Apelação Cível Nº 5020246-26.2018.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: PEDRO FURQUIM PEREIRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora pretende a concessão de benefício assistencial à pessoa deficiente, a contar da data do requerimento administrativo, formulado em (06/04/2017).
Sentenciando em 20/07/2018, o MM. Juiz julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos:
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido na inicial, conforme fundamentação acima e por consequência, julgo extinto o presente feito, com resolução de mérito, com fulcro no artigo 487, I, do CPC/2015.
Ante a sucumbência, condeno a autora ao pagamento das custas processuais e ao pagamento dos honorários advocatícios do patrono do réu, que arbitro em um salário mínimo, restando suspensa sua exigibilidade, nos termos do artigo 98 § 3º CPC/2015.
O feito não se submete ao reexame necessário nos termos do artigo 496, § 3º do CPC/2015.
O autor apela, sustentando que a sentença desconsiderou o contexto fático em que se insere os portadores do vírus HIV. Afirma que é indispensável a análise criteriosa das condições de sobrevivência e do contexto sociocultural onde está inserido, verificando as chances de inserção social existentes para o soropositivo, diante da descriminação sofrida pelos portadores do vírus. Para demonstrar a condição degradante em que vive com a esposa e filho, aponta a renda familiar em torno de R$153,00, conforme cadastro de família baixa renda. Requer a reforma da sentença e a concessão do benefício assistencial.
Decorrido o prazo para as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
CASO CONCRETO
Conforme sentença, o MM. Juiz a quo decidiu:
(...)
Para verificar o requisito da incapacidade foi realizada perícia médica judicial (evento 55.1), da qual se extrai:
“Trata-se de periciado de 42 anos apresentando infecção pelo virus HIV CID B24. A infecção pelo virus HIV causa inicialmente um quadro agudo com diminuição da eficiência do sistema imune em reconhecer e combater bactérias, fungos ou virus. Com o uso dos medicamentos e acompanhamento médico adequado, há uma fase assintomática com diminuição do numero de virus circulante (carga viral) e aumento das células CD4 responsáveis pelo controle do sistema imune. No caso do autor, observa-se niveis acima de 350 na grande maioria do tempo com flutuação da carga viral, mas sem sinais de imunodeficiencia clinica, não sendo assim possível concluir por incapacidade laboral.”
Respondendo aos quesitos formulados, o perito judicial concluiu que a demandante não apresenta incapacidade para a vida independente. Segundo concluiu o expert, embora o requerente seja portador do vírus do HIV, não possui limitações e assim, não se enquadra no artigo 20 da Lei 8.742/93.
No caso dos autos, as conclusões exaradas no laudo pericial são contundentes em apontar que o autor não preenche os requisitos previstos no art. 20 da Lei 8.742/93.
Assim, não restou atendida a exigência estabelecida no art. 20 da Lei 8,742/93, razão pela qual a realização de estudo social para análise do requisito econômico – renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo – por si só, não enseja o recebimento do benefício pleiteado. Faz-se necessário o preenchimento de ambos os requisitos: deficiência ou incapacidade de longo prazo e renda.
(...)
Analisando o processo, verifico que não houve a realização do estudo socioeconômico, restando insuficiente a instrução.
Para o pedido de benefício assistencial é necessária a verificação das condições sociais para sua concessão. Mais ainda no que diz respeito à demonstração do processo de estigmatização a comprometer a participação do indivíduo na sociedade.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. FUNGIBILIDADE ENTRE OS BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE. POSSIBILIDADE. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PORTADOR DE HIV. CONDIÇÕES PESSOAIS E HIPOSSUFICIÊNCIA DEMONSTRADAS. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Ainda que em oposição ao laudo pericial, concede-se o benefício assistencial ao portador de HIV, mesmo sem apresentar sintomas, quando sua recolocação no mercado de trabalho mostrar-se improvável, considerando-se as suas condições pessoais e o estigma social da doença, capaz de diminuir consideravelmente as suas chances de obter ou de manter um emprego formal. 2. Demonstrada a deficiência e a hipossuficiência do núcleo familiar, merece reforma a sentença de improcedência da ação, com a condenação do INSS a conceder o benefício assistencial. Termo inicial a partir do requerimento de auxílio-doença. 3. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 5001151-79.2016.4.04.7121, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 06/08/2018)
Acerca da estigmatização da doença, é necessária a produção de alguma prova, documental ou testemunhal, ou mesmo que se colham indícios de que a parte autora esteja sofrendo discriminação pela doença.
