de desenvolver atividades produtivas", "SITUAÇÃO SOCIAL/NÍVEL DE VULNERABILIDAE - Baixo", com o valor do rendimento mensal declarado em R$200,00 (fls. 21), obtendo parecer favorável para sua manutenção (fls. 22).
A autora foi casada com Pedro Felipes, falecido em 08/02/1993, conforme comprova a certidão de óbito anexada ao procedimento administrativo (PROCADM1 - Evento 9). O falecimento ocorreu 5 anos antes do deferimento do benefício à autora.
O INSS expediu ofícios ao Cartório/Tabelionato de Notas de Atalaia e de Nova Esperança, solicitando a apresentação de documentos de existência de bens imóveis deixados por Pedro Felipes, esposo da autora (PROCADM2 - Evento 9).
Em resposta, o Registro de Imóveis de Nova Esperança encaminhou cópias das matrículas nºs 1889, 1890, 1238 e 4537, referentes, respectivamente, aos lotes de terras nºs 106-H, com área de 26,13 hectares e 34,36 hectares, ao lote nº 106-B com 10 alqueires paulistas e ao lote nº 66 e 66-C com 9,90 alqueires paulistas, todos localizados na Gleba Atalaia, Município de Atalaia, pertencentes à autora e seu esposo Pedro Felipes.
Encaminhou, também, cópias das escrituras públicas de venda e compra referente ao lote nº 47, com área de 5 alqueires, dos lotes 106H e 106-H-1, com área total de 25 alqueires, ao lote nº 32, com área de 12 alqueires, dos lotes 48 e 49, com área de 12 alqueires paulistas, do lote 99-H, com área de 15,11 alqueires, que foram de propriedade da autora e seu esposo (PROCADM3 - Evento 9).
Na pesquisa administrativa realizada pelo INSS, constatou-se que:
...a Sra. Benedita é viúva há mais de trinta anos, e que o falecido esposo não deixou pensão por morte, mas que o sítio São Pedro foi legado da herança do finado marido, e que esta propriedade está arrendada para o Sr. Giovani Siroti desde a época do óbito até a presente data.
De acordo com os fatos narrados, entendo que houve má fé da parte autora com o fim exclusivo de obter a concessão de Amparo Assistencial ao Idoso junto ao INSS.
Não há como deixar de reconhecer que a autora omitiu informações sobre sua situação econômica ao INSS para obtenção do benefício, e isto ocorreu também numa segunda vez, objetivando sua manutenção, pois ela não se tratava de pessoa carente e incapaz de prover sua subsistência e não cumpria o requisito sócio econômico para o deferimento do benefício.
Evidenciada, portanto, a má-fé na conduta omissiva da parte autora ao não declarar que era proprietária rural e que percebia rendimento proveniente de arrendamento agrícola.
Nesse contexto, o pedido deve ser indeferido.
2.1.2. Quanto à má fé no recebimento do benefício
O INSS pretende o ressarcimento dos valores recebidos a título de benefício assistencial ao idoso, no valor de R$ 119.546,59, referente ao recebimento indevido do benefício entre 23/11/1998 a 30/04/2015.
Os valores dos benefícios previdenciários recebidos de boa fé, são irrepetíveis, dada sua natureza alimentar. No entanto, se não demonstrada a boa-fé do segurado, justifica-se a cobrança dos valores indevidamente recebidos.