É evidente a ocorrência de cerceamento de defesa, ao não ter sido oportunizado ao autor demonstrar todos os fatos que servem de amparo ao seu direito.
Ademais, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região - TRF4, em reiterados julgados, manifestou-se pela necessidade de instrução processual, em casos análogos:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. INCAPACIDADE. CRITÉRIO ECONÔMICO. NOVA PERÍCIA MÉDICA. ESTUDO SOCIAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. O benefício assistencial é devido à pessoa portadora de deficiência que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Tratando-se de requerente portador do vírus HIV, impõe-se a realização de perícia médica com infectologista a fim de avaliar existência de impedimento de longo prazo segundo o critério legal do art. 20, §§ 2º e 10, da Lei nº 8.742/1993, bem como de estudo social para verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença. 3. Baixa dos autos em diligência para a realização de nova perícia médica e perícia socioeconômica destinada à verificação detalhada das condições de vida da requerente. . (TRF4, AC 5060677-39.2017.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 03/10/2018)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RESTABELECIMENTO. REQUISITO ECONÔMICO. AUSÊNCIA DE ESTUDO SOCIAL. NULIDADE DA SENTENÇA. 1. É nula a sentença que deixa de suspender o processo cujo julgamento de mérito dependa de verificação do fato ou produção de certa prova. 2. Hipótese em que a sentença foi anulada para determinar a reabertura da instrução, com a realização de estudo social após intimação pessoal do curador da parte autora. (TRF4, AC 5062597-48.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 07/05/2018)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS. AUSÊNCIA DE ESTUDO SOCIAL. SENTENÇA ANULADA. Imprescindível a realização de estudo social visando a aferir o cumprimento do requisito de miserabilidade necessário à outorga do benefício assistencial. (TRF4, AC 5001269-69.2017.4.04.7202, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator JOSÉ ANTONIO SAVARIS, juntado aos autos em 18/07/2018)
Pelo exposto, a sentença deve ser anulada, pois é necessário laudo socioeconômico, detalhando: quem efetivamente vive na casa da parte autora, se pagam aluguel, referindo os gastos mensais da família com água, luz, alimentação, medicamentos; quem trabalha no grupo familiar, e o valor salarial de cada um; se recebem auxílio de parentes ou algum benefício; e demais informações que o assistente social entender cabível, para verificação do risco social.
CONCLUSÃO
De ofício, anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, para que seja reaberta a instrução com a realização de laudo socioeconômico.
Prejudicada a análise do recurso.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por anular a sentença.
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Apelação Cível Nº 5020246-26.2018.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: PEDRO FURQUIM PEREIRA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIV. ESTIGMA SOCIAL. INCAPACIDADE NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE ESTUDO SOCIOECONÔMICO. CERCEAMENTO DE DEFESA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO.
1. Mostrando-se necessário o aprofundamento das investigações acerca das condições socioeconômicas do segurado, impõe-se a realização do estudo social.
2. Acometido o segurado de infecção assintomática pelo vírus HIV, diante da ausência de incapacidade, o direito ao benefício poderá ser reconhecido caso seja comprovado preconceito e discriminação, os quais, associados a outros fatores, impeçam ou reduzam o exercício de atividade laboral remunerada.
3. A não realização de perícia social requerida com o objetivo de comprovar todos os fatos que servem de amparo ao seu direito, consiste em cerceamento de defesa, devendo a sentença ser anulada, com a reabertura da instrução processual.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular a sentença, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 16 de julho de 2019.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001174518v6 e do código CRC c44b54d5.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 16/07/2019
Apelação Cível Nº 5020246-26.2018.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUSTENTAÇÃO ORAL: JOÃO MORAIS DO BONFIM por PEDRO FURQUIM PEREIRA
APELANTE: PEDRO FURQUIM PEREIRA
ADVOGADO: JOÃO MORAIS DO BONFIM (OAB PR021436)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 16/07/2019, na sequência 220, disponibilizada no DE de 01/07/2019.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ, DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR A SENTENÇA. DETERMINADA A JUNTADA DO VÍDEO DO JULGAMENTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI
SUZANA ROESSING
Secretária
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