Nesse sentido é a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO INDEVIDO DE VALORES PREVIDENCIÁRIOS APÓS A MORTE DO SEGURADO. MÁ-FÉ. RESSARCIMENTO DEVIDO. 1. O caso em questão não se trata de hipótese de decadência, por não haver discussão sobre o desfazimento de um ato, mas, sim, sobre simples cobrança. De qualquer forma, ainda que assim não fosse, não se poderia cogitar de decadência, na forma do art. 103-A, da Lei n.º 8.213/91, em decorrência da manifesta má-fé, que obsta a contagem do prazo legal. 2. Apesar da manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, havendo má fé por parte do recebedor dos valores, devida será a restituição dos valores indevidamente sacados. Precedentes da Terceira Seção desta Corte pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não devolução dos alimentos apenas quando configurada a boa fé do segurado. 3. Sentença reformada. Recurso da União provido. (TRF4, AC 5016664-03.2014.404.7204, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 20/04/2016)
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. RECEBIMENTO DE VALORES PREVIDENCIÁRIOS. FRAUDE NA CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS. ATO ILÍCITO. RESSARCIMENTO DEVIDO. 1. Apesar da manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, havendo má fé por parte do recebedor dos valores, consubstanciada em fraude na concessão dos benefícios, devida será a restituição dos valores indevidamente sacados. Precedentes da Terceira Seção desta Corte pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não devolução dos alimentos apenas quando configurada a boa fé do segurado. 2. Configurada a obrigação de ressarcir, esta abrangerá os valores recebidos por meio de todos os benefícios concedidos fraudulentamente. (TRF4, AC 5007604-06.2014.404.7204, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 20/04/2016)
O conjunto probatório constante dos autos levam ao entendimento da existência de má fé da parte autora na obtenção do benefício assistencial ao idoso ao omitir informações sócio econômicas que levariam ao indeferimento do pedido por parte do INSS.
Conforme demonstrado, justifica-se a cobrança pelo INSS dos valores indevidamente recebidos em face do cancelamento do benefício obtido por meio de má fé da parte autora, conforme fundamentado.
3. Dispositivo
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a demanda, declarando extinto o processo, com resolução do mérito (artigo 487, I, NCPC), no sentido de rejeitar os pedidos elaborados na inicial.
(...)".
Assim, uma vez que quando do requerimento do benefício (em 1998) e quando da revisão administrativa (em 2002) a ré omitiu deliberadamente dados relevantes sobre sua renda e seus bens, com claro propósito de alterar a realidade, induzindo a autarquia previdenciária à concessão do benefício, forçoso concluir pela má-fé.
Neste passo, comprovada a má-fé, o prazo decadencial de 10 anos previsto no art. 103-A da Lei nº 8.213/1991 não é aplicável, conforme parte final do caput do dispositivo.
Da mesma forma, não atendidos os requisitos legais definidos pela Lei nº 8.742/93, neste caso o da situação de risco social, não há se falar em restabelecimento do benefício assistencial concedido administrativamente e posteriormente cancelado. Para ilustrar:
PROCESSO CIVL E PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL A PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. REQUISITO DA HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO DEMONSTRADO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. MÁ-FÉ. CARACTERIZAÇÃO. 1. Não comprovada a hipossuficiência do núcleo familiar, não faz jus a parte autora ao restabelecimento do benefício assistencial a portador de deficiência. 2. É devida a devolução de valores recebidos em decorrência do pagamento de benefício previdenciário quando ausentes os seus pressupostos e comprovada, pela prova dos autos, a má-fé do réu que recebeu indevidamente o auxílio-doença. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001218-73.2014.404.7134, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 23/05/2017)
Em face do exposto, é de ser mantida a sentença recorrida.
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18-03-2016 (data da vigência do CPC definida pelo Pleno do STJ em 02-04-2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do § 11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelação da parte autora improvida, nos termos da fundamentação.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/11/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5012874-95.2015.4.04.7003/PR
ORIGEM: PR 50128749520154047003
RELATOR | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. João Heliofar Villar |
APELANTE | : | BENEDITA DE CARLOS FELIPES |
ADVOGADO | : | CLOVIS PINHEIRO DE SOUZA JUNIOR |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/11/2017, na seqüência 611, disponibilizada no DE de 30/10/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO | |
: | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
| Documento eletrônico assinado por Suzana Roessing, Secretária de Turma, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9245457v1 e, se solicitado, do código CRC 60D3A01C. | |
